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Retroatividade da lei tributária interpretativa

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26/11/2007 às 00:00
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As leis interpretativas e seu pretenso efeito retroativo deverão respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, em reverência à segurança jurídica.

Resumo

Este trabalho trata da questão da lei tributária interpretativa e seu efeito retroativo, analisando sua constitucionalidade, natureza, características e efeitos no ordenamento jurídico e na vida prática dos sujeitos da relação obrigacional tributária. Trata também da Lei Complementar n° 118 de 09 de fevereiro de 2005, que a pretexto de "interpretar" o disposto no artigo 168, inciso I do Código Tributário Nacional, alterou substancialmente regras prescricionais e de cobrança do crédito tributário, originando diversas divergências jurídicas. O presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar que as chamadas leis interpretativas, e seu pretenso efeito retroativo, deverão ser utilizadas em perfeita consonância com o ordenamento jurídico, cumprindo sua finalidade de aclarar outra norma que prescinda de tal tratamento, respeitando, assim, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, em reverência à segurança jurídica.

Palavras-chaves: Lei tributária interpretativa. Efeito Retroativo. Princípio da Irretroatividade. Segurança Jurídica.


INTRODUÇÃO

O assunto a ser abordado no presente trabalho de conclusão de curso versará sobre a retroatividade da lei tributária interpretativa, situação excepcional prevista pelo artigo 106, I, do Código Tributário Nacional [01], analisando todos os seus efeitos e conseqüências, tanto no ordenamento jurídico, como na vida prática dos contribuintes.

Como se sabe, em regra, a norma jurídica projeta sua eficácia para o futuro. Assim, o fato regula-se juridicamente pela lei em vigor na época de sua ocorrência, não devendo se falar em aplicação retroativa da lei. Pode-se dizer que esta é a regra geral do direito intertemporal.

Todavia, haverá situações, em que a lei, expressamente, poderá reportar-se a fatos pretéritos, modificando seus efeitos jurídicos, elidindo a incidência da lei anterior.

A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da irretroatividade relativa da lei ao determinar que esta não atingirá o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e coisa julgada (art. 5º XXXVI); ou mesmo quando prevê que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" (art. 5º XXXIX).

No que diz respeito à matéria tributária, a Constituição proíbe a cobrança de tributos em relação "a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado" (art. 150, III, "a"). Por outro lado, diz o art. 106, I, do Código Tributário Nacional que a lei aplica-se ao ato ou fato pretérito, ou seja, ocorrido antes do início de sua vigência, em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, ressalvando a aplicação de penalidade pela infração dos dispositivos interpretados.

Com efeito, iremos avaliar a possível constitucionalidade da Lei Complementar nº 118 de 09 de fevereiro de 2005, que a pretexto de "interpretar" o disposto no artigo 168, inciso I do Código Tributário Nacional, alterou substancialmente regras prescricionais e de cobrança do crédito tributário, originando diversas divergências jurídicas, além de analisar o entendimento dos tribunais pátrios quanto à matéria.

Assim, far-se-á necessário analisar a natureza, características e efeitos das leis interpretativas, avaliando suas conseqüências no ordenamento jurídico e na vida prática dos sujeitos da relação obrigacional tributária, destacando as alterações provocadas pela Lei Complementar nº 118/2005.


1. O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

Antes, porém, de aventarmos a questão principal deste trabalho, cumpre abordamos um tema fundamental, qual seja, o princípio da irretroatividade, importante instituto para a consolidação e segurança das relações jurídicas.

Nas palavras do renomado mestre Hugo de Brito Machado [02]:

Como expressão do princípio da segurança jurídica a irretroatividade é preceito universal. Faz parte da própria idéia do Direito. Ocorre que o legislador poderia, por razões políticas, elaboras leis com cláusulas expressas determinando sua aplicação retroativa. Então, para tornar induvidosa a desvalia de tais retroativas e para dar segurança jurídica, erigiu-se este princípio em norma da Lei Maior, segundo a qual é vedada a cobrança de tributos ‘em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado.

O princípio da irretroatividade está intimamente atrelado ao valor da segurança jurídica, e, conseqüentemente, à estabilidade dos direitos subjetivos [03]: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. É o princípio constitucional geral de que a lei nova não pode vir a prejudicar direitos já adquiridos e atos jurídicos já aperfeiçoados, ou seja, é o mesmo que dizer que o tempo rege o fato.

