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A incidência do ISS nos contratos de leasing

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04/06/2009 às 00:00
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É antiga a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a incidência do ISS nas operações de leasing, diante da complexidade que envolve esse tipo de contrato.

INTRODUÇÃO

É antiga a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza nas operações de leasing, diante da complexidade que envolve esse tipo de contrato.

De origem americana, o leasing surgiu tanto da necessidade de utilização de máquinas de alto custo por parte das empresas, sem que seu capital fosse comprometido, como da garantia que o contrato fornecia para as empresas financiadoras, que permaneciam donas das máquinas durante sua execução.

Diante das facilidades decorrentes do leasing e de sua eficácia econômica, ele passou a ser cada vez mais utilizado, sendo exportado para todas as partes do mundo, inclusive para o Brasil.

Os primeiros registros de sua utilização no país são de 1967, quando o leasing ainda era um contrato atípico, podendo ser pactuado entre as partes da maneira que lhes fosse conveniente.

Preocupado com a repercussão tributária que o leasing poderia causar, o Congresso Nacional editou a Lei 6.099/74 [01], tipificando-o e estabelecendo o tratamento tributário que lhe seria dado, principalmente com relação aos seus efeitos sobre o Imposto de Renda.

Diante da tipicidade do contrato de leasing e de sua regulação legal surge a seguinte questão: O leasing é um contrato de "prestação de serviços", que pode ser tributado através do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza?

Até pouco tempo, o Superior Tribunal de Justiça se posicionava favoravelmente à incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza sobre o contrato de leasing, afirmando que ele era um "serviço", diante de sua previsão expressa na Lei Complementar 116/2003 [02].

Acontece que o problema é um pouco mais complexo que a simples averiguação sobre o que é ou não serviço em legislação infraconstitucional, já que o conceito de "serviços" é de estatura constitucional.

O objetivo desse trabalho é analisar o problema da incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza sobre o contrato de leasing, procurando responder a questão lançada parágrafos atrás. Para tanto, o trabalho foi dividido em três capítulos.

O primeiro capítulo trata do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, explicando seus fundamentos constitucionais e suas principais características dentro do sistema jurídico, para ao final construir sua regra-matriz de incidência tributária.

O segundo capítulo aborda o contrato de leasing, procurando compreender suas bases teóricas, sua finalidade econômica, sua regulamentação e suas características no sistema jurídico brasileiro.

Finalmente, o último capítulo analisa a questão proposta no trabalho, após estabelecer tanto o conceito constitucional de "serviços" para fins de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza quanto o objeto do contrato de leasing.


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O primeiro capítulo tem como objetivo traçar as linhas gerais do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza para que posteriormente se possa realizar a análise da possibilidade de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza no contrato de leasing.

Para tanto, busca-se primeiramente o fundamento constitucional desse tributo, destacando os limites postos pela Constituição Federal para a sua instituição pelos entes políticos competentes.

Após fincadas as balizas constitucionais, passa-se a análise de cada elemento de sua regra-matriz de incidência tributária, de modo que fiquem estabelecidas as características essenciais do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

1.1 - O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza na Constituição Federal

Ao delimitar as competências tributárias, a Constituição Federal [03], em seu artigo 156, dispôs o seguinte:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[...]

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

[...]

§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar

I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;

II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.

III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Percebe-se que ao dispor sobre esse imposto, a Constituição já traça vários parâmetros e requisitos para que ele possa ser instituído, de modo que sua regulação é um assunto complexo, pois não depende somente de sua instituição por parte da entidade que detêm a competência para tanto (o Município), devendo haver Lei Complementar que trate sobre o assunto.

A Constituição Federal, ao ser interpretada, deve ser vista como um sistema, não podendo ser cindida para que se analise somente partes dela. A análise de qualquer tributo deve ser realizada tendo em vista os princípios constitucionais tributários e as repartições constitucionais de competência tributária.

