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Inelegibilidade de candidatos a cargos políticos com maus antecedentes.

O princípio da presunção da inocência x o princípio da moralidade pública

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11/08/2008 às 00:00
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I – OS FATOS

Em sessão de 10.06.2008, o Tribunal Superior Eleitoral recebeu Ofício enviado pelo Exmo. Sr. Presidente do TER-PB como Consulta – no. 1621, classe 10ª., João Pessoa – PB – e decidiu que, "sem o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, nenhum pré-candidato pode ter seu registro de candidatura recusado pela Justiça Eleitoral". A decisão foi proferida por maioria simples, e não conseguiu convencer a sociedade sobre a justiça e a razoabilidade da sua argumentação. (1)

A polêmica, tal qual brasa adormecida, foi reavivada depois de já ter sido despertada quando das eleições de 2006, e culminado com decisão proferida pelo TSE no Recurso Ordinário no. 1069/RJ, que permitiu ao então Deputado Federal Eurico Miranda o registro de sua candidatura, também por maioria simples. Tal como agora, o TRE-RJ adotou postura própria, tendo recomendado, em 29.10.2007, em encontro que reuniu 197 dos 248 juízes eleitorais do Estado com o Desembargador Roberto Wider, Presidente do órgão, que não aceitassem registros de candidatos com ficha criminal para as eleições para Prefeito e Vereador de 2008, a esta altura já próximas. (2)


II – OS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA MORALIDADE PÚBLICA

Candidatos a cargos políticos eletivos municipais, com maus antecedentes, assim considerado o fato de estarem a responder em inquéritos criminais, processos administrativos e ações judiciais, sem que tenham sofrido decisões judiciais condenatórias transitadas em julgado, podem disputar validamente as eleições, em nome do princípio constitucional da presunção de inocência?

Ou seria lícito aos Tribunais Regionais Eleitorais vedar essa participação, independentemente daquele trânsito em julgado, com fundamento no princípio constitucional da moralidade pública ?

Já tive a oportunidade de abordar problema análogo, sobre a possibilidade de candidato em concurso público de provas, ou de provas e títulos, embora aprovado e classificado, vir a ser eliminado do certame, por causa dos maus antecedentes apurados em procedimento sigiloso de "investigação social". (3) Acredito que as observações que então foram feitas servem como premissa lógica deste trabalho, em tudo sendo aplicáveis também aos postulantes a cargos públicos políticos eletivos. (4)

O princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual ninguém poderá ser considerado culpado antes de decisão judicial condenatória transitada em julgado, tem por objeto a aplicação de sanções legais como resposta estatal a atos ilegais que teriam sido praticados pelo indivíduo, mas que ainda não foram objeto de definitivo acertamento judicial.

Assim, e enquanto não sobrevier uma decisão judicial condenatória transitada em julgado, a pessoa não poderá sofrer sanções em seu patrimônio ou em sua liberdade, e, ainda por força da aplicação desse princípio na esfera probatória, caberá à acusação o ônus de provar a culpa do acusado, resolvendo-se dúvida quanto à autoria ou à materialidade do ilícito em seu favor – este o significado do princípio "in dubio pro reo". (5)

Vê-se que o princípio da presunção da inocência está ligado à imputação de um fato ilícito a uma pessoa, e à atribuição do ônus da respectiva prova ao acusador, de modo que somente depois de atendido esse requisito seja possível concluir-se sobre a ilegalidade cometida por ela.

Já o princípio da moralidade pública – também alçado, pela Constituição Federal de 1988, ao nível constitucional – tem significados imprecisos, a ponto de ODETE MEDAUAR afirmar que "o princípio da moralidade é de difícil ou até impossível expressão verbal, na forma escrita ou oral" (6). A autora ainda elenca opiniões doutrinárias compreendendo o princípio como resultado de "regras de conduta tiradas da disciplina da Administração", o "fim do interesse público", a "boa administração", e da "boa – fé e lealdade da Administração". (7)

A "lealdade", como dever funcional do servidor público (art. 116, II da Lei no. 8.112/90) e como bem jurídico tutelado pela Lei de Improbidade Administrativa (art. 11, "caput" da Lei no. 8.429/92), "consiste no desempenho do servidor público com subordinação aos objetivos do ente público a que ele está lotado, visando a sempre cumprir o interesse coletivo"; "é um estado de espírito permanente do servidor público, que deve servir ao seu empregador com dedicação e afinco, não traindo a confiança que a sociedade lhe deposita". (8)

