Artigo Destaque dos editores

O direito à imagem do Estado brasileiro

Leia nesta página:

O Estado brasileiro é titular do direito à imagem. Qualquer ofensa a esta imagem merece a devida resposta, pautada nos danos extrapatrimoniais e voltada ao amparo de toda a sociedade.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A PESSOA JURÍDICA COMO TITULAR DE DIREITOS FUNDAMENTAIS; 3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A PROTEÇÃO À IMAGEM ESTATAL; 4. CONCLUSÃO


1. INTRODUÇÃO.

Sublinhe-se, prima facie, a inegável necessidade de ser atribuída a devida importância à imagem do Estado Brasileiro, deixando consignado, desde já, que o direito à imagem encontra-se inserido no rol dos direitos fundamentais, merecendo, portanto, uma proteção preventiva e repressiva.

É de fácil percepção a disseminação de condutas ímprobas perpetradas por agentes públicos e por terceiros com estes conluiados. A corrupção atingiu níveis alarmantes e a imagem do Estado Brasileiro encontra-se deteriorada dentro dos três poderes da República.

É de relevo registrar que estes golpes à moralidade pública, mediante a prática de atos de improbidade, atingem substancialmente não só ao Estado, mas, também, a toda sociedade. É fundamental assegurar o direito à imagem do Estado, sua proteção e inserção permanente na relação dos direitos fundamentais. O operador do direito deve buscar elementos jurídicos capazes de contribuir para a diminuição das constantes condutas lesivas que tomam forma a cada dia, desvendando mecanismos capazes de resgatar a credibilidade do Estado, em especial, dentro da moderna ótica dos danos extrapatrimoniais.


2. A PESSOA JURÍDICA COMO TITULAR DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Sobre o tema, inevitáveis são os questionamentos, em especial, pelo fato de que historicamente os direitos fundamentais foram trabalhados como instrumento de limitação de poder e, nesse sentido, foram dirigidos normalmente contra a figura estatal e não a seu favor. Destarte, nesta análise, mister trazer a lume o caráter dual dos direitos fundamentais, isto é, sua perspectiva subjetiva e objetiva.

Ainda que autores de renome, por todos J.J. Canotilho [01], sustentem uma presunção em favor da prevalência da perspectiva subjetiva, esta entendida como o direito de defesa do particular contra os poderes estatais [02], isto não exclui a possibilidade de atribuir-se a titularidade dos direitos fundamentais às pessoas jurídicas, a partir da aceitação de sua perspectiva objetiva.

Assim, é possível empreender uma valoração dos direitos fundamentais sob o ângulo da pessoa jurídica, fornecendo a proteção necessária para os valores e fins que esta visa concretizar. Na verdade, com isto, confere-se proteção ao próprio indivíduo, podendo-se concluir, juntamente com Robert Alexy, que a dimensão objetiva do direito fundamental nada mais é que um reforço ao próprio direito fundamental subjetivo.

Aprofundando no tópico, forçoso analisá-lo sob a ótica da pessoa jurídica de direito público, in casu, o Estado Brasileiro.

Nessa freqüência, Canotilho [03] sustenta que em passagens da Constituição Portuguesa [04] não há qualquer diferenciação entre pessoas coletivas de direito privado e pessoas coletivas de direito público, sendo inconcebível a negação em todas as dimensões da capacidade das pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais, devendo ser aferida, isto sim, a compatibilidade da mesma com o direito fundamental postulado. Ainda na doutrina portuguesa, Vieira de Andrade e Nuno de Souza admitem que tais entes titularizem direitos fundamentais de natureza processual e procedimental. [05]

Em que pese a ausência de disposição expressa na Constituição Federal de 1988, no Brasil, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José Afonso da Silva, Celso Ribeiro Bastos, dentre outros ilustres juristas, defendem a possibilidade de extensão às pessoas jurídicas dos direitos fundamentais. Desta sorte, é razoável alargar esse conceito para atingir, também, as pessoas jurídicas de direito público.


