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A revolta das togas contra o acervo das execuções fiscais

28/02/2024 às 20:16
Leia nesta página:

Escolher o melhor meio de cobrar o crédito tributário é algo que está no mérito administrativo do próprio Executivo.

Seguindo o voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia, o Supremo entendeu no RE 1.355.208 (Tema 1.184) que os juízes podem extinguir ações de execução fiscal de baixo valor, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, pois o valor recuperado seria inferior ao custo da movimentação do aparato judicial, fixando, inclusive, requisitos para possibilitar seu ajuizamento, haja vista que não seria razoável sobrecarregar o Poder Judiciário com o prosseguimento de demandas que podem ser resolvidas por meios extrajudiciais de cobrança.

Vale mencionar que no leading case apreciado, o Município litigante possuía lei que determinava que os débitos com valor superior a R$200,00 (duzentos reais) seriam cobrados por execução fiscal, sendo a ação ajuizada para buscar um débito de R$528,41. O STF entendeu que o ente municipal não possuía interesse de agir, já que poderia cobrar a dívida por protesto da CDA, sem envolver a máquina da justiça.

Como sugestões de cobrança extrajudicial, o protesto da dívida não seria a única solução, os entes poderiam se utilizar das Câmaras de Conciliação para resolução das controvérsias.

Segundo o Presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, o tema é “o maior problema da justiça brasileira”:

De acordo com relatório feito pelo Conselho Nacional de Justiça, há 27,3 milhões de execuções fiscais pendentes, o que representa um terço de todos os processos judiciais do país. Em 2023, para cada 100 execuções fiscais que aguardavam solução, apenas 12 foram concluídas. O mesmo estudo apontou que esses processos levam, em média, 6 anos e 7 meses para acabar. O número elevado de execuções fiscais pendentes faz com que o Poder Judiciário seja mais lento para decidir todos os processos, além de não gerar melhora na arrecadação dos entes públicos

Nesse sentido, foi fixado as seguintes teses:

Tese de julgamento: “1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado.

2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida.

3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis”

Com relação a 1ª tese, é preciso se atentar que mesmo que o ente possua lei própria fixando o piso para o ajuizamento das execuções fiscais, caso esse valor seja ínfimo, o Judiciário poderá desconsiderá-lo e ainda assim extinguir os executivos fiscais, nesse sentido:

Por isso, a União, os Estados e os Municípios devem fixar em lei um valor mínimo (piso) para iniciar execuções fiscais que guarde relação com o custo de movimentação desses processos. Quando o ente público não fixar esse mínimo ou quando ele for muito baixo, o Judiciário pode definir o piso de ajuizamento a ser aplicado. Assim, o juiz pode encerrar as execuções fiscais iniciadas para a cobrança de débitos com baixo valor, com base nos princípios constitucionais da eficiência e da razoabilidade (art. 37, caput).1

O informativo divulgado à sociedade e o CNJ parecem ir na contramão da própria tese fixada, haja vista que o Tema 1.184 afasta a possibilidade de que Tribunais apliquem leis de entes diversos ou até mesmo Resoluções para fundamentar a extinção das execuções fiscais de valores tidos por irrisórios.

Nesse sentido foi a Portaria do CNJ definida no ato normativo 0000732-68.2024.2.00.0000, permitindo a extinção de execuções fiscais de valor inferior a dez mil reais:

Art. 1º É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente.

§1º Deverão ser extintas as execuções fiscais de valor inferior a R$10.000,00 (dez mil reais) quando do ajuizamento, em que não haja movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tenham sido localizados bem penhoráveis.

§2º Para aferição do valor previsto no §1º, em cada caso concreto, deverão ser somados os valores de execuções que estejam apensadas e propostas em face do mesmo executado.

Será necessário aguardar pelos próximos capítulos para saber se a competência constitucional de cada ente será realmente respeitada, ou se foi apenas, técnica argumentativa para se acalmar os ânimos no momento da fixação da tese, meras palavras ao vento.

Com relação a 2ª tese, apesar da falta de delimitação da abrangência da redação, pela falta de clareza, o Judiciário almeja condicionar como requisito para toda e qualquer execução fiscal, independente do valor, os novos pressupostos, nesse sentido foi o informativo divulgado à sociedade:

Como regra geral, antes de iniciar o processo de execução fiscal, o ente público precisa tentar cobrar a dívida por outros meios. Deve protestar a certidão de dívida ativa em cartório ou tentar uma solução amigável (conciliação) ou administrativa. Para não adotar essas medidas alternativas, o ente público precisa mostrar que elas não são adequadas ou eficientes para tentar recuperar o crédito. Isso pode ocorrer, por exemplo, na cobrança de débitos de valor muito alto ou de empresas que não estão mais funcionando.

