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Lei de improbidade administrativa conflita com a Lei Complementar nº 35/79 da Magistratura Nacional

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23/04/2009 às 00:00
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I - CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Lei nº 8.429/92 foi promulgada objetivando regulamentar os atos de improbidade administrativa, previstos no § 4º, do artigo 37, da Constituição Federal.

Por tratar-se de matéria constitucional,  a repressão à prática de atos de improbidade administrativa fez com que o legislador infraconstitucional estendesse a aplicação dos dispositivos constantes na Lei nº 8.429/92 para todos os agentes públicos, conforme disposto em seu artigo 2º, lato sensu.

Reputa-se agente público, pela respectiva lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, função pública, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo ou emprego.

Não resta dúvida que serão punidos os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a Administração Direta, Indireta ou Fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, caso estejam presentes na conduta do infrator, obrigatoriamente, os elementos objetivos do tipo bem como o subjetivo, qual seja, o dolo.

Em sendo assim, em tese, as disposições contidas na Lei de Improbidade Administrativa poderiam ou não ser aplicadas ao Magistrado? Em outras palavras, a prática de uma conduta ilícita referente a um ato de improbidade administrativa estaria subsumida aos tipos previstos no contexto da Lei acima referida? 

Pela dicção dos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.429/92, a conclusão inicial, sem maiores aprofundamentos nessas notas introdutórias, é a de que sim, pois o caráter amplo da norma atinge de igual forma o Magistrado, pois trata-se de um agente público. 

Contudo, para verificar, com precisão, quando da prática de ato de improbidade administrativa pelo Magistrado, se a sua conduta ilícita está ou não incursa na Lei nº 8.429/92, necessário se faz que haja uma interpretação sistemática da referida norma cotejando a mesma com a Lei Complementar nº 35/79, que constitucionalmente rege a relação jurídica da Magistratura Nacional.

Inicialmente os doutrinadores, sem fazer o devido cotejo da Lei nº 8.429/92 com a Lei Complementar nº 35/79, defendiam a tese de que os Magistrados, quando praticavam ato administrativo ilícito (dolosamente), teriam suas condutas inseridas no escopo da Lei de Improbidade Administrativa, sem se aperceberem das prerrogativas da função que lhes são outorgadas pela própria Constituição Federal. 

Nesse contexto, em nossos comentários à Lei nº 8.429/92 [01], também defendíamos tal posicionamento, cometendo o mesmo equívoco dos demais doutrinadores, qual seja, de não cotejar a situação jurídica dos Magistrados com a prerrogativa de suas funções estabelecidas pela CF. 

Com o julgamento da Reclamação nº 2138/STF, os agentes políticos, que também são tidos como agentes públicos, quando da prática de um ato de improbidade administrativa com dolo, não podem mais ter suas condutas ilícitas submetidas aos dispositivos constantes da Lei nº 8.429/92, por possuírem prerrogativas de função. 

Seguindo a evolução interpretativa, na 4ª edição de nossos comentários da Lei de Improbidade Administrativa, passamos a discorrer sobre o tema observando esse novo enfoque, qual seja, defendendo a inaplicabilidade da Lei nº 8.429/92 para os Magistrados, por não ser a mesma aplicável às suas condutas delituosas (ato de improbidade administrativa doloso) face ao confronto com os dispositivos da Lei Complementar nº 35/79. Em sendo assim, qualquer Lei que conflite com a citada Lei Complementar não poderá ser aplicada, por total ou parcial incompatibilidade. 

Não se trata de privilégio, e sim de correta interpretação da norma legal, que estabelece direitos e garantias a determinadas funções públicas, para que os seus detentores possam exercer as suas atividades livremente, sem nenhum tipo de pressão ou controle externo. 

Nesse diapasão, incluem-se os Magistrados, vez que seus atos e condutas são regidos pela Lei Complementar nº 35/79.

Surgindo qualquer incompatibilidade ou conflito com a Lei nº 8.429/92, sempre será aplicada a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). 

