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Concorrência sucessória entre cônjuge e companheira na união estável quando esta se dá concomitantemente com o casamento

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23/03/2009 às 00:00
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3 UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO.

Anterior ao dispositivo constitucional, que em seu art. 226, § 3º, reconhece a união estável como entidade familiar, havia senão o casamento como família legítima tutelada pelo Estado, o que contrastava com a pluralidade de famílias já existentes na sociedade civil.

Há muito tempo, com efeito, existia a união de um homem e uma mulher com o objetivo de constituir uma família, às margens da legislação. Agora há norma constitucional disciplinando a União Estável declarando-a merecedora de especial proteção do Estado.

A Constituição, ao dispor sobre a instituição da família como base da sociedade e incluindo em seu rol a união estável, deu forma a duas grandes correntes formadas na doutrina e na jurisprudência, em torno da união estável.

A primeira delas entende que com a assimilação constitucional de modelos familiares fundados em relações extramatrimoniais, os direitos decorrentes de uma família fundada no casamento devem ser equiparados com os resultantes da constituição de uma união estável, e, para isto basta que se comprove esta relação para produzir os efeitos previstos para o casamento. [30]

Ainda sob o aspecto, expõe na mesma linha o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito:

Com a nova disciplina constitucional, o que se tratava como sociedade concubinária, produzindo efeitos patrimoniais, com lastro nas regras da sociedade de fato, do Código Civil, passa ao patamar da união estável, reconhecida constitucionalmente como entidade familiar e, como tal, gozando da proteção do Estado, legitimada para os efeitos das regras do direito de família. Assim, não se deve mais falar em concubinato, em sociedade de fato. São termos que têm de ser arquivados [...] como conseqüência, o tratamento de todas as questões relativas à união estável deve ser nas varas especializadas de família, não mais nas varas cíveis. Com isso, também, estão superadas tanto a necessidade da prova do esforço comum, como a indenização por serviços domésticos. No primeiro caso, é de ser reconhecida a comunhão de bens adquiridos na sua constância e, no segundo caso, deve ser facultado o pensionamento. [31] [grifou-se]

Perfilha com este entendimento o juiz substituto Eduardo Tavares dos Reis, em atuação na Vara de Família de Rio Verde, que negou pedido de indenização por serviços prestados, durante o tempo em que a autora viveu em concubinato com o companheiro por entender que esta relação é uma forma de manifestação familiar. [32]

Contra esta corrente sustenta-se, majoritariamente, que o constituinte com a previsão do art. 226, tratou da união estável apenas para efeito de receber proteção do estado e não que esta tutela representasse a pretendida equiparação com o instituto do casamento, usando como argumento que o fato de o constituinte atribuir ao legislador ordinário o dever de facilitar a conversão da união estável em casamento não faria sentido se as duas figuras estivessem igualadas. [33]

Gustavo Tepedino aduz ainda sob o aspecto da equiparação de situação jurídica do companheiro(a) à de homem casado ou mulher casada a decisão nos embargos infringentes do Desembargador José Carlos Barbosa Moreira:

[...] as medidas protetoras porventura adotadas pelo Estado em benefício da família devem aproveitar também às uniões não formalizadas, mas estáveis, entre homem e mulher as quais se consideram, para esse fim, como "entidades familiares". Daí a supor que a norma atribui ao homem ou à mulher, partícipe da união estável, situação jurídica totalmente equiparada à de homem casado ou mulher casada, medeia boa distância. [34]

Neste contexto, a união estável, posteriormente ao dispositivo constitucional, foi objeto de leis, onde sua matéria passou a ser regulamentada: Lei 8.971 de 29 de dezembro de 1994, Lei 9.278 de 10 de maio de 1996, e Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 que instituiu o novo Código Civil.

Observa-se, todavia, que o Código Civil não revogou as Leis 8.971/1994 e 9.278/1996, por ser lei posterior, conforme regra insculpida no § 1º [35], art. 2º da Lei de Introdução do Código Civil. Assim, não tendo o legislador se manifestado a cerca da ab-rogação da lei precedente, e não sendo incompatíveis os diplomas, ocorre a vigência concomitante em toda matéria que não for conflitante, havendo conflito, permanecerá o disposto no Código Civil.

O Código Civil, em seu art. 1.723 [36] define a União Estável como sendo entidade familiar entre homem e mulher, que a união seja duradoura (independente do prazo que o casal está junto), pública (que as pessoas tenham conhecimento), contínua (sem interrupções significativas) e com o objetivo de constituir família (que é a comunhão de vida e interesses).

A união entre o homem e uma mulher inicia com a afeição recíproca, que gera a assistência mútua e a conjugação de esforços para alcançar o bem comum com a convivência, assim, configura-se a união estável, não mais pela exigência de um período de duração mínima de cinco anos.