No Brasil, tem-se notícia que o princípio da irretroatividade da lei tem caráter constitucional desde a Constituição do Império, de 1824. Como bem ressaltou Carlos Velloso [04], em seu intitulado trabalho "O Princípio da Irretroatividade da Lei Tributária", a presença do princípio da irretroatividade, em respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, em status constitucional, é uma das características das constituições republicanas. Em um único momento na história das constituições brasileiras o princípio da irretroatividade não foi prestigiado, a Carta Política de 1937. Motivo mais do que compreensível, visto que surgia ali a ditadura do Estado Novo.

No que tange ao Direito Constitucional Comparado, registra-se que a primeira Constituição que tratou do tema foi a norte-americana de 1787, que proibiu expressamente que fossem votadas leis com efeito retroativo [05].

Para efeito de informação, vislumbra-se que são pouquíssimos os países que possuem o princípio da irretroatividade com status constitucional. Carlos Velloso [06] destaca que apenas as Constituições americana, brasileira, mexicana e norueguesa tratam expressamente do tema.


2. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA

O princípio da irretroatividade da lei tributária é corolário do princípio constitucional geral de que a lei nova não pode vir a prejudicar direitos já adquiridos e atos jurídicos aperfeiçoados (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI).

Encontra-se expresso no art. 150, III, alínea "a", da Constituição Federal, fazendo parte do rol dos princípios limitadores ao poder de tributar do Estado. Conforme disposto no mencionado dispositivo, fica estabelecida proibição da cobrança de tributo em relação a fato gerador ocorrido antes da vigência da lei que o institui ou o majora. João Marcelo Rocha [07] entende que, mesmo não estando expressamente na Constituição, aplica-se o princípio nos casos em que a lei venha a reduzir o tributo.

Segundo Sacha Calmon [08], a irretroatividade da lei fiscal, salvo quando interpretativa ou para beneficiar, é princípio geral de direito do Direito, sendo que não seria de fundamental importância que o legislador constituinte o mencionasse na parte das vedações ao poder de tributar.

Em que pese o fato de o princípio da irretroatividade tributária estar expresso na Constituição Federal, entende Luciano Amaro que o texto constitucional não foi feliz em mencionar fatos geradores. Assevera que fato anterior à vigência da lei que institui o tributo não é gerador, haja vista que somente se pode falar em fato gerador anterior à lei quando esta aumente tributo. Assim, finaliza concluindo que "[...] a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua sendo não-gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a lei da época de sua ocorrência". [09]

Ademais, o ilustre autor analisa o princípio da irretroatividade da lei tributária sob três óticas: a) redução ou dispensa do pagamento do tributo; b) criação ou aumento do tributo; c) e a possibilidade da retroatividade da lei tributária interpretativa. [10]

Primeiramente, quanto à possibilidade da lei de reduzir ou dispensar o pagamento do tributo em relação a fatos do passado, afirma que essa possibilidade somente poderia ocorrer de maneira expressa e cautelosa, respeitando o princípio da igualdade.

No âmbito da criação ou aumento do tributo, torna-se imperiosa a aplicação do princípio. A lei não poderá retroagir, aplicando-se tão somente a fatos futuros, ou seja, posteriores ao momento de entrada em vigor da lei nova. Caso contrário (atingindo fatos passados) estará incorrendo em inconstitucionalidade, por ferir o princípio irretroatividade da lei criadora ou majoradora do tributo.

Com efeito, cabe trazer à colação o seguinte posicionamento de Paulo de Barros Carvalho [11]:

[...] o enunciado normativo que protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conhecido como princípio da irretroatividade das leis, não vinha sendo, é bom que se reconheça, impedimento suficientemente forte para obstar certas iniciativas de entidades tributantes, em especial a União, no sentido de atingir fatos passados, já consumados no tempo, debaixo de plexos normativos segundos os quais os administrados orientaram a direção de seus negócios.

Quanto à questão da retroatividade da lei tributária, deixaremos para discorrer mais à frente, quando trataremos das questões centrais desse trabalho.

Hugo de Brito Machado [12] ventila a hipótese em que o fato gerador se tenha iniciado, mas não esteja consumado. Portanto, neste caso, ele estaria pendente. Assevera que a lei nova aplica-se aos fatos geradores pendentes, ocorrendo principalmente com os tributos que possuem o fato gerador continuado. Como exemplo o autor cita o imposto de renda. Ressalvando as hipóteses em que há incidência na fonte, ressalta que só no final do denominado "ano-base", se considera consumado, completo, o fato gerador do imposto de renda. Destarte, afirma que se antes disto surge uma lei nova, ela se aplica imediatamente.