3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A PROTEÇÃO À IMAGEM ESTATAL.

No que toca especificamente ao direito à imagem, há civilistas [06] que sustentam ser ontologicamente inconcebível atribuir a pessoa jurídica o direito à imagem, a considerar, sobretudo, sua natureza meramente abstrata. Em sentido contrário, outros [07] afirmam a possibilidade da pessoa jurídica ser titular do direito à imagem, em seu aspecto "imagem atributo".

Desta feita, deve-se ter em mente que os direitos fundamentais correspondem não apenas a situações jurídicas subjetivas, mas também a preocupações de índole coletiva, constantes de uma ordem objetiva de valores inserida na Constituição, sendo possível caminhar na defesa do direito fundamental à imagem do Estado e a conseqüente e necessária proteção contra os eventuais danos causados a esta imagem.

A dimensão objetiva dos direitos fundamentais situa-os como parâmetros objetivos de atuação do Estado e exige a sua observância não porque afetem individualmente seus titulares, mas porque correspondem a preocupações coletivas. Assim, a imagem do Estado deve ser considerada um bem coletivo a ser protegido, fazendo surgir, por exemplo, deveres de abstenção e de fazer para os agentes públicos, com o fito de preservação e proteção da imagem institucional.

Há que se demonstrar a importância da imagem do Estado dentro do sistema jurídico que encarna o Estado Democrático de Direito. O êxito das atividades desempenhadas pelo Estado relaciona-se diretamente com sua imagem e credibilidade. Uma sociedade incrédula é incapaz de manifestar o reconhecimento às ações desempenhadas pelo Estado nas suas diferentes searas de atuação.

Nos dizeres de Robert Alexy [08], o Estado constitucional democrático se caracteriza por seis princípios fundamentais que encontram inegável guarida na Constituição Alemã, dentre eles, os princípios relativos a estrutura e fins do Estado de Direito, democrático e social.

Pois bem, impossibilitado estará o Estado de realizar os fins a que se pretende se não estiver diante de uma sociedade que confie em sua conduta. Enfraquecida a imagem do Estado alanceado estará o próprio Estado Constitucional Democrático.

Robert Alexy, em sua obra "Teoria dos Direitos Fundamentais", sob um viés racional e científico, se propõe a investigar os conceitos, as estruturas e a influência dos direitos fundamentais no sistema jurídico, com fulcro, sobretudo, na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha.

Tendo como norte a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, examinando sua natureza como direitos de defesa e como direitos a prestações em sentido amplo, o renomado autor sustenta que a Constituição Alemã tem primariamente um caráter de Constituição Burguesa, orientada para os direitos de defesa, relegando ao oblívio os direitos a prestação. Contudo, assinala para diversos julgados do Tribunal Constitucional Alemão que abordam os direitos a prestações, segundo ele, divididos em três grupos: direitos de proteção, direitos procedimentais e direitos a prestações em sentido estrito, todos como direitos, prima facie, a ações positivas por parte do Estado.

Qualificam-se, deste modo, os direitos de proteção como aqueles oponíveis ao Estado, para que este proteja seu titular da intervenção de terceiros. Nesse prisma, é possível aduzir acerca da possibilidade do Estado se proteger da intervenção de terceiros, na qualidade de titular do direito fundamental. Avalia-se o contorno de uma "auto-proteção", uma vez que assim procedendo estará reflexamente protegendo os direitos individuais de todos os seus cidadãos, na medida em que o Estado pressupõe a existência de um povo.


4. CONCLUSÃO

Nessa trilha, é possível situar o direito fundamental da pessoa coletiva de direito público dentro da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, enfrentando o tema do direito à imagem do Estado, dentro da mesma perspectiva, acenando para a importância da prevenção e proteção desta imagem, com o fito de resgatar a credibilidade estatal junto à sociedade e reflexamente imbuir nas pessoas o senso de que o público lhes pertence e merece proteção por parte da coletividade.