Por essas razões, distribuída a ação de improbidade administrativa pelo representante do Órgão do Ministério Público contra Magistrado de primeiro ou de segundo graus, v.g., a mesma deve ser rejeitada de plano, na forma do disposto pelo § 8º do art. 17 da Lei nº 8.429/92, por total incompatibilidade (inadequação) com a LC nº 35/79. 


II- REJEIÇÃO DA AÇÃO POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA (ART. 17, § 8º, DA LEI Nº 8.429/92). INCOMPATIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO COM A LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL (LOMAN)

O art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/92 estabelece que a ação de improbidade administrativa será rejeitada nas seguintes situações: inexistência do ato de improbidade administrativa, improcedência da ação ou inadequação da via eleita. 

Havendo conflito na aplicação da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, com a Lei nº 8.429/92, ocorre a incompatibilidade jurídica entre elas, pois a responsabilidade do Magistrado pela prática de atos judiciais ou administrativos omissivos ou comissivos levados a efeito em decorrência de sua função não poderão ser comprovados através da ação de improbidade administrativa, em decorrência de a Lei prever outro rito a ser seguido, totalmente diferente, qual seja, o que vem estatuído na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. 

Não resta dúvida que tal conclusão jurídica, levada a efeito geralmente pelo Órgão do Ministério Público, é resultante do que vem disposto no artigo 2º, da Lei nº 8.429/92, que conceitua o agente público, para efeito da respectiva Lei, como sendo todo aquele que exerce vínculo público, ainda que transitoriamente. 

Em uma leitura mais açodada, partindo-se do pressuposto que os "agentes públicos" referidos pela lei sub oculis são os servidores do Estado e pessoas coletivas de direito público, que constituem o elemento humano dos serviços públicos, quando entendidos esses em sentido lato, os Magistrados, em tese, estariam inseridos nesse contexto. 

Vários doutrinadores chegaram a defender que os atos administrativos praticados por Magistrados no exercício de suas funções estariam inseridos no contexto da Lei nº 8.429/92, inclusive o subscritor do presente estudo, excetuando-se apenas os atos judiciais, que segundo o disposto no artigo 41, da LOMAN, são imunes de controle externo em relação ao processo judicial em que foram exarados. 

Sucede que, com a evolução da interpretação jurídica da Lei nº 8.429/92, grande parte da doutrina chegou à conclusão de que a ação de improbidade administrativa possui cunho civil, com grande conteúdo penal, não olvidando seus inegáveis aspectos políticos, o que faz com que ela conflite com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em especial no que pertine à forma da perda da função pública do Magistrado. 

Sendo certo que no conflito de normas prevalece a aplicação da LOMAN, "que é lei complementar da Constituição da República e, portanto, hierarquicamente superior a todas as demais leis e regimentos" (RTJ 106/781), é de se realçar que a Lei nº 8.429/92 não revogou a Lei Complementar nº 35/79, como de fato não poderia, em face ao princípio da hierarquia das leis. 

Com efeito, o disposto no artigo 22 da Lei de Improbidade Administrativa deve ser interpretado de modo a não conflitar com as disposições da Constituição Federal e da LC nº 35/79. 

A forma de interpretação a ser adotada na espécie é a sistemática, em decorrência do critério orgânico que vigora em nosso ordenamento jurídico constitucional. 

E, por essa forma de interpretação, não há como se equiparar o ato administrativo ou o judicial praticado pelo Magistrado, face à prerrogativa de sua função, com os demais atos administrativos emanados pelos agentes públicos, dado a total distinção jurídica entre o Poder Judiciário e os demais Poderes. Destarte, em decorrência dessa diferença de tratamento jurídico, confere-se aos Magistrados a independência de seus atos, que ficam imunes ao controle externo de seus superiores hierárquicos. 

Conforme o disposto pelo art. 27 da Lei Complementar nº 35/79, o procedimento administrativo objetivando a perda do cargo terá início por determinação do Tribunal, ou do seu Órgão especial, a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado. 

