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A ação de desapropriação por utilidade pública e os requisitos para a concessão de imissão provisória na posse.

Necessidade de revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

12/11/2008 às 00:00
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Para a imissão provisória na posse, deve o Poder Expropriante alegar urgência concreta e verídica, e depositar o valor da justa indenização, contemplando o valor efetivo do dano sofrido.

1. Introdução

A desapropriação é valioso instrumento jurídico para a consecução dos ideais de justiça social e do interesse público, que nada mais é do que a dimensão pública dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da sociedade, ambos pedras fundamentais do Estado Democrático de Direito [01].

Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua a desapropriação como sendo "o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização." [02]

Encontra fundamento no art. 5º, XXIV da Constituição da República, que exige a existência de lei disciplinadora do procedimento, elege os pressupostos da necessidade ou utilidade pública ou o do interesse social e, em regra [03], da justa e prévia indenização em dinheiro.

Seabra Fagundes costumava assinalar que existe necessidade pública "quando a Administração está diante de um problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido, nem procrastinado, e para cuja solução é indispensável incorporar, no domínio do estado, o bem particular", que há utilidade pública "quando a utilização da propriedade é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui um imperativo irremovível" e que a hipótese é de interesse social "quando o estado esteja diante dos chamados interesses sociais, isto é, daqueles (...) concernentes à melhoria nas condições de vida, à mais eqüitativa distribuição da riqueza, à atenuação das desigualdades em sociedade." [04]

A despeito da relevância acadêmica, registre-se que com o advento do Decreto Lei 3.365/41, a distinção entre os casos de utilidade pública e necessidade pública torna-se irrelevante. Isto porque ao revogar o art. 590, § 1º, do Código Civil anterior, o citado Decreto-Lei passou a tratar destas duas hipóteses exclusivamente sob a rubrica "utilidade pública", consoante se infere do rol predisposto no seu art. 5°, obedecendo, destarte, a um mesmo regime jurídico, enquanto a desapropriação fundada no interesse social obedece a regime próprio explícito na própria Constituição, nos termos dos arts. 182 e 184 e outros diplomas normativos, destacando-se a Lei n.° 4.132/62.

Neste passo, o presente ensaio se restringirá a ação de desapropriação por utilidade pública, na forma como posta pelo ordenamento em vigor e especificamente no que tange aos requisitos legais para concessão de imissão provisória na posse pelo expropriante, conforme o quanto prescrito no art. 15º do Decreto-Lei 3365/41.


2. A imissão provisória na posse em favor do expropriante e os requisitos legais para o seu deferimento: colocação do problema

Depois de firmar como norma reguladora da desapropriação em todo território nacional (art. 1°), fixando os sujeitos (art. 2), os casos de utilidade pública (art. 5°) e as regras pertinentes ao processo administrativo e judicial (arts. 9, 11 e ss.), o art. 15 faculta ao Poder Público, em sede de ação judicial, a possibilidade de imitir-se provisoriamente na posse do imóvel objeto da ação, nos seguintes termos:

Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imití-lo provisoriamente na posse dos bens;

§ 1º A imissão provisória poderá ser feita, independente da citação do réu, mediante o depósito:

a)do preço oferecido, se este for superior a 20 (vinte) vezes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao imposto predial;

b)da quantia correspondente a 20 (vinte) vezes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao imposto predial e sendo menor o preço oferecido;

c)do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do imposto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior;

d)não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originàlmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel.

§ 2º A alegação de urgência, que não poderá ser renovada, obrigará o expropriante a requerer a imissão provisória dentro do prazo improrrogável de 120 (cento e vinte) dias.

§ 3º Excedido o prazo fixado no parágrafo anterior não será concedida a imissão provisória.

Da simples leitura deste dispositivo e seus parágrafos vislumbra-se, sem maior esforço, que dois são os requisitos legais cumulativos obrigatoriamente observáveis para a concessão pelo juiz do mandado de imissão provisória na posse: a alegação de urgência e o deposito prévio de determinada quantia.

Entretanto, o problema que se coloca não se refere propriamente quais os requisitos indispensáveis à concessão de imissão provisória na posse, mas em que termos estes estarão preenchidos. Noutras palavras: a mera alegação de urgência é suficiente? O valor do depósito deve ser arbitrado em conformidade com o art. 685 do CPC ou ao quanto predisposto no art. 15, parágrafo primeiro e alíneas?