Conclui-se, portanto, que a tábua axiológica de direitos fundamentais esculpida na Constituição Federal de 1988 confere ao direito à imagem expressa autonomia, ocupando posição distinta na relação dos direitos fundamentais. Dessarte, é razoável aduzir que o Estado Brasileiro é titular do direito à imagem, e, conseqüentemente, qualquer ofensa a esta imagem merece do mesmo estado a devida resposta, pautada nos danos extrapatrimoniais e voltada para o amparo de toda a sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Direito Democrático. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 217, p.67-79. 1999. 

______________.Teoria de los Derechos Fundamentales [Theorie der grundrechte]. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.

ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 1996
BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas - limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 8.ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

BARROSO, Luis Roberto. (Org.). A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

BASTOS, Celso. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3.ed., São Paulo: Celso Bastos, 2002.

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7ª edição. Forense, 2006.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

______________. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora da UnB/Editora Polis, 1990.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21. ed., São Paulo: Malheiros, 2007.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1982.

_____________. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 13. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

COELHO, Inocêncio M. Interpretação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 3ª ed., 2007.

DIAS, Jaqueline Sarmento. O direito à imagem. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2003.

_______________. Curso de direito constitucional. 33. ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15ºª ed. Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2006.

HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da república Federal da Alemanha. Tradução de Luíz Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

LENZ, Luís Alberto Thompson Flores. Dano moral contra a pessoa jurídica. In : Revista da Ajuris. Porto Alegre : [s.n.], n. 69, mar.1997. p. 415 – 427.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 5.ed, São Paulo: Saraiva, 2006.

______________. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos, 1998.

MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

MIRANDA, Jorge. Manual de direitos constitucional. Tomo IV. 3º edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2000.

_______________. Direitos Fundamentais e interpretação constitucional. Revista do Tribunal Regional Federal da 4. Região. Porto Alegre : [s.n.], ano 9, n. 30, 1998. p. 23 – 34.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SARMENTO, Daniel. Os direitos fundamentais nas relações particulares. 2.ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23.ed, São Paulo: Malheiros,

TEPEDINO, Gustavo, A tutela da personalidade no ordenamento civil constitucional brasileiro, em Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999.


Notas

01 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 152.

02 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução por Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 235.

03 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2.ed. Coimbra: Coimbra, 1993.p.386

04 Constituição Portuguesa, art. 12.

05 MIRANDA, 1993, p. 386

06 " La utla del diritoo all´immagine di cui agli artt.10c.c e 96 e ss.Ild.a non è nemmeno astrattament invocabile per le persone giuridiche. Il diritto previsto dalle norme sopra indicate há, infatti, per oggetto L´immanine fisica di uma persona che, mentre è inscindibilmente compenetrata nella persona física, è ontoloficamente inconcepibile per la persona giuridica per la sua natura di entità meramente astratta e di fictio iuris". (CIONTI, 1998, p.02)

" O papel de ´ser social´ só pode ser representado pelo homem; somente este é capaz de dedicar todas as suas capacidades para a realização de seus ideais. Somente o homem, a pessoa, concebe o ideal." (DIAS, 2000, p.20)

07 " A imagem-atributo, no entanto, não se limita á imagem do indivíduo, podendo ser interpretada ampliativamente, englobando a imagem da pessoa jurídica, inclusive de seus produtos e serviços." (ARAÚJO, 1996, p. 89)

" Por fim, são plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (novo Código Civil, arts. 40 e 45), fazem jus ao reconhecimetno de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra." (BITTAR, 2006, p.13.)

08 ALEXY, Robert. Los Derechos Fundamentales em el Estado Constitucional Democrático, trad. esp. de Afonso García Figueroa, Madrid, 1993, pág. 31.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓIS, Ewerton Marcus Oliveira. O direito à imagem do Estado brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1742, 8 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11131. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos