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Processo administrativo disciplinar e a autodefesa.

Súmula nº 343 do STJ X Súmula Vinculante nº 5 do STF

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Processo Administrativo é gêneros, da qual espécies são os processos tributários, de tomadas de contas, de aposentadoria, disciplinares, entre outros. A princípio, os procedimentos administrativos não estão subordinados ao formalismo exigível aos feitos judiciais.

A garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório não implica, em regra, em subordinar todas as espécies de processos administrativos à normatividade exigível aos procedimentos judiciais. Afinal, nem todo processo administrativo revela, em seu mérito, questão de natureza tão complexa que não admita a autodefesa.

É o caso de certos processos administrativos disciplinares que versam condutas que extrapolam conteúdo meramente disciplinar, apurando condutas apontadas como crime ou ainda relativas à improbidade administrativa. São processos disciplinares que investigam condutas que também serão apreciadas nas esferas cível e criminal.

Nestes procedimentos disciplinares, cujo mérito também será do conhecimento do poder judiciário, é o procedimento que exigirá a melhor observância do princípio constitucional da ampla defesa e no caso específico da atuação de advogado.

Se em feitos judiciais que investigam determinado fato é indispensável a defesa técnica por advogado regulamente inscrito na Ordem, nos feitos administrativos que paralelamente investigam o mesmo fato também deve ser indispensável a mesma defesa técnica.

Porém, esse entendimento é bastante controverso nos Tribunais Superiores. É que, nos procedimentos administrativos, a defesa técnica por advogado foi considerada dispensável, conforme pacificou a Súmula Vinculante n.º 5 do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

"A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição".

A Súmula Vinculante n.º 5 do STF foi editada em maio de 2008 [01]. Porém, pouco antes de firmado esse entendimento pela nossa Suprema Corte, havia entendimento em sentido contrário, advindo do Superior Tribunal de Justiça, resultante da Súmula 343 [02], com apenas oito meses de vigência, in verbis:

"É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar".

A Súmula 343 do STJ tem um retrospecto histórico a partir do momento em que houve reestruturação interna no órgão, transferindo-se as causas referentes aos processos disciplinares para a seção criminal do Tribunal. A Corte passou então a aplicar aos procedimentos disciplinares as garantias e preceitos essenciais do direito penal, em especial ao entendimento maximizado do contraditório e da ampla defesa.

Nesse contexto, nasceu no STJ o entendimento de que a presença do advogado seria requisito básico à validade do processo administrativo disciplinar. Foi a partir de um voto vencedor proferido em Mandado de Segurança [03], no qual se discutiu conduta praticada por servidor público do Distrito Federal, tipificada como crime e própria da improbidade administrativa, que se firmou entendimento naquela Corte de que a defesa técnica por advogado seria primordial à ampla defesa do acusado.

Por outro lado, a Súmula Vinculante n.º 5 do STF teve um retrospecto menos nobre que a Súmula 343 do STJ, ou seja, na pseudodefesa da segurança jurídica, quando provavelmente entenderam que desta forma assegurariam decisões no âmbito dos processos administrativos, evitando milhares de ações judiciais que tramitariam buscando a nulidade dos atos punitivos, criando inclusive a possibilidade de se reclamar salários atrasados nas hipóteses de serem aplicadas penalidades de perda de cargo público.

Sendo ainda mais minuciosos ao analisar a Súmula Vinculante n.º 5, em especial em relação aos seus precedentes [04], verifica-se que seus precedentes foram quatro acórdãos, sendo que o primeiro refere-se a defesa em processo administrativo fiscal; o quarto e último discute defesa em Tomada de Contas Especial. Sendo assim, temos apenas dois precedentes onde questão de mérito foi semelhante à sumulada pelo STF.

O primeiro precedente foi o caso Motonda Comércio de Veículos Ltda. X Estado do Paraná [05]. Como neste precedente o mérito do processo administrativo impugnado era de natureza tributária, a nosso ver, não deveria ser admitido como um precedente à Súmula Vinculante n.º 5, por não guardar similaridade para com o conteúdo da Súmula.

No caso Mário Ângelo Ajala x Estado de São Paulo [06], segundo precedente admitido como fundamento à Súmula Vinculante n.º 5, a Ministra Relatora Ellen Gracie, no Agravo de Instrumento pronunciou o seguinte voto:

"Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que considerou correta a punição aplicada a policial militar (desligamento do Curso de Formação de Oficiais), afastando a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa (art.; 5º, LV, da Constituição Federal), por entender ser desnecessária a presença de defensor, face à simplicidade do caso e ao fato de se tratar de uma questão ‘interna corporis’, que não envolvia a perda do cargo nem da função pública, mas, tão só, o impedimento à conclusão do curso de oficiais" (fls.324).