O parágrafo primeiro do acima citado dispositivo legal prevê o oferecimento de defesa prévia por parte do Magistrado, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes. 

A perda do cargo de Magistrado somente poderá ter início por determinação do Tribunal ao qual o mesmo está vinculado ou do seu Órgão Especial, como consignado no RMS 22637/RJ - STF:

Rezam o art. 27, e seus cinco primeiro parágrafos, da Lei Complementar nº 35, de 14.03.79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional): ‘Art. 27 – O procedimento para a decretação da perda do cargo terá início por determinação do Tribunal, ou do seu Órgão Especial, a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, de ofício ou mediante representação fundamentada do Poder Executivo ou Legislativo, do Ministério Público ou do Conselho Federal ou Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 1º - Em qualquer hipótese, a instauração do processo preceder-se-á da defesa prévia do magistrado, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes, que lhe remeterá o presidente do Tribunal, mediante ofício, nas 48 (quarenta e oito) horas imediatamente seguintes à apresentação da acusação.

§ 2º - Findo o prazo da defesa prévia, haja ou não sido apresentada, o Presidente, no dia útil imediato, convocará o Tribunal ou o seu Órgão Especial para que, em sessão secreta, decida sobre a instauração do processo, e, caso determinada esta, no mesmo dia distribuirá o feito e fará entregá-lo ao relator.

§ 3º - O Tribunal ou o seu Órgão Especial, na sessão em que ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar o magistrado do exercício das suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final.

§ 4º - As provas requeridas e deferidas, bem como as que o relator determinar de ofício, serão produzidas no prazo de 20 (vinte) dias, cientes o Ministério Público, o magistrado ou o procurador por ele constituído, a fim de que possam delas participar.

§ 5º - Finda a instrução, o Ministério Público e o magistrado ou seu procurador terão, sucessivamente, vista dos autos por 10 (dez) dias, para razões. [02]

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Essa prerrogativa de função estabelecida pela Constituição Federal e recepcionada pela LC nº 35/79 exclui os Magistrados do contexto da Lei nº 8.429/92, por se tratar de regime jurídico diferenciado dos demais agentes públicos. 

Por essa razão, o STF, no julgamento do RE nº 228977/SP, no qual foi excluída a responsabilidade civil de Magistrado pelo teor de suas decisões, deixou explicitado, litteris:

(...) Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. [03]

Em seu voto âncora, o eminente Ministro Relator Néri da Silveira, deixou assente que o Magistrado, ao outorgar a prestação jurisdicional, age em nome do Estado-Juiz e, por essa razão, está imune de responsabilidade:

2.1. Tais agentes, não agem em nome próprio, mas em nome do Estado, exercendo função eminentemente pública, de modo que não há como lhes atribuir responsabilidade direta por eventuais danos causados a terceiros no desempenho de suas funções. Com efeito, o magistrado, ao outorgar a prestação jurisdicional, atuou em nome do Estado-Juiz, exercendo a atribuição que lhe fora imposta constitucionalmente.

Tal posicionamento não configura uma regalia, mas sim uma garantia fundamental do Magistrado, para que responda pela prática de seus atos tidos como irregulares em conformidade com as disposições legais aplicáveis e o foro privilegiado, de acordo com o estabelecido pela LC nº 35/79. 

Portanto, não está previsto na LC nº 35/79 a possibilidade jurídica do Magistrado ser julgado por um Juiz de primeira instância, sob o argumento de que praticou, em tese, ato de improbidade administrativa. 

A Lei Complementar nº 35/79 citada decorre do que vem estatuído no artigo 95, inciso I, da CF que estabeleceu como garantia dos Magistrados a vitaliciedade, a qual no primeiro grau de jurisdição é adquirida após 02 (dois) anos de exercício jurisdicional, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do Tribunal competente. [04]

De igual forma, os Desembargadores somente perderão seus cargos por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao passo que o Juiz singular, por também possuir prerrogativa de função, somente poderá perder seu cargo por deliberação do Órgão Especial do Tribunal de Justiça a que estiver vinculado ou subordinado.