Para J. GUIMARÃES MENEGALE, a deslealdade às instituições "corresponde à intenção de abalá-las, de derrocá-las, de substituí-las", não se tratando de "um dever moral, visto como é um dever relativo, que não entende com a ética individual"; "descumprindo-o, entretanto, o cidadão expõe-se à sanção das leis com que o regime se defende". (9)

A tônica do princípio da moralidade pública, em seu significado de "lealdade às instituições", diz com a proteção da boa – fé e da confiança que a Administração Pública, imediatamente, e a sociedade em geral, mediatamente, devem esperar daqueles que exercem, ou que pretendem vir a exercer cargos públicos, inclusive, políticos. (10)

O fato de que o princípio da presunção da inocência tem por base o respeito à lei, e de que o princípio da moralidade pública, em sua acepção de lealdade às instituições, tem por fim a proteção à confiança que os agentes da Administração Pública devem inspirar não significa que esses princípios não se comuniquem, vez ou outra, quando de situações concretas.

Como observado com exatidão por MIGUEL REALE, "importa mais saber distingui-los em sua funcionalidade do que separá-los, enquadrando-os em categorias estanques, isoladas uma da outra e do sistema geral da conduta humana", sem esquecer "a unidade fundamental da vida ética", concluindo o saudoso jurista que "o acerto está em saber distinguir, não em separar". (11)


III – A QUEBRA DE CONFIANÇA COMO FUNDAMENTO PARA A ELIMINAÇÃO DE SERVIDOR OU DE CANDIDATO AOS RESPECTIVOS CARGOS PÚBLICOS E A JURISPRUDËNCIA DO STF SOBRE O TEMA

Se a quebra da confiança que a Administração Pública depositava no servidor, por motivo de deslealdade dele, é bastante para a sua exoneração, e até para sua responsabilização em ação de improbidade administrativa, parece ser lógico admitir que também possa constituir-se em fundamento legítimo para a eliminação de servidor ou de candidato aos respectivos cargos públicos.

Assim, agirá com deslealdade à instituição pública a que estiver vinculado o servidor, ou o candidato a cargo público eletivo, que não comunicar "a duplicidade de matrículas e o duplo pagamento" (12), e que omitir, "em sua declaração de antecedentes, a existência de processo criminal ao qual respondia, pela prática de peculato" (13).

A jurisprudência do STF a respeito do tema, não obstante, é contraditória, embora tendendo a dar aplicação preferencial ao princípio da presunção da inocência, diante do princípio da moralidade pública, em situações envolvendo candidatos em concursos públicos, ou promoções de servidores. (14)

Com a devida máxima vênia, não penso que a distinção de posicionamentos seja coerente, na medida em que, tanto em relação ao candidato a cargo público eletivo, como ao candidato em cargo público permanente, poderá vir a tipificar-se situação de deslealdade às instituições, razão pela qual, constatada a hipótese em concreto, seria razoável estabelecer-se a exclusão do candidato ou a proibição de sua candidatura, conforme o caso, em atenção à prevalência que o princípio da moralidade pública, sempre como regra geral, deve ter.


IV – CRÍTICA À DECISÃO PROFERIDA CONSULTA NO. 1621

O Exmo. Sr. Ministro Relator, Ari Pargendler, entendeu que "só o trânsito em julgado de uma sentença condenatória, seja pelo cometimento de crime, seja pela prática de improbidade administrativa, pode impedir o acesso a cargos eletivos", porque seria esse o sistema adotado pela Lei Complementar no. 64, de 1990, que revogou a Lei Complementar no. 05, de 1970. (15)

O Exmo. Sr. Ministro Eros Grau acompanhou o Exmo. Sr. Ministro Relator, quanto à existência de reserva constitucional de lei complementar, obstativa da atividade normativa do Poder Judiciário; afirmou que "proporcionalidade" e "razoabilidade" não são princípios, "porque não reproduzem suas características – porém, postulados normativos, regras de interpretação/aplicação do direito"; argumentou que "o questionamento da moralidade da Administração – e dos atos legislativos" "resulta plenamente confiado" "nos lindes do desvio de poder ou de finalidade", sendo que, "para além desses limites, apenas poderá ser postulado no quadro da legalidade pura e simples"; e manifestou-se contrário à "suposição de que o Poder Judiciário possa, na ausência de lei complementar, estabelecer critérios de avaliação da vida pregressa de candidatos para o fim de definir situações de inelegibilidade", o que, a seu ver, "importaria a substituição da presunção de não culpabilidade consagrada no art. 5º., LVII da Constituição" "por uma presunção de culpabilidade contemplada em lugar nenhum da Constituição (qualquer pessoa poderá ser considerada culpada independentemente do trânsito em julgado de sentença penal condenatória)".