Já o terceiro precedente para a Súmula Vinculante foi o caso Vanderlei Colombo x Presidente da 1ª Câmara do Tribunal de Contas da União [07]. Assim como no primeiro precedente, este também não tratou de impugnação a processo administrativo disciplinar. No caso, tratou-se de procedimento de Tomada de Contas Especial e, assim como no primeiro precedente, não deveria ter sido admitido como fundamento para a edição da referida Súmula Vinculante.

Por fim, no quarto e último precedente utilizado para a edição da Súmula Vinculante n.º 05, o caso Instituto Nacional do Seguro Social – INSS x Márcia Denise Farias Lino [08], a Ministra Cármen Lúcia, concordando o Ministro-Relator Gilmar Mendes, no tocante à ausência de advogado constituído no âmbito do processo disciplinar, assim se manifestou:

"(...) A doutrina tem entendido que só em dois casos o servidor poderia falar: quando alega e comprova que a questão é complexa, exige certo conhecimento que escapa ao que lhe foi imputado, vindo a manifestar-se como inapto para exercer a autodefesa; e nos casos especificados, em que essa faculdade não seria bastante para não se ter mais do que um simulacro de defesa (...)".

Conforme se observa, dos quatro precedentes à Súmula Vinculante n.º 5, dois deles não referem-se a procedimentos disciplinares. Nos outros dois precedentes que julgavam impugnações a processos disciplinares, a análise acerca da defesa técnica por advogado regularmente inscrito teve duas considerações relevantes:

1.Quando o Processo Disciplinar aprecia mérito cuja simplicidade do caso e seja evidente ou quando o fato analisado tratar-se de uma questão interna corporis, ou seja, seu mérito invade a órbita administrativa e traz conteúdo, por exemplo, penal.

2.Quando existe prova de que a questão de mérito do processo disciplinar é complexa, exigindo conhecimento que sobrepõe o conteúdo do fato imputado, como é o fato das condutas considerada ímprobas do posto de vista administrativo.

Desta forma leciona Mario Chiavario [09]:

"[...] a presença de sujeitos capazes de esclarecer com consciência e conhecimento de causa no emaranhado de questões que a realidade processual impõe assistência; nem sempre a pessoa diretamente interessada é suficientemente provida de conhecimento das leis e de experiência no campo processual; sem contar que uma conduta processual consciente pode encontrar obstáculo na mesma componente emocional, que frequentemente caracteriza a participação pessoal no processo"

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A prerrogativa da Suprema Corte manifestar-se por Súmula Vinculante tem embasamento no artigo 103-A da Constituição da República, artigo inserido pela Emenda Constitucional n.º 45. O texto constitucional estabelece como condicionante para a edição de Súmula Vinculante a existência de reiteradas decisões sobre a matéria constitucional e que esta a Súmula seja aprovada por pelo menos dois terços dos seus membros.

O nosso entendimento é no sentido de que a Súmula Vinculante n.º 5 não tem lastro razoável em precedentes na forma que estabelece a Constituição. Os seus precedentes não superam àqueles que lastreiam a Súmula 343 do STJ.

Ocorre que, em muitos casos, os processos administrativos disciplinares correram totalmente em desconformidade com a Súmula 343 do STJ, que estabelece a obrigatoriedade de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

Além disso, tramitaram também com total falta de sintonia com o entendimento revelado pelas Ministras Ellen Gracie e Cármen Lúcia nos dois únicos precedentes de natureza disciplinar que lastreiam a Súmula Vinculante n.º 5, ou seja quando o mérito do processo disciplinar não demonstra simplicidade, sendo de natureza complexa, exigindo conhecimento que sobrepõe o conteúdo do fato imputado ao acusado.

Ademais, ainda que a manifestação das Ministras nestes dois precedentes tenham sido favoráveis à nossa corrente de entendimento, ainda assim divergimos de seus votos, visto que a equiparação entre processos judiciais e administrativos disciplinares, ao contrário do que ambas manifestaram, data venia, é uma garantia, na forma do que prescreve o art. 41, § 1.º, II e III da Constituição da República.

A partir desta norma positiva é que se estabelece a "tendência da jurisdicionalização do poder disciplinar, que impõe condutas formais e obrigatórias para garantia dos acusados contra arbítrios da Administração" [10].

