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A decisão do STF e a multa fundiária

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O STF reconheceu o direito à correção do saldo do FGTS pelos índices dos Planos Versão e Collor I, com repercussão na multa de 40% pela rescisão do contrato de trabalho.

1. Introdução

O Supremo Tribunal Federal, em recente pronunciamento judicial, ao apreciar o recurso extraordinário interposto pela Caixa Econômica Federal – CEF, reconheceu o direito adquirido dos trabalhadores à correção do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço(1). A posição favorável é no sentido da correção pelos índices relativos a dois planos econômicos: Verão (janeiro/89) e Collor I (em parte - abril/90).

Como todos bem sabemos, no âmbito da Justiça Federal, existe uma série de demandas individuais ou plúrimas, além de algumas ações civis públicas, pretendendo o reconhecimento das diferenças da correção monetária do saldo do fundo de garantia. O que, inevitavelmente, tem atravancado a nossa Justiça Federal.

Nesses últimos dias, o Presidente da República noticiou a intenção de estender a todos os Empregados o reajuste das contas do fundo de garantia reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Ninguém sabe ainda muito bem como se pretende fazer isso.

Não temos dúvidas que o reconhecimento judicial desse direito por parte do STF, repercutirá nos direitos decorrentes dos contratos individuais de trabalho, estejam rescindidos ou não, em especial, no pagamento da multa de 40% pela resilição do contrato de trabalho.

Neste estudo, pretendemos trazer algumas reflexões sobre a responsabilidade pelo pagamento da diferença da multa fundiária decorrentes da decisão judicial do Supremo Tribunal Federal em relação aos planos econômicos.


2. A origem legal quanto ao pagamento da multa fundiária

O art. 7º, I, da Constituição Federal, protege a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, delegando para a legislação complementar uma indenização compensatória, dentre outros direitos.

Nas lições de Maria Helena Diniz, trata-se de uma norma com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação. Não tem aplicação imediata, necessitando de lei complementar ou ordinária, para que possa desenvolver a sua eficácia.

Em função dessa temática, o legislador constituinte, prevendo as discussões políticas e a demora na regulamentação do dispositivo pelo legislador infraconstitucional, estabeleceu uma multa indenizatória de quarenta por cento sobre o saldo do fundo de garantia (art. 10, I, ADCT, art. 18, Lei n. 8.036/90).


3. A base de cálculo da multa fundiária

Em face da sistemática legal vigente, a base de cálculo da multa fundiária compreende os valores fundiários - oito por cento da remuneração mensal paga ou devida – (art. 15, caput, Lei n. 8.036/90), recolhidos ou não, com a devida atualização e juros, incluindo os saques porventura realizados pelo trabalhador (art. 9º, § 1º, Decreto n. 99.684/90 – Regulamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

Os depósitos fundiários são corrigidos monetariamente, observando-se os parâmetros fixados para atualização dos depósitos de poupança. Os depósitos atualizados são capitalizados com o percentual de três por cento de juros ao ano (art. 13, caput, Lei n. 8.036/90).

Com a centralização das contas vinculadas na Caixa Econômica Federal, após a edição da Lei n. 8.036/90, a atualização monetária e a capitalização de juros correrão à conta do Fundo e o respectivo crédito será efetuado na conta vinculada, no dia dez de cada mês (art. 13, § 2º).

No caso de resilição do contrato de trabalho por parte do Empregador, este depositará importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta do fundo de garantia do trabalhador atualizados e acrescidos de juros. Em havendo resilição por culpa recíproca das partes ou força maior, a multa é de vinte por cento (art. 18, § 1º e 2º).

Com objetividade, Arnaldo Süssekind(2) discorre: "Em qualquer hipótese em que for devida a indenização compensatória prevista no art. 10 das Disposições Constitucionais Transitórias, o correspondente valor incidirá também sobre os depósitos devidos, mas ainda não efetuados pelo empregador, inclusive as verbas de natureza salarial decorrentes da rescisão, sejam as reconhecidas no ato formal da quitação, sejam as proclamadas por decisão da Justiça do Trabalho. Outrossim, o respectivo percentual incide sobre o valor global dos depósitos efetuados na vigência do contrato de trabalho, sem dedução dos eventuais saques retirados pelo trabalhador".