Com relação ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, existe uma grande discussão sobre o princípio do pacto federativo e a autonomia municipal, diante da outorga de competência aos Municípios para a instituição desse tributo e a delegação ao legislador nacional para definir quais são os serviços que poderão ser por ele tributados, conforme o texto do inciso III do artigo 156 da Constituição Federal.

Segundo Moraes [04],

"A adoção da espécie federal de Estado gravita em torno do princípio da autonomia e da participação política e pressupõe a consagração de certas regras constitucionais, tendentes não somente à sua configuração, mas também à sua manutenção e sua indossolubilidade."

Diante de uma ordem jurídica estabelecida, o pacto federativo, que atribui autonomia e garante a participação política de cada um de seus entes membros, deve ser visto da forma como o próprio sistema o estabeleceu, ou seja, da forma como a própria Constituição, ao ser instituída, o delimitou.

Assim o pacto federativo dentro do ordenamento jurídico brasileiro só pode ser entendido como as regras políticas e de distribuição de competências que a própria Constituição realizou, devendo-se deixar para trás o mito de que cada entidade política é autônoma frente as outras. A autonomia existe, mas somente dentro do que foi constitucionalmente previsto.

Com relação ao tema, cabe a exposição da lição do eminente professor Paulo de Barros Carvalho [05]:

"Diante da complexidade desse imposto e visando a evitar eventuais conflitos de competência, o constituinte houve por bem eleger a lei complementar como veículo introdutor de normas jurídicas tributárias definidoras de quais sejam os serviços de qualquer natureza, susceptíveis de tributação pelos Municípios. Essa é uma das matérias que aquele legislador considerou especial e merecedora de maior vigilância, demandando disciplina cuidadosa, a ser introduzida no ordenamento mediante instrumento normativo de posição intercalar, em decorrência de seu procedimento legislativo mais complexo. Eis caso típico do papel de ajuste reservado à legislação complementar para garantir a harmonia que o sistema requer.

Essa tarefa, no entanto, assim como quaisquer outras reservadas à lei complementar, há de ser analisada no contexto constitucional. Não podemos esquecer que a lei complementar configura mecanismo de ajuste que assegura o funcionamento do sistema, prevenindo conflitos de competência. Logo, ao dispor sobre quaisquer dos assuntos a que se refere o art. 146 da Constituição, e, mais especificamente, o art. 156, III, desse Diploma normativo, o legislador infraconstitucional deve ater-se à tarefa de elucidar e reforçar os comandos veiculados pelo constituinte. É-lhe terminantemente vedado extrapolar tal função, inovando e prescrevendo condutas diversas daquelas referidas pelo Texto Magno.

Tal ordem de esclarecimentos assume relevância não apenas perante a atividade do legislador, mas também do intérprete: limita a atuação do primeiro e orienta a do segundo. Por isso, o exame de qualquer texto de lei complementar em matéria tributária há de ser efetuado de acordo com as regras constitucionais de competência. [...]"

Portanto o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza só pode ser instituído dentro dos limites constitucionais, e também de acordo com a Lei Complementar que foi editada definindo os serviços que podem ser por ele tributados, tendo em vista que, ao delimitar as competências tributárias, a própria Constituição estabeleceu a regra a ser observada pelos Municípios.

1.2 – O Critério Material do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

O critério material da hipótese de incidência de um tributo consiste em um comportamento humano, sempre caracterizado por um verbo pessoal, de predicação imcompleta, mais um complemento [06].

A Constituição Federal, ao tratar do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, estabelece somente que compete ao município instituir impostos sobre serviços, não incluídos no artigo 155, II. Mas "serviço" é um substantivo, não podendo, por si só, ser critério material, pois lhe faltaria a característica essencial: o verbo que indica o comportamento humano.