Ressalta, ainda, que embora alguns tributaristas entendam que o imposto de renda deve ser regulado por lei em vigor antes do período ano-base respectivo, tal entendimento não tem sido aceito pelo Supremo Tribunal Federal.

Entendemos que, em respeito ao princípio da irretroatividade, e consequëntemente à segurança jurídica, no caso do imposto de renda, a lei nova que agrava o ônus do contribuinte somente deve ser aplicada aos fatos ainda não iniciados. Portanto, a lei nova que aumenta os encargos dos contribuintes somente deve ser aplicada no ano seguinte ao de sua publicação.

Finalmente, em matéria de tributária, o princípio da irretroatividade opera de forma absoluta quando se pretende instituir, majorar ou reduzir tributo, resguardando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

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2.1 Irretroatividade e direito adquirido no ordenamento jurídico brasileiro.

De modo geral, pode-se afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro admite a retroatividade da lei. Portanto, desde que a lei não viole o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, não há problema em se falar em retroatividade.

Analisaremos a questão do ponto de vista do direito adquirido.

Vislumbra-se que o conceito de "direito adquirido", como um bem que se integrou ao patrimônio de seu titular, não possui maiores controvérsias. Assim, ou se realizaram as condições impostas por lei para aquisição e, portanto, o plexo, situações ou status se integram ao patrimônio do titular. No caso de não se realizarem, não há que se falar em direito adquirido [13].

Alexandre de Moraes [14] entende que em nosso ordenamento positivo inexiste definição constitucional de direito adquirido, uma vez que o conceito ajusta-se à concepção que dá o próprio legislador ordinário, a quem assiste a prerrogativa de definir, normatividade, o conteúdo evidenciador da idéia de situação jurídica definitivamente consolidada.

Nesse sentido, o direito adquirido, na lição de Celso Bastos [15]:

[...] constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constante mutação; o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entretanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra.

Com efeito, cumpre ressaltar o seguinte ensinamento de Carlos Velloso [16],

[...] o direito se origina de do fato nasce o direito adquirido de uma relação fático-jurídica, fato-direito objetiva. O direito se origina do fato, nasce o direito subjetivo de uma relação fático-jurídica, fato-direito objetivo. O legislador escolhe um fato e faz incidir sobre ele uma norma. Desta incidência pode nascer o direito subjetivo. Nascido, então, o direito subjetivo sob o pálio de uma lei, ele é intocável, vale dizer, o legislador não pode desfazê-lo.

Pode-se dizer que os fatos são simples ou são complexos. Quando são simples não há maiores discussões, uma vez que se constituem de um só acontecimento, ficando claro o direito subjetivo e o direito adquirido. No que tange aos fatos complexos, composto de vários acontecimentos, a questão se põe de forma mais complicada, haja vista que enquanto todos esses acontecimentos não ocorrerem, o fato não estará aperfeiçoado. Portanto, enquanto o fato não se exaurir, há apenas uma mera expectativa de direito, certo que cada um desses acontecimentos deve reger-se pela lei então vigente, ou seja, tempus regit actum.

Tem-se que o ordenamento brasileiro, no tocante ao direito adquirido, sofreu grande influência da teoria subjetivista de Gabba. Tanto a Lei de Introdução ao Código Civil [17], como a Constituição, no seu art. 5º, XXXVI, adotam a teria subjetivista [18].

Carlos Velloso afirma que para Gabba [19], em sua obra Teoria della retroatività delle leggi, é direito adquirido:

[...] o direito que é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato foi consumado, embora ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o mesmo direito, e que nos termos da lei nova sobre o mesmo direito, e que nos termos da lei sob cujo império se tabulou o fato do qual se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu. Não obstante a crítica de Planiol, Bonnecase, Duguit, Jéze, Roubier, Chironi, Ferrara, Ruggiero, a doutrina de Gabba predominou, conforme se verifica das obras de Baudry-Lacantineire, Jossenrand, Loborde-Lacoste, Sebatier, Trabucchi e Von Tuhr.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou inúmeras vezes acerca da irretroatividade da lei e do direito adquirido, consolidando que "[...] o disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre direito público e privado, ou entre lei de ordem pública ou lei dispositiva." [20]

Quanto à questão da irretroatividade e das normas de ordem pública, não obstante o posicionamento de ilustres autores como Carvalho Santos e Clóvis Beviláqua [21] no sentido do efeito retroativo daquelas, entendemos que Carlos Velloso tem razão. Segundo o ilustre autor, as normas de ordem pública têm efeito imediato, porém, devem respeitar o princípio da Irretroatividade. Esse é, também, o posicionamento de Pontes de Miranda [22].

