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Ressarcimento do INSS em acidente do trabalho.

Competência da Justiça Federal comum

25/04/2009 às 00:00
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Sumário: I – INTRODUÇÃO. II – RESSARCIMENTO DO INSS UMA RELAÇÃO TRABALHISTA OU PREVIDENCIÁRIA. III – UMA FONTE DE CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. IV – O RESSARCIMENTO DO INSS - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL


I- INTRODUÇÃO

O aniversário de vinte anos da Constituição Federal merece ser muito comemorado. De fato, vive-se, desde a sua promulgação, um longo período de estabilidade. As instituições democráticas por ela constituídas permaneceram firmes para suportar duas grandes crises políticas institucionais (Impeachment do Presidente Collor e Escândalo do Mensalão). Apesar da força dos abalos, o país conseguiu solucioná-los respeitando a Constituição e dentro do diálogo democrático.

Outra constatação que é possível fazer se refere à popularização da Constituição como um documento garantidor de direitos. Tal fato é constatado pela enxurrada de ações propostas no Judiciário brasileiro – sinal dos novos tempos do constitucionalismo, sinal de que agora há direitos a serem respeitados.

Neste mesmo giro de respeito aos direitos, a Advocacia-Geral da União vem atuando na implementação de políticas públicas de forma a tornar efetivas as leis vigentes filtradas pelos valores constitucionais [01]. Vem tomando esta postura em várias frentes de trabalho, como a cobrança das multas aplicadas pelas agências reguladoras, as ações de ressarcimento do SUS, e as ações de ressarcimento do INSS decorrentes de acidente de trabalho. É destas últimas que trataremos neste trabalho.

A previsão legal para as ações de ressarcimento do INSS encontra-se no art. 120 da Lei 8212/91 e possui a seguinte redação: "Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis."

Apesar da previsão legal do art. 120 já constar da redação original da Lei 8.213 de 25.07.1991, somente em época mais recente é que as ações regressivas começaram a ser propostas. Dessa forma, a AGU, através da Procuradoria Geral Federal, vem ajuizando ações regressivas contra os responsáveis pelo acidente ocorrido ao trabalhador. Esta responsabilidade funda-se na premissa de que os danos gerados pelo empregador ao INSS decorrente de acidentes do trabalho não podem e não devem ser suportados por toda a sociedade na medida em que, no risco repartido entre os membros da sociedade (risco social), não se admite a inclusão de uma atitude ilícita da empresa que não cumpre as normas do ambiente de trabalho. [02]

Após esta breve introdução acerca do ressarcimento do INSS, cabe analisar qual justiça competente para o julgamento e processamento das ações decorrentes dos gastos efetuados pela Autarquia em função de acidente de trabalho.


II – RESSARCIMENTO DO INSS UMA RELAÇÃO TRABALHISTA OU PREVIDENCIÁRIA.

Existe um posicionamento monocrático no TRF da Segunda Região afirmando que a competência para o processo e julgamento das ações de ressarcimento do INSS seria da Justiça Especializada Trabalhista [03]. No entanto, a r. decisão está manifestamente equivocada, como se passará a demonstrar.

A referida decisão sustenta todo o seu raciocínio na súmula 736 do Eg. STF. No entanto, a aplicação de um precedente merece ser afastada quando seus fatos ou sua lógica/fundamentação são muito diversos ou inaplicáveis ao caso a decidir, em virtude das peculiaridades deste último, dando ensejo ao que se denomina distinguish (distinção), que, embora utilizado para as súmulas vinculantes, também calha às súmulas [04].

A súmula 736 do Eg. STF que possui a seguinte redação:

"Compete à justiça do trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.

Entretanto, não é possível fazer uma distinção do caso concreto com uma súmula referida sem a devida apreciação dos precedentes que lhes serviram de origem. Cabe então transcrevê-los.

(RE 213.015-0/DF, 08.04.2002.)

"Recurso extraordinário. Trabalhista. Ação civil pública. 2.Acórdão que rejeitou embargos infringentes, assentando que ação civil pública trabalhista não é meio adequado para a defesa de interesses que não possuem natureza coletiva. 3.Alegação de ofensa ao disposto no art.129, III, da Carta Magna. Postulação de comando sentencial que vedasse a exigência de jornada de trabalho superior a 6 horas diárias. 4.A Lei Complementar n 75/93 conferiu ao Ministério Público do Trabalho legitimidade ativa, no campo da defesa dos interesses difusos e coletivos, no âmbito trabalhista. 5.Independentemente de a própria lei fixar o conceito de interesse coletivo, é conceito de Direito Constitucional, na medida em que a Carta Política dele faz uso para especificar as espécies de interesses que compete ao Ministério Público defender (CF, art. 129, III). 6. Recurso conhecido e provido para afastar a ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho."