E se não bastasse apenas o argumento da equiparação entre procedimentos judiciais e disciplinares, lembramos que quando no procedimento disciplinar a conduta do agente enseja atos considerados de improbidade administrativa e de natureza penal, está revelada a complexidade do procedimento em face de exigência de conhecimentos específicos que ultrapassam a possibilidade de autodefesa. Nessa hipótese, tendo o processo corrido sem a assistência de um advogado, demonstra-se flagrante afronta ao princípio constitucional da ampla defesa.

Afinal, se a Lei Federal n.º 8.429/92 em seu art. 15 prevê que nos processos administrativos disciplinares que reportam a atos de improbidade administrativa está aberta a garantia da intervenção do Ministério Público, como pode ser possível que, nesse mesmo processo, o acusado exerça, com o equilíbrio processual que deve haver entre as partes, o direito à ampla defesa?

Verificamos que, em muitos casos, os processos administrativos disciplinares correram nessa realidade onde a obrigatoriedade de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar deve persistir. Tais procedimentos que correram sem a assistência de um advogado tiveram causa no estado de pobreza legal dos servidores. Nossa proposta visa suprir essa ausência de advogado que desnivela as relações processuais entre as partes.

Nosso entendimento, portanto, é no sentido de que Súmula Vinculante 5 não contraria a Súmula 343 do STJ. Na prática, estabelece limites à sua aplicação, na medida em que, optando o servidor por não constituir advogado ou não requerendo com que a Administração Pública à qual esteja vinculado não nomeie defensor dativo, estaria a Administração Pública desobrigada a agir de oficio.

Seria o caso, por exemplo, em que o servidor público processado administrativamente queira contratar um advogado para defendê-lo, mas, não dispondo de recursos, requer para si a nomeação de defensor. A nosso ver, seria dever do órgão Corregedor disponibilizar um defensor para a propositura da defesa técnica, garantindo assim, a efetiva garantia à ampla defesa.

A defesa técnica por advogado regularmente constituído nos processos disciplinares preveniria nulidades no âmbito administrativo, o que na prática representaria atendimento ao princípio da economia processual, visto que evitaria demandas diversas pretendendo na via do Judiciário a anulação do ato administrativo.


Notas

  1. Fonte de Publicação: Dje n.º 88/2008, p.1, em 16/05/2008. DO de 16/05/2008, p.1.
  2. DJ 25/09/2007.
  3. Mandado de Segurança n.º 10.837 do Distrito Federal, julgado pelo STJ em 13/11/2006.
  4. São os precedentes da Súmula Vinculante n.º 5, do STF: Recurso Especial n.º 434059; do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 207197; no Agravo Regimental em sede de Recurso Especial n.º 244.027 e do Mandado de Segurança 24.961
  5. Trata-se do Agravo de Instrumento n.º 207.197-B, do Estado do Paraná, cuja Emenda: "A extensão da garantia constitucional do contraditório (art. 5º, LV) aos procedimentos administrativos não tem o significado de subordinar a estes toda a normatividade referente aos feitos judiciais, onde é indispensável a atuação do advogado".
  6. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n.º 244.027-2.
  7. Trata-se do Mandado de Segurança n.º 24.961-7, cuja ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNTAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL: CONCEITO. DIREITO DE DEFESA: PARTICIPAÇÃO DE ADVOGADO. I – A Tomada de Contas Especial não constitui procedimento administrativo disciplinar. Ela tem por escopo a defesa da coisa pública. Busca a Corte de Contas, com tal medida, o ressarcimento pela lesão causada ao Erário. A Tomada de Contas é procedimento administrativo, certo que a extensão da garantia do contraditório (C.F., art. 5º, LV) aos procedimentos administrativos não exige a adoção da normatividade própria do processo judicial, em que é indispensável a atuação do advogado (...)
  8. Recurso Extraordinário 434.059-3, do Distrito Federal.
  9. CHIAVARIO, Mario. Processo e garanzie della persona. Milano: Giuffrè, 1984. v. II, p. 135-136.
  10. Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª Edição. Malheiros.
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Sobre o autor
Marcos Antonio Botelho Niemann

Bacharelando em Direito pela PUC Minas, em Contagem (MG). Presidente da Organização Provincelato Principal Enfoque.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NIEMANN, Marcos Antonio Botelho. Processo administrativo disciplinar e a autodefesa.: Súmula nº 343 do STJ X Súmula Vinculante nº 5 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2118, 19 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12652. Acesso em: 18 dez. 2024.

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