Um Estado para ser considerado de Direito deverá sujeitar-se à legalidade e à jurisdição. Como se sabe, a lei tem caráter de abstração, de generalidade, de impessoalidade, sempre aplicada para o futuro. Assim, "[...] aplicada com retroatividade, faz ruir o Estado de Direito". [23]

Cabe ressaltar que nos sistemas constitucionais que não conferem ao princípio da irretroatividade status constitucional, como já mencionado, é o Código Civil que irá dispor sobre a retroatividade da lei.

Conclui-se que nas ordens jurídicas que têm o princípio da irretroatividade como cânon constitucional, não se pode afirmar que as normas de ordem pública são retroativas. Mesmo que a lei possua efeito imediato, ela sempre deve respeito ao direito adquirido.


3. AS CHAMADAS LEIS INTERPRETATIVAS.

Após breve exposição acerca do princípio da irretroatividade, passemos a discorrer sobre as chamadas leis interpretativas, relevante aspecto para a compreensão do tema proposto.

O art. 106, I do Código Tributário Nacional [24], como já mencionado, prevê que a lei aplica-se a ato ou fato pretérito quando "expressamente interpretativa" excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.

A possibilidade de retroação da lei tributária interpretativa não é unânime na doutrina, tanto no tocante a sua existência no ordenamento jurídico, quanto no seu pretenso efeito retroativo. Com efeito, cabe ressaltar o raciocínio de Hugo de Brito Machado [25] que dizia:

Juristas autorizados afirmam que toda lei, mesmo que se afirme expressamente interpretativa, ou inova ou é inútil. Essa tese tem sido sustentada por tributaristas de grande expressão como doutrinadores, e tem inegável consistência, especialmente sob o enfoque da lógica formal.

Por outro lado, avalia que o art. 106, I do CTN não foi ainda declarado inconstitucional, de modo que continua integrando nosso ordenamento jurídico. Acolhe, portanto, a existência de leis meramente interpretativas, que não inovariam propriamente, mas apenas se limitariam a esclarecer dúvidas atinentes ao dispositivo anterior. Entretanto, ressalta que o Estado não pode valer-se de seu poder para legislar para alterar, em seu benefício, relações jurídicas já existentes.

Carlos Maximiliano sinaliza que a interpretação autêntica, realizada pelo próprio poder que criou o ato normativo, ou seja, o Legislativo, "arranha o princípio de Montesquieu", uma vez que "transforma o legislador em juiz; aquele toma conhecimento de casos concretos e procura resolvê-los por meio de uma disposição geral". Reforça que:

[...] se a lei tem defeitos de forma, é obscura, imprecisa, faça-se outra com caráter franco de disposição nova. Evite-se o expediente perigoso e retrógado, a exegese por via de autoridade, irretoquível, obrigatória para os próprios juízes; não tem mais razão de ser; coube-lhe preponderante outrora, evanescente hoje. [26]

Nessa linha de pensamento é o escólio do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Mário da Silva Velloso [27], que trouxe importantes reflexões em seu artigo "O princípio da irretroatividade da lei tributária", vejamos:

A questão deve ser posta assim: se a lei se diz interpretativa e nada acrescenta, nada inova, ela não vale nada. Se inova, ela vale como lei nova, sujeita ao princípio da irretroatividade. Diz-se ela que retroage, incorre em inconstitucionalidade e, por isso, nada vale. Desta forma, não há falar, na ordem jurídica brasileira, em lei interpretativa com efeito retroativo.

Esse entendimento é esposado pelo Desembargador Federal Sergio Feltrion Corrêa, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, na obra coletiva "Código Tributário Nacional Comentado" (3ª Edição, p. 530).

Temos ainda lição do mestre Luciano Amaro [28], que em sua obra relata:

A doutrina tem-se dedicado à tarefa impossível de conciliar a retroação da lei interpretativa com o princípio constitucional da irretroatividade, afirmando que a lei interpretativa deve limitar-se a "esclarecer" o conteúdo da lei interpretada, sem criar obrigações novas, pois isso seria inconstitucional.

