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Os problemas da nova Lei do Mandado de Segurança

19/08/2009 às 00:00
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Sancionou-se, no dia 07 de agosto de 2009, a lei nº 12.016, chamada de "Nova Lei do Mandado de Segurança".

Esta lei veio a reunir, num único texto, as normas gerais sobre mandado de segurança, que se encontravam espalhadas por várias leis independentes (leis nº 1.533/51, 4.348/64, 6.014/73 etc.).

Assim, agora, em único texto, que revogou os demais atinentes sobre a matéria, tem-se esgotado o tema "mandado de segurança".

Entretanto, o que deveria merecer aplausos mais uma vez veio trazer críticas. E não se trata de crítica apenas acadêmica, mas sobretudo prática, pois, da forma como a nova lei foi publicada, aparentemente, ainda estaremos longe de um ideal de processo e de justiça.

Inicialmente, mister analisar o art. 5º da nova lei, cuja redação é a seguinte:

"Art. 5º  Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: 

I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; 

II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; 

III - de decisão judicial transitada em julgado".

Perceba-se que parte do artigo não inova em nada, somente repetindo o que já era contido na legislação anterior, ora revogada expressamente pela nova lei.

Entretanto, o inciso II causa perplexidade. O antigo art. 5º, inc. II, da lei nº 1.533/51, que regulamentava a matéria, com muita propriedade, dispunha que não caberia mandado de segurança contra decisão judicial sujeita a recurso ou que pudesse ser modificado de outra forma.

Isto quer dizer que o remédio constitucional era a ultima ratio no tocante a decisão judicial, somente podendo ser invocada e requerida a segurança quando não fosse possível solução por outras formas processuais. Era o caráter subsidiário do mandado de segurança.

Tal regra se baseava no fato de que não poderia a parte sucumbente lançar mão dos benefícios do remédio jurídico constitucional, como prioridade na tramitação, para impugnar decisão judicial, passando sua causa na frente de toda uma gama de recursos ordinários interpostos. Além de calamitoso, feriria o princípio da igualdade, previsto no caput da Constituição da República.

Assim, se o legislador tinha previsto os meios recursais, era da sua intenção que estes fossem preferidos, em detrimento do mandado de segurança, que seria, somente, em último caso utilizado.

Tal regra também servia para impedir julgamentos intermináveis sobre as questões já decididas. Os recursos têm caráter numerus clausus, ou seja, não podem ser criados nem por ato de vontade, nem por interpretação extensiva de outro recurso existente. Se o legislador não previu o recurso, é porque entende que naquele caso não cabe novo julgamento, estabilizando a relação jurídica que se encontra incerta (estado de incerteza).

Assim, se fosse cabível mandado de segurança contra todo ato judicial, o réu, que precisasse apelar contra a sentença optaria pelo Mandado de segurança, cuja tramitação é mais rápida, deixando outros recursos na fila para julgamento. Ou, de outra forma, o sucumbente em embargos infringentes, antes de interpor recurso especial ou extraordinário, impetraria MS contra ato do tribunal que não teria, em tese, reconhecido direito seu líquido e certo em sede de embargos infringentes, ou que, em recurso extraordinário, julgado por uma das Turmas do Supremo Tribunal Federal, fosse impetrado o mandado de segurança requerendo que a Plenário declarasse o direito líquido e certo que a Turma não concedeu, alegando ser ela a autoridade coatora. Haveria uma modificação de competência, pois em todo recurso extraordinário, cuja competência é da Turma, seria, em mandado de segurança, julgado pelo Plenário, congestionando de forma nunca antes vista as cortes do país. Se já se reclama que os recursos são em número desnecessário, imagine se se pudesse impugnar eternamente as decisões judiciais por meio de mandados de segurança, sempre para um órgão hierarquicamente superior...

Desta forma, a antiga lei do mandado de segurança previa que só seria possível este quando não houvesse forma de impugnação já prevista na lei processual. E a regra sempre funcionou muito bem.

Entretanto, o novo inc. II do art. 5º da nova lei relata que não será objeto de mandado de segurança decisão judicial sujeita a recurso com efeito suspensivo.

Isso quer dizer que se tratar de recurso sem efeito suspensivo, caberá mandado de segurança.

Note-se o tamanho do problema que o legislador criou. Imagine-se uma apelação cujo provimento é negado. A parte sucumbente, que deveria interpor recurso especial ou extraordinário para rever a decisão do tribunal de origem, simplesmente impetraria um mandado de segurança contra a decisão do órgão fracionário do tribunal (turma ou câmara), alegando ser o mandado de segurança cabível porquanto o recurso especial e o extraordinário não têm efeito suspensivo e, portanto, possível o mandado contra a apelação, ou contra os embargos infringentes, por exemplo.

