Capa da publicação Revisão de ofício do lançamento tributário
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O conteúdo e alcance do art. 146 do CTN

27/02/2024 às 17:35
Leia nesta página:

O que autoriza a revisão de ofício do lançamento tributário? Examina-se a divergência entre tribunais sobre a matéria.

Dispõe o art. 146 do CTN: 

“A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”

O dispositivo sob comento firma como regra a imodificabilidade do lançamento após sua notificação ao sujeito passivo.

Realmente, se o fisco pudesse, após notificação do lançamento, reanalisar o caso e proceder à sua modificação para conferir maior vantagem ao erário estaríamos diante de uma situação idêntica à mudança de critério jurídico então adotado pela autoridade no exercício do lançamento. A reinterpretação do texto normativo que ensejou o lançamento só poderá ser feita em relação ao mesmo contribuinte quanto ao fato gerador ocorrido posteriormente à mudança de critério interpretativo. Essa mudança tem o mesmo sentido de alteração legislativa que não pode retroagir. Na eventualidade de o agente administrativo competente ter lançado um valor menor do que resulta da lei, depois de notificado o sujeito passivo, não é dado ao fisco alterar o lançamento. O princípio da vinculação da administração a seus próprios atos impede essa revisão, pois esse princípio vincula a administração até mesmo no erro.  Ressalva-se a hipótese  de erro aritmético na soma de valores, caso em que o lançamento poderá ser retificado, devolvendo-se o prazo de impugnação ao sujeito passivo.

Dessa forma, o dispositivo sob comento tem embasamento no princípio da legalidade que propicia a previsibilidade e a segurança jurídica que dela decorre.

Entretanto, o art. 149 do CTN abre exceções à revisão do lançamento nas hipóteses mencionadas:

“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

I – quando a lei assim o determine;

II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;

III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; 

IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;

V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;

VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;

VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade essencial.

Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública”. 

Convém assinalar, desde logo,  que de conformidade como o parágrafo único do art. 149 a revisão só poderá ter início enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública pela superveniência da decadência.

Examinemos a hipótese do inciso VIII que é a mais freqüente e muito mal interpretado pelo fisco.

 Esse inciso permite a revisão do lançamento se ocorre fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento. Aqui o que fundamenta a revisão de ofício em qualquer modalidade de lançamento é tão somente por erro de fato, o desconhecimento da situação fática existente por ocasião do lançamento primitivo, ou não provada ao tempo do lançamento. Como antes examinada há aparente contradição da jurisprudência, ora autorizando a revisão com efeito retroativo, ora vedando essa revisão. Na realidade, não há conflito de jurisprudência ante os acórdãos divergentes, porque dependente de verificação em cada caso concreto se a autoridade administrativa que efetuou o lançamento tinha ou não conhecimento da situação fática. É comum o fisco municipal de São Paulo proceder ao desenquadramento do contribuinte sob o regime de SUP sob o fundamento de que a sociedade uniprofissional ostenta a palavra “Ltda” em seu contrato social, o que descaracterizaria a sociedade como prestadora de serviço em caráter pessoal. Se a autoridade administrativa já tinha conhecimento dessa situação e vinha aceitando o regime de SUP não pode ao depois promover seu desenquadramento retroativo a pretexto de que a aludida expressão está a demonstrar natureza comercial da sociedade uniprofissional. A revisão do lançamento nesse caso importa no reconhecimento de alteração no critério jurídico no exercício do lançamento e como tal vedada a sua aplicação retroativa.

