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A questão da preferência das micro e pequenas empresas no pregão

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02/02/2009 às 00:00
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APLICAÇÃO DA PREVISÃO CONTIDA NO ART. 45, INC. II, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/06, NAS LICITAÇÕES PROCESSADAS PELA MODALIDADE PREGÃO

Mesmo tendo sua oferta reputada empatada com aquela oferecida por empresa não enquadrada no conceito de microempresa ou empresa de pequeno porte, pode inexistir o interesse da beneficiária em reduzir o valor de sua proposta.

Além dessa hipótese, ainda que reduza o seu preço, talvez a microempresa ou empresa de pequeno porte não chegue a celebrar o futuro contrato com a Administração Pública, por várias razões, tais como ausência de comprovação de sua regularidade fiscal por ocasião da convocação para assinatura, por exemplo.

Nesses casos, o inc. II do art. 45. da Lei Complementar nº 123/06 prevê que:

II - não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1º e 2º do art. 44. desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito.

A difícil redação do dispositivo legal tem como objetivo definir que, seja qual for a causa que impedir a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte beneficiada inicialmente com a preferência para o desempate, deverão ser convocadas, de acordo com a ordem de classificação, as licitantes remanescentes que também se enquadrem no conceito de microempresa e empresa de pequeno porte e cujas propostas sejam alcançadas pelos critérios definidos no art. 44, §§ 1º e 2º.

Visualize-se a seguinte ordem de classificação em licitação realizada pela modalidade pregão:

Ao final da fase de lances a Licitante A apresentou o menor preço, mas a Licitante B, uma microempresa, teve sua oferta considerada empatada por força do art. 44, § 2º, da Lei Complementar nº 123/06. Com base na prerrogativa prevista no art. 45, inc. I, da mesma Lei, ofereceu preço inferior ao melhor.

Uma vez convocada para celebrar o contrato, a Licitante B não comprovou a necessária regularidade fiscal, por exemplo. Nesse caso, de acordo com o inc. II do art. 45, cabe à Administração convocar as licitantes remanescentes que sejam microempresas ou empresas de pequeno porte e cujas ofertas também estejam empatadas com a primeira (§ 2º do art. 44), para, observada a ordem classificatória, questioná-las acerca do interesse de também apresentarem preço inferior ao da Licitante A.


APLICAÇÃO DA PREVISÃO CONTIDA NO ART. 45, INC. III, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/06, NAS LICITAÇÕES PROCESSADAS PELA MODALIDADE PREGÃO

As primeiras remanescentes nessa condição seriam as Licitantes C e X, ambas empresas de pequeno porte, cujas ofertas são equivalentes. Para saber qual das duas licitantes terá o direito de exercer primeiro a preferência, se assim desejar, a Lei Complementar nº 123/06 determina seja feito um sorteio. A redação legal estabelece que:

III - no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 44. desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta. (Grifamos.)

Então, feito o sorteio, imagine-se que nem a Licitante C e nem a Licitante X manifestam interesse. Logo em seguida, seria convocada a Licitante D, outra empresa de pequeno porte, que manifestando interesse e apresentando preço inferior ao da Licitante A, teria sua documentação de habilitação avaliada.

Uma vez habilitada, terá para si adjudicado o objeto da licitação. Daí, comparecendo quando convocada para a assinatura do contrato e demonstrada sua regularidade fiscal, a Licitante D será contratada. Em se recusando injustificadamente ou não comprovando sua regularidade fiscal, a Administração não poderá convocar a Licitante E, pois mesmo sendo uma microempresa, seu preço não está empatado com o da Licitante A, na forma do art. 44, § 2º. Nesse último caso, será verificada a habilitação da Licitante A e o objeto licitado será adjudicado em seu favor, de acordo com § 1º do art. 45. da Lei Complementar nº 123/06.

Análise das propostas e exeqüibilidade de preços

Aspecto de extrema importância nas licitações realizadas pela Administração Pública é a avaliação da aceitabilidade dos preços obtidos. Entende-se por análise de aceitabilidade a verificação de conformidade dos valores propostos na licitação com aqueles efetivamente praticados no mercado privado, de modo a evitar que a Administração arque com custos superiores. Diversas disposições da Lei de Licitações determinam o dever de a Administração evitar contratações com preços excessivos e superfaturados.10

Mas, tão grave senão pior do que firmar contratos com preços excessivos é a celebração de ajustes com preços inexeqüíveis, assim considerados aqueles cujo custo para execução do objeto é superior ao preço ofertado. Nessas hipóteses, a Administração fica sujeita à execução imperfeita ou parcial do objeto ou, ainda, à sua total inexecução. Produtos com qualidade inferior a exigida no edital e obras com estruturas comprometidas ou acabamento prejudicado são exemplos de resultados diretos da execução de contratos com preços inexeqüíveis.

