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Controle de constitucionalidade político

01/05/2000 às 00:00
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I – GENERALIDADES

No sistema jurídico-constitucional brasileiro três são os sistemas de controle de constitucionalidade das leis e atos do poder público: o político, o jurisdicional e o misto.

Destes, hoje, o mais difundido entre nós (porque de melhor eficácia) é o controle jurisdicional ou repressivo, não sendo usado por nós o controle misto – assim chamado porque algumas espécies de leis são submetidas ao controle político e outras ao controle jurisdicional – como acontece na Suíça, onde as leis de caráter federal são submetidas ao crivo do controle político da Assembléia Nacional e as leis de caráter local são submetidas ao controle jurisdicional.

Entretanto, dos três sistemas, interessa-nos ao deslinde deste estudo o controle de constitucionalidade político ou preventivo.

O princípio da supremacia constitucional exige que todo o ordenamento jurídico se conforme com os ditames e princípios postos pela Grund Norm (Kelsen), e o sistema constitucional brasileiro consagra duas formas de inconstitucionalidade: a inconstitucionalidade por ação (ativa) e a inconstitucionalidade por omissão (passiva) – (CF, art. 102, I, a e p, III e art. 103, § 2º).

Sendo o Poder Legislativo essencialmente discricionário, porque dispõe de liberdade na regulação do conflito de interesses, produzindo uma norma que diga respeito a uma determinada situação prevista hipoteticamente, e não estando obrigado a legislar, dada a soberania de que está revestido, o controle político de constitucionalidade alcança tanto a forma ativa como a forma passiva de inconstitucionalidade, i. é., a inconstitucionalidade por ação e a inconstitucionalidade por omissão.

O controle de constitucionalidade político pode ser exercido na sua forma passiva, ou seja, na inconstitucionalidade por omissão, quando o Poder competente para a adoção das providências necessárias vier a adotá-las de maneira efetiva fazendo promulgar a norma necessária a tornar eficaz o texto constitucional dependente de legislação infraconstitucional.

Enquanto o Poder competente não adotar as medidas necessárias a tornar eficaz a norma dependente de regulamentação, cabe ao Judiciário integrá-la, na forma do art. 4º, da LICC, de lege ferenda.

Dois são os órgãos que normalmente exercem o controle político de constitucionalidade ativa, ou por ação – o Poder Legislativo e o Poder Executivo –, raramente interferindo o Poder Judiciário, quando provocado, no controle político de constitucionalidade passiva, ou por omissão, quando então se manifesta – não com função judicante, mas sim com função política – ao dar ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias a que a norma constitucional torne-se efetiva, dado o princípio da discricionariedade do legislador que torna quase ineficaz a recomendação contida no art. 103, § 2º, da Constituição Federal.

Duas, igualmente, são as formas de controle político de constitucionalidade das leis: uma interna – porque operada dentro do Parlamento, e antes que o projeto de lei siga à sanção do Chefe do Poder Executivo – e outra externa – porque exercida fora do Parlamento, pelo Chefe do Poder Executivo, antes de dar executoriedade à lei.

Esse controle político de constitucionalidade é exercido porque têm-se em mente que o objeto a ser atacado, para se escoimar a eiva da inconstitucionalidade, é a norma que contraria o figurino traçado pela Norma Maior ou Constitucional.

A previsão, nessa fase, não é a aplicabilidade da norma em elaboração ao caso concreto, mas sim, em desacordo – em antagonismo – com os postulados constitucionais ou regras estabelecidas pelo legislador constituinte a ser observado pelo legislador ordinário para o bom ordenamento jurídico de um Estado.

O que não se pode descurar no sistema de controle político de constitucionalidade – quer interno ou externo ao Parlamento – é que a norma a ser gerada em contrariedade com os postulados constitucionais jamais poderia sobrepor-se à Constituição – dado o princípio da supremacia constitucional – e nem tampouco ingressar no mundo jurídico, por um mero capricho do legislador, produzindo efeitos inválidos (ou nulos, melhor dizendo) desde o seu nascimento (ex tunc) a ser declarado pelo Poder Judiciário.

Assim, para o pleno exercício da sua capacidade legislativa sã, os detentores dessa faculdade primeira de controle político de constitucionalidade possuem ainda mais uma outra faculdade em nosso ordenamento jurídico-constitucional: o de propor ação direta de inconstitucionalidade, como preceitua o art. 103, I a IV, da Carta Constitucional de 88, para erradicar, de vez, a norma considerada como inconstitucional, provocando o Poder Judiciário a exercer a sua capacidade legislativa negativa.


II. CONTROLE POLÍTICO DE CONSTITUCIONALIDADE DO PODER LEGISLATIVO

Internamente, o Poder Legislativo exerce o controle de constitucionalidade de sua produção legislativa por meio de seus órgãos internos, sendo, preliminarmente, desenvolvido pela sua Mesa Diretora – através da Presidência – que rejeitará toda e qualquer proposição a ser submetida à deliberação do Plenário, que venha a ser considerada flagrante ou manifestamente inconstitucional, cabendo ao seu autor (ou autores) recorrer(em) dessa decisão à audiência da comissão permanente que tem por finalidade fazer esse controle político preliminar de constitucionalidade que, normalmente, denomina-se Comissão de Constituição e Justiça.

Posteriormente a esse controle preliminar, o órgão competente para orientar o Plenário sobre a inconstitucionalidade – ou não – de qualquer projeto é a Comissão de Constituição e Justiça.

Tendo em mente que a lei só gera efeitos para o futuro, desde a sua entrada em vigor, a Mesa Diretora (ao se escusar em dar prosseguimento a um projeto de lei manifestamente inconstitucional) ou a Comissão de Constituição e Justiça (ao rejeitar projeto do mesmo jaez) jamais poderão permitir que uma lei adentre no mundo jurídico com a eiva da inconstitucionalidade porque, assim o fazendo, os efeitos decorrentes de sua aplicabilidade jamais poderão ser neutralizados por lei posterior, ante o princípio da irretroatividade da lei.

Demais, essa competência legislativa negativa foi outorgada constitucionalmente ao Supremo Tribunal Federal, cabendo ao Senado (a nível federal), às Assembléias Legislativas (a nível de Estado-membro) e às Câmaras Municipais (a nível municipal) suspenderem a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal de Justiça do Estado, neste caso, em se tratando de legislação local frente à Constituição do respectivo Estado-membro.

É de se notar, nesta oportunidade, que a declaração definitiva de inconstitucionalidade de norma inquinada de inconstitucional pelo Poder Judiciário deverá ser comunicada oficialmente ao Poder Legislativo responsável (em tese) pela elaboração da norma, para que tome as providências previstas constitucionalmente para retirar-lhe a executoriedade, que não significa a sua revogação e nem a sua anulação.

Entretanto, em ambos os casos, a suspensão da execução pelas respectivas Casas Legislativas opera-se com efeitos ex nunc, i. é., a resolução do Senado Federal e o decreto legislativo da Assembléia Legislativa ou da Câmara Municipal, têm a eficácia de suspender a executoriedade da lei, julgada inconstitucional, a partir do momento da entrada em vigor do Ato legislativo que suspender a sua executoriedade.

Esse entendimento, harmoniza-se com o que antes afirmamos acerca da irretroatividade da lei, baseando-se no princípio da anulabilidade do ato jurídico, que não é finalidade deste trabalho em dissecá-lo.


III – CONTROLE POLÍTICO DE CONSTITUCIONALIDADE DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO

Nada obstante o não convencimento do Plenário da Casa Legislativa sobre a inconstitucionalidade do projeto de lei, ainda assim, ao ser encaminhado para a sanção do Chefe do Poder Executivo, o projeto de lei considerado inconstitucional ainda está passível de mais um controle político de constitucionalidade, o veto.

Se o Chefe do Poder Executivo considerar o projeto de lei, total ou parcialmente, inconstitucional ou contrário ao interesse público, poderá a ele opor-se, vetando-o (isto é, não sancionando-o) no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, comunicando essa sua decisão ao Presidente do Poder Legislativo respectivo, com os motivos que o levaram a não aceitá-lo.

Neste ponto do nosso estudo, uma consideração há que se fazer com relação ao exercício desse controle político de constitucionalidade que pode ser deflagrado pelo Chefe do Poder Executivo.

A consideração é acerca da seguinte indagação: sendo atribuição institucional do Poder Executivo dar executoriedade às leis, poderia o Chefe do Poder Executivo deixar de aplicar uma lei por entendê-la inconstitucional? Pois que, não raras vezes, insurge-se o Chefe do Poder Executivo contra uma lei (ou norma) considerada por ele como inconstitucional e cujo veto foi rejeitado pela Casa Legislativa correspondente.

A minha resposta é pela negatividade. Somente o Poder Judiciário poderá declarar inconstitucional uma lei ou um ato do Poder Público, jamais um dos demais Poderes constituídos poderá recusar-se a dar executoriedade a uma lei, enquanto esta não for oficialmente declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário, que detêm a competência do controle abstrato repressivo. Os demais Poderes, somente possuem o controle abstrato preventivo, como dissemos inicialmente neste trabalho.

A prerrogativa do exercício da atividade legislativa negativa só foi outorgada constitucionalmente ao Poder Judiciário, somente ele pode retirar a vigência e determinar a ineficácia de uma norma por ele considerada inconstitucional, falecendo essa competência aos demais Poderes que não poderão negar-lhe a eficácia, enquanto assim não o propuser o Judiciário.

Dada essa competência de exercer, com exclusividade, a atividade legislativa negativa, ou seja, sendo o Poder Judiciário o único que poderá retirar do mundo jurídico uma norma por ele considerada inconstitucional, os demais Poderes (Legislativo e Executivo) não poderão assim considerá-la porque não lhes foi outorgada essa prerrogativa, a outorga foi feita apenas para o exercício do controle de constitucionalidade político antes da entrada em vigor da norma, isto é, antes da sua promulgação.

Enquanto o projeto de lei não é promulgado, não existe lei, a norma não tem executoriedade, ou seja, ainda não tem vigência, é uma lei em tese, e somente nessa fase é que os Poderes Legislativo e Executivo poderão manifestar-se positivamente, exercendo o controle político de constitucionalidade, pelos meios dispostos constitucionalmente ao seu alcance.

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Ultrapassada essa fase, nem o Executivo e nem o Legislativo poderão negar executoriedade – ou descumprir – à lei, sob o argumento de que ela é inconstitucional. O máximo que poderão fazer é exercerem a outra faculdade que lhes é posta constitucionalmente, ou seja, passar ao pólo ativo da ADIn na provocação do Poder Judiciário, que é o único Poder que tem – nessa fase – a competência de exercer a atividade legislativa negativa, retirando do mundo jurídico aquela norma que foi nele lançada com a eiva da inconstitucionalidade.

Como vimos, se um projeto de lei for encaminhado à sanção do Chefe do Poder Executivo, e este vier a vetá-lo dentro do prazo estabelecido legalmente, as razões do veto, com o respectivo projeto deverão retornar à Casa Legislativa respectiva para que, apreciando-o novamente, convença-se – ou não – das razões expostas pelo Chefe do Poder Executivo para não deixar aquela norma entrar no mundo jurídico.

Não convencida a Casa Legislativa respectiva, ou seja, rejeitado o veto (ou as razões do veto) pela sua maioria absoluta, o projeto de lei deverá ser enviado novamente ao Chefe do Poder Executivo, agora não mais para sancioná-lo, mas sim, para promulgá-lo, e, não o fazendo, deverão fazê-lo o Presidente do Poder Legislativo respectivo ou seus substitutos previstos constitucionalmente ou legalmente.

Uma vez promulgada, a lei deverá ser cumprida por todos, indistintamente – ante a presunção de validade constitucional das leis e atos normativos do Poder Público – e uma vez lançada no mundo jurídico a lei existe, produz seus efeitos, tem eficácia e seus efeitos são válidos, com perfeita aplicabilidade até que o Poder Judiciário a julgue e a considere inconstitucional.


IV – CONCLUSÃO

O controle de constitucionalidade político a ser exercido pelos Poderes constituídos no Brasil é anterior ao ato complexo que culmina com a promulgação de uma lei.

O Poder Executivo ao exercer a prerrogativa de vetar um projeto de lei com fundamento na sua inconstitucionalidade revela-se como guardião da ordem jurídica, colocando-se como defensor preventivo da Carta Maior – no dizer de Manoel G. Ferreira Filho (Curso de Direito Constitucional, 18ª ed., 1990, p. 172).

Ambos os Poderes a quem compete o controle de constitucionalidade político, só exercem atividade política positiva, iniciando os projetos de lei de suas respectivas competências, mas nunca a atividade legislativa negativa, porque essa prerrogativa foi outorgada constitucionalmente ao Poder Judiciário.

Uma vez promulgada uma lei, esta não poderá deixar de ser cumprida por quem quer que seja, ante o princípio e a presunção juris tantum da legalidade e validade constitucional dos atos públicos (CF, art. 37).

Ao exercer o controle de constitucionalidade político, acatando recomendação do Poder Judiciário – nos casos de inconstitucionalidade por omissão – o Poder competente integra e incrementa ao ordenamento jurídico uma norma que, antes, tinha eficácia restringida, sem aplicabilidade prática, amenizando a tarefa jurisdicional de se aplicar o direito ao caso concreto com fundamento na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do direito, como recomenda a Norma de supradireito, a Lei de Introdução ao Código Civil.

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Sobre o autor
José Maria de S. Martínez

advogado em Belém (PA), técnico em assessoramento legislativo da Assembléia Legislativa do Estado do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTÍNEZ, José Maria S.. Controle de constitucionalidade político. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/120. Acesso em: 21 nov. 2024.

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