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Mas o que foi que eu fiz?

Considerações sobre o assédio moral e as implicações tangíveis pelo ordenamento jurídico brasileiro na atualidade

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RESUMO:

O assédio moral no trabalho é uma prática que remonta aos tempos mais longínquos, tendo sido encarado, por muito tempo, como mero conflito natural. Contudo, a partir das duas últimas décadas do século XX essa conduta passou a ser objeto de estudo entre as Ciências, sobretudo nas áreas da Medicina e Psicologia. Atualmente, certo é afirmar que a psicoviolência no ambiente laboral e seus malefícios ao corpo e à alma têm, também, incitado o ordenamento jurídico a encontrar aparato legal capaz de erradicar tamanha perversidade. No Brasil, há de se reconhecer expressivo esforço dos tribunais no sentido de compreender essa forma de violência e de promover a prestação jurisdicional sob o enfoque de preceitos já consagrados no âmbito do Direito Constitucional, Direito Civil e Direito do Trabalho. Assim é que se pode cogitar que a violência psicológica no trabalho afeta a saúde e fere a dignidade do trabalhador. Outrossim, desrespeita o direito a um ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado e a sua valorização social. Ademais, comporta a reparação civil em razão dos gravames suportados pelo obreiro tanto na esfera moral, quanto material. E, por fim, é visto sob o enfoque da infortunística laboral e como motivo para a despedida indireta. Ante o exposto, o presente trabalho foi desenvolvido com vistas a investigar o terror psicológico no trabalho e apresentar as implicações tangíveis pelo ordenamento jurídico na atualidade.

Palavras-chave: Assédio – Moral – Trabalho – Ordenamento - Jurídico.

Sumário: 1. Introdução. 2. O Assédio Moral No Trabalho. 2.1. Momento do despertar. 2.2. Nomenclatura da violência moral: um giro pelo mundo. 2.3. O que é assédio moral no trabalho. 2.4. O que não é assédio moral no trabalho. 2.5. Personagens do psicoterror. 2.6. Tipologia do assédio moral. 2.7. O terror psicológico: suas fases e efeitos sobre a saúde do trabalhador. 2.8. Outros efeitos do assédio moral: para além da figura do obreiro assediado. 3. O ordenamento jurídico brasileiro em face do assédio moral no ambiente de trabalho. 3.1. A Constituição Federal e suas garantias contra o assédio moral. 3.2. O Código Civil e a reparação do dano causado pelo psicoterror no trabalho. 3.3. A Consolidação das Leis do Trabalho: a proteção ao trabalhador assediado. 3.4. A problemática da prova judicial do assédio moral. 4 Considerações Finais.


1. INTRODUÇÃO:

O assédio moral é mesmo assim... No início são somente brincadeiras de mau gosto, nada que não possa ser contornado com um cordial sorriso.

Seguem-se as ironias e a hostilidade vai ficando mais habitual e intensa. Então, a vítima percebe que algo não vai bem e passa a questionar-se: "mas o que foi que eu fiz?".

Mesmo assim, ela prefere dar tempo ao tempo, na esperança por momentos melhores, pois, passa por sua mente que tudo não é mais que um grande mal entendido e que, com os dias, tudo voltará à normalidade.

No entanto, as manobras vão se tornando mais rudes e surgem as críticas ao seu desempenho profissional, o tratamento áspero marcado por zombarias e pela ridicularização, tudo com a pura intenção de destruí-la moralmente.

Por vezes, obrigam-na a executar tarefas inferiores a sua capacidade ou, então, superiores as suas forças. Deixam-na numa sala vazia, sem nenhuma tarefa, sem nenhuma dignidade.

Nesse momento, o trabalho já se tornou um verdadeiro martírio e surgem os primeiros sinais da degradação do espírito na forma de perturbações sobre o corpo e a mente. Não raro, a vítima passa a preferir a morte a ter de ir trabalhar...

