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Relação de trabalho x relação de consumo e competência da Justiça do Trabalho

12/02/2009 às 00:00
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INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional 45/2004 protagonizou muitas inovações quanto à competência da Justiça do Trabalho. A matéria, até hoje, suscita numerosos debates na seara doutrinal estando, outrossim, em fase de sedimentação no campo jurisprudencial.

Entre os tantos questionamentos que surgiram ganha relevo o referente à estar ou não açambarcada na nova competência o julgamento das causas em que a prestação de serviços por uma pessoa física envolva relação de consumo.

A questão é instigante, como se infere dos numerosos textos que dela se ocuparam logo após o surgimento da emenda constitucional, bem por isso motivando a divulgação das idéias deste singelo arrazoado.

Não se pretende, enfatize-se, resolver o problema (sequer teria seu autor capacidade para tal), mas sim fomentar a discussão contribuindo para o amadurecimento das idéias sobre o tema mediante análise dele segundo a ótica abaixo contemplada.


PRESTAÇÃO DE SERVIÇO POR PESSOA FÍSICA - RELAÇÃO DE CONSUMO – IRRELEVÂNCIA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

A redação atual da CF não deixa dúvidas quanto à nova competência da Justiça do Trabalho para solução de todas as controvérsias oriundas da relação de trabalho (art. 114, I, com redação da EC 45/2004).

Ganhou relevo robusto, portanto, a definição de relação de trabalho, dantes utilizada apenas tangencialmente para fins de diferenciação dela, gênero, para com a espécie relação de emprego e, doravante, necessária para a própria delimitação da seara de atuação da Justiça Laboral.

Consenso que o trabalho é "... o conjunto de atividades humanas, intelectuais ou braçais que gerem uma utilidade ..." [01], resulta evidente que a relação de trabalho é o vínculo jurídico que tem por objeto a prestação de serviços de uma pessoa física para outrem seja a que título for (gratuito ou oneroso, a norma constitucional não faz distinção).

Nesse sentido leciona Edilton Meireles:

"Encontra-se acobertado pela definição de relação de trabalho, assim, todo e qualquer tipo de contrato de atividade em que o prestador de serviço seja uma pessoa física. Nesta categoria, portanto, incluem-se os contratos de emprego, de estágio, de trabalho voluntário, de trabalho temporário, de atleta não-profissional (inciso II do parágrafo único do art. 3º da Lei n. 9.615/98), de prestação de serviço, de empreitada, de depósito, de mandato, de comissão, de agência e distribuição, de corretagem, de mediação, de transporte, de representação comercial e outros porventura existentes." [02]

Destarte, havendo prestação de serviços por pessoa física, seja a que título for, a competência é da Justiça do Trabalho por força direta da norma constitucional (CF, art. 114, I), pouco importando seja a dita relação regida pela CLT, pelo Código Civil ou mesmo pelo Código de Defesa do Consumidor.

Data venia, a supremacia da norma constitucional revela a completa insubsistência da resistência de muitos em reconhecer que a nova competência da Justiça do Trabalho engloba a apreciação de relações de trabalho cuja regência material clame aplicação do CDC por haver relação de consumo subjacente.

Com efeito, o comando constitucional, enfatize-se, é amplo, englobando TODAS as relações de trabalho (CF, art. 114, I), sem exclusão de qualquer que fosse, coisa que não poderá o interprete realizar sob o pretexto de a regência material ser afeta ao Código de Defesa do Consumidor, porquanto a exegese da Constituição não o autoriza e o direito material, como cediço, não interfere na seara processual junto à qual restou, nos termos supra, estabelecida a nova competência constitucional da Justiça do Trabalho.

Bem por isso, regência competencial na seara processual sem ingerência do direito material, há muito os juízes do trabalho se valem do uso do direito comum para solução de controvérsias da relação de emprego (CLT, art. 8º, parágrafo único) ou mesmo para julgamento de casos típicos de relação de trabalho cuja regência material exorbita a CLT, v.g., a pequena empreitada.