O Exmo. Sr. Ministro Carlos Ayres Britto, não obstante ter defendido a possibilidade de recusar-se o registro de candidatura a cargo público eletivo, ainda que faltante a lei complementar exigida pelo art. 14, § 9º. da Constituição Federal, pretendeu que os direitos políticos gozariam de perfil normativo próprio, e, se bem que integrando-se na lista dos direitos e garantias individuais, teriam regime jurídico inconfundível com a silhueta normativa dos direitos individuais, coletivos e sociais, obedecendo a uma lógica diferenciada.

Não creio que seja equivocado entender-se que o Exmo. Sr. Ministro Relator acabou por interpretar o art. 14, § 9º. da Constituição Federal segundo a Lei Complementar no. 64/90, em lugar de fazer o contrário. (16)

O fato de a Lei Complementar no. 64/90 não haver disciplinado a inelegibilidade de candidatos a cargos públicos eletivos por contarem com maus antecedentes não significa que a vontade da Constituição Federal não se tenha feito expressar finalisticamente, norteada pela tutela à moralidade pública, em todos os órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, em todos os Poderes, em todos os níveis políticos.

Se é verdade que os princípios constitucionais têm força normativa (17); que a intensidade dessa força depende do quanto os seus agentes e intérpretes fizerem-na ser aplicada no dia a dia da sociedade (18); que cabe aos juízes o papel de "atores" e "autores" da Constituição (19); e que "o papel do juiz contemporâneo é o de aplicar a Constituição, abrindo espaço para a plena concretização do Estado Democrático de Direito, entendido este como um salto a mais no sentido da liberdade" (20), então será lícito dizer que "passamos de um direito em que as normas ditam o que fazer para um direito em que os princípios indicam o que se pode fazer" (21), e que os juízes têm um papel ativo e importante no grande projeto de Nação que o Brasil, como Estado Democrático de Direito que é e que aspira a cada mais vir a ser, busca construir.

A omissão legislativa na regulamentação daquela inexigibilidade lembra a hipocrisia (22), quando não propósito não confessado de esvaziar a aspiração da sociedade e da Constituição de se construir uma República mais proba (23).

Essa omissão de tratamento legislativo, que já perdura há décadas, confirma a advertência de CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, no sentido de que é preciso que o intérprete e aplicador da Constituição assuma uma "atitude exegética de desenvolvimento do Direito superador da lei". (24)

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Será legítimo deixar de emprestar à Constituição Federal toda a eficácia normativa que ela pode vir a ter, e que deseja, segundo o norte que ela estabeleceu – a moralidade pública, os "bons antecedentes" –, apenas porque os maiores interessados em burlar a efetividade deste princípio – os ocupantes de cargos públicos eletivos - vêm se omitindo, há décadas, em aprovar a lei complementar exigida pela Carta Magna?

Maiores interessados, sim.

Pois, e conforme dados apurados até meados de setembro de 2007 no próprio STF, "um em cada seis congressistas da atual legislatura respondem processo" naquela Corte. (25)

Então, se os maiores interessados na omissão legislativa, aqueles que mais se beneficiarão da própria inércia – os parlamentares – omitem-se em tornar efetiva a Constituição Federal, no seu princípio de tutela da moralidade pública, não disciplinando a negativa de registro de candidato a cargo público eletivo que possua maus antecedentes, terão alcançado o objetivo por eles colimado?

Não haverá também Direito que se lhes possa opor ? (26)

A sociedade tem que conformar-se, nada a fazer?

Revolta a consciência de qualquer um que se responda afirmativamente a essa indagação.