Assim, o recolhimento das contribuições fundiárias mês a mês, além do pagamento da multa fundiária nos casos previstos em lei, reputa-se obrigação do empregador.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, ao estabelecer a revisão das contas vinculadas, em face da supressão de índices de inflação pelos planos econômicos, fez com que se tenha a alteração da base de cálculo da multa fundiária.

Em função desse contexto, surge a problemática sobre quem será o responsável pela diferença da multa fundiária em decorrência da recomposição do saldo da conta vinculada.


4. Os desdobramentos da decisão do STF em relação aos contratos individuais de trabalho e a multa fundiária

A análise das questões que envolvem a responsabilidade pelo pagamento das diferenças da multa fundiária decorrentes do reconhecimento de direito adquirido pelo Supremo Tribunal Federal dos reajustes suprimidos pelos planos econômicos Verão e Collor I, será feita pontualmente, com a análise das principais teses de responsabilidade e irresponsabilidade do Empregador.

4.1. Homologação da rescisão contratual

A primeira objeção à responsabilidade do Empregador em relação ao pagamento das diferenças da multa fundiária decorre do entendimento jurisprudencial esboçado no Enunciado n. 330 do TST: "A quitação passada pelo empregado, com assistência de Entidade Sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos legais exigidos nos parágrafos do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas".

O Empregador pode argumentar que, em face da homologação da rescisão contratual pela entidade sindical, sem a existência de qualquer ressalva quanto a multa fundiária, não há se falar em diferença da multa fundiária.

A princípio, adotando-se uma visão simplista, ou seja, puramente literal, se não houver a ressalva expressa e específica, o empregado não poderá mais discutir em juízo a diferença da multa fundiária.

Porém, há restrições doutrinárias e jurisprudenciais a essa visão.

A Consolidação das Leis do Trabalho prevê expressamente que o instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve especificar a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas (art. 477, § 2º, CLT).

Anteriormente, o Tribunal Superior do Trabalho, conforme Enunciado n. 41 (revisto pelo de n. 330), entendia que a quitação, nas hipóteses dos § § 1º e 2º do art. 477, da CLT, concerne exclusivamente aos valores discriminados no documento respectivo.

Assim, em nossa visão, a quitação somente envolve o valor pago(3). Se o Empregado, na formulação de seu pedido judicial, aponta e justifica a origem da diferença pleiteada, deve ser afastada a idéia de quitação total do contrato pela simples alegação de que inexiste ressalva expressa e específica sobre o direito pretendido feita durante a homologação efetuada pelo Sindicato.

Por outro lado, não podemos nos esquecer que não é só a entidade sindical que faz a homologação das resilições contratuais, logo é insustentável a discriminação judicial que se faz com a autoridade do Ministério do Trabalho (art. 477, § 1º, CLT).

E, por fim, devemos salientar que a origem do art. 477 da Lei Consolidada não é a plena quitação, mas sim, assegurar ao trabalhador, no ato da rescisão, que fosse respeitado os seus direitos trabalhistas. O legislador ordinário, ao criar o artigo em apreço, não tinha o intuito de inviabilizar o acesso ao Judiciário por parte do trabalhador. Se a lei não pode excluir a lesão ou ameaça a direito da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CF), com maior razão, os Juízes trabalhistas devem rejeitar a interpretação de quitação total do contrato dada ao Enunciado.

4.2. Fato do príncipe

Um outro argumento que merece a nossa atenção, diz respeito ao factum principis como causa das diferenças de uma obrigação legal do Empregador.