Dessa forma, ao se interpretar a regra constitucional da garantia da vitaliciedade dos Juízes, a que alude o artigo 95, inciso I, da CF, verifica-se a previsão da perda do cargo de Juiz através de "sentença judicial transitada em julgado", constatando-se que a mesma só poderá se efetivar, segundo o disposto no artigo 26, I, da LOMAN, em "ação penal por crime comum ou de responsabilidade". Essa interpretação sistemática se faz necessária pelo fato da LC 35, de 14-03-79, ter sido recepcionada pela CF (RTJ – 128/1141; STF – Pleno – ADIn nº 841/RJ). 

Nesse sentido, o artigo 105, I, alínea a, da Constituição Federal, fixa a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para processar e julgar originariamente os Desembargadores integrantes de Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.

Por essa razão é que, havendo o conflito da Lei nº 8.429/92 com a LC 35/79, prevalece o disposto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. [05] 

Portanto, a sanção a ser aplicada ao Magistrado, com a perda de seu cargo, nas duas situações legalmente estabelecidas pela Constituição Federal e pela LC 35/79, são as seguintes: 

- sentença judicial transitada em julgado em ação penal por crime comum ou de responsabilidade;

- em processo disciplinar perante o Órgão competente do Tribunal ao qual o Magistrado está vinculado.

Isso posto, em hipótese alguma, data venia, poderá ocorrer a "perda de cargo" de Magistrado na situação prevista na Lei de Improbidade Administrativa, que, por ser Lei Ordinária, não poderá confrontar-se ou sobrepor-se com os dispositivos constantes da LC 35/79. 

Considerando que, pela Constituição Federal, os dispositivos referentes ao Estatuto da Magistratura exigem regulamentação por Lei Complementar, a Lei de Improbidade Administrativa, sendo Lei Ordinária, não se presta a disciplinar sanções a serem aplicadas aos Magistrados. 

Igualmente oportuna, nesse contexto, a incisiva manifestação do eminente Ministro Celso de Mello, no julgamento de caso similar:

A ratio subjacente a esse entendimento decorre da necessidade de proteger os magistrados no exercício regular de sua atividade profissional, afastando – a partir da cláusula de relativa imunidade jurídica que lhes é concedida – a possibilidade de que sofram, mediante injusta intimidação representada pela instauração de procedimentos penais ou civis sem causa legítima, indevida inibição quanto ao pleno desempenho da função jurisdicional. [06] 

Portanto, de plano se vê o despropósito da abusiva, injusta e indigna investigação levada a efeito com o manejo de uma ação de improbidade administrativa, com fundamento em dispositivos da Lei nº 8.429/92, que direciona-se para a tentativa vã de enxovalhar atos praticados por Magistrados, sem nenhum desvelo à dignidade pessoal, à honra e à boa fama de quem os prolatou. 

Não se pretende, por óbvio, que os provimentos jurisdicionais emanados dos Membros do Poder Judiciário sejam imunes à divergência e de igual forma questionados, quando exarados com má-fé (dolosamente); mas o sistema processual vigente assegura às partes os meios legais para contestá-los, através do contraditório e da diversificada quantidade de processos e procedimentos previstos em nossa Legislação, que a todos garante, pelo menos, o acesso a uma Instância competente – além de atribuir ao representante do Órgão do Ministério Público as nobres funções de fiscal da Lei e de ser o autor da ação penal ou da representação administrativa. 

Apresentadas anteriormente as divergências existentes sobre o tema, e de igual forma a essência da normatividade que rege a atividade judicante, descabe "criminalizar" os atos decisórios ou ordinatórios dos Magistrados, sempre recorríveis, e inescrupulosamente qualificá-los como parte de uma "estratégia fraudulenta" – máxime se nenhuma das alegadas "suspeitas" que motivam a propositura da ação de improbidade administrativa resiste ao mais elementar exame para seu recebimento. 