Diante disso, ela começa a ausentar-se com freqüência, passando a ser encarada como um estorvo, de forma que aumentam as exigências em torno dela e a saída forçada do mundo do trabalho passa a ser uma questão de muito pouco tempo.

O presente trabalho possui por escopo investigar o fenômeno da violência moral e as possíveis implicações tangíveis, hodiernamente, pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista a inconteste relevância da discussão acerca do tema, pois, o homem merece, sem dúvida, encontrar no trabalho a sua realização enquanto ser produtivo.


2. O ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

2.1. Momento do despertar

O assédio moral, prática que remonta aos tempos mais longínquos da humanidade, já foi encarado como procedimento amplamente consentido nas relações de trabalho.

A mudança desse paradigma somente ocorreu a partir das últimas décadas do século XX, em razão de pesquisa realizada pelo psiquiatra alemão - naturalizado sueco - Heinz Leymann que apontou, pela primeira vez, a ocorrência do fenômeno na esfera trabalhista.

As pesquisas de Leymann se realizaram, sobretudo, na Suécia e culminaram em um ensaio científico publicado no ano de 1984.

Difundidos esses apontamentos em mais países do norte da Europa, muitos outros estudiosos também passaram a se debruçar sobre o tema e novas pesquisas pulularam de modo generalizado por todo aquele continente.

Na França, nos anos de 1990, a psiquiatra Marie-France Hirigoyen, ao tratar do fenômeno em sua obra "Assédio moral: a violência no cotidiano", denunciou-o para o mundo.

No Brasil, investigações a respeito do assédio moral tiveram por marco inicial a dissertação de mestrado em Psicologia Social, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em maio de 2000, pela médica do trabalho Margarida Maria Silveira Barreto sob o título "Uma jornada de humilhações", em que ela, com sensibilidade, relata a mortificação que essa conduta funesta desperta no trabalhador.

2.2. Nomenclatura da violência moral: um giro pelo mundo

Em países como Itália, Alemanha e Países Escandinavos, o assédio moral é definido como mobbing que, segundo HIRIGOYEN (2002, p. 77). "[...] vem do verbo inglês to mob, cuja tradução é maltratar, atacar, perseguir, sitiar. Já o substantivo mob significa multidão, turba. Não se deve esquecer que, em inglês, Mob, com letra maiúscula, significa máfia."

Já na Inglaterra, tendo em vista o tratamento tirânico, grosseiro e desumano característico da violência moral, a nomenclatura escolhida foi bullying, cuja origem reside na palavra bully, ou seja, aquele que ataca os mais fracos.

Por sua vez, nos Estados Unidos, o vocábulo utilizado é harassment em homenagem às pesquisas de Carroll Brodsky que resultaram na obra denominada "The harrassed worker" e, no Japão, onde a concepção do individual não é bem aceita, a prática violenta é definida por ijime, cujo objetivo é "[...] inserir os indivíduos no grupo e os tornar adaptados. Um provérbio japonês resume claramente o fato: ‘O prego que avança vai encontrar o martelo.’ (HIRIGOYEN, 2002, p. 83).

Nos países de Língua Espanhola, é denominado psicoterror laboral ou acoso moral e nos de Língua Portuguesa, também pode ser encontrado sob o título de terror psicológico, tortura psicológica ou humilhações no trabalho.

2.3. O que é assédio moral no trabalho

O fenômeno denominado assédio moral no trabalho tem despertado expressivo interesse em vários setores da sociedade. Medicina e Psicologia foram os primeiros ramos da Ciência a se debruçar sobre o tema. Atualmente, o Direito também tem contribuído para a definição dessa prática tão malévola contra o trabalhador.

Precursor da matéria, LEYMANN expôs que, para o estabelecimento da coação moral, necessário seria que a prática ocorresse durante um lapso temporal delimitado: em média uma vez por semana por um período de aproximadamente seis meses.