Resumindo: como o recurso especial, por exemplo, não é dotado de efeito suspensivo (art. 542, § 2º, CPC), poderia a decisão judicial ser revista por mandado de segurança, e não por recurso, eis que a proibição para o mandado de segurança somente se dá em relação a recursos dotados com efeito suspensivo.

A atecnia do legislador nesse ponto é imensurável. Trata-se de involução do instituto constitucional.

Desta forma, em tese, e enquanto o Supremo tribunal Federal não se manifestar sobre o tema, poderá a parte se valer do mandado de segurança para impugnar apelações, embargos infringentes, embargos declaratórios, recursos especiais, recursos extraordinários, sentenças cujas apelações são recebidas apenas no efeito devolutivo (art. 520 do CPC), etc.

Mister, portanto, que o intérprete faça uma análise do dispositivo normativo no sentido de aplicar a norma da forma antiga, ainda que a lei anterior tenha sido revogada. Trata-se não de aplicar a interpretação,literal, mas teleológica ou finalista, sob pena de, em não o fazendo, criar-se um caos processual.

Outra atecnia da nova lei se encontra no art. 6º, § 5º, cuja redação é a seguinte:

"§ 5º  Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil". 

O art. 267, a que se refere o parágrafo, é o que trata da extinção do processo sem resolução do mérito, no CPC. A nova lei diz que, em sendo do caso de aplicação do art. 267, o juiz denegará o mandado de segurança.

Perceba-se, entretanto, a atecnia de linguagem. Denegar é sinônimo de negar. Negar, processualmente falando, pressupõe um juízo de mérito (juízo de fundo), pois só se nega, se julga improcedente ou se nega provimento a um pedido integralmente analisado, e não nos processos cuja extinção se dá de forma anormal.

Na verdade, no juízo de mérito do mandado de segurança, ou se concede a segurança ou se nega. Assim, mais feliz seria o legislador se, ao invés de inovar, fosse mais prudente e sequer criaria tal dispositivo, que deve ser desconsiderado.

Negar a segurança, ou denegá-lo, significa que o direito pleiteado não é líquido e certo, e não que há um vício processual que impede o julgamento da questão. Se, por exemplo, falta um documento autenticado na petição inicial do impetrante, não deve o juiz denegar a segurança, mas tão somente extinguir o processo sem resolução do mérito, como se faz nos outros processos. Os tribunais costumam dizer que se denega o mandado de segurança, quando não existente o direito líquido e certo, fazendo um juízo de mérito nesse ponto. O próprio Supremo Tribunal Federal usa tal linguajar (vide MS 50.556/DF; AI 745.807/GO), bem como outros tribunais (TSE, no RMS 460; TRF1, no recurso nº 94.01.31904-9, etc.).

O próprio artigo 10 da lei diz que a inicial será indeferida quando não for caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum elemento essencial. Veja-se que o texto fala em indeferimento, e não em denegação.

Desta forma, infeliz e impróprio o nome atribuído à extinção do mandado de segurança sem resolução do mérito (ou seja, sobre a existência, ou não, de direito líquido e certo).

Perceba-se que o mérito do mandado de segurança pode ser limitado, diferentemente das outras ações. No remédio constitucional, o thema decidendum se amolda em se saber se o direito alegado líquido e certo realmente o é. Esse é o tema de fundo. Entretanto, se o juízo chegar à conclusão de que o direito alegado não se salta aos olhos (leia-se; não pode ser declarado sem um maior aprofundamento da questão), denegará a segurança, sem, entretanto, decidir sobre a existência do direito em si, que só poderá ser verificado em ação própria. Por isso, o mérito do mandado de segurança, às vezes, pode ser somente parcial e limitado. Isto porque ficará limitado ao reconhecimento prima facie.

O terceiro problema em relação à nova lei sobre o mandado de segurança diz respeito à concessão de medida liminar. O art. 7º, § 2º, dispõe que "não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza".

Em outras palavras, a nova lei restringe a aplicação de tutelas de urgência nas matérias que discrimina.

Perceba-se que a lei não impede que tais matérias sejam objeto de mandado de segurança e que o pedido seja julgado formulado no mandamus seja reconhecido. Somente não permite a concessão liminar de tais pedidos. O próprio art. 14, § 4º, da lei nova, pela sua leitura, dá a entender ser possível, por exemplo, o pagamento a servidores públicos, em mandado de segurança, de parcelas pecuniárias, mas proíbe a liminar no art. 7º, § 2º.

Tal dispositivo é uma afronta à tutela de urgência. Se o jurisdicionado necessita da tutela de urgência, e esta está visivelmente aparente nos autos, e o direito se salta aos olhos, não há motivo para se negar a tutela de urgência antecipatória.