Estas, fundamentalmente, são as questões objeto de análise neste trabalho, assim como o tratamento jurisprudencial até então conferido à matéria.


3. A alegação de urgência

Não se ignora que o art. 9 do Decreto-Lei n.° 3.365/41 reza que ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública. Na mesma linha, o art. 20 predispõe que "a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação ao preço; qualquer outra questão deve ser decidida por ação direta".

Não obstante, autores da estatura de Celso Antônio Bandeira de Mello professam que "na própria ação de desapropriação ou então desde a declaração de utilidade pública, antes de iniciada a ação expropriatória, pode ser contestada a validade da declaração de utilidade pública pelo proprietário do bem." [05] E o autorizado Kiyoshi Harada, monografista dos mais requisitados na matéria, aponta que a expressão vício do processo judicial, de que se vale o art. 20 do citado Decreto-Lei, ao circunscrever o campo de contestação "abarca não só as irregularidades judiciais previstas no Código de Processo Civil (...), como também o exame da legalidade do ato expropriatório." [06] Há, inclusive, decisões judiciais neste sentido, proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo [07].

Sem embargo, e deixando de lado o mérito da discussão sobre quais matérias podem ou devem ser discutidas na ação de desapropriação, nos parece inquestionável que a alegação de urgência deve ser objeto de controle pelo Poder Judiciário na própria ação de desapropriação.

Isto porque, nos parece que o art. 15 do Dec.lei 3.365/41 confere ao administrador o dever-poder de, quando conveniente e oportuno, identificar e externar o momento que emerge a "urgência", devidamente motivada, "urgência" esta que deve ser real, concreta, efetiva.

Significa que o Poder Judiciário não pode se imiscuir no mérito, na conveniência e oportunidade quanto ao surgimento e ao momento adequado para o expropriante alegar a urgência. Contudo pode, ou melhor, deve exercer o controle acerca da veracidade da alegação quando fundadamente questionada pelo expropriado, não só porque a urgência é fato aferível objetivamente e em concreto – daí a importância da motivação inerente a todos os atos administrativos-, mas ao mesmo tempo porque é, ela mesma, requisito legal ao qual deve necessariamente observar a Administração, pena de transgressão ao princípio da estrita legalidade.

Ressalte-se, ademais, que a declaração de urgência, enquanto ato administrativo, goza de presunção de legitimidade, presunção esta relativa. Assim, uma vez questionada, deve ser objeto de controle do Poder Judiciário, que, a final, estará exercendo controle de estrita legalidade, a que se submetem todos os atos administrativos.

É dizer: a declaração de urgência não é absoluta, e, porque emanada do Poder Público, capaz de tornar verídica situação que não reflete a realidade. Daí a salutar relevância da motivação, que integra a formalização de qualquer ato administrativo e, tratando-se de ato discricionário, a sua não observação resulta, inevitavelmente, na sua invalidade. [08]

Não por outra razão, Celso Antônio Bandeira de Mello alerta que "se o expropriado puder demonstrar de modo objetivo e indisputável que a alegação de urgência é inverídica, o juiz deverá negá-la, pois, evidentemente, urgência é um requisito legal para a imissão na posse, e não uma palavra mágica, que, pronunciada, altera a natureza das coisas e produz efeito por si mesma". [09]

Numa sentença: a interpretação da regra em debate deve ser efetivada em consonância com a Constituição e ao regime jurídico de direito público em vigor, especialmente no que se refere aos princípios da legalidade, moralidade, proporcionalidade e razoabilidade, não podendo, desta forma, ser outra senão a de que a satisfação do requisito da existência de "alegação de urgência" impõe que a mera alegação, por si só, não é suficiente ao atendimento do preceito legal, devendo haver a imperiosa e concreta existência da urgência alegada, pena de violação frontal ao princípio da estrita legalidade e outros que conformam o exercício da função administrativa.


4. O valor do depósito

Por força mesmo do quanto disposto da Constituição Federal em vigor, o expropriado tem o direito a perceber a indenização, a qual deverá ser prévia, justa e em dinheiro.

Indenização justa, na precisa lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é aquela que apure um valor considerado necessário para recompor integralmente o patrimônio do expropriado, de modo que não sofra nenhuma redução, englobando o valor do bem expropriado, com todas as benfeitorias, os lucros cessantes, os danos emergentes, os juros compensatórios e moratórios, os honorários advocatícios e a correção monetária [10].

