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A tributação ambiental como instrumento de defesa do meio ambiente

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26/06/2009 às 00:00
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Resumo: A atual crise ambiental reclama uma reação do Direito e o meio ambiente passa a ocupar, de forma perene, parcela das suas discussões. Dessa forma, muda-se o panorama jurídico, passando-se os ordenamentos jurídicos nacionais a albergarem em suas Constituições a idéia de proteção ao meio ambiente. Como de outra forma não poderia ser, no direito tributário, como parte do sistema, deve ser explorada sua finalidade social através da extrafiscalidade dos tributos, tendo em vista a consecução do direito sustentável como direito das presentes e futuras gerações.

Palavras-chave: Direito tributário. Desenvolvimento sustentável. Tributação ambiental.

Sumário: Introdução.1 A tutela jurídica do meio ambiente. 2 Estado, ordem econômica e defesa ambiental. 3 Tributação e meio ambiente. 3.1 Conceito. 3.2 Extrafiscalidade tributária e proteção ambiental. Conclusão. Referências.


Introdução

É crescente a preocupação com a tutela do meio ambiente em razão dos desastres ecológicos que ameaçam a qualidade de vida no planeta. Nesse sentido, é premente compatibilizar crescimento econômico e preservação ambiental, através do propalado desenvolvimento sustentável, que consiste na obtenção de riquezas através da exploração racional dos recursos naturais, tendo em mente o bem-estar das presentes e futuras gerações.

De acordo com a Declaração do Meio Ambiente, elaborada na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, em junho de 1972, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é considerado um direito fundamental das presentes e futuras gerações. Nessa esteira, a Constituição do Brasil contempla diversos dispositivos de regramento do meio ambiente que contribuem com sua política ecológica preservacionista, como, por exemplo, o art. 225, caput, que confere ao Poder Público e a coletividade o dever de defender e preservar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Com efeito, diante do agravamento, nos últimos tempos, dos problemas climáticos ocasionados pelas ações humanas – também denominadas ações antrópicas –, têm surgido, por parte da sociedade civil e dos governantes, forte interesse em mudar o quadro climático de nosso planeta.

Não é dispendioso lembrar que o desenvolvimento econômico depende do meio ambiente, razão porque é preciso considerar-se, para o adequado desenvolvimento da atividade econômica, a utilização racional dos recursos naturais.

Destarte, mais do que nunca é premente o desenvolvimento sustentável através de meios de produção efetivamente compromissados com a perpetuação das matérias-primas obtidas na natureza, bem como a participação de toda a população nos benefícios obtidos no progresso econômico, de forma a se concretizar a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades regionais através da distribuição da riqueza social.

Portanto, no momento em que os debates sobre políticas ambientais estão na pauta das grandes reuniões internacionais – tendo em vista as consequências globais dos desastres ecológicos, o presente trabalho visa dar uma singela contribuição ao estudo desse tema, apresentando o direito tributário sob um aspecto que contribua de modo satisfatório para com a preservação ambiental, suprindo, assim, os recursos voltados à prestação de serviços públicos ambientais.


1 A tutela jurídica do meio ambiente

A intensificação, nos últimos tempos, dos desastres ecológicos que assolam o planeta Terra tem feito despertar, de uma maneira geral, a consciência ecológica na humanidade. [01] A partir daí, adveio a preocupação com a tutela jurídica do meio ambiente [02], surgindo legislações ambientais em diversos países, tornando-se o meio ambiente objeto jurídico do Direito. Assim, o aumento da qualidade de vida, sendo este considerado corolário da preservação ambiental, se transforma em interesse público a ser defendido.

Como observa Muñoz [03], a ecologia, ou seja, o estudo da relação do homem com o meio ambiente se caracteriza não só como uma mera intranquilidade da população com a preservação da natureza, mas, sobretudo, significa verdadeira valoração da conduta humana, de forma a realizar desejável formação de uma consciência coletiva como elemento indispensável da axiologia ambiental de nosso tempo.