Segundo já afirmamos noutra ocasião, a lei "interpretativa" sofre todas as limitações aplicáveis às leis retroativas, e, portanto, é inútil.

Aliomar Baleeiro [29] só aceita a lei "realmente" interpretativa, a saber:

Apesar da cláusula "em qualquer caso", cremos que o texto se refere à lei realmente interpretativa, isto é, que revela o exato alcance da lei anterior, sem lhe introduzir gravame novo, nem submeter à penalidade por ato que repousou no entendimento anterior.

Em que pese toda a discussão relacionada às chamadas leis interpretativas, conforme já avaliou Hugo de Brito Machado, o art. 106, I do Código Tributário Nacional jamais foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, permanecendo válido e plenamente eficaz no ordenamento jurídico.

As normas fiscais interpretativas são aquelas com natureza predominantemente declaratórias de direitos já assegurados pelas normas anteriores, devendo, sempre, operar em favor da segurança jurídica, integrando-se com o sistema jurídico vigente. Portanto, o dispositivo nunca poderá ser utilizado de forma isolada.

Destarte, para a utilização do mencionado dispositivo, deverão ser analisadas, de forma criteriosa, as suas hipóteses justificadoras. Caso não fiquem comprovados os pressupostos de validade, restará caracterizado manifesto desvio de finalidade, além de inequívoca violação ao próprio art. 106, I do Código Tributário Nacional.

Mário Luiz Oliveira da Costa [30] chama atenção para a possibilidade das leis interpretativas virem a ser mal utilizadas. Acentua:

Como todas as demais normas, aquelas interpretativas estarão sempre sujeitas ao crivo do Poder Judiciário, inclusive, preliminarmente, ao exame de validade quanto ao próprio pressuposto de sua edição. Se o legislador qualificar, falsamente, a lei nova interpretativa, somente para lhe imprimir o desejo de feito retroativo, caberá ao Poder Judiciário afastar tal pretensão.

Sob outro enfoque, mesmo que as leis interpretativas tenham tão-somente a finalidade de "esclarecer" uma lei anterior, ela sempre inovará no mundo jurídico, visto que, após sua edição, "não mais haverá a obscuridade até então existente, restando explicitado o real conteúdo do dispositivo interpretado". [31]

Portanto, temos que, por inovar no mundo jurídico, as chamadas leis interpretativas são plenamente válidas quando tratarem, efetivamente, de norma regulando matéria que demandava tal providência. Demais disso, nunca poderão retroagir para prejudicar os contribuintes, haja vista os princípios constitucionais da irretroatividade e da segurança jurídica. Aliás, quanto a isso, inexistem divergências doutrinárias.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, entendendo ser perfeitamente aplicável o art. 106, I, do Código Tributário Nacional, desde que não venha a prejudicar os contribuintes. Nesse sentido, cabe trazer à colação os seguintes julgados:

TRIBUTÁRIO. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES (SIMPLES). APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.

1. A lei tributária mais benéfica e aquelas meramente interpretativas retroagem, a teor do disposto nos incisos I e II, do art. 106, do CTN 2. O § 4º introduzido pela Lei n.º 9.528/97 no art. 9º, da Lei n.º 9.317/96, ao explicitar em que consiste "a atividade de construção de imóveis", veicula norma restritiva do direito do contribuinte, cuja retroatividade é vedada.

2. "Consoante o disposto no artigo 8º, parágrafo 2º da Lei n.º 9.317/96, a opção da pessoa jurídica pelo SIMPLES, submeterá a optante à esta sistemática, a partir do primeiro dia do ano-calendário subseqüente." (REsp n.º 329892/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 05.11.2001)

3. Recurso especial improvido. [32]

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. INSUMOS. ISENÇÃO. CREDITAMENTO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. LEI Nº 9.779/99.

1. Até que seja totalmente implementada a Reforma Tributária e criado o IVA – Imposto sobre o Valor Agregado (o que ocorrerá somente em 2007), valerá a regra da não-cumulatividade, que encontra assento constitucional.