Sabe-se que a posse caracteriza-se por conferir ao possuidor o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade (C.C., art. 1.196). Assim sendo, considerando a irreversibilidade da desapropriação levada a efeito (DL 3365/41, art. 35) e a natureza jurídica da posse, a imissão provisória resultará, na prática, no tolhimento quase que total do patrimônio do expropriado, mormente quando o bem seja utilizado no exercício de sua atividade econômica.

Por essa razão é que para concessão da imissão provisória na posse o legislador estabelece, além da alegação de urgência, o depósito prévio de determinada quantia (DL 3.365/41, art. 15). Estabelece, outrossim, que a fixação deste valor deve ser arbitrada de acordo com o art. 685 do CPC, que prevê a necessidade de avaliação judicial do bem expropriado. Contudo, faculta, ainda, que o valor seja apurado com base em critérios fiscais, leia-se, valor venal do imóvel para efeito de cobrança do IPTU.

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A existência de duas formas legais para calculo desse valor resulta controvérsia. Afinal, o valor do depósito deve ser arbitrado em conformidade com o art. 685 do CPC ou ao quanto predisposto no art. 15, parágrafo primeiro e alíneas? A quem cabe esta escolha?

Neste diapasão, o STJ já assentou jurisprudência no sentido de que apenas o caput do multicitado art. 15 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, fixando, assim, que para imissão provisória na posse é indispensável a produção de laudo judicial de avaliação provisória, a fim de assegurar-se a justiça da indenização. [11] Já o STF posiciona-se no sentido diametralmente oposto, em decisões antigas que talvez não mais reflitam o atual posicionamento dessa Corte. [12]

Entendemos que ao STJ assiste razão. Primeiramente porque a norma Constitucional assegura o direito à percepção de uma indenização justa, e que, portanto, refletir o real valor do dano sofrido pelo expropriado, deve ser o valor de mercado do bem e não aquele fixado unilateralmente pelo Poder Público para efeitos meramente fiscais.

Outra não é a escorreita lição do festejado Professor Clóvis Beznos, em brilhante trecho de sua tese de doutoramento defendida na Universidade Católica de São Paulo, que, apesar de longo, pedimos vênia para transcrever em sua íntegra, dada a qualidade e clareza dos ensinamentos preconizados pelo citado jurista:

Com efeito, quer se considere que a retirada da posse significa a exaustão da própria expressão do direito de propriedade, quer se encare posse e propriedade como direitos autônomos em uma outra compreensão da situação a justa indenização é pressuposto prévio para retirada da posse.

A avaliação que deve ser efetuada só ostenta a adjetivação de provisória em razão da circunstância da urgência com que é feita, exatamente para atendimento da urgência, que é pressuposto legal para a imissão provisória na posse.

O fato de ser provisória a avaliação apenas indica que uma ou outra haverá de ser efetuada, com maiores delongas, em situação em que não incida a pressa, só determinada pela urgência, para a conferência de ter a anterior atendido ou não ao pressuposto constitucional da justa indenização.

Carlos Ari Vieira Sundfeld, ao exame da imissão provisória de posse, entende que esta significa uma desapropriação antecipada, considerando que o bem cuja posse tenha sido retirada não será devolvido; e, vislumbrando-a como a ablação de "todo significado útil da propriedade", afirma que se a urgência pode determinar a perda do conteúdo útil da propriedade, sem a concretização do devido processo legal, enunciado pelo inciso LIV do artigo 5° da Constituição, "não pode implicar em negação da indenização justa."

Com efeito, ainda que se considere a distinção de caráter civilista elaborada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de apartar os direitos de posse e propriedade, ainda assim a indenização para a retirada de um ou outro direito enseja a prévia e justa indenização, pena de vulneração ao preceito constitucional que assegura a desapropriação. (Aspectos Jurídicos da Indenização na Desapropriação: Belo Horizonte: Fórum, 2006 p. 46-47)