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A fim de esclarecer e retirar a obscuridade que paira sobre a redação da tese, o Município litigante no Leading case já apresentou embargos declaratórios a fim de sanar a dúvida e delimitar, possivelmente, sua abrangência apenas para os casos de baixo valor.

O autor do presente artigo, apesar de concordar com o entendimento do Município, haja vista que pela interpretação sistemática, só se deve aplicar os requisitos/condicionantes para os casos de baixo valor, não possui quaisquer esperanças que o Supremo acatará.

Dando um banho de água fria nas esperanças, o CNJ fixou em sua portaria as condições/requisitos para se ajuizar toda e qualquer execução fiscal, independente do valor, nesse sentido:

Art. 2º O ajuizamento de execução fiscal dependerá de prévia tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa.

§1º A tentativa de conciliação pode ser satisfeita, exemplificativamente, pela existência de lei geral de parcelamento ou oferecimento de algum tipo de vantagem na via administrativa, como redução ou extinção de juros e multas, ou oportunidade concreta de transação na qual o executado, em tese, se enquadre.

§2º A notificação do executado para pagamento antes do ajuizamento da execução fiscal configura adoção de solução administrativa.

§3º Presume-se cumprido o disposto nos §§ 1º e 2º quando a providência estiver prevista em ato normativo do ente exequente.

Art. 3º O ajuizamento da execução fiscal dependerá, ainda, de prévio protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida

Parágrafo único. Pode ser dispensada a exigência do protesto nas seguintes hipóteses, sem prejuízo de outras, conforme análise do juiz no caso concreto:

I – comunicação da inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados cadastrados relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres;

II – Existência da averbação, inclusive por meio eletrônico, da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora; ou

III – indicação, no ato de ajuizamento da execução fiscal, de bens ou direitos penhoráveis de titularidade do executado;

Não se contentando apenas com “legislar”, o CNJ com o apoio do Supremo ainda foram além, não dando qualquer prazo de adaptação, prejudicando, milhares de Municípios pequenos pelo fato surpresa da nova interpretação e “legislação” regulando o tema, ofendendo o art. 23 da lindb:

Art. 23.  A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.    

Nessa toada, o Judiciário local em diversas localidades já se prepara para aplicação da tese repetitiva de forma automática, almejando a extinção em massa do seu acervo de executivos fiscais.

Apesar das ferrenhas críticas ao embasamento que levou a essa interpretação, escolher o melhor meio de cobrar o crédito tributário é algo que está no mérito administrativo do próprio Executivo. A Administração pode remir o débito, como também lhe cabe, dentro de sua margem de discricionariedade, escolher o meio que achar mais exitoso para cobrança. Não cabe ao Judiciário extinguir ou forçar outras vias, em observância ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Pensando nisso, de forma a auxiliar outros Município que passam pela mesma situação: como proceder com os executivos fiscais perante o novo entendimento do STF?

Sugere-se a tomada de providência em 3 frentes: judiciária, administrativa e legislativa.

No campo judicial, sugere-se a continuidade do ajuizamento normal das ações exacionais, solicitando ao juízo a suspensão dos executivos fiscais por 6 meses, nos termos do art. 313, II, do CPC, até adaptação das soluções administrativas e visando evitar prescrições, entendimento fixado na própria tese do Supremo;

No campo administrativo, a instituição de convênios entre a Prefeitura e os Cartórios de Protesto de Títulos para habilitar o protesto das CDAs; a notificação extrajudicial aos devedores antes do ajuizamento para solução administrativa perante a Administração;

No campo legislativo, a criação de Câmaras de Conciliação de Tributos Municipais, regulamentações de REFIS, possibilitando a transação tributária de juros, multa, correção, bens penhoráveis de interesse público, etc.

Como se pôde perceber, a ânsia para reduzir o acervo nos Tribunais foi maior que o próprio interesse público para o debate de uma solução conjunta, realmente, eficaz com os entes públicos sobre a operacionabilidade dos executivos fiscais e as dívidas de pequeno valor, no qual, numa canetada deixou inúmeros municípios num tempo exíguo para se adaptarem a nova realidade.


  1. https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE1355208Tema1184extinodeexecuofiscaldebaixovaloreprotestodadvidaativarev.LC_AO_FSP.pdf

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Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Filipe Reis. A revolta das togas contra o acervo das execuções fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7546, 28 fev. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108523. Acesso em: 27 abr. 2024.

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