2. A Lei nº 9.779/99, por força do assento constitucional do princípio da não-cumulatividade, tem caráter meramente elucidativo e explicitador. Apresenta nítida feição interpretativa, podendo operar efeitos retroativos para atingir a operações anteriores ao seu advento, em conformidade com o que preceitua o artigo 106, inciso I, do Código Tributário Nacional, segundo o qual "a lei se aplica a ato ou fato pretérito" sempre que apresentar conteúdo interpretativo.

3. Se a Lei nº 9.779/99 apenas explicita uma norma constitucional que é auto-aplicável (princípio da não-cumulatividade) não há razão lógica, nem jurídica, que justifique tratamento diferenciado entre situações fáticas absolutamente idênticas, só porque concretizada uma antes e outra depois da lei.

4. Recurso especial improvido. [33]

Ademais, é manifestação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal que as leis interpretativas não são inconstitucionais:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA PROVISORIA DE CARÁTER INTERPRETATIVO - LEIS INTERPRETATIVAS - A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DE LEIS DE CONVERSAO POR MEDIDA PROVISORIA - PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE - CARÁTER RELATIVO - LEIS INTERPRETATIVAS E APLICAÇÃO RETROATIVA - REITERAÇÃO DE MEDIDA PROVISORIA SOBRE MATÉRIA APRECIADA E REJEITADA PELO CONGRESSO NACIONAL - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - AUSÊNCIA DO "PERICULUM IN MORA" - INDEFERIMENTO DA CAUTELAR. - E PLAUSÍVEL, EM FACE DO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, O RECONHECIMENTO DA ADMISSIBILIDADE DAS LEIS INTERPRETATIVAS, QUE CONFIGURAM INSTRUMENTO JURIDICAMENTE IDONEO DE VEICULAÇÃO DA DENOMINADA INTERPRETAÇÃO AUTENTICA. – AS LEIS INTERPRETATIVAS - DESDE QUE RECONHECIDA A SUA EXISTÊNCIA EM NOSSO SISTEMA DE DIREITO POSITIVO - NÃO TRADUZEM USURPAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS DO JUDICIARIO E, EM CONSEQUENCIA, NÃO OFENDEM O POSTULADO FUNDAMENTAL DA DIVISAO FUNCIONAL DO PODER. - MESMO AS LEIS INTERPRETATIVAS EXPOEM-SE AO EXAME E A INTERPRETAÇÃO DOS JUIZES E TRIBUNAIS. NÃO SE REVELAM, ASSIM, ESPÉCIES NORMATIVAS IMUNES AO CONTROLE JURISDICIONAL. - A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DE LEIS DE CONVERSAO POR MEDIDA PROVISORIA EDITADA PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA. - O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE "SOMENTE" CONDICIONA A ATIVIDADE JURÍDICA DO ESTADO NAS HIPÓTESES EXPRESSAMENTE PREVISTAS PELA CONSTITUIÇÃO, EM ORDEM A INIBIR A AÇÃO DO PODER PÚBLICO EVENTUALMENTE CONFIGURADORA DE RESTRIÇÃO GRAVOSA (A) AO "STATUS LIBERTATIS" DA PESSOA (CF, ART. 5. XL), (B) AO "STATUS SUBJECTIONAIS" DO CONTRIBUINTE EM MATÉRIA TRIBUTARIA (CF, ART. 150, III, "A") E (C) A "SEGURANÇA" JURÍDICA NO DOMÍNIO DAS RELAÇÕES SOCIAIS (CF, ART. 5., XXXVI). - NA MEDIDA EM QUE A RETROPROJEÇÃO NORMATIVA DA LEI "NÃO" GERE E "NEM" PRODUZA OS GRAVAMES REFERIDOS, NADA IMPEDE QUE O ESTADO EDITE E PRESCREVA ATOS NORMATIVOS COM EFEITO RETROATIVO. - AS LEIS, EM FACE DO CARÁTER PROSPECTIVO DE QUE SE REVESTEM, DEVEM, "ORDINARIAMENTE", DISPOR PARA O FUTURO. O SISTEMA JURÍDICO- CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, CONTUDO, "NÃO" ASSENTOU, COMO POSTULADO ABSOLUTO, INCONDICIONAL E INDERROGAVEL, O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. - A QUESTÃO DA RETROATIVIDADE DAS LEIS INTERPRETATIVAS. [34]

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Sobre o autor
Thiago Figueiredo de Lima

bacharel em Direito em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Thiago Figueiredo. Retroatividade da lei tributária interpretativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1608, 26 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10698. Acesso em: 24 abr. 2024.

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