A expressão – fato do príncipe, nas lições de Maria Helena Diniz(4), sintetiza:

"1. Direito administrativo.

a) Qualquer medida ou ato da Administração Pública que repercuta no contrato administrativo, tornando mais onerosa a situação daquele que contratou com o Estado. Tal fato rompe o equilíbrio econômico-contratual, podendo gerar para o Poder Público o dever de indenizar;

b) norma geral emanada de autoridade pública que incide no âmbito jurídico do co-contratante, causando-lhe dano integralmente ressarcível pelo Estado (Marienhoff);

c) caso fortuito decorrente de ordem governamental (Othon Sidou).

2. Direito do trabalho.

Ato governamental federal, estadual ou municipal que, imprevisivelmente, paralisa temporária ou definitivamente o trabalho, causando danos ao empregador, que, então, pode pleitear indenização do governo".

O legislador trabalhista prevê a responsabilidade pelo pagamento de indenização pelo governo responsável, no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade (art. 486, caput, CLT).

Para se caracterizar - José César de Oliveira(5):

"factum principis, no plano trabalhista, é necessário:

1) imprevisibilidade do evento;

2) sua irresibilidade;

3) inexistência de concurso direto ou indireto do empregador no acontecimento;

4) necessidade de que o evento afete ou seja suscetível de afetar substancialmente a situação econômica-financeira da empresa (cf. CLT, art. 501 e parágrafos)".

O Empregador, em face da resilisão contratual e do pagamento dos títulos rescisórios, pode objetivar, invocando as alterações econômicas decorrentes dos planos impostos pelo legislador, a isenção da sua responsabilidade quanto ao pagamento da diferença da multa fundiária. A multa, em função da diferença da atualização monetária, seria de responsabilidade da entidade governamental que emitiu o ato.

De outra forma, eventuais pendências judiciais quanto a supressão ou não dos índices de reajustes monetários deriva de ato de autoridade, logo, o Empregador não possui responsabilidades advindas dessas lesões.

Caso já tenha procedido o pagamento da multa fundiária, ao efetuá-lo sobre o valor do saldo com os acréscimos legais vigentes à época, desincumbiu-se da obrigação legal.

Porém, tal argumento cai por terra, na medida em que a multa fundiária deverá incidir sobre os depósitos fundiários acrescidos monetariamente e capitalizados com os juros. A base de cálculo da multa fundiária e a obrigação quanto ao pagamento são imposições legais. A diferença da atualização monetária não deve ser imposta ao Empregador, porém, a diferença reflexa dessa recomposição é obrigação patronal. O Empregador não deve opor a tese do fato do príncipe, visando a elisão quanto a sua responsabilidade pela multa fundiária. Não há como enquadrar a supressão do índice de reajuste como um fato ou ato que leve a paralisação ou extinção da atividade econômica.

Como bem explica Valentin Carrion(6), o factum principis não prevalece, pois "a prática revela dois aspectos: se o ato da autoridade é motivado por comportamento ilícito ou irregular da empresa, a culpa e as sanções lhe são atribuídas por inteiro; se seu proceder foi regular, a jurisprudência entende que a cessão da atividade faz parte do risco empresarial e também isenta o poder público do encargo; o temor de longa duração dos processos judiciais contra a Fazenda Pública também responde por essa tendência dos julgados".

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4.3. Caso fortuito e força maior

No caso fortuito e na força maior há sempre um acidente que produz prejuízo. Na força maior conhece-se a causa que dá origem ao evento, pois se trata de um fato da natureza, como, p. ex., raio que provoca incêndio; inundação que danifica produtos; geada que estraga a lavoura, implicando uma idéia de relatividade, já que a força do acontecimento é maior do que a suposta, devendo-se fazer uma consideração prévia do estado do sujeito e das circunstância espaço-temporais, para que se caracterize como eficácia liberatória de responsabilidade civil. No caso fortuito (RT, 431:74, 346:336, 356:522, 399:370, 453:92) o acidente que gera o dano advém de: 1) causa desconhecida, como o cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos, causando incêndio, a explosão de caldeira de usina, ou a quebra de peça de máquina em funcionamento provocando morte; ou 2) fato de terceiro como greve, motim, mudança de governo, colocação do bem fora do comércio, que cause graves acidentes ou danos devido à impossibilidade do cumprimento de certas obrigações. Sendo absoluto, por ser totalmente imprevisível ou irreconhecível com alguma diligência, de modo que não se poderia cogitar da responsabilidade do sujeito, acarreta das obrigações, salvo se se convencionou pagá-los ou se a lei lhe impõe esse dever, como nos casos de responsabilidade objetiva(7).