É necessário um equilíbrio para que as relações humanas, a relação entre homem e natureza, não sejam predatórias, haja vista que esta interação homem-natureza é necessária para sua coexistência. O esgotamento dos recursos naturais traz consigo a imediata destruição da vida na Terra. A tomada de consciência dessa realidade leva a uma organização social para o inarredável tratamento jurídico da relação entre ser humano e meio ambiente.

O estudo da intrínseca relação do homem com a natureza é definido de forma percuciente por Derani [04]:

Quer dizer, não há o romantismo idílico da vida do homem em harmonia com a natureza, pois, em realidade, ao mesmo tempo em que a natureza se apresenta como fonte de vida, se mostra também como ameaça. Os distintos comportamentos humanos revelam esta ambivalência, pois como preservar a natureza se é de seu consumo que o ser humano retira sua fonte de existência. [...] Sendo o ser humano, ele mesmo, parte da natureza, não lhe é possível ultrapassar seu contexto natural. Sua dependência da natureza é imanente e contra isso não pode lutar. Resta-lhe resolver os princípios de sua dependência com a natureza, esclarecendo o modo como apropriá-la da forma mais satisfatória. Há, sim, uma necessidade de constante ajuste de um relacionamento insuperável do ser humano com suas bases naturais de reprodução de existência.

É pertinente salientar que essa crise ambiental é única, pois não é isolada e envolve interesses globais, já que os efeitos nocivos da degradação ambiental de um determinado local pode ser sentido em parte diferente do planeta. Aliás, essa idéia de encurtamento das fronteiras já é antiga na Economia, tendo surgido com o progresso dos meios de comunicação e através do estreitamento das relações comerciais entre países. Assim como os efeitos do meio ambiente são globais, qualquer mudança no panorama econômico de uma parte do mundo ocasiona imediatos efeitos no restante do planeta. [05]

Para Derani [06], "A questão ambiental é, em essência, subversiva, posto que é obrigada a permear e a questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação homem-natureza, estando envolvida com o cerne da conflituosidade da sociedade moderna."

Não se pode negar que a normatização da apropriação dos recursos da natureza tem interesse maior na perpetuação desses recursos para a produção econômica. Contudo, a evolução do direito ambiental tem como legado uma ampliação da visão sobre a necessidade de preservação ambiental e, aos poucos, sua regulamentação no Direito mostra que essa idéia deve ser conservada, tendo em vista seu valor para a evolução da humanidade nos seus mais amplos desdobramentos.

Por seu turno, as ciências do Direito e da Economia não podem se manter alheias ao que, conforme demonstrado, começa a se enraizar no seio da sociedade. Aliás, é tomando por base essa consciência da defesa dos valores ambientais que se demanda das áreas do conhecimento não só que se reconheça a defesa do meio ambiente em toda a sua amplitude, mas que também articulem instrumentos que possam ser postos a disposição da defesa do meio ambiente. [07]

Dentre os primeiros textos internacionais que trataram do tema, a Declaração do Meio Ambiente, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, celebrada em Estocolmo, em 1972, fixa o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental das presentes e futuras gerações. A referida Declaração do Meio Ambiente representou verdadeira guinada no trato das questões ambientais pela comunidade internacional, elencando 26 princípios fundamentais de proteção ao meio ambiente, tendo influenciado a elaboração do capítulo sobre meio ambiente da Constituição Federal de 1988.

Vinte anos depois, novos princípios de proteção ambiental foram apresentados na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de janeiro de 3 a 14 de junho de 1992, conhecida como ECO-92, reafirmando os princípios da Declaração do Meio Ambiente e adicionando outros sobre o desenvolvimento sustentável e o meio ambiente. Parte do reconhecimento da natureza interdependente e integral da Terra, nosso lar, e do princípio que os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável, e têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza (Princípio 1). Põe-se, nesse primeiro princípio, a correlação de dois direitos fundamentais do homem: o direito ao desenvolvimento e o direito a uma vida saudável. [08]

A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que os ordenamentos jurídicos supervenientes elencassem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como uma extensão do direito à vida, portanto, direito fundamental das presentes e futuras gerações. Com isso, é importante ter em mente que o direito à vida, como direito fundamental supremo, deve orientar a atuação do Estado no âmbito da tutela do meio ambiente. É premente que o texto constitucional vise compatibilizar desenvolvimento econômico e preservação ambiental.