(CJ 6959-6 DJ 22.02.1991.)

"Justiça do Trabalho: competência: Const., art. 114: ação de empregado contra empregador, visando à observância das condições negociais da promessa de contrair formulada pela empresa em decorrência de relação de trabalho.

1.Compete à Justiça do Trabalho julgar demanda de servidores do Banco do Brasil para compelir a empresa ao cumprimento da promessa de vender-lhes, em dadas condições de preço e modo de pagamento, apartamentos que, assentindo em transferir-se para Brasília, aqui viessem a ocupar, por mais de cinco anos, permanecendo a seu serviço exclusivo e direto.

2. À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que à promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho."

(RE 206220-1 MG DJ 17.09.1999)

"Competência – Ação Civil Pública – Condições de trabalho. Tendo a ação civil pública como causas de pedir disposições trabalhistas e pedidos voltados à preservação do meio ambiente do trabalho e, portanto, aos interesses dos empregados, a competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho." (grifos não constantes dos originais)

A simples leitura dos precedentes elucida que a súmula 736 do Eg. STF trata de "relações de trabalho".

A questão a saber é: o caso presente trata unicamente de "relações de trabalho", do art. 114 e incisos da CRFB/88 com a redação dada pela EC 45/04, ou vai muito mais além, tratando de uma política pública de custeio da Previdência Social pública?


III – UMA FONTE DE CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

O ressarcimento ora em tela trata de uma relação envolvendo questões de direito previdenciário, da implementação de uma política pública previdenciária de financiamento.

Os envolvidos são, por conseguinte, não só indiretamente os trabalhadores envolvidos na política de melhoria das condições de salubridade de seu ambiente de trabalho, mas diretamente toda a coletividade de segurados da Previdência Social.

Deve-se lembrar que o sistema previdenciário adotado no Brasil é um sistema de repartição e não de capitalização. Há uma inerente solidariedade existente entre todos os segurados da previdência social.

Quando o governo adota uma política pública de custeio, está afetando não apenas aqueles envolvidos naquela determinada relação específica, mas toda a massa de segurados da previdência social pública. (art. 201 caput da CRFB/88)

Esta relação abrangente desfigura por completo a competência da Justiça Especializada Trabalhista, tratada no art. 114 e incisos da CRFB/88, pois a política pública previdenciária vai muito além da mera relação trabalhista, da questão específica de custeio no caso do ressarcimento advindo do acidente de trabalho.

A interpretação que se deve pretender é sistemática e teleológica, pois a "política aproxima-se da idéia de estratégia adoptada por determinados sujeitos (ministros, partidos, governos, grupos) para resolver determinados problemas da comunidade." [05]

O problema tratado é previdenciário! O problema é saber: todos os segurados da Previdência Social devem arcar com os custos decorrentes da irresponsabilidade de uma empresa pelo acidente de trabalho que ocasiona a morte de seu empregado?

Por óbvio que uma política de custeio previdenciário (ação regressiva por acidente de trabalho) trará efeitos na questão relacionada ao acidente do trabalho, mas seu foco não é exatamente este. O foco de toda política relacionada ao custeio da previdência social é a observação de "critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial" (art. 201 caput da CRFB/88).

O direito previdenciário não nasce em árvores [06], ele precisa de uma ampla gama de fontes de financiamento para a manutenção dos benefícios gozados pelos seus segurados. Uma delas é a ação de ressarcimento prevista no art. 120 da Lei 8213/91.

Ora, não é por razão de existir também um direito trabalhista que a competência da Justiça Federal para o julgamento da questão previdenciária mais abrangente será desfigurada e transferida. A CRFB/88 no seu inciso I, art. 109 diz que compete aos juízes federais processar e julgar as questões em que existir interesse do INSS.

Na ação de ressarcimento por ocasião de acidente de trabalho que ocasionou uma morte, a família do segurado morto terá direito a uma pensão que será custeada por toda a sociedade (art. 195 caput da CRFB/88). Benefício previdenciário de pensão por morte que é gerado e mantido graças à existência de uma previdência social pública que garante este direito social fundamental a todos aqueles que exercem atividade remunerada.

Interessante notar, ainda tratando de seguridade social, que, quanto à competência para processamento e julgamento das ações de ressarcimento do SUS, não há nenhuma dúvida quanto à competência da Justiça Federal.