Como já tivemos oportunidade de lecionar(8), "em ambos os casos, existe um "acontecimento conhecido". Na força maior, atribui-se tal acontecimento a um fenômeno da natureza. Enquanto, no caso fortuito, a um fato ou ato alheio a vontade das partes.

Alguns criticam a distinção feita entre caso fortuito e força maior, pois entendem que inexistem motivos a justificar uma nomenclatura diferenciada. Outros, por sua vez, entendem que todos esses acontecimentos são casos fortuitos, e distinguem fortuito interno (ligado aos atos humanos) e fortuito externo (força maior, Act of God)".

No âmbito da legislação trabalhista, entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente (art. 501, caput, CLT).

O empregador, argüindo a rescisão contratual e o pagamento da multa fundiária, pode invocar a temática da força maior trabalhista. A força maior estaria representada no fato de que a supressão do reajuste foi imposta pela legislação dos planos econômicos, sendo que o reconhecimento judicial a posteriori desta supressão não poderia alongar a responsabilidade patronal, na medida em que não é o responsável pela correção fundiária. O ato da supressão decorreu da alteração da legislação, sendo que o empregador em nada contribuiu para o referido acontecimento.

A bem da verdade, a supressão dos índices monetários quanto aos reajustes dos saldos das contas vinculadas, em nada tem a ver com o comportamento do empregador, na medida em que a atualização da conta vinculada e da multa fundiária, pela sua origem e sistemática legal, são situações distintas.

A atualização monetária da conta vinculada é imposição legal que norteia a recomposição do saldo em função da desvalorização da moeda. Enquanto, a multa fundiária é decorrência de critérios fáticos que levam a resilição contratual. Portanto, o único ponto de interação é a base de cálculo da multa fundiária.

Desse modo, concluímos que a tese da irreponsabilidade fundada na força maior trabalhista não é capaz de elidir a responsabilidade legal do empregador quanto ao pagamento da diferença da multa fundiária pela recomposição do saldo da conta vinculada.

4.4. Responsabilidade da Caixa Econômica Federal ou da União Federal

Uma outra objeção é no sentido de que o Empregador, argüindo a homologação da rescisão e o pagamento da multa fundiária, eximiu-se da sua responsabilidade legal, ante a concretização do ato jurídico. O fundamento dessa posição repousa no argumento de que houve a realização de um ato jurídico perfeito(9).

Desenvolvendo o raciocínio, temos: como foi a Caixa Econômica Federal a responsável direta pela supressão do índice de reajuste monetário, a diferença da multa fundiária lhe deverá ser imputada. A diferença da multa fundiária é decorrência do reajuste. Como a CEF é a responsável pela recomposição do índice inflacionário para o trabalhador, ante a concretização da rescisão contratual e a sua homologação, a responsabilidade será da mesma.

De fato, pela análise da Lei n.8.036/90, a atualização deve ocorrer pelos parâmetros da poupança, devendo o reajuste ser acrescido ao saldo da conta vinculada. Se o saldo não foi acrescido oportune tempore, tendo havido a rescisão antes do reconhecimento judicial da supressão dos índices de reajuste, a responsabilidade será da entidade responsável pelo fator da correção.

A dificuldade repousa em se saber qual seria o enquadramento legal a revelar e embasar a responsabilidade da Caixa Econômica Federal. A princípio, se a CEF é a responsável, o critério é a responsabilidade civil subjetiva (art. 159, CC). A CEF só pode ser responsabilizada, se de fato, ficar provada a sua culpa (seja em sentido restrito ou lato).