O vocábulo "serviço", segundo o dicionário Aurélio, "consiste no desempenho de qualquer trabalho, emprego ou função" [07]. Juridicamente, consiste em uma obrigação de "fazer", diferenciando-se essencialmente da obrigação de "dar" por envolver uma prestação de fato, e não de coisa [08].

Assim o critério material de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza só pode ser compreendido como sendo a conduta humana de "prestar serviços", pois o "serviço", por si só, jamais poderá sê-lo, pois nunca será uma conduta, e sim o objeto dela.

Sobre o tema, José Eduardo Soares de Mello [09] explica que

"Não se pode considerar a incidência tributária restrita a figura de "serviço", como uma atividade realizada; mas, certamente, sobre a "prestação do serviço", porque esta é que tem a virtude de abranger os elementos imprescindíveis à sua configuração [...]"

Mas não é qualquer prestação de serviço que enseja a tributação por meio do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, pois o constituinte foi claro em estabelecer que ele incidirá somente sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em Lei Complementar. Ou seja, para ser critério material suficiente para a sua incidência, o serviço prestado deverá estar previsto em Lei Complementar.

Atualmente os serviços passíveis de tributação por meio de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza estão previstos na Lei Complementar 116/2003 [10], que também estabelece as normas gerais do tributo em questão.

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Nesse sentido é o entendimento de Paulo de Barros Carvalho [11], que explica que

"para caracterizar "serviços de qualquer natureza", nos termos empregados pelo constituinte, a prestação deve atender, simultaneamente, a dois requisitos: (i) ser serviço; e (ii) estar indicado em lei complementar."

Portanto a materialidade constitucional do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza consiste na "prestação de serviços definidos em Lei Complementar".

1.3 – O Critério Espacial do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

O critério espacial da norma tributária consiste no local em que, ocorrida a conduta humana prevista no critério material da hipótese de incidência tributária, nascerá a obrigação jurídico-tributária entre os seus respectivos sujeito ativo e sujeito passivo.

É o elemento indicador de espaço em que pode ocorrer o fato jurídico-tributário, podendo ser de três tipos [12]:

a)local determinado;

b)área específica;

c)área genérica.

Sob o ponto de vista constitucional, no caso do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, o critério espacial é o do terceiro tipo, pois como os municípios têm competência para a instituição desse imposto, qualquer prestação de serviço realizada dentro do local de seus territórios será passível de ser tributada, coincidindo com a eficácia territorial da lei instituidora do tributo.

Ocorre que a Lei Complementar 116/2003 [13], em seu artigo 3º, ao estabelecer que "o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador" (excetuando alguns casos em que o serviço considerar-se-á devido no local da prestação), excede os limites traçados pela Constituição Federal.

Sobre o assunto, Gustavo da Silva [14] explica que

"A Constituição Federal não admite outro critério para se estabelecer a competência tributária. Referida competência foi outorgada para se tributar a prestação de serviços que, segundo conceito utilizado neste trabalho, decorre da relação jurídica cujo tomador é titular do direito subjetivo de exigir seu objeto enquanto o prestador é titular do dever jurídico de entregá-lo.

Não percamos de vista que o objeto dessa relação é, também, um fato e, portanto, passível de ser aprisionado pela linguagem do direito positivo em coordenadas de espaço e tempo. Temos, como vimos, dois fatos: i) o fato-relação e ii) o fato-objeto. A nós parece que o constituinte, ao aludir à tributação do "serviço", e não de sua "fruição", "contratação", "disponibilização", quis dar relevo ao fato-objeto e, portanto, outorgar competência exclusiva ao município onde o mesmo se consuma."

Assim o critério espacial do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza deve ser definido como o local onde o serviço é prestado, diante da distribuição de competências tributárias realizada pela Constituição Federal.

1.4 – O Critério Temporal do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

É o momento no tempo, eleito pelo legislador, desde que em conformidade com o critério material, em que considera-se realizado o evento previsto na hipótese de incidência tributária, ensejando o liame obrigacional jurídico-tributário.