Não pode ser esta a "natureza das coisas", "das situações da vida a julgar". (27)

Como dito por MANUEL MARTÍN GONZÁLEZ, "os conceitos não são criações abstratas, sem nenhuma relação com a vida do passado nem com a do presente; não têm uma existência autônoma alheia a toda conexão com a vida, não podem existir por si sós". (28)

Seja como princípio, norma ou regra (29), a proporcionalidade almeja realizar "a justa medida no trato intersubjetivo" (30); "prende-se à noção geral de bom senso (aplicada ao âmbito jurídico), como algo que emana do sentimento de repulsa diante de um absurdo ou de uma arbitrariedade", "isso porque o intérprete" "é um intermediário entre o texto e a realidade", em sua complexidade" (31); e tem por finalidade última "a realização da justiça", "sem perder de vista os direitos fundamentais dos litigantes". (32)

Como "ator", "autor" e "intermediário", aplicador e exegeta da Constituição, e quando no exercício cotidiano de suas funções típicas, o juiz estará a exercer um papel ativo em cada deferimento ou recusa de registro de candidatura a cargo público eletivo, neste último caso, e dentro do tema sobre o qual se está a discutir, por falta de "bons antecedentes" do candidato.

Esse ativismo judicial não significa escolher a vontade do intérprete, mas sim, "completar a obscuridade, a lacuna do legislador, maximizando a vontade constitucional e concretizando os direitos fundamentais, em todos os espaços possíveis, inclusiva nas lacunas legislativas". (33)

Longe de caracterizar alguma forma de usurpação do Poder Judiciário nas competências do Poder Legislativo, o que há é um chamamento à responsabilidade para que o juiz exerça a missão que a Constituição lhe conferiu, no sentido de concretizar os valores e princípios que por ela foram acolhidos, e que são a matéria – prima do seu porvir. (34)

Não há porque se temer que o contrário importaria em alguma "substituição da presunção de não culpabilidade consagrada no art. 5º., LVII da Constituição" "por uma presunção de culpabilidade contemplada em lugar nenhum da Constituição", como alegado pelo Exmo. Sr. Ministro Eros Grau.

Trata-se de evidenciar o conteúdo teleológico da Constituição, ela mesma instrumento de governo, de restrição de poderes e de amparo à liberdade individual, buscando-se sempre a proteção e a garantia da liberdade e dignidade do homem (35), seguindo-se a técnica da interpretação evolutiva, respeitando-se o caráter sistemático do Direito, através da fixação de significados aos conceitos gerais indeterminados que são a "moralidade pública" e os "bons antecedentes" (36).

A posição hermenêutica que acabou por ser perfilhada pelo Tribunal Superior Eleitoral conformou-se com a endêmica inércia legislativa, e com os efeitos sociais notoriamente danosos causados por essa omissão; acredito que servirá de exemplo, para as gerações vindouras, de como a invocação de um princípio – o do formalismo legal - que na origem pretendia ser libertário e garantista, em circunstâncias sociais diversas, pode se tornar mais um instrumento de conservadorismo e opressão, exatamente o contrário daquilo que desejado em sua origem. (37)

Se essa hermenêutica não for desautorizada e repelida pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento que se avizinha, coisa pior ainda acontecerá: o Poder Judiciário será reduzido, aos olhos da sociedade, em mera autoridade judiciária, desprovido em grande parte da força moral que a sociedade ainda lhe reconhece, e de onde retira a sua própria legitimidade. (38)

Amesquinhando os valores agasalhados pela Constituição Federal, estará o Poder Judiciário amesquinhando a si mesmo, rebaixando-se ao mesmo patamar daqueles possuidores de "maus antecedentes" que assolam a vida política de nosso País.

Inelegibilidade não é pena (39), e a jurisprudência do Eg. STF é firme neste sentido. (40)

Por fim, há que se dizer que não é necessário – e pode ser até mesmo contraproducente – pretender-se estabelecer alguma diferenciação de vínculos funcionais entre os direitos políticos, os individuais, os coletivos e os sociais.

São todos manifestações das pessoas, em suas várias esferas de atuação, e, longe de excluírem-se ou terem reduzida sua importância, ou sua dimensão axiológica quando da atuação de cada um em sua vida e na vida das demais, entrelaçam-se incindivelmente para reforçarem-se em suas eficácias, umas às outras.