No ressarcimento do SUS, como no ressarcimento do INSS, os réus são, em geral, pessoas jurídicas. No primeiro caso, são pessoas jurídicas que prestam serviços de saúde, mas estes serviços podem decorrer de relações de trabalho. Entretanto, não há a menor dúvida que se trata de uma questão da competência da Justiça Federal, porquanto trata-se do ressarcimento a uma Agência Federal, a ANS, dos custos havidos pelo sistema público de saúde. Trata-se do financiamento da seguridade social, mais especificamente da saúde pública.

No ressarcimento do INSS, não há fundamento diverso. Busca-se mais um financiamento da seguridade social (art. 195 caput da CRFB/88), só que da Previdência Social Pública (art. 201 caput da CRFB/88).


IV – O RESSARCIMENTO DO INSS - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

Assim, a Justiça Federal é competente para processar e julgar a ação regressiva proposta pelo INSS, tendo em vista a sua qualidade de entidade autárquica federal, e da relação jurídica previdenciária que norteia a política pública de financiamento da seguridade social. Consoante dispõe o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal:

"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho."

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O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu que essa competência, nestes casos, é da Justiça Federal, ressaltando que a exceção prevista na parte final do dispositivo não se aplica à ação regressiva, ainda que a causa da concessão do benefício acidentário seja decorrente de uma relação empregatícia:

"AÇÃO REGRESSIVA. ACIDENTE DE TRABALHO. EC 45/04. COMPETÊNCIA JUSTIÇA FEDERAL. Tratando-se de ação de regresso de indenização, a competência para processar e julgar a causa continua sendo da Justiça Federal, ainda que a causa primária da concessão do benefício previdenciário por acidente de trabalho, cuja concessão originou a ação de regresso, seja mesmo uma relação empregatícia.

(Acordão Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO, classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO, Processo: 200604000125560 UF: SC Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA Data da decisão: 26/06/2006 Documento: TRF400131336 Fonte DJ 23/08/2006 PÁGINA: 1122 Relator(a) VÂNIA HACK DE ALMEIDA Decisão A TURMA, POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.Data Publicação 23/08/2006.)

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. ACIDENTE DE TRABALHO. INOCORRÊNCIA.

- Não se aplica a exceção prevista no art. 109, I, da CF à ação regressiva intentada pela autarquia previdenciária para ver-se ressarcida de valores pagos a título de acidente de trabalho. - Agravo provido."

(Acordão Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO, Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO, Processo: 200304010314740 UF: PR Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA, Data da decisão: 18/05/2004 Documento: TRF400097976 Fonte DJ 11/08/2004 PÁGINA: 420, Relator(a) SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB Decisão A TURMA, POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Data Publicação 11/08/2004) (Grifos nossos)

Diante disso, resta claramente demonstrada a competência da Justiça Federal para processar e julgar as ações regressivas propostas pelo INSS relacionadas a questão de financiamento da Previdência Social.


REFERÊNCIAS

CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.

GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.

MELLO, Patrícia Perrone Campos. Operando com súmulas e precedentes vinculantes. In A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Luiz Roberto Barroso (org.), Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 669-701.

SARLET, Ingo Wolfgang (org.).Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

SARLET, ______. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento do neoconstitucionalismo. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 4, outubro/novembro/dezembro, 2005. Disponível na Internet: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 20 de novembro de 2008.

Superior Tribunal de Justiça. Disponível em www.stj.gov.br.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 6ª. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In:________. (Org.) Teoria dos direitos fundamentais. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 243-342.

TORRES, _____. (org.). Legitimação dos direitos humanos. 2ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Disponível em www.trf2.gov.br.


Notas

  1. SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento do neoconstitucionalismo. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 4, outubro/novembro/dezembro, 2005. Disponível na Internet: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 20 de novembro de 2008.
  2. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em www.stj.gov.br, acesso em 23/03/2009. Neste mesmo sentido veja-se o v. acórdão proferido pela E. 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, in Relatório do Ministro do STJ CASTRO FILHO no Resp. Nº 506.881 – SC.
  3. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Disponível em www.trf2.gov.br, acesso em 23/03/2009, processo 2009.02.01.002386-0, DJ 12.03.2009.
  4. MELLO, Patrícia Perrone Campos. Operando com súmulas e precedentes vinculantes. In A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Luiz Roberto Barroso (org.), Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 669-701.
  5. CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Livraria Almedina. 6ª ed. Coimbra: 1993, p. 29.
  6. GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.
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Sobre o autor
Marcelo Barroso Mendes

Procurador federal no Rio de Janeiro (RJ). Pós-graduado pela UERJ. Mestrando pela UNESA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Marcelo Barroso. Ressarcimento do INSS em acidente do trabalho.: Competência da Justiça Federal comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2124, 25 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12694. Acesso em: 19 abr. 2024.

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