Neste aspecto, a CEF não praticou nenhum ato ilícito, seja positivo ou negativo – requisito essencial da responsabilidade civil, mas apenas aplicou o índice previsto em lei.

É imperioso ressaltarmos que o Governo Federal é o responsável pela garantia do saldo das contas vinculadas (art. 13, § 4º, Lei n. 8.036/90). É mais fácil imputarmos a responsabilidade da União Federal, ante a manipulação dos índices de reajustes monetários em face dos sucessivos planos econômicos, como forma de restabelecimento da situação real dos depósitos fundiários dos trabalhadores.

A Caixa Econômica Federal atua como um agente da União no trato do gerenciamento das contas vinculadas, o que equivaleria a um serviço público.

Como sabemos, de acordo com o art. 37, § 6º, da Carta Política de 1988, "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

A responsabilidade é objetiva, não se aferindo da culpa do agente, para se justificar a obrigação de reparar o dano pelo Estado. A obrigação envolve as pessoas jurídicas de direito público, bem como as de direito privado que sejam prestadoras de serviços públicos. Basta o ato e o nexo de causa e efeito, ou seja, o fato como sendo a razão da lesão ou dano sofrido pela vítima. É pura responsabilidade civil objetiva pelo prisma do direito administrativo. A Administração Pública, de forma regressiva, terá direito a ser indenizada pelo ato do agente, se este agiu com dolo ou culpa. Em outras palavras: o agente, no caso o responsável direto pelo dano, somente será responsável se houver o fator culpa (em sentido amplo), envolvendo o aspecto intencional – dolo ou culpa – stricto sensu – negligência, imprudência ou imperícia, justificando-se o que se chama de responsabilidade subjetiva (art. 159, CC).

Pela análise da Lei n. 8.036/90, a CEF atua no sistema fundiário, como agente operador, tendo as suas atribuições previstas no art. 7º da referida lei. Como agente operador, a CEF atua na prestação de um serviço público, enquadrando-se na hipótese citada. Em função dessa combinação exegética, a União é a responsável não só pela diferença fundiária – reajustes, como também, de forma reflexa, pela multa fundiária.

Em nossa visão, a Caixa Econômica Federal, pela leitura das suas atribuições(10), como agente operador, não pode ser responsabilizada, seja de forma subjetiva ou objetiva (direta ou indireta), pelos reajustes econômicos.

Os fundamentos dessa afirmação são os seguintes:

  • a) os índices foram fixados pelas disposições legais relativas aos planos econômicos, não tendo a CEF nenhuma atribuição legal na fixação;

  • b) a CEF não é a responsável pela fixação dos índices legais que reajustam as cadernetas de poupança;

  • c) como agente operador, não define quais são os reajustes legais para os reajustes das contas vinculadas;

  • d) a previsão legal expressa no sentido de que o saldo das contas vinculadas é garantido pelo Governo Federal.

Cotejando tais assertivas, não visualizamos argumentos para revelar a responsabilidade da Caixa Econômica Federal.

Na qualidade de agente operador, a CEF desempenha funções normativas e operacionais, as quais em nada interagem com critérios para os reajustes legais das contas vinculadas, logo, sequer haveria justificativas para eventual ação regressiva por parte da União (art. 37, § 6º, CF).

A conclusão é no sentido de que o responsável direto pela correção da conta vinculada é a União Federal, logo, de forma reflexa, também é a responsável objetivamente pela diferença da multa fundiária.

4.5. A responsabilidade do Estado legislador

Por fim, a responsabilidade pelo pagamento das diferenças da multa fundiária decorrentes da decisão do Supremo Tribunal Federal pode ser analisada pela ótica da responsabilidade do Estado legislador.

Nas lições de José dos Santos Carvalho Filho(11), "a função de legislar constitui uma das atividades estruturais do Estado moderno, senão a mais relevante, tendo em conta que consubstancia a própria criação do direito (ius novum). Além do mais, a função legislativa transcende à mera materialização das leis para alcançar o status que espelha da soberania estatal, vale dizer, da autodeterminação dos Estados com vistas à instituição das normas que eles próprios entendem necessárias à disciplina social".