Nesta contextura, a conceituada magistrada gaúcha Maria Berenice Dias, profere:

De todo descabido estabelecer requisito temporal para sua configuração, delimitação nunca posta pela jurisprudência, a quem se deve a construção desta figura jurídica. Igualmente, o texto constitucional, ao emprestar juridicidade ao instituto, não lhe fixou prazo. [37]

O art. 1º da Lei 8.971/94 que estabelecia esta exigência de tempo foi derrogado pela Lei 9.278/1996, afastando a exigência de tempo mínimo, como conditio sine qua non para sua tipificação.

Desde então a legislação brasileira visa mais a qualidade da relação familiar e não os critérios pré-estabelecidos como pelo prazo de convivência do casal e a existência de filhos, assim, preenchendo os requisitos de afetividade, estabilidade, ostensibilidade e a intenção do casal de constituir família configuram a união estável.

Na definição de união estável encontram-se os pressupostos que devem se fazer presentes para o seu reconhecimento: que a relação se dê entre um homem e uma mulher, com a convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituir família.

A saber, que a união se dê entre um homem e uma mulher, com isto o legislador exceptua a união de companheiros do mesmo sexo, o que exclui a possibilidade de homossexuais nela se abrigarem.

Que haja convivência pública, contínua e duradoura. Entende-se por convivência pública aquela união em que os companheiros se apresentem à sociedade como se casados fossem, não sendo aceito o relacionamento clandestino ou dissimulado, apenas para fins de manter relações secretamente.

A relação discreta difere da secreta, não obstando o reconhecimento da união estável quando o relacionamento é conhecido apenas no círculo social dos que convivem.

Segundo Maria Berenice Dias, o vocábulo "público" não deve ser interpretado nos extremos de sua significação semântica:

A publicidade denota a notoriedade da relação no meio social freqüentado pelos companheiros, objetivando afastar da definição de entidade familiar as relações menos compromissadas, nas quais os envolvidos não assumem perante a sociedade a condição de "como se casados fossem". [38] [grifo da autora]

Diante da questão supra mencionada, a publicidade tem relação direta para a caracterização da entidade familiar, sendo condição indispensável para reconhecê-la.

Apesar de a lei não exigir decurso de lapso temporal para a caracterização da união estável, esta relação há de ser contínua e duradoura, ou seja, não deve ser esporádica, efêmera, circunstancial, como aquelas que acontecem em apenas determinadas épocas ou por curtos períodos de tempo.

A continuidade e a durabilidade conferem à união a necessária estabilidade do relacionamento, de onde sobressai de modo claro o desejo mútuo de formar família e a postura adotada no meio social para serem identificados como um par.

E formar família não significa, como no passado, a união de duas pessoas pelo matrimônio e com filhos, tanto que a Constituição abriga na proteção à família também a constituída pela união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

O objetivo de constituir família se verifica pelo afeto que une duas pessoas, que convivem em associação aos propósitos e afins comuns, com obrigações e direitos recíprocos, sendo o princípio da afetividade um fundamento comum à formação da família.

Concorrendo com esta compreensão, Paulo Luiz Netto Lôbo afirma: "onde houver uma relação ou comunidades unidas por laços de afetividade, sendo estes suas causas originária e final, haverá uma família". [39]

Também se apresenta como um dos pressupostos exigidos pela união estável a inexistência de impedimentos matrimoniais. O § 1º [40] do artigo 1.723 do Código Civil, preleciona que a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do artigo 1.521; não se aplicando a incidência do inciso IV no caso de a pessoa casada se achar separada de fato, sendo, portanto, empecilho para a união estável à coexistência de casamento paralelo, cujo cônjuge não está nem fática e nem juridicamente separado.

Atualmente, a doutrina, a jurisprudência e as leis infraconstitucionais pautam a união estável concomitante com o casamento como concubinato adulterino, tratando-a como uma instituição fora do campo de família, pertencendo seus efeitos ao campo obrigacional.

Neste contexto, transcrevem-se os ensinamentos do professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Marco Aurélio S. Viana:

A relação que envolve uma pessoa casada que mantenha o casamento concomitante, não merece tutela legal, pelo menos em relação àquele que é casado. Nessa hipótese, o casamento não é apenas, um vínculo formal, mas uma realidade, que convive com outra, que é a relação fora do casamento. Admiti-la é permitir que a própria lei especial seja afrontada, pois não se pode falar em respeito e considerações mútuos, que são deveres da união estável. [41] [grifou-se]

Neste sentido preleciona o Superior Tribunal de Justiça, como se observa no seguinte julgado:

Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de reconhecimento de união estável. Casamento e concubinato simultâneos. Improcedência do pedido.

- A união estável pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, pelo menos, que esteja o companheiro(a) separado de fato, enquanto que a figura do concubinato repousa sobre pessoas impedidas de casar.