Assim, nos seus dizeres, o assédio moral pode ser

A situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema, de forma sistemática freqüente (em média uma vez por semana) e durante um tempo prolongado (em torno de uns seis meses) sobre outra pessoa, a respeito da qual mantém uma relação assimétrica de poder no local de trabalho, com o objetivo de destruir as redes de comunicação da vítima, destruir sua reputação, perturbar o exercício de seus trabalhos e conseguir, finalmente, que essa pessoa acabe deixando o emprego. (LEYMANN apud BARROS, 2008).

Essa definição sofreu muitas críticas, porquanto muito rigorosa. De acordo com BARROS (2008), "hoje é sabido que esse comportamento ocorre não só entre chefes e subordinados, mas vice-versa e entre colegas de trabalho com vários objetivos [...]"

Por assédio moral, HIRIGOYEN (2003, p. 65) entende

[...] toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

E na concepção de BARRETO, pode ser compreendido como

[...] atos e comportamentos agressivos que visam a desqualificação e desmoralização profissional e a desestabilização emocional e moral do(s) assediados(s), tornando o ambiente de trabalho desagradável, insuportável e hostil." (BARRETO apud TARCITANO e GUIMARÃES).

Se por um lado, essas definições trazem à baila o que vem a ser a violência moral contra o trabalhador, de certo que, por outro, também anunciam que nem toda violência pode ser entendida como tal, havendo assim uma necessidade em se promover uma distinção precisa entre essa conduta abusiva e as demais formas de sofrimento no trabalho.

2.4. O que não é assédio moral no trabalho

A partir das publicações de Marie-France Hirigoyen, percebeu-se, no caso do continente europeu, uma forte tomada de consciência pela sociedade.

Destarte, diante de um panorama de mobilização em repúdio a essa forma de afronta à dignidade do trabalhador, que se notou, num segundo momento, a imperatividade em se promover uma conceituação mais precisa e delimitada do fenômeno, eis que, se antes havia um desconhecimento sobre o mesmo, depois se passou a uma generalização da prática abusiva: qualquer forma de conflito e sofrimento no ambiente laboral passou a ser encarada como manipulação perversa no trabalho.

Em verdade, estresse profissional não é assédio moral, uma vez que, em situações de terror psicológico, o que predomina é a falta de respeito, havendo uma relação preponderantemente marcada pela repetida mortificação do indivíduo.

De certo que há uma notória distinção entre uma e outra forma de atentado contra o trabalhador e, nesse sentido, HIRIGOYEN (2002, p. 164) pondera que

Em todas as outras formas de sofrimento no trabalho e, em particular, no caso de uma pressão profissional excessivamente forte, quando cessa o estímulo, cessa também o sofrimento, e a pessoa consegue recuperar o estado normal. O assédio moral, ao contrário, deixa seqüelas marcantes que podem evoluir do estresse pós-traumático até uma sensação de vergonha recorrente ou mesmo modificações duradouras de personalidade. A desvalorização persiste, mesmo que a pessoa esteja afastada de seu agressor. Ela é refém de uma cicatriz psicológica que a torna frágil, medrosa e descrente de tudo e de todos.

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Ademais, impende afiançar que o assédio moral também não é a agressão isolada, mas, pelo contrário, caracteriza-se pela continuidade, pela repetição. Possui alguma perpetuidade e, por conseguinte, nada tem a ver com agressões pontuais que são uma forma de violência destacada e não-premeditada.

De acordo com CAIXETA apud FONSECA (2007)

Em um grupo, é normal que os conflitos se manifestem. Um comentário ferino em um momento de irritação ou de mau humor não é significativo, sobretudo se vier acompanhado de um pedido de desculpas. É a repetição dos vexames, das humilhações, sem qualquer esforço de abrandá-las, que torna o fenômeno destruidor.

