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A insalubridade e os "álcalis cáusticos"

01/02/2001 às 00:00
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É bastante comum, em laudos confeccionados na Justiça do Trabalho, verificar-se conclusões periciais, quando o assunto é o contato do trabalhador com produtos à base de cloro (clorofina, alvex, etc.), saponáceos (sapólio, etc.), hipoclorito e amoníacos, utilização de soda cáustica e Detergente Amoniacal, que culminam na constatação de condições insalubres de trabalho em grau médio, com apoio no Anexo 13, da NR 15 da Portaria 3214/78 do Ministério do Trabalho, que prevê o adicional de insalubridade em grau médio para a fabricação e manuseio de álcalis cáusticos.

A CLT considera atividades insalubres as que por sua natureza, condições ou métodos de trabalho exponham os empregados a agentes nocivos à saúde acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente, e do tempo de exposição aos seus efeitos (artigo 189). É da competência do Ministério do Trabalho aprovar quadro de atividades e operações insalubres. O artigo 190 preceitua que o mesmo Ministério deve adotar normas sobre os critérios de caracterização de insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.


De posse dessas informações, chega-se à conclusão de que o legislador delegou a competência ao Poder Executivo (Ministério do Trabalho e da Administração) para aprovar o quadro das atividades e operações insalubres (artº 190, "caput", CLT). Assim, somente as atividades descritas no referido quadro podem ensejar o jus ao adicional, não cabendo, inclusive, que se faça qualquer interpretação a respeito. Chega-se à conclusão, portanto, que as atividades não arroladas nos quadros do Anexo da NR 15 não podem ser consideradas como insalubres.

Observe-se, nesse sentido, a seguinte jurisprudência, comprovante de que o Tribunal Superior do Trabalho já apresenta Precedente Jurisprudencial da Seção de Dissídios Individuais (Enunciado 333):

"4. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – NECESSIDADE DE CLASSIFICAÇÃO DA ATIVIDADE INSALUBRE NA RELAÇÃO OFICIAL ELABORADA PELO MINISTÉRIO DO TRABALHO, NÃO BASTANTO A CONSTATAÇÃO POR LAUDO PERICIAL – CLT art. 190 APLICÁVEL". E-EE 43338/92, Ac. 1521/96, DJ 28.6.96, Min. Francisco Fausto, Decisão Unânime E-EE 1213/88, Ac. 2251/94, DJ 27.10.94, Min. Francisco Fausto, Decisão por maioria E-EE 15118/90 Ac. 2324/93, DJ 29.10.93 Min. Ney Doyle, Decisão por maioria.

Tendo-se tal orientação jurisprudencial em mãos, note-se que o ANEXO 13 da NR 15, com todo o respeito dos inúmeros profissionais da área, não caracteriza o uso dos produtos acima arrolados como atividades insalubres em grau médio.

Utilizo aqui as razões de estudo elaborado pelo Engenheiro Gilberto Pons:

"Os produtos de limpeza empregados nas tarefas de limpeza são sabão em barra ou líquido, álcool, água sanitária, saponáceo e desinfetantes.

O álcool etílico é neutro, ou seja pH 7 e, a água sanitária, cujo pH é 12 no estado puro, na condição de diluição empregada (proporção de 0,003%) fica, igualmente, pH 7 (neutro).

Não existe alcalinidade nestas condições de emprego de água sanitárias nas condições de diluição empregado.

O saponáceo, que é empregado na remoção de manchas em paredes, tampos de mesas e panelas, tem pH de 10,5 em condição de diluição nágua. Sua forma de aplicação é restrita à colocação do produto numa extremidade do pano de limpeza ou sobre a superfície a ser limpa e, com o pano, esfrega-se a área que se deseja limpar. Assim, não existe o contato direto do sapólio com as mãos. A verificação de alcalinidade encontrada no emprego do saponáceo, colocando-se a fita de medição entre a mão e o pano de limpeza umedecido, foi de pH 8 (neutro), ou seja, não encontramos alcalinidade.

Na situação de limpeza de pisos, onde é empregado sabão líquido, em pó ou em barra, existe a alcalinidade em torno de 10,5, ou seja, tais produtos são elementos de baixa alcalinidade.

Para a alcalinidade encontrada, somente existe risco de danos na hipótese destes produtos atingirem os olhos, o que provocará ardência, como ocorre quando se lava o cabelo e o shampoo atinge os olhos.

Cabe salientar que o termo alcalinidade refere-se ao número de íons (OH) disponíveis para reação e, causticidade é o fato relativo ao efeito causado pela corrosão. Assim sendo, o termo álcali cáustico aplica-se aos produtos que tem efeito imediato sobre a pele pelo processo de corrosão, como é o caso do hidróxido de amônia, hidróxido e óxido de cálcio, potássio, sódio, peróxido e silicatos sódicos e fosfato trisódico em soluções concentradas, onde o pH situa-se acima de 13.

A manipulação direta com estes produtos, sem as medidas de proteção causam queimaduras gelatinosas na pele. Apesar de denominar-se como produtos alcalinos os elementos que tem pH superior a 8, não é correto rotular-se os mesmos como cáustico por conter-se hidróxidos livres.

A título de exemplo, cabe relatar que a Resolução nº 12 da Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos – Ministério da Saúde, aprova como norma técnica sobre águas de consumo alimentar (água potável) à característica de faixa de tolerância permitida entre 5 e 10 de pH. Assim, se uma água de poço apresentar pH 10 é plenamente, pelos padrões de potabilidade destinada ao consumo humano e, evidentemente, não se trata de substância "cáustica", termo restrito a indicar produtos que ocasionem "o que queima" ou "que carboniza os tecidos".

Analogia similar deve ser efetuada para os produtos de limpeza em geral, assim como o sabão não provoca queimaduras, não é correto classificá-lo como elemento álcalis cáustico.

Ressalte-se, ainda, que o hipoclorito de sódio (NaClO) é uma substância obtida pelo borbulhamento de Cloro em solução de Hidróxido de Sódio, apresentando-se sob o aspecto de solução aquosa alcalina e integrando a composição dos tradicionais produtos de limpeza doméstica vendidos nos supermercados.

Segundo informações do fabricante Carbocloro, seu pH varia entre 9 e 11, não se caracterizando, portando, como um "álcalis cáustico". (in www.carbocloro.com.br/produtos/hipo.html, 14.09.1999).

Diante do exposto, não se pode considerar como gerador de insalubridade o trabalho de limpeza com o emprego de clorofina, sapólio, ALVEX, hipoclorito de sódio e detergente amoniacal, pois não se tratam de produtos caracterizados como "álcalis cáusticos". Corrobora com este entendimento, inclusive, as próprias donas de casa que, habitualmente, fazem uso deste produtos sem que se tenha notícia dos efeitos danosos daí advindos.

Dessa forma, chega-se à conclusão de que em inúmeros processos verificam-se condenações demasiadamente benéficas aos trabalhadores, em detrimento da necessária observância ao sistema legal vigente.

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Sobre o autor
Fernando dos Santos Wilges

analista judiciário em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WILGES, Fernando Santos. A insalubridade e os "álcalis cáusticos". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1161. Acesso em: 19 abr. 2024.

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