2 Estado, ordem econômica e defesa ambiental

O Estado Moderno veio a subsidiar o desenvolvimento da economia burguesa necessitada de universalização. Igualdade entre pessoas, igualdade de câmbio, ampliação de mercados e de mão-de-obra, garantia do "laisser-faire" e da organização produtiva que lhe viabilizava. Este mesmo Estado, parte integrante da sociedade, é também parte indispensável ao funcionamento do mercado, o que indubitavelmente afasta a ilusão neoliberal em voga de um "fundamentalismo mercantil" – uma crença inabalável no poder do mercado em gerenciar com máxima eficiência os recursos disponíveis. Daí a asserção clássica de que o Estado como agente econômico não é a negação do modo de produção capitalista, mas responde à necessidade de sua lógica interna de expansão. [09]

Antes do surgimento do Estado neoconcorrencial [10] ou intervencionista, o que ocorreu na passagem do século XIX para o século XX, não era permitido ao Estado interferir na "ordem natural" dos mercados, mesmo que para garantir a propriedade privada. Havia um equivocado consenso de que Estado e sociedade tinham existências independentes uma da outra.

Contudo, assevera Eros Grau que, mesmo desde o Estado Moderno, a burguesia obtinha vantagens no mercado, pondo à sua disposição instrumentos de políticas públicas através da ação estatal sobre o domínio econômico, o que demonstra que não era absoluta a afirmação de que o Estado não interferia na economia. Dessa forma, o "Estado Moderno nasce sob a vocação de atuar no campo econômico. Passa por alterações, no tempo, apenas o seu modo de atuar, inicialmente voltado à constituição e à preservação do modo de produção capitalista, posteriormente à substituição e compensação do mercado". [11]

Porém, o Estado da revolução francesa já foi ultrapassado e o mesmo não mais perdura. O advento do Estado do Bem-Estar enfrenta agora um desafio de redimensionar suas feições, pois a relação entre economia privada e Estado nunca foi tão forte desde a revolução industrial. O homem nunca se utilizou de tanta matéria e energia, a sociedade nunca demandou tantos recursos naturais para sua subsistência quanto hoje. O Estado, portanto, não pode se quedar inerte no seu papel de fiduciário dos interesses da sociedade, na medida da realização da Justiça Fiscal. Como explica Tipke: [12] "Em um Estado de Direito deve-se atuar com justiça na medida do possível. Está, é a máxima exigência que se deve projetar o ente político. Esta exigência não pode permanecer anulada ou desprezada em seu conteúdo essencial por outras aspirações. Este também é o ponto de partida das constituições que invocam de modo expresso a Justiça ou a Justiça tributária".

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Com efeito, a Constituição do Brasil tem em seu bojo um modelo econômico de bem-estar. Esse modelo é consubstanciado nos seus artigos 1°. e 3°., bem como no enunciado do art.170. [13] Tais preceitos não podem ser olvidados dentro das políticas públicas de Governo. Com efeito, a dignidade de pessoa humana é adotada em nosso texto constitucional tanto como fundamento da República Federativa do Brasil (art.1°., III), como fim da ordem econômica (art. 170).

Como acima referido, para a concretização de uma existência digna que proporcione efetiva qualidade de vida, é fundamental um meio ambiente ecologicamente equilibrado. De fato, a defesa do meio ambiente é princípio constitucional que dever ser incorporado no processo econômico (art. 170, VI), bem como dedutível da norma expressa do art. 225, §1°., IV, o que torna de imediato inconstitucional a desenvolvimento de atividade econômica que despreze os valores naturais.