No pregão, a análise de aceitabilidade de preços e, em especial a respeito de eventual inexeqüibilidade, recebe importância ainda maior e também mais complexa, haja vista a possível redução dos preços na fase de lances.

De acordo com o inc. VII do art. 4º da Lei nº 10.520/02, iniciada a sessão do pregão e abertas as propostas inicialmente apresentadas pelas licitantes, cabe ao pregoeiro proceder a verificação de atendimento aos requisitos de qualidade e produtividade estabelecidos no instrumento convocatório. Nesse momento, é dever do pregoeiro desclassificar as propostas que não satisfaçam as exigências previstas no instrumento convocatório da licitação.11

No entanto, caberia ao pregoeiro avaliar, nesse momento, aspecto relacionado com o preço das propostas? Também seria dever do pregoeiro desclassificar as propostas que consignassem preços excessivos ou inexeqüíveis? A questão é controvertida e ainda não foi pacificada. Assim, é possível formatar resposta em ambos os sentidos: positivo12 e negativo.

Ao nosso ver, não cabe ao pregoeiro desclassificar propostas nesse momento exclusivamente por conta de defeito relacionado ao preço. No momento da abertura das propostas, o pregoeiro deve limitar sua avaliação ao atendimento dos requisitos de qualidade e produtividade fixados no edital, deixando a análise de aceitabilidade acerca da exeqüibilidade e economicidade das ofertas para o final da fase de lances, de acordo com os termos do inc. XI do já citado art. 4º da Lei nº 10.520/02:

Art. 4º examinada a proposta classificada em primeiro lugar, quanto ao objeto e valor, caberá ao pregoeiro decidir motivadamente a respeito da sua aceitabilidade.

A sistemática adotada na modalidade pregão objetiva estabelecer a disputa entre as licitantes basicamente no quesito preço. Essa é a finalidade da fase de lances, na qual é possível reduzir os valores inicialmente cotados. Uma vez verificado o atendimento das condições fixadas no edital, a disputa entre as licitantes se concentra na fase de lances. Com isso, objetiva-se ampliar a competitividade entre as participantes e a economicidade para a Administração Pública.

Assim, imagine-se que todas as propostas apresentadas inicialmente trouxessem valores excessivos. Ainda que esse fosse um defeito capaz de inviabilizar a adjudicação do objeto nas modalidades previstas na Lei nº 8.666/93, no pregão nada impede que tal defeito seja sanado na fase de lances, com a conseqüente redução dos valores.13

Restaria saber se em situação oposta a Administração poderia dar continuidade ao certame. Imagine-se que todas ou pelo uma das propostas iniciais apresente preço com forte indício de inexeqüibilidade. O pregoeiro poderia dar continuidade na disputa?

Guardando coerência com as razões acima, a resposta é positiva. Isso porque um mero indício não é suficiente para desclassificar uma proposta, e a identificação de preços inexeqüíveis na licitação é de extrema complexidade, pois inexistem parâmetros objetivos que possam ser aplicados com segurança em todo e qualquer caso. Assim como a inexeqüibilidade de uma proposta depende de fatores relacionados com o próprio objeto e seu mercado, esse aspecto também guarda estreita relação com a gestão do negócio efetivada pelas licitantes. Isso faz reconhecer que o exame de suposta inexeqüibilidade de preços requer considerar a realidade específica de cada licitante.14

Como regra, quanto menor for o custo de produção (execução do objeto) e mais próximo desse valor for o preço proposto, mais vantajosa será a oferta para a Administração. Essa razão faz com que a proposta inexeqüível se aproxime e até se confunda com a proposta extremamente vantajosa, o que dificulta sua identificação. Eis porque, a melhor forma de atestar eventual inexeqüibilidade de uma proposta é exigir da licitante proponente a comprovação de sua viabilidade econômica.

Ao se deparar com proposta reputada inexeqüível, o pregoeiro deve solicitar da proponente demonstração de que os custos de produção são compatíveis com os preços dos insumos e salários, acrescidos dos respectivos encargos, demonstrando sua viabilidade documentalmente e comprovando que os preços são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto.15

Sendo assim, a possível mutabilidade das propostas na fase de lances torna sem sentido análise dessa espécie logo na abertura das propostas iniciais. Portanto, com base na sistemática procedimental e na celeridade que deve permear a execução do pregão, não se entende compatível a análise de exeqüibilidade no momento da abertura das propostas.16

Ocorre que, com a edição da Lei Complementar nº 123/06, a análise de exeqüibilidade da melhor proposta obtida ao final da fase de lances poderá demandar dupla análise pelo pregoeiro.