Apesar de algumas críticas e teses opostas, muitos têm defendido a responsabilidade do Estado pelo exercício da atividade legislativa, a qual podemos colocar sob três linhas: danos decorrentes de lei nula, inconstitucional ou invalida, ato regulamentar danoso e ato legislativo.

Para Amaro Cavalcanti(12) "uma vez apurado que, de execução de uma lei nula, inconstitucional ou inválida, resultou lesão ao direito individual, já não seria lícito afirmar, ao menos de modo absoluto, que o Estado não deve indenização alguma pelo mal resultante de semelhante ato. Decerto, declarada uma lei inválida ou inconstitucional por decisão judiciária, uma dos efeitos da decisão deve ser logicamente o de obrigar a União, Estado ou Município a reparar o dano causado ao indivíduo, cujo direito fora lesado, quer restituindo-se-lhe aquilo que indevidamente foi exigido, quer satisfazendo-se os prejuízos provadamente sofridos pelo indivíduo com a execução da lei suposta".

O reconhecimento e a declaração de inconstitucionalidade ou da não validade da lei questionada é requisito essencial da responsabilidade do Estado nesses casos.

Em relação ao ato regulamentar, Cretella Júnior(13) esclarece, "havendo, no regulamento, alteração ou extinção de direitos, não há regulamento, há abuso do poder regulamentar, invasão de competência do Poder Legislativo, porque o regulamento exorbitou, ultrapassando o terreno em que deveria movimentar-se. Se o regulamento é ilegal ou inconstitucional, se o processo de edição do regulamento se desvia das normas traçadas para seu nascimento válido, ou se contém disposições conflitantes com o texto legal-matriz, o regulamento é passível de revisão judicial, para que seus efeitos danosos não afetem o patrimônio dos administrados. Regulamento defeituoso, na forma ou no conteúdo, pode causar danos e, neste caso, responde o Estado pelos prejuízos advindos; regulamento imune de vícios, mas despido de caráter de generalidade, acabando por atingir uma só pessoa, física ou jurídica, também possibilita a responsabilidade da Administração, obrigada a ressarcir os danos ocasionados".

Tratando da última situação mencionada - ato legislativo -, em certas ocasiões, a lei pode causar dano injusto aos administrados. Contudo, "no plano do Direito comparado, as condições de existência de uma responsabilidade pelo fato da lei estão longe de uma fixação definitiva". "No Direito brasileiro, colocando in genere o problema da responsabilidade do Estado pelo dano decorrente do ato legislativo, posições discrepantes grassam na doutrina"(14).

Apesar dos defensores da tese de irresponsabilidade do Estado no caso de ato legislativo, Cretella Júnior(15), entre outros, entende que "responde o Estado sempre por atos danosos, causados que por lei inconstitucional, quer por lei constitucional".

Não raro, encontramos hipóteses em que o próprio texto legal determina a reparação de danos.

No caso em análise, o reconhecimento de direito adquirido dos empregados ao reajuste do saldo da conta do fundo de garantia pelo Supremo Tribunal Federal implica dizer que as leis questionadas foram tidas por inconstitucionais ou inválidas nesta parte, o que gera, em tese, o dever da União em reparar os danos ilícitos dela decorrentes, ainda que indiretos, como diferenças na multa fundiária.

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Sobre os autores
Francisco Ferreira Jorge Neto

Juiz do Trabalho em São Paulo, mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP, professor convidado da pós-graduação lato sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Escreveu vários livros sobre Direito do Trabalho. Foi professor concursado do Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano do Sul (IMES).

Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

advogado, professor de Direito da Faculdade Mackenzie, ex-procurador chefe do Município de Mauá, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrando em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORGE NETO, Francisco Ferreira ; CAVALCANTE, Jouberto Quadros Pessoa. A decisão do STF e a multa fundiária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -943, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1183. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Este trabalho foi publicado no Suplemento trabalhista LTr, 161/00, p. 875

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