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná há acórdãos acolhendo o lançamento retroativo e outros rejeitando esse lançamento retroativo em aparente contradição. Pela possibilidade de retroação de efeitos no ato de desenquadramento podem ser citados os seguintes Acórdãos: Ap. Civ. nº 1050019-43.2014.8.26.0053, Relator Des. Fortes Muniz, 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, DJ 07-02-2019; AI nº 2170408-34.2016.8.26.0000, Relator  Eurípedes Faim, 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, DJ 27-01-2017; Ap. Civ. nº 1482869-0, Relator Sergio Roberto Nobrega Rolanski, 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, DJ 08-11-2016. E pela  impossibilidade de retroação podem ser citados os seguintes acórdãos: Ap. Civ. nº 1014686-88.2018.8.26.0053, Relator Des. Ricardo Chimenti, 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, DJ 21-02-2019; Ap. Civ. nº 1.427.696-9, Relator Des. Rodrigo Otávio Rodrigues Gomes do Amaral, 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, DJ 08-03/2016; AI nº 2244754-19.2017.8.26.0000, Relator Des. Ricardo Chimenti, 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, DJ 17-07-2018; Ap. Civ. nº 1.200.788-4. Relator Des. J.J. Guimarães da Costa, 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,  DJ 04-11-2014; Ap. Civ. nº 0012954-36.2011.8.26.0053, Relatora Des. Monica Serrano, 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, DJ 09-12-2014.

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Para bem ilustrar a questão “do fato conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior” a que alude o inciso VIII, do art. 149 do CTN transcreve-se trechos de dois acórdãos relatados por um mesmo julgador em sentidos apostos:

 [...]

“Pelo que se depreende dos autos, houve alteração, de ofício, do critério jurídico do lançamento sobre o fato já conhecido.

Na verdade, mesmo sabendo que se tratava de sociedade constituída sob a forma de responsabilidade limitada dos sócios, a agravada não obstou o recolhimento do ISS pelo valor fixo.

Somente em 2016 houve o desenquadramento da agravante do regime especial, com efeitos retroativos a partir de 11.03.2004, data que teria passado a adotar a forma sociedade limitada, circunstância que, todavia, já era plenamente conhecida da agravada, conforme referido acima.

Daí, não se justifica, a princípio, a retroatividade do novo enquadramento para atingir fatos pretéritos ...”  (AI nº 2167841-59.2018.8.26.0000, Rel. Des. João Alberto Pezarini, J. em 28-02-2019). 

[...]

“Por outro lado, não se verifica qualquer irregularidade na cobrança retroativa do ISS.

Com efeito, pelo que se depreende da petição inicial, a apelante fora cadastrada perante a Prefeitura em 30.08.2004.

Inobstante, já no exercício de 2005, instaurou-se processo administrativo (nº 2005-0.067.435-0), por conta de fiscalização realizada pela Municipalidade em 21.12.2004 (fls. 362), que culminou com o desenquadramento de ofício da condição de sociedade sujeita ao regime especial de recolhimento desde 30.08.2004, conforme decisão administrativa proferida em agosto de 2009.

Nesse contexto, posto que a sua condição de sociedade uniprofissional estava sendo discutida administrativamente desde 2004, não se pode cogitar da constituição do crédito tributário segundo critérios anteriormente adotados, o que autoriza a aplicação retroativa do novo entendimento.

Por consequência, correta a aplicação das multas pela não apresentação de registros contábeis, tendo em vista o descumpimento de obrigação acessória.

Posto isso, nega-se provimento ao recurso.” (Ap. nº 0012954-36.2011.8.26.0053, Relator designado Des. João Alberto Pezarini, J. em 6-11-2014). 

Verifica-se uma aparente contradição nos trechos de dois Acórdãos relatados pelo mesmo Desembargador João Alberto Pezarini.

Na realidade houve correta aplicação do texto do art. 146 do CTN em ambos os casos. No primeiro caso o fundamento do desenquadramento motivado pela existência de expressão “Limitada” no contrato social da empresa era de pleno conhecimento desde o ano de 2004. Dessa forma incabível o desequadramento levado a efeito em 2016 com efeito retroativo para exigir a diferença do imposto ressalvados os impostos sob decadência.

No segundo caso havia pendência de processo administrativo instaurado em 2005, por conta da fiscalização efetuada pela Prefeitura que lavrou o AIIM em 30.08.2004. Ao ser decidido pelo desenquadramento seus efeitos retroagiram a 2004. Não há que se cogitar, neste caso, em mudança de critério jurídico no ato do lançamento. 

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. O conteúdo e alcance do art. 146 do CTN. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7545, 27 fev. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108151. Acesso em: 27 abr. 2024.

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