Destarte, o desenvolvimento econômico do Estado brasileiro deve se coadunar com o uso sustentável da natureza, com vistas ao aumento da qualidade de vida da população, como bem sintetiza Derani: [14]

Este modo de pensar o desenvolvimento econômico decorre da interpretação dos princípios da ordem econômica constitucionalmente construídos, e que se destinam a reger a atividade econômica e seus fatores. Um novo ângulo de se observar o desenvolvimento econômico, inserindo outros fatores na formação de políticas públicas, é conformado pela presença do capítulo do meio ambiente na Constituição Federal. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado exposto no art.225 se faz presente como princípio a ser respeitado pela atividade econômica no artigo 170, VI. A positivação deste princípio ilumina o desenvolver da ordem econômica, impondo sua sustentabilidade.

Em conformidade com os ditames da justiça social, não se pode imaginar desenvolvimento econômico sem o uso adequado dos recursos naturais, haja vista que, por motivos elementares, esta atividade é dependente do uso da natureza. Assim, as políticas públicas devem ser orientadas segundo um desenvolvimento econômico sustentável.


3 Tributação e meio ambiente

Diante do importante papel do direito tributário como instrumento de fomento do desenvolvimento econômico, através da função extrafiscal dos tributos (incentivo ou desestímulo a atividades consideradas pertinentes ou não aos interesses da comunidade), é latente sua relevância na consecução de políticas públicas que contemplem simultaneamente: proteção do meio ambiente e desenvolvimento econômico.

3.1 Conceito

Inicialmente, vale salientar que a evolução da atuação do Estado, antes revestido de uma postura liberal, para a assunção de uma postura intervencionista voltada à consecução dos interesses coletivos albergados pelo ordenamento jurídico, em especial na Constituição, fez surgir uma faceta do direito tributário antes não explorada, já que o mesmo era visto somente como instrumento de arrecadação. É como vislumbra Becker: "A principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressividade transfigurada dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada". [15]

A recente denominação "tributação ambiental" quer revelar a relevância que vem obtendo a relação entre tributação e preservação do meio ambiente, de forma que este desiderato seja alcançado através do direcionamento daquela atividade do Estado.

Segundo García, [16] a possibilidade de proteger o meio ambiente com instrumentos fiscais pode ter surgido em 1920 com a proposta do economista inglês A.C. Pigou de isentar os impostos que afetassem os custos "externos" da produção e consumo privados. Segundo o autor, "semelhante proposta logrou êxito no âmbito acadêmico, porém não teve conseqüências práticas na política ambiental até os anos 70, quando foram introduzidas as primeiras taxas ecológicas, tendo o princípio do poluidor-pagador sido adotado pela OCDE [17] no primeiro programa de ação das Comunidades em matéria ambiental".

Talvez em razão do estudo do direito ambiental ainda ser incipiente em nosso país, o tema que não era objeto de muitos estudos vem adquirindo destaque, sob a ótica de que os instrumentos tributários podem revelar-se importantes ferramentas para a obtenção de uma satisfatória qualidade do meio ambiente.

Do ponto de vista da política ambiental, pode-se qualificar como tributo ecológico todo aquele cuja principal finalidade é servir à proteção do meio ambiente. Esta abrangente definição inclui também aqueles tributos cujo fato gerador não está relacionado com atividades contaminantes, desde que a arrecadação seja afetada para a proteção do meio ambiente. Os efeitos desses tributos constituem um instrumento de financiamento de políticas públicas. [18]

Dessa forma, como leciona Tôrres, [19] o objeto de estudo do Direito Tributário Ambiental pode ser definido como "ramo da ciência do direito tributário que tem por objeto o estudo das normas jurídicas tributárias elaboradas em concurso com o exercício de competências ambientais, para determinar o uso de tributo na função instrumental de garantia ou preservação de bens ambientais".

Tratando do tema, Costa [20] assim elucida a definição de tributação ambiental:

A tributação ambiental pode ser singelamente conceituada como o emprego de instrumentos tributários para gerar os recursos necessários à prestação de serviços públicos de natureza ambiental (aspecto fiscal ou arrecadatório), bem como para orientar o comportamento dos contribuintes à proteção do meio ambiente (aspecto extrafiscal ou regulatório).