Ademais, na acertada constatação de Luis Paulo Aliende Ribeiro, a não realização de avaliação provisória, para averiguação da justa indenização em sede de imissão provisória na posse, resultará em grave dano que se materializa de forma dúplice, uma vez que a falta de prévio pagamento do valor justo "não somente lesa o cidadão proprietário que perde a disponibilidade de seu imóvel sem receber o necessário para a pronta recomposição de seu patrimônio, mas também a própria Administração, que por ter obtido a posse sem o pagamento do valor integral do bem (ou de valor próximo do valor de mercado) passa a ser onerada, nos exercícios (e governos) seguintes, com pagamento de juros, moratórios e compensatórios, calculados sobre a diferença entre a oferta e a indenização ao final fixada, além de encargos relativos a honorários advocatícios também calculados sobre essa diferença." [13]

Ora, já é tempo de ser revista pela Egrégia Corte Suprema a constitucionalidade dos dispositivos do Decreto-Lei 3.365/41 que permitem a imissão provisória, sem a elaboração de laudo de avaliação prévia, ou seja, sem respeitar o direito fundamental à indenização prévia e justa e, consequentemente, ao devido processo legal em seu sentido substancial.

Com efeito, tivemos oportunidade de atuar em um caso concreto o qual comprova inexoravelmente que o já citado e antigo posicionamento daquela Corte merece ser revisto. Tratavam os autos de impensada hipótese de desapropriação de complexo hospitalar em pleno funcionamento e administrado por uma cooperativa de médicos, a bem de mais de 100.000 (cem mil) habitantes, que consistia em quase um quarto do total de habitantes de um Município de porte médio do Estado de São Paulo.

Na hipótese, o laudo de avaliação judicial provisória exarado por força de brilhante decisão do Tribunal Local, apontou a vultosa diferença de mais de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) entre o valor depositado pelo Poder Expropriante e o efetivamente devido.

Isto demosntra que, se não fosse elaborado um laudo de avaliação provisória, o valor colocado à disposição da cooperativa médica expropriada seria irrisório e, o que é mais grave, não asseguraria o imediato restabelecimento de uma atividade fundamental para toda a sociedade, qual seja, a prestação de serviços de saúde, atingindo-se, assim, não só o direito a justa e prévia indenização em dinheiro, mas o direito fundamental por excelência: a vida.

Como se verifica, resta demonstrado à saciedade, que a exigência de avaliação provisória do imóvel é requisito legal impostergável para concessão da imissão provisória na posse, sendo direito fundamental do expropriado, que faz jus a uma indenização prévia, justa e em dinheiro, nos termos do art. 5° da Constituição.

Finalmente, o já mencionado Professor Clóvis Beznos traz, ainda, outro relevante fundamento que socorre a tese da necessidade de laudo de avaliação anterior à imissão provisória na posse. É que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n.° 101/00), em seu art. 46, fixa como nulo o ato de desapropriação expedido sem o prévio depósito judicial da indenização, como forma de controlar as finanças públicas, objetivando evitar a sobrecarga orçamentária, com desapropriações para pagamentos futuros que comprometem as futuras administrações. [14]

Diante do exposto, resta forçoso concluir que o sistema jurídico em vigor demanda que seja efetivado o depósito do valor respaldado por laudo judicial de avaliação provisória.

Por derradeiro, atente-se, mais uma vez, ao fato de que, para configurar a exigência constitucional, além de prévia, a indenização deve ser justa, ou seja, não pode haver avaliações indevidas, parciais, incompletas, ainda que provisórias. Em rigor, a provisoriedade do laudo não implica na admissibilidade de sua incompletude, insuficiência. Conquanto provisório, deve ser completo. Por isto mesmo é que a avaliação judicial prévia não é apenas do imóvel, mas de tudo aquilo que lhe agrega valor, isto é, além do valor "seco" do bem, o valor justo na acepção da prescrição constitucional é aquele que incluí os danos emergentes, lucros cessantes e outras verbas específicas que resultem da perda da posse do bem, como por exemplo as de custo de desmobilização (DL 3365/41, art. 25, § único), sem prejuízo dos juros moratórios e compensatórios, as despesas judiciais, os honorários advocatícios e a correção monetária, verbas estas também devidas e que são apuradas ao longo do processo., ao ensejo de uma avaliação judicial minuciosa, respeitado o contraditório e o pleno direito de defesa.

Vale dizer, avaliação provisória não é avaliação parcial/incompleta. Deve conter todos os elementos necessários ao alcance de um valor aproximado de uma justa indenização, incluindo-se aqui os custos pertinentes ao imediato e impostergável restabelecimento das funções antes desenvolvidas no imóvel expropriado.


