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A presunção de inocência e a negativa de registro de candidatura

01/06/2008 às 00:00
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Introdução

Vários tribunais eleitorais têm anunciado que rejeitarão – ou tentarão perpetrar esse absurdo – registros de candidaturas de cidadãos processados judicialmente. Um ministro do supremo tribunal federal opinou favoravelmente à prática, ainda que seja certa a chegada da questão ao tribunal guardião da constituição.

Essa tendência responde às demandas massificadas por maiores filtros de honestidade dos agentes políticos propriamente ditos, ou seja, daqueles que se submetem às eleições populares. Mas, tanto a tentativa do judiciário de responder a tal demanda, quanto a pressão desordenada da opinião pública refletem o baixo nível de atuação e de compreensão da dinâmica democrática no Brasil.

A eleição de representantes ímprobos, criminosos ou levianos é juridicamente impossível. Por outro lado, o afastamento do representante cuja improbidade, atuação criminosa ou politicamente inadequada deu-se durante o mandato encontra previsão legal.

As dificuldades dos processos, sejam judiciais, administrativos ou políticos, não são antecedentes legítimos para negar-se vigência à constituição, nem para se pretenderem atuações sumárias que se assemelham a linchamentos.

Há mecanismos para se apurarem infrações e para se formar a culpa. Não há, contudo, como se escapar da selvageria se todos puderem ser considerados culpados antes de uma decisão transitada em julgado.


A garantia

As conclusões a que se chegam são terríveis e indicam o nível bastante elementar de educação e de civismo em que se encontra o Brasil.

Aquilo a que se chama opinião pública consagra a idéia de que há delinqüentes em demasia nos cargos eletivos. Para se apurarem condutas delitivas, o Estado brasileiro dispõe de estruturas investigadoras, acusadoras e julgadoras, mas a falta de sensatez dominante prefere o linchamento com verniz jurídico.

Propõe-se, com enorme singeleza, afastar-se uma garantia constitucional fundamental de todo e qualquer cidadão, oponível às tendências de arbítrio do Estado, a bem de se evitar que criminosos sejam candidatos. Sucede que criminosos existem apenas depois de sentença judicial irrecorrível! Não será a falta de tais sentenças o problema?

A infração proposta não se dirige a dispositivo menor da constituição ou a norma apenas formalmente constitucional. Dirige-se a uma garantia que consiste em cláusula pétrea. Mais que isso, é escandaloso verificar que a medida é proposta por tribunais, talvez no afã de se mostrarem simpáticos aos anseios populares.

Contudo, tribunais não devem buscar apoio popular no sentido de responder a demandas nitidamente políticas e que refletem as percepções ambíguas de indignação da população. Podem buscar reconhecimento popular quanto a estarem cumprindo eficientemente sua função de julgar segundo o direito posto.

O problema real da democracia brasileira encontra-se na elevadíssima ignorância e pobreza das populações e no manejo oportunista e enviesado das notícias. Atacá-los é, porém, uma tarefa para deuses e titãs e pode revelar-se, ademais, indesejada.

Daí pode-se ver a proposta de relativização da garantia constitucional da presunção de inocência, para negar-se registro de candidatura a processados, como uma cortina-de-fumaça.

Com efeito, o disfarce, o factóide, o discursar casuisticamente para agradar um público, o justificar-se ao argumento da fazer o que pretende o povo é muito mais que a instalação da ditadura do judiciário, como disseram alguns. É uma característica do exercício do poder no Brasil, que não recua diante de infração absurda ao texto constitucional – infração direta, diga-se – caso a oportunidade mostre-se boa para a auto-propaganda.

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Sobre o autor
Andrei Lapa de Barros Correia

procurador federal em Campina Grande (PB), lotado no órgão de arrecadação da Procuradoria Geral da Fazenda

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREIA, Andrei Lapa Barros. A presunção de inocência e a negativa de registro de candidatura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1797, 1 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11326. Acesso em: 27 abr. 2024.

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