Dentro das políticas públicas de governo podem ser albergados instrumentos tributários que compatibilizem a tributação com a preservação ambiental por meio da fiscalidade, ou que contemplem – através da extrafiscalidade – um duplo benefício, qual seja, arrecadar e incentivar a conservação ambiental. [21]

O grande desafio que hoje possuiu a doutrina é a busca de uma aliança entre ambas as modalidades de competências ambiental e tributária, solucionando o aparente conflito principiológico, entre aqueles que visam à proteção dos interesses difusos ou coletivos homogêneos inerentes ao meio ambiente, nas suas diversas manifestações (natural, cultural, artificial e do trabalho); com os direitos de propriedade e liberdade, além daqueles de garantia dos limites da tributação, como legalidade, isonomia, e capacidade contributiva, ao determinar o exato espaço para a ação fiscal. [22]

3.2 Extrafiscalidade tributária e proteção ambiental

A extrafiscalidade consiste no emprego de fórmulas jurídico-constitucionais para a obtenção de objetivos que superam a simples finalidade arrecadatória de recursos financeiros, cujo regime que há de orientar tal prática não poderia diferir daquele próprio das exações tributárias. [23] Quer dizer que o direito tributário deve suplantar os fins meramente arrecadatórios que orientam a sua função fiscal, para a ascensão do exercício do poder de tributar objetivando a realização da finalidade social do tributo [24] como indutor de comportamentos do sujeito passivo da obrigação tributária.

Nesse sentido, para conseguir lograr êxito no alcance de suas finalidades, o Estado deve se utilizar de instrumentos tributários e financeiros para saciar as necessidades do interesse público. Hodiernamente, esses instrumentos não se limitam somente à obtenção de somas em dinheiro para financiar os gastos públicos, senão para também obter outros fins constitucionalmente legítimos. A propósito, tratando da coexistência entre finalismo fiscal e extrafiscalidade tributária, Becker [25] proclama que "na construção jurídica de todos e de cada tributo, nunca mais estará ausente o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão sempre – agora de um modo consciente e desejado – na construção jurídica de cada tributo; apenas haverá maior ou menor prevalência neste ou naquele sentido, a fim de melhor estabelecer o equilíbrio econômico-social do orçamento cíclico"

Na construção de seus escólios, Baleeiro [26] assim sentencia sobre as finanças do Estado e seus fins extrafiscais:

Os progressos das ciências econômicas, sobretudo depois do impulso que lhes imprimiu a teoria geral de Keynes, refletiram-se na Política Fiscal e esta, por sua vez, revolucionou a concepção da atividade financeira, segundo os preceitos dos financistas clássicos. Ao invés das "finanças neutras" da tradição, com seu código de omissão e parcimônia tão do gosto das opiniões individualistas, entendem hoje alguns que maiores benefícios a coletividade colhera de "finanças funcionais", isto é, a atividade financeira orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica.

Nesse jaez, com a consolidação do intervencionismo estatal, o tributo demonstra uma capacidade especial para ser utilizado na perquirição dos fins públicos, não como instrumentos arrecadador, mas como ferramenta que influi diretamente nos direitos econômicos e fiscais. [27] As políticas governamentais devem ser orientadas na esteira do interesse público, dentro da tributação extrafiscal, como vaticina Gouvêa: [28]

Ao traduzir este fenômeno em linguagem do Direito, é necessário sustentar um fundamento jurídico que permita ao Estado tributar, com vistas a objetivos diversos, distintos da arrecadação, afastando os interesses individuais contrários à incidência tributária. Revela-se, assim, outra faceta do corolário da supremacia do interesse público sobre o interesse do particular, no Direito Tributário. O Estado tributa com vistas a auferir receitas, e assim a supremacia do interesse público consubstancia o princípio da fiscalidade; quando se apreciam objetivos outros, que se afastam da pura arrecadação, apresenta-se a extrafiscalidade.