Assim, ao final da etapa competitiva, o pregoeiro deverá verificar a exeqüibilidade do menor lance, antes mesmo de se certificar sobre eventual ocorrência de empate, na forma dos arts. 44. e 45 da Lei Complementar nº 123/06. Se a melhor proposta for inexeqüível, deve ser desclassificada, não podendo interferir no resultado da licitação.

Todavia, se a melhor proposta for reputada exeqüível, caberá ao pregoeiro verificar se foi apresentada por licitante microempresa ou empresa de pequeno porte. Dessa verificação, decorrem duas possíveis situações: Em caso positivo, a licitante microempresa ou empresa de pequeno porte será declarada vencedora da fase de lances e seus documentos de habilitação serão avaliados. Em caso negativo, o pregoeiro deverá avaliar se existem propostas apresentadas por licitantes enquadradas naquele conceito jurídico em condição de empate. Novamente surgem duas possíveis situações: Em caso negativo, a licitante será considerada vencedora da fase de lances e segue-se para sua habilitação. Em caso positivo, abre-se o prazo para o exercício do direito de preferência.

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Preenchidos os requisitos legais para o exercido desse direito, o pregoeiro deverá emitir novo juízo de valor, dessa vez acerca da aceitabilidade ou não da nova proposta apresentada pela licitante microempresa ou empresa de pequeno porte. Como se disse acima, o exame acerca da (in)exeqüibilidade de preços requer considerar a realidade específica de cada licitante. Por isso, ainda que a proposta fruto da preferência exercida por licitante microempresa ou empresa de pequeno porte, seja apenas um centavo inferior àquela anteriormente considerada de menor valor e que já teve sua exeqüibilidade aferida, o pregoeiro não poderá realizar novo exame.

Por certo que todas essas análises e decisões do pregoeiro deverão restar devidamente motivadas e exaradas nos autos do processo administrativo que orienta o processamento da licitação, viabilizando a execução de posterior controle interno e externo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei Complementar nº 123/06 inovou ao tratar de matéria reservada para lei ordinária de competência exclusiva da União, qual seja: legislar normas gerais sobre licitações e contratos administrativos.

O simples fato de se editar normas gerais sobre esses assuntos por lei complementar não constitui maior problema.17 A conseqüência mais grave reside nos efeitos que essas disposições causam sobre o instituto das licitações públicas.

Há muito que as normas sobre licitações carecem de verdadeira reforma. A Lei nº 8.666/93 já se mostra ultrapassada e antiquada em muitas de suas disposições, havendo, inclusive, projetos de lei que pretendem sua modernização. O último avanço na matéria ocorreu com a criação da modalidade pregão, que em curto espaço de tempo se tornou a que permite a realização de processos de contratação em menor espaço de tempo e com economia considerável para a Administração Pública.18

Ocorre que a presente análise, que enfoca aspectos relacionados com a aplicação de apenas duas disposições da Lei Complementar nº 123/06 (arts. 44. e 45) sobre as licitações processadas pela modalidade pregão, já permite prever que esses procedimentos passarão se tornar mais lentos e até mesmo menos competitivos em certos casos. Isso porque novos documentos, prazos e atos passam a ser exigidos para a perfeita realização da licitação. Por conseqüência, passa-se a exigir novas análises e decisões do pregoeiro, as quais não podem deixar de ser motivadas. A conjugação disso tudo amplia a complexidade e serve também como fonte para discussões em sede recursal.

Dessa feita, ainda que o objetivo em relação à ampliação da participação das microempresas e empresas de pequeno porte nas compras públicas seja atendido, é preciso avaliar a que custo isso se dará, especialmente no que diz respeito à economicidade e à eficiência que envolvem a realização de licitações pela modalidade pregão. Com certeza, essa deve ser mais uma das polêmicas que envolvem a implementação das normas gerais sobre licitações e contratos previstas pela Lei Complementar nº 123/06.

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Sobre o autor
Ricardo Alexandre Sampaio

Advogado e Consultor jurídico na área de licitações e contratos. Especialista em Direito Administrativo. Diretor técnico da Zênite Informação e Consultoria S.A., Coordenador Editorial das Revistas Zênite de Licitações e Contratos - ILC e de Direito Administrativo e LRF - IDAF. Colaborador da obra: "Lei de Licitações e Contratos Anotada" (6ª ed., 2005, Zênite Editora). Autor de diversos artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMPAIO, Ricardo Alexandre. A questão da preferência das micro e pequenas empresas no pregão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2042, 2 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12277. Acesso em: 24 abr. 2024.

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