5. Considerações finais e conclusões

Na feliz expressão de Uadi Lammêgo Bulos, a desapropriação é "filha do Estado Democrático de direito", uma vez que "surge em sentido contrário ao confisco, instrumento arbitrário dos déspotas e monarcas, que se apropriavam das terras sem qualquer justificativa nem indenização." [15]

Trata-se de garantia fundamental inserta na Constituição para defesa de um direito fundamental, qual seja, o direito de propriedade. [16]

Daí porque concluímos, diante da interpretação do ordenamento constitucional e infraconstitucional posto que, para preenchimento dos requisitos para imissão provisória na posse, deve o Poder Expropriante (i) alegar urgência, sendo que esta deve ser concreta e verídica, estando a declaração, neste particular, sujeita ao controle pelo Poder Judiciário e (ii) depositar o valor da justa indenização, a ser aferida mediante laudo judicial de avaliação provisória, contemplando, na íntegra, o valor efetivo do dano sofrido pelo expropriado, possibilitando, destarte o imediato restabelecimento da situação anterior, razão pela qual vislumbramos, data máxima vênia, a necessidade de revisão da citada jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Federal para sejam preservados, em sua plenitude, os princípios do devido processo legal, isonomia e da justa e prévia indenização.

Finalmente, caso esses requisitos legais não sejam devidamente respeitados, caberá ao Poder Judiciário, quando provocado por que tenha legítimo interesse para agir, fulminar por nulidade o ato administrativo ilegalmente praticado.


Notas

  1. 1Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 2008, p. 58 e s.s.
  2. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, p. 153.
  3. Diz-se em regra, pois a própria Constituição fixa hipótese em que a indenização não é devida (art. 243) ou não é paga em dinheiro (arts. 182 e ss.).
  4. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 287.
  5. Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. p. 866.
  6. Desapropriação, 7ª ed., p. 119.
  7. Vide TJSP, RDA 47/190.
  8. Mello, op. cit. p. 373 e ss.
  9. In Curso de Direito Administrativo, 20ª ed. p. 829-830.
  10. Op. cit. p. 166-168.
  11. "ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. AVALIAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 15 DO DECRETO-LEI N. 3.365/41. PRECEDENTES. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a imissão provisória em imóvel expropriando somente é possível mediante prévio depósito do valor apurado em avaliação judicial provisória, não havendo de ser substituída por mera avaliação efetuada por entidade particular. Ausência de violação do art. 15 do Decreto-Lei n. 3.365/41. 2. Recurso especial conhecido e não-provido."(REsp 181407 / SP)

    IMÓVEL EXPROPRIANDO. PRÉVIO DEPÓSITO DE VALOR APURADO EM AVALIAÇÃO JUDICIAL PROVISÓRIA. EXIGÊNCIA. - "A imissão provisória em imóvel expropriando, somente é possível mediante prévio depósito de valor apurado em avaliação judicial provisória." (IURESP 19.647/SP-Humberto). - Recurso improvido.(AgRg na MC 5000 / RJ)

  12. Confira-se, por todos, o RE n° 178.215-3.
  13. Para uma desapropriação de garantia do cidadão e da administração. In Pires, Luis Manuel Fonseca., e Zockun, Maurício (coords.). Intervenções do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 170.
  14. Op. cit. p. 50-51.
  15. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 198.
  16. Neste sentido é o entendimento da melhor doutrina. Cite-se, por todos, o escol de Maria Garcia que, com apoio nas lições de Pontes de Miranda, assevera que "não obstante se assinale universalmente essa característica da vis compulsiva, Pontes de Miranda observa que a expropriação figura na sistemática constitucional brasileira, antes como garantia constitucional do que como ameaça à sua integridade, sendo a indenização, o ressarcimento, a compensação à perda patrimonial sofrida pelo expropriado, prévia e justa, mediante a qual o princípio da garantia mantém-se incólume e inviolado." Garcia, Maria. Desapropriação para Urbanização e Reurbanização. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 27.
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Sobre o autor
Georges Louis Hage Humbert

Advogado e professor. Pós-doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em direito do Estado pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de São Paulo. www.humbert.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMBERT, Georges Louis Hage. A ação de desapropriação por utilidade pública e os requisitos para a concessão de imissão provisória na posse.: Necessidade de revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1960, 12 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11923. Acesso em: 28 mar. 2024.

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