O cidadão que vota e é votado é também um indivíduo, e pode pertencer a uma agremiação política, ou sociedade civil que busque também influir no processo eleitoral e nas políticas públicas dos candidatos e dos seus partidos políticos, ainda que para obter benefícios específicos a uma determinada coletividade ou grupo de pessoas (41).

Daí porque, muito embora o subsistema dos direitos políticos atenda a princípios e lógicas estruturantes próprias ao seu objeto, por constituírem-se em manifestações da personalidade mesma dos indivíduos, e, assim sendo, por serem direitos fundamentais, obedecerão aos princípios constitucionais estruturantes mais gerais, também aplicáveis aos subsistemas dos demais direitos fundamentais - dos direitos individuais, coletivos e sociais.

Essa unidade principiológica estruturante mais geral não entra em contradição com a diversidade dos objetos e dos princípios mais particulares que nortearão e condicionarão as relações e situações que servem de base para os demais direitos, e somente aceitando-se essa unidade é que se poderá em eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais, em seu todo. (42)


V – CONCLUSÕES

A sociedade não se convenceu da justiça da decisão proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento da Consulta no. 1621;

Tanto os candidatos a cargos públicos meritocráticos, como os pretendentes a cargos públicos eletivos devem atender ao mesmo requisito de prévia demonstração de idoneidade para que possam ser nomeados e empossados, não havendo razão lógica, moral ou socialmente justificável, para que se estabeleça distinção entre as situações de uns e de outros;

O princípio da presunção da inocência está ligado à tutela da legalidade; o princípio da moralidade pública, à confiança na Administração Pública e nos seus agentes e servidores; aqui e ali, será possível que se comuniquem, hipótese em que caberá ao juiz avaliar qual deverá prevalecer no caso concreto, valendo-se, especialmente, do princípio da proporcionalidade, ou da razoabilidade;

Os diversos bens jurídicos tutelados pelos princípios da legalidade e da moralidade pública levam à conclusão de que não há porque se exigir prévio trânsito em julgado de sentença condenatória, como condição para que se recuse a candidato o registro de sua candidatura a cargo público eletivo, sob o fundamento de ser ele inelegível;

Ainda que a Lei Complementar no. 64/90 não preveja a hipótese de recusa de registro de candidatura a cargo público eletivo por contar o candidato com "maus antecedentes", é perfeitamente possível e lícito extrair essa conseqüência da vontade finalisticamente orientada pela Constituição Federal, no sentido de tutelar a moralidade pública, em todos os atos da Administração Pública, em todas as suas manifestações, em todos os Poderes, em todos os níveis políticos;

Esse ativismo judicial não implica em substituir a vontade do legislador pela do juiz, sem quaisquer parâmetros de controle, ao revés, deverá o juiz orientar-se pelos valores e ideais que se encontram espraiados na sociedade, servindo de mediador entre a realidade e o Direito;

O juiz é "ator" e "autor" da Constituição, personagem autorizado por ela a assumir um papel ativo na concretização dos grandes princípios e valores que ela defende, e sobre os quais orienta o seu porvir;

Trata-se, ao fim e ao cabo, de evidenciar o conteúdo teleológico da Constituição, buscando-se sempre a proteção e a garantia da liberdade e dignidade do homem, seguindo-se a técnica da interpretação evolutiva, respeitando-se o caráter sistemático do Direito, através da fixação de significados aos conceitos gerais indeterminados que são a "moralidade pública" e os "bons antecedentes".

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Sobre o autor
Alberto Nogueira Júnior

juiz federal no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), autor dos livros: "Medidas Cautelares Inominadas Satisfativas ou Justiça Cautelar" (LTr, São Paulo, 1998), "Cidadania e Direito de Acesso aos Documentos Administrativos" (Renovar, Rio de Janeiro, 2003) e "Segurança - Nacional, Pública e Nuclear - e o direito à informação" (UniverCidade/Citibooks, 2006); "Tutelas de Urgência em Matéria Tributária" (Forum/2011, em coautoria); "Dignidade da Pessoa Humana e Processo" (Biblioteca 24horas, 2014); "Comentários à Lei da Segurança Jurídica e Eficiência" (Lumen Juris, 2019).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA JÚNIOR, Alberto. Inelegibilidade de candidatos a cargos políticos com maus antecedentes.: O princípio da presunção da inocência x o princípio da moralidade pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1867, 11 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11583. Acesso em: 27 abr. 2024.

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