E na concepção de NASCIMENTO (2004),

Um dos elementos essenciais para a caracterização do assédio moral no ambiente de trabalho é a reiteração da conduta ofensiva ou humilhante, uma vez que, sendo este fenômeno de natureza psicológica, não há de ser um ato esporádico capaz de trazer lesões psíquicas à vítima. [...] Assim, o arco temporal deve ser suficientemente longo para que cause um impacto real e de verdadeira perseguição pelo assediador.

Logo, para caracterização da coação moral no trabalho, urge concorrer a constância de uma conduta ofensiva e humilhante no tempo e eventos pontuais e esporádicos não o são.

2.5. Personagens do psicoterror

Correto é reconhecer que, em algum momento da vida, qualquer indivíduo pode servir-se, de um modo ou de outro, de meios perversos para defender seus interesses. Trata-se de um comportamento eventual que, por sua vez, naturalmente, culmina em um pesar por parte de quem os deu vazão.

Ao tratar da distinção entre o comportamento perverso casual e a perversidade sistematizada, GUEDES (2005, p. 62) elucida que

A vontade de nos vingar, de destruir o outro, quando nos sentimos lesados, é natural. O que nos distingue de um sujeito perverso é que esses sentimentos não passam de reações ocasionais, momentâneas, passageiras e que são seguidas de remorso e arrependimentos. O sujeito perverso, ao contrário, tem esses comportamentos como regra de vida. Na realidade a perversidade implica estratégia de utilização e depois de destruição do outro, sem a menor culpa.

Com efeito, o efetivo perverso é firme no propósito de humilhar, acarretar sofrimento. Ele não se compadece com o sofrimento alheio. Pelo contrário, satisfaz-se. O que o move, por vezes, é a satisfação em rebaixar o seu semelhante.

O agressor realmente não demonstra uma inclinação da sua alma para ações amáveis e dignas e age sem o menor escrúpulo, mostrando-se insensível diante do mal que enseja à sua vítima.

Segundo WALTER, citado por GUEDES (2005, p. 63), os agressores têm, assim, seu modo de agir:

1 – entre duas alternativas de comportamento escolhem justamente aquela mais agressiva; 2 – quando se encontram em uma situação de conflito, empenham-se ativamente a fim de que o conflito evolua e se intensifique; 3 – conhecem e aceitam de modo ativo as conseqüências negativas do assédio moral que golpeia a vítima, sempre repetindo que a culpa é da própria vítima; 4 – conhecem e aceitam passivamente as conseqüências negativas da violência moral que fere a vítima, sempre se defendendo: "O que devo fazer?" "Não fiz por maldade, alguém deve perder."; 5 – ignoram as conseqüências negativas que o mobbing tem para a vítima, e repetem frases como: "O que é que não vai bem para você?" "Não se faça de vítima"; 6 – Não demonstram qualquer sentimento de culpa; 7 – Estão convencidos de que não têm culpa, mas realmente crêem estar fazendo alguma coisa boa; 8 – Dão aos outros a culpa e estão convencidos de haverem apenas reagido a uma provocação.

O perverso fascina os que o cercam e isso se explica em razão da mensagem de poder e superioridade que ele transmite. Para os espectadores, o assediador é astuto e a vítima, frouxa, covarde ou dotada de pouca esperteza.

Destarte, há de se reconhecer que, no mais das vezes, o espectador é enlevado pela prática perversa. De outro lado, também, pode agir com condescendência no melhor estilo "vocês são brancos... que se entendam!", especialmente nesses tempos modernos em que há uma notória precarização das relações de trabalho e um irrefragável enfraquecimento dos laços de solidariedade entre os homens.