Assim sendo, a extrafiscalidade tributária é instrumento que caminha lado a lado com as políticas públicas estatais, na razão em que a mesma se concretiza como a ação do Estado sobre o domínio econômico, [29] vale dizer, no campo da atividade econômica, enquanto regulador desta atividade. Nesse sentido, altera-se o conceito de justiça fiscal, na medida em que não se leva em consideração somente a capacidade econômica do contribuinte. Isso, de certa forma, demanda uma mudança na postura do legislador, o que pressupõem um conhecimento das possibilidades de intervenção de que se pode cogitar e o desiderato de fazer uso desses instrumentos, pois a extrafiscalidade não se coaduna com desídia governamental. Para isso, a tributação deve ser pensada em consonância com o desenvolvimento sustentável, enquanto aspiração da sociedade contemporânea. É nesse sentido que se pronuncia Falcão: [30]

Ficou visto, pelo conceito que albergamos antes, que o progresso é apenas uma marcha para frente. Essa marcha pode ou não reverter em benefício da sociedade como um todo, ou, pelo menos, em sua parcela nitidamente majoritária. Desenvolvimento, por sua vez, envolve conceito cúbico, e não somente linear, isto é, conceito que não se subsume ao de crescimento, mas se dirige para os anseios da sociedade, uma vez que assume as diversas dimensões e direções. Seus efeitos plenificam o espaço social e é isso que auguramos aconteça com manejo da extrafiscalidade.

Como aqui já foi frisado, o direito tributário tem como um dos mais relevantes papéis, o de implementar políticas públicas através da ação coordenada da intervenção estatal na atividade econômica. Destarte, o direto tributário deixou de ser mero aparelho para angariar receitas, para se tornar instrumento de transformação da sociedade.

No que concerne ao meio ambiente, a possibilidade de utilizar o tributo como instrumento para sua conservação está intrinsecamente ligado a aplicação da extrafiscalidade tributária, enquanto orientação econômica dirigida pelo Estado através de estímulo ou desestímulo da atividade econômica. A finalidade do caráter extrafiscal do tributo na proteção ambiental propõem que o intervencionismo fiscal seja utilizado como instrumento eficiente na reeducação socioambiental.

Ao tratar da inerente relação entre meio ambiente e direito tributário, assim se pronuncia Ribas: [31]

O direito ambiental transpassa diferentes áreas jurídicas, que se devem levar em conta princípios de natureza ambiental, por isso chamado de horizontal e também de integração, uma vez que se penetra em todos os setores do direito, para neles introduzir a idéia ambiental. A tributação atua basicamente sobre fatores econômicos, que têm que estar de acordo com princípios estabelecidos no direito ambiental. A atividade legislativa deve implementar os instrumentos jurídicos e, entre eles, os tributários são de extremar relevância e eficácia, pois se revelam hábeis à proteção do ambiente.

Com efeito, medidas fiscais, como se tem tentado demonstrar, são eficazes instrumentos jurídico-constitucionais para a consecução das finalidades econômicas, sociais e ambientais constitucionalmente colimadas. Os instrumentos tributários podem intervir na realidade sócio-econômica para alcançar referido objetivo constitucional. Para isso o legislador tem a possibilidade de configurar juridicamente o tributo de modo que o mesmo obtenha os fins fiscais e extrafiscais. [32]

As benesses da utilização dos tributos para fins ambientais consistem no fato de que aqueles, no primeiro momento, estimulam o comportamento individual que se direciona a uma postura ambientalmente correta e, justamente porque interfere nas suas finanças, estes optam por abstrair comportamentos danosos ao meio ambiente. Ao revés, a efetivação de uma rede de tributos ambientais não exige grandes mudanças na infra-estrutura e aparelhagem estatal de fiscalização dos tributos.

Portanto, a proeminência dos fins extrafiscais ou regulatórios no emprego dos tributos se constitui um relevante instrumento para a conservação ambiental. Aliás, pode-se argumentar que a existência de normas que viabilizem um equilíbrio ecológico encontram nas normas tributárias de natureza extrafiscal a possibilidade de consolidarem o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANA, Raniere Franco. A tributação ambiental como instrumento de defesa do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2186, 26 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13052. Acesso em: 18 abr. 2024.

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