Cabe ressaltar que a Lei Complementar nº 35/79 não faz distinção de responsabilidade entre funções judicantes (ou atividades fins) e funções administrativas (ou atividades-meio) dos Magistrados, quando eles desempenham seu mister profissional. 

Nesse sentido, expressivas são as considerações do STF na ADI nº 135-3/PB: [07]

Ilusória se revela, em seu entendimento, a pretensão de distinguir entre funções judicantes (ou atividades-fim) e funções administrativas (ou atividades-meio), dos Juízos e Tribunais, com o fito de procurar estabelecer limites de permissibilidade à ingerência de outros órgãos na atuação do Poder Judiciário, como condição indispensável ao exercício da democracia (...) Do exercício dos poderes de fiscalização da atividade administrativa e do desempenho dos deveres funcionais do Poder Judiciário estadual, outorgados, sem reserva, pela Constituição da Paraíba, afigura-se indissociável (até mesmo sob pena de se revelarem eles ociosos), alguma parcela de ingerência e de iminência repressiva do Colegiado estranho ao Judiciário, a que se pretende incumbir dessas tarefas, em detrimento da integridade da garantia de independência da magistratura.

Não resta dúvida, data venia, que a Lei nº 8.429/92 é incompatível com a Lei Complementar nº 35/79, pois cria situações jurídicas que não podem ser estendidas aos Magistrados, pelo fato dos mesmos possuírem prerrogativas de função que os excepcionam da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa. 

Nesse sentido, à guisa de ilustração, segundo divulgado na lista da AMB sobre a proposta da nova LOMAN, se verifica que o artigo 34 prevê as hipóteses de perda de cargo do Magistrado, nas seguintes situações:

Art. 34 - O magistrado vitalício somente perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado: I - em ação penal; a) por crime doloso cuja pena aplicada seja de reclusão, na hipótese do art. 92, I, b, do Código Penal; b) por crime de responsabilidade, nos termos da Constituição Federal; II - em ação civil para a perda do cargo, nas hipóteses dos incisos I a IV do parágrafo único do art. 95 da Constituição Federal, cuja legitimidade ativa é privativa do Ministério Público oficiante perante o Tribunal que tiver jurisdição para julgar o Magistrado nos crimes comuns; § 1º - A propositura da ação civil para perda de cargo quando decorrente de representação do Tribunal a que estiver vinculado o magistrado, ou do Conselho Nacional de Justiça, depois de apreciado o processo administrativo disciplinar, poderá acarretar a suspensão cautelar do exercício de suas funções, pelo prazo improrrogável de cento e oitenta dias. § 2º - As ações de que tratam os incisos I e II serão julgadas pelos Tribunais competentes, por decisão de dois de seus membros.

A proposta da nova LOMAN mantém a ausência de previsão de "perda de cargo" pela prática de "ato de improbidade administrativa", já que isso somente poderá ocorrer nas hipóteses elencadas nos incisos I a IV do parágrafo único do artigo 95, da CF, assim grafados: 

"Art. 95 - Os juízes gozam das seguintes garantias: (...) Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III - dedicar-se à atividade político-partidária; IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração." 

Em sendo assim, a imposição de punição aos Magistrados necessariamente deve estar prevista em Lei Complementar e jamais em Lei Ordinária, como é o caso da Lei de Improbidade Administrativa - de acordo com o caput do artigo 93, da CF. [08]

Portanto, quando se trata de impor punição para o Magistrado, o STF estabeleceu a necessidade constitucional de Lei Complementar dispor sobre a matéria e jamais Lei Ordinária.

Observe-se que a competência originária para impor uma punição ao Magistrado é do Tribunal originariamente competente para julgar criminalmente o Juiz. 

E, por fim, distribuída a ação de improbidade administrativa contra Magistrado, é de ser indeferida a petição inicial, por inadequação da via eleita, na forma do disposto pelo § 8º, do art. 17, da Lei nº 8.429/92. 

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Lei de improbidade administrativa conflita com a Lei Complementar nº 35/79 da Magistratura Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2122, 23 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12678. Acesso em: 18 abr. 2024.

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