HIRIGOYEN (2003, p.12) denuncia que

Realmente, uma forma atual de tolerância consiste em abster-se de intervir nas ações e opiniões de outras pessoas, mesmo quando essas ações ou opiniões nos pareçam desagradáveis ou até moralmente censuráveis. Temos igualmente uma indulgência espantosa com relação a mentiras e manipulações dos que estão no poder. [...] O contexto sociocultural atual tolera a perversão e com isso permite que ela se desenvolva. Nossa época recusa o estabelecimento de normas. Colocar um limite dando nome a uma manipulação perversa é visto como intenção de censura. Perdemos os limites morais e religiosos que constituíam uma espécie de código de civilidade e que poderiam levar-nos a exclamar: "Isso não se faz!" E não encontramos mais nossa capacidade de indignação, a não ser depois que os fatos aparecem na cena pública, registrados e ampliados pela mídia.

E é nesse panorama que a vítima é imersa: embora inocente, sofre com a indiferença – ou até a desconfiança - dos seus colegas de trabalho.

Note-se que o assediado não é, via de regra, o empregado desidioso ou negligente. Distintamente, pode ser visto como um obreiro responsável e virtuoso.

De acordo com GUEDES (2005, p. 69),

[...] os pesquisadores encontraram como vítimas justamente os empregados com um senso de responsabilidade quase patológico; são pessoas genuínas, de boa-fé, a ponto de serem consideradas ingênuas no sentido de que acreditam nos outros e naquilo que fazem; geralmente são pessoas bem educadas e possuidoras de valiosas qualidades profissionais e morais.

Em verdade, a vitimização pode possuir sua raiz na diferença – ou na sua recusa. A mulher, o homossexual, o portador de necessidades especiais, aqueles que adotam um estilo próprio são possuidores de um perfil ideal para o assediador empregar toda a sua perversidade.

HIRIGOYEN (2002, p. 104) coloca que

O assédio dirigido aos deficientes consiste por vezes em ataques vexatórios a respeito da enfermidade, mas, na maioria dos casos, é feito de forma mais sutil. [...] O assédio que tem em vista homossexuais é antes de tudo um assédio de grupo executado por colegas.

Outrossim, os empregados sob a égide da estabilidade empregatícia podem ser vistos como vítimas em potencial da perseguição implacável do agressor, da mesma forma que os obreiros envolvidos na atividade sindical são um outro grupo passível da prática insidiosa, pois

É inegável que o assédio é uma maneira de se livrar de alguém que não pode ser demitido e, por causa disso, os representantes de funcionários são particularmente visados. Não somente são protegidos [...] como ainda se beneficiam, dentro do horário de expediente, de horas reservadas para suas atividades. Alguns patrões não gostam disso, pois têm a impressão de estarem pagando alguém que age contra eles. (HIRIGOYEN, 2002, p. 105).

Então, enredados numa arguta violência em face do ser humano, algoz, imolado e espectadores são os personagens dessa espécie de tragédia dos tempos modernos.

2.6. Tipologia do assédio moral

A dinâmica do assédio moral pode se exprimir segundo duas modalidades: o assédio moral vertical e o assédio moral horizontal, sendo que o processo de violência vertical ainda comporta uma subdivisão em ascendente e descendente.

Por assédio moral vertical descendente, entendem-se as relações autoritárias e desumanas existentes entre um superior hierárquico e um subordinado.

Em razão da dependência jurídica, técnica e hierárquica em que se desenvolvem as relações trabalhistas, trata-se da espécie mais recorrente, porquanto, de acordo com FONSECA (2007), "o estado de subordinação próprio da relação de emprego proporciona o florescimento desse tipo de conduta [...]".

Outra faceta cruel do terror psicológico descendente é o que se denomina mobbing estratégico, tática utilizada por determinadas organizações com vistas a se desfazerem dos funcionários que não oferecem mais utilidade para a empresa – em geral, os empregados mais antigos.