- Se os elementos probatórios atestam a simultaneidade das relações conjugal e de concubinato, impõe-se a prevalência dos interesses da mulher casada, cujo matrimônio não foi dissolvido, aos alegados direitos subjetivos pretendidos pela concubina, pois não há, sob o prisma do Direito de Família, prerrogativa desta à partilha dos bens deixados pelo concubino.

- Não há, portanto, como ser conferido status de união estável a relação concubinária concomitante a casamento válido.

Recurso especial provido. [42] [grifou-se]

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A decisão antes destacada foi sustentada no ordenamento jurídico brasileiro que prestigia e adota o princípio da monogamia, inviabilizando o reconhecimento jurídico de uniões estáveis paralelas, sempre quando hígido o casamento ou a anterior relação informal.

Assim vem julgando dominante corrente dos pretórios nacionais, como se extrai do julgado da Apelação Civil de que foi relator o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos:

[...]Ocorre que há um óbice normativo inviabilizando que se atribua a tal convivência o status de uma união estável, que, ao lado do casamento, é, por expressa previsão constitucional, meio de formação de entidades familiares. A vedação de que falo está prevista no parágrafo primeiro do art. 1.723 do CC, dispondo que a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521, entre os quais está, no inc. VI, a proibição ao casamento de pessoas já casadas. [...] E assim se exige porque o fato de a união estável ter sido constitucionalmente recepcionada como entidade familiar merecedora da proteção do Estado não significa, jamais, que o nosso sistema jurídico tenha abandonado a concepção monogâmica de constituição de famílias. [43]

Contudo, tem sido cada vez mais freqüente deparar com decisões judiciais reconhecendo direitos às uniões paralelas ao casamento.

De acordo com o entendimento da magistrada Maria Berenice Dias o não reconhecimento da união estável, em face do impedimento, é atitude meramente punitiva à pessoa que mantém relacionamentos afastados do referendo estatal, gera irresponsabilidades e enseja o enriquecimento ilícito de um em desfavor do outro. Complementa ainda que, àquele que vive do modo que a lei desaprova, acaba sendo beneficiado, porque simplesmente, não lhe advém qualquer responsabilidade, encargo, ônus ou sanção e, que a Justiça não pode ser cúmplice de que infringir o dogma da monogamia assegure privilégios. [44]

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul vem reconhecendo em seus julgados a existência de uniões paralelas. Para melhor compreensão cito decisão do Eminente Desembargador Rui Portanova:

APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. PROVA. MEAÇÃO. "TRIAÇÃO" . SUCESSÃO. PROVA DO PERÍODO DE UNIÃO E UNIÃO DÚPLICE A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante a outra união estável também vivida pelo de cujus. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. MEAÇÃO (TRIAÇÃO) Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as companheiras e o de cujus. Meação que se transmuda em ¿triação¿, pela duplicidade de uniões. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. POR MAIORIA. [45][grifou-se]

Neste mesmo sentido aresto julgado da Relatora Maria Berenice Dias:

UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. DUPLICIDADE DE CÉLULAS FAMILIARES. O Judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas no afeto, inobstante as formalidades muitas vezes impingidas pela sociedade para que uma união seja "digna" de reconhecimento judicial. Dessa forma, havendo duplicidade de uniões estáveis, cabível a partição do patrimônio amealhado na concomitância das duas relações. Negado provimento ao apelo. [46][grifou-se]

O Superior Tribunal de Justiça, da mesma forma, vem conferindo efeitos às uniões paralelas, cito decisão do relator Ministro Aldir Passarinho Junior:

SEGURO DE VIDA EM FAVOR DE CONCUBINA. Homem casado. Situação peculiar de coexistência duradoura do de cujus com duas famílias e prole concomitante advinda de ambas as relações. Indicação da concubina como beneficiária do benefício. Fracionamento. Inobstante a regra protetora da família, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, a particular situação dos autos, que demonstra "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado à família e concubinária, tendo prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica, atendendo-se à melhor aplicação do Direito. Recurso conhecido e provido em parte para determinar o fracionamento, por igual, da indenização secundária. [47] [grifou-se]

Considerando-se os entendimentos supra citados conclui-se que as uniões paralelas são uma realidade e persistem por toda uma existência, muitas vezes com prole e vasto reconhecimento social.

O fato de os seus componentes terem desobedecido às restrições legais para a constituição da união, afastando-se assim da forma de família eleita pelo Estado, não condiz com a prerrogativa de o Legislador ignorar os efeitos desta convivência com a simples expulsão desta união da tutela jurídica, pois se está diante de uma entidade familiar concomitante ao casamento que merece proteção do Estado.

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Sobre a autora
Denise Kemmerich

Bacharel em Direito pela Ulbra, campus Cachoeira do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KEMMERICH, Denise. Concorrência sucessória entre cônjuge e companheira na união estável quando esta se dá concomitantemente com o casamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2091, 23 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12491. Acesso em: 6 mai. 2024.

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