Paulo de Barros [15] afirma que o critério temporal é "o conjunto de elementos que nos habilitam a identificar a condição que atua sobre determinado evento, subordinando-o no tempo."

No caso do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, o critério material consiste em "prestar serviços", de modo que somente após prestado o serviço é que poderá ser exigido o tributo, pois antes de sua efetiva prestação não haverá a realização do critério material.

Assim o critério temporal do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza consiste no momento em que é completada a prestação do serviço, e para tanto deve-se observar o tipo de serviço prestado, que pode ocorrer de uma única vez, ser fracionável ou ser feito por um período prolongado, com prestações sucessivas [16].

No primeiro caso, o momento é o término da prestação do serviço. No segundo, como o serviço é fracionável, o critério temporal poderá ser o momento do término de cada etapa do serviço. Já no último caso, o critério temporal poderá ser no momento do término de cada período eleito da prestação do serviço.

1.5 – O Critério Pessoal do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

O critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária consiste nas pessoas que, caso realizada a hipótese de incidência, serão sujeitos da relação jurídico-tributária. O sujeito ativo é quem exige a prestação pecuniária, enquanto o sujeito passivo é aquele de quem se cobra a prestação [17].

A competência tributária para a instituição do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza foi dada ao município, dentro do âmbito de seu território. Instituído o tributo, será também o munícipio quem irá figurar na relação jurídico-tributária como sujeito ativo, tendo a capacidade para cobrar o tributo.

Conforme estabelecido anteriormente, o critério material do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza é a "prestação de serviços". Diante dessa materialidade, pode-se definir com facilidade quem é o sujeito passivo, ou seja, quem presta o serviço, realizando o critério material do imposto em questão.

1.6 – O Critério Quantitativo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

O critério quantitativo de qualquer tributo consiste em dois elementos (base de cálculo e alíquota), que são combinados para compor o valor da prestação que o sujeito passivo será obrigado a pagar ao sujeito ativo.

Conforme lição do professor Paulo de Barros Carvalho [18], a base de cálculo possui três funções: medir as reais proporções do fato, compor a específica determinação da dívida e confirmar, infirmar ou afirmar o critério material da norma.

Percebe-se que a base de cálculo está diretamente ligada ao critério material da norma, já que ao medir as reais proporções do fato, ela serve para quantificar aquilo que foi previsto no critério material.

No caso do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, a Lei Complementar 116/2003 [19], em seu artigo 7º, elegeu como base de cálculo o preço do serviço, que reflete fielmente a realização do critério material do imposto, confirmando-o.

O segundo elemento utilizado para compor o critério quantitativo do imposto é a alíquota, que deverá ser combinada com o critério material para se obter o montante da obrigação tributária que o sujeito passivo estará obrigado a pagar.

O estabelecimento das alíquotas é de competência dos municípios, e cada um irá estabelecê-las conforme sua necessidade de política tributária, não podendo ultrapassar os cinco por cento, conforme previsão do artigo 8º da Lei Complementar 116/2003 [20].

1.7 – A Regra-Matriz de Incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

Após a análise das principais características do ISS, pode-se resumí-lo, sob o ponto de vista do ordenamento jurídico atual, através de sua Regra-Matriz de Incidência:

Critério Material: prestar serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, da Constituição Federal e definidos na Lei Complementar 116/2003;

Critério Espacial: local da prestação do serviço;

Critério Temporal: momento em que considera-se realizado o serviço;

Critério Pessoal:

sujeito ativo: município

sujeito passivo: prestador de serviços

Critério Quantitativo:

Base de cálculo: valor do serviço prestado;

Alíquota: definida por cada município instituidor do tributo.

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Sobre o autor
Tiago Andreotti e Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Mestrando em International Legal Studies pela New York University.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Tiago Andreotti. A incidência do ISS nos contratos de leasing. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2164, 4 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12823. Acesso em: 2 mai. 2024.

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