Segundo GUEDES (2005, p.38),

Entre diretores, empregados e executivos, em geral, é muito conhecido o mobbing estratégico, especialmente no modelo "geladeira". A freqüência maior dessa espécie se verifica durante os processos de fusão e incorporação das organizações, nos quais a nova direção vai eliminando os velhos quadros, mas de modo a preservar os segredos industriais, daí o largo uso do método empregado com o objetivo de esfriar as informações daqueles que serão afastados. Nesse tipo de mobbing, a vítima é duplamente golpeada: além de sofrer pesadas humilhações, é completamente esvaziada dos elementos essenciais que informam sua profissão e, conseqüentemente, sua personalidade; a término do processo, sente-se como O Homem que Virou Suco. As estatísticas indicam uma incidência maior de suicídios entre os executivos assediados.

Ademais, o assédio moral vertical descendente é comumente utilizado contra os obreiros marcados pela infortunística laboral, pois, doentes não mais oferecem as mesmas vantagens de outrora à organização para a qual o importante, conforme RIBEIRO, citado por BARRETO (2006, p.148), "não é a saúde do trabalhador, mas a saúde necessária à produção."

De outro vértice, o assédio moral vertical ascendente há de ser entendido como aquele promovido de baixo para cima, a partir de um subordinado ao seu superior e, em razão da estrutura organizacional pautada na subordinação hierárquica, pode-se afirmar que essa forma de violência é muito menos freqüente.

Já o assédio moral horizontal é aquele desencadeado por colegas em um mesmo grau na escala hierárquica da empresa. Surge da competitividade desmesurada ou de motivos mais pessoais, como a inveja, a xenofobia, o sexismo e outros.

São as modalidades empregadas no assédio moral: de cima para baixo, de baixo para cima ou no mesmo nível de hierarquia, todas um desrespeito à dignidade do trabalhador.

2.7. O terror psicológico: suas fases e efeitos sobre a saúde do trabalhador

O assédio moral é um processo composto de diversas manobras, ou seja, é marcado por uma consecução de determinados atos no tempo.

De acordo com HIRIGOYEN (2003, p. 66),

O assédio nasce como algo inofensivo e propaga-se insidiosamente. Em um primeiro momento, as pessoas envolvidas não querem mostrar-se ofendidas e levam na brincadeira desavenças e maus-tratos. Em seguida esses ataques vão se multiplicando e a vítima é seguidamente acuada, posta em situação de inferioridade, submetida a manobras hostis e degradantes durante um período maior. Não se morre diretamente de todas essas agressões, mas perde-se uma parte de si mesmo. Volta-se para casa, a cada noite, exausto, humilhado, deprimido. E é difícil recuperar-se.

Num primeiro momento, tem-se que o fenômeno efetivamente ainda não se instalou, pois, há somente um ambiente propício para que ele se desenvolva. Trata-se da condição zero.

Segundo GUEDES (2005, p. 56),

A condição zero se caracteriza pela presença, no ambiente de trabalho, de condições favoráveis ao desenvolvimento do mobbing e consiste em um clima particularmente desfavorável do mercado de trabalho, ou da ambição de alguns, ou da concorrência entre os trabalhadores.

Segue-se a fase um que, de acordo com a mesma autora, "[...] se caracteriza pela individuação da vítima, ou seja, do sujeito contra o qual serão dirigidas as hostilidades, aquele que se tornará o bode expiatório para todos os problemas [...]" (2005, p. 56).

A seguir, passa-se ao embate confesso, sobre a qual HIRIGOYEN (2003, p. 90) tece que "quando a vítima reage e tenta rebelar-se, a maldade latente dá lugar a uma hostilidade declarada. Trata-se, pois, da fase dois.

Na fase três surgem os primeiros sinais físicos e psíquicos desencadeados pelo psicoterror, manifestando-se nesse momento a insônia, os distúrbios digestivos e hormonais, as doenças dermatológicas, a hipertensão arterial e outras.