O citado exemplo (pequena empreitada), aliás, é bastante revelador, afinal ninguém questiona que a velha competência ditada no art. 652, III, da CLT não interfere de modo algum no direito material aplicável aos casos conexos (estranhos à regência material da CLT e regidos pelo Código Civil).

Assim, esse é o ponto central a ser focado: não ingerência do direito material aplicável para fins de delimitação da competência (definida na seara processual).

Nestas condições, a disposição do CDC art. 3º, §2º não autoriza a conclusão, por muitos abraçada, segundo a qual estaria obstada a competência da justiça do trabalho nos casos de relação de consumo com prestação de serviços por pessoa física.

Dita o preceito:

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Ora, o que o CDC está a excluir é a aplicação dele aos casos cuja disciplina material tenha cotejo próprio em normas trabalhistas (CLT, Lei 6.019/74, Lei 5.889/73 etc), o que em nada altera a definição na seara processual da competência da Justiça Laboral até porque delimitada em norma Constitucional cuja supremacia vincula todos os diplomas infraconstitucionais inclusive o CDC.

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Cabe destaque, outrossim, de que o CDC constitui mecanismo de proteção ao consumidor (CF, art. 5º, XXXII e art. 1º do CDC), aplicável, neste intuito, a todas as relações jurídicas que envolvam uma relação de consumo subjacente sem desnaturar, todavia, a regência civil ou comercial que lhes seja própria [03].

Dito de outro modo, o CDC incide, como ele mesmo prevê (art. 3º, §2º), inclusive nas relações de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, sempre disciplinando a proteção ao consumidor, sem prejuízo, evidentemente, da regência contida nas normas correlatas ao direito bancário, financeiro, civil, comercial etc que digam respeito à relação de fundo envolvida.

Exemplificando, em relação de consumo que envolva a compra e venda, ter-se-á disciplina legal de proteção ao consumidor pelo CDC, sem prejuízo da regência do negócio de fundo pelas normas do Código Civil.

A constatação da incidência do CDC paralela à regência legal do negócio jurídico, agregada à supremacia da norma do art. 114, I, da CF, evidencia ainda mais o equívoco daqueles que recusam o julgamento pela Justiça do Trabalho de casos que envolvam incidência do CDC.

Avultando o equívoco, revigoremos o exemplo da pequena empreitada, há muito da competência da Justiça Laboral, e que, envolvendo préstimos de pessoa física que oferta ao mercado seu labor, pode e deve, no que tange à proteção do consumidor, sofrer incidência do CDC, sem prejuízo da disciplina de fundo nos termos estabelecidos pelo Código Civil, tudo a ser cotejado pelo juiz do trabalho a quem compete naturalmente o julgamento do litígio.


CONCLUSÃO

Conclui-se, pois, com segurança que a competência da Justiça do Trabalho, nos termos da CF, abrange todos os casos oriundos da relação de trabalho (CF, art. 114, I), sejam eles regidos no campo material pelo direito do trabalho, pelo direito civil ou mesmo pelo CDC.


Notas

  1. Diniz, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, vol. 4, p. 591.
  2. Coutinho, Grijalbo Fernandes e Marcos Neves Fava, coordenadores. Nova competência da justiça do trabalho – São Paulo: LTr, 2005, p. 65.
  3. Neste sentido leciona José Hortêncio Ribeiro Júnior in Competência da justiça do trabalho, aspectos materiais e processuais: de acordo com a EC n 45/2004 / Alexandre Augusto Campana Pinheiro. – São Paulo: LTr, 2005, p. 224-226.
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Sobre o autor
Izidoro Oliveira Paniago

Juiz do trabalho substituto (TRT-MS), professor da Ematra (Escola da Magistratura do Trabalho), ex-Procurador do Estado de MS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PANIAGO, Izidoro Oliveira. Relação de trabalho x relação de consumo e competência da Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2052, 12 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12323. Acesso em: 26 abr. 2024.

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