HIRIGOYEN (2002, p.161) esclarece que

O desenvolvimento dos distúrbios psicossomáticos é impressionante e grave, e de crescimento muito rápido. Acontece sob a forma de emagrecimentos intensos ou então rápidos aumentos de peso (quinze a vinte quilos em alguns meses), distúrbios digestivos (gastrites, colites, úlceras de estômago), distúrbios endocrinológicos (problemas de tireóide, menstruais), crises de hipertensão arterial incontroláveis, mesmo sob tratamento, indisposições, vertigens, doenças de pele, etc.

A autora ainda assevera que "[...] a vítima perde progressivamente a confiança em si, e por vezes fica tão confusa que pode chegar a dar razão a seu agressor: ‘Eu sou nulo, eu não consigo, eu não estou à altura!’"(2003, p.88).

Já na fase quatro, o que se vê é o afloramento do absenteísmo, da baixa produtividade, da redução na qualidade do serviço porque o trabalhador descobre que foi mero objeto de serventia e não se identifica mais com seu trabalho.

De acordo com GUEDES (2005, p.56),

A fase quatro se caracteriza pela objetividade e publicidade do fenômeno, que se torna de domínio público e objeto de avaliação da administração de pessoal. A vítima se afasta com freqüência por motivos de saúde, se desconcentra e erra na execução das tarefas mais simples, assim se tornando um "problema" para o departamento de pessoal.

A fase cinco, por sua vez, é caracterizada por ações disciplinares da empresa contra a vítima que apresenta uma piora no seu quadro clínico. Sofrendo de depressão, ela desenvolve uma absoluta falta de motivação ou entusiasmo.

Assim é que, chegando à fase seis, a vítima alcança o total esgotamento. Para GUEDES (2005, p.56) é nessa fase, "[...] que se realiza a exclusão da vítima do mundo do trabalho, seja por demissão ‘voluntária’, dispensa, afastamento para tratamento de saúde ou mesmo com o ato extremo do homicídio ou do suicídio".

2.8. Outros efeitos do assédio moral: para além da figura do obreiro assediado

Trata-se o assédio moral de uma violência contra a essência da vítima, porquanto, ferida em sua dignidade e identidade, sofre desordens emocionais de sorte que sua vida - de um modo geral - fica exposta a efeitos nefastos.

RUFINO (2006, p.53) informa que "[...] a vítima assediada passa a nutrir uma sensação de impotência, de desvalorização e fracasso, que interfere amplamente na vida comportamental do assediado, interferindo em suas relações interpessoais tanto em nível profissional, quanto familiar e social".

De fato, o assediado acaba reproduzindo no meio familiar e social as humilhações sofridas no ambiente de trabalho: é na família e entre os amigos que a vítima do assédio moral desafogará todas as suas frustrações.

Em outro âmbito, o terror psicológico também traz prejuízos à coletividade, pois que, ensejará custos com a manutenção desse trabalhador longe de suas atividades laborativas.

Em verdade, o obreiro assediado poderá não mais retomar seu posto de trabalho, o que, sem dúvida, ocasiona uma série de gravames sociais pela prestação de amparo ao indivíduo doente e desacreditado.

De outro vértice, o assédio moral também traz perdas ao empregador na medida em que o fenômeno desperta, justificadamente, no assediado um total desestímulo pelas tarefas outrora desempenhadas com tanto zelo.

Em verdade, o absenteísmo, a queda da produtividade, a alta rotatividade de mão-de-obra, a menor eficiência no serviço são exemplos dos ônus suportados pelo empregador.

Por conseguinte, ultima-se que, o assédio moral não acarreta sequer um benefício à organização e, ainda, traz prejuízos a toda a sociedade devendo ser encarado, assim, como uma conduta malévola que merece ser erradicada do ambiente de trabalho.

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Sobre a autora
Luciana Oliveira Police de Freitas

Bacharela em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Luciana Oliveira Police. Mas o que foi que eu fiz?: Considerações sobre o assédio moral e as implicações tangíveis pelo ordenamento jurídico brasileiro na atualidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2051, 11 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12313. Acesso em: 2 mai. 2024.

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