Qual o motivo de não se permitir a concessão liminar da medida se ela pode ser concedida ao final, por sentença? A alegação de que os cofres públicos poderiam sofrer prejuízo não pode ser invocada, eis que a própria lei determina que, em sendo o caso, o impetrante preste caução para evitar danos ao erário (art. 7º, inc. III).

Da mesma forma, se a sentença por procedente, ela pode ser executada provisoriamente (art. 14, § 3º). Ora, se pode haver execução provisória, pode, também, ser deferida liminar, para salvaguardar o interesse daquele que tem um direito ameaçado ou violado por ato, comissivo ou omissivo, de autoridade.

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Não há motivos para se restringir a concessão de medida liminar, preenchidos os pressupostos legais.

Outro problema diz respeito ao art. 8º. O referido dispositivo dispõe que "será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe cumprirem".

Bem, trata-se, como se vê, de nova modalidade de perempção e de nova modalidade de caducidade, porquanto ambas não se confundem.

Perempção é a sanção processual que sofre a parte que deixar de praticar os atos que lhe competirem, dando causa à extinção do processo por três vezes consecutivas (art. 268, par. único, CPC). No caso em questão, em muito difere a tal "perempção" daquela prevista ordinariamente pelo CPC.

Quanto à caducidade, sinceramente me causa estranheza a opção do legislador ao classificar o efeito processual citado na nova lei como sendo caducidade.

Caducidade é o mesmo que decadência, apesar de alguns tributaristas dizerem o contrário. A decadência, por sua vez, é a perda do direito material em decorrência do tempo, e não da inércia. Além disso, se o impetrante não cumprir suas atribuições processuais, não deve ele sofrer sanção material, mas processual, no sentido de não se permitir a ele postular em novo mandado de segurança, mas, tão somente, em ação própria e distinta do remédio constitucional.

Perplexidade nos traz também o fato de o legislador conjugar os dois institutos como se fossem um só. Em nada tem relação caducidade com perempção, e o caso da nova lei pode até ser considerada perempção, mas numa nova modalidade.

Outro problema de difícil resposta é o art. 14, § 3º, que dispõe que "a sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar". 

Pergunto-me, até agora, qual seria a razão de ser desse dispositivo. Ora, admite-se a execução provisória da decisão liminar, numa situação que, em regra, nem se adentrou o meritum causae, nem se ouvindo a autoridade coatora, mas não se permite a execução provisória depois que o juízo jurídico já fora formado, com todos os elementos auxiliares na formação do convencimento.

A liminar, cuja decisão se baseia apenas em uma informatio iudicis, sem que o juiz tenha certeza absoluta do direito (até porque a autoridade a quem se imputa um ato não se manifestou para poder contrariar as alegações do impetrante), essa decisão pode, sim, ser executada, ou seja, efetivada. Mas o juiz, não concedendo a liminar, mas, em momento posterior, após analisar profundamente os autos, ter ouvido a autoridade coatora, a pessoa jurídica que é responsável pela autoridade, se convencendo do direito líquido e certo do impetrante, proferindo sentença, num momento em que a causa estará madura (teoria da causa madura), aí não será possível a execução até o trânsito em julgado.

Não há qualquer critério de razoabilidade no dispositivo da nova lei. Em um juízo precário, cabe execução; em juízo definitivo, não. Infeliz atividade do legislador.

Vale ressaltar, também, a infelicidade do art. 25, que determina não serem possíveis, em regra, honorários advocatícios nos mandados de segurança. Redação infeliz.

Se o texto contivesse regra segundo a qual não seriam devidos honorários em decisão que não concede a segurança por faltar ao mandado de segurança elementos mais concretos (leia-se: o direito líquido e certo alegado não é aparente), não deve o impetrante ser condenado nas verbas sucumbenciais, eis que não se sabe ao certo se ele tem ou não razão no pleito, pois pode ele, muito bem, mover ação ordinária e esta declarar o seu direito.

Se, por outro lado, o impetrante sai vencido porquanto o juízo decide pela real inexistência do direito, ou seja, o direito em si é declarado sem possibilidade de revisão em outra ação, é claro que se deveria falar em pagamento de verbas sucumbenciais.

Da mesma forma, em relação à pessoa jurídica contra quem a segurança é concedida. Se o poder público fere a norma, e provoca a pessoa lesada a procurar o órgão estatal para ver seu direito garantido, é claro que deve, por isso, pagar os honorários de advogado, que é, na verdade, uma sanção pela prática do ilícito, ou seja, pelo fato de não ter satisfeito voluntariamente o direito do impetrante, obrigando-o a enfrentar todo um processo judicial.

Verifica-se, por isso, que a nova lei do mandado de segurança (lei nº 12.016/09) é falha em muitos sentidos. Restará que o STJ e, principalmente, o STF se manifestem sobre o tema. Há, inclusive, indícios de que a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB pretende ingressa com uma ADI contra a referida lei.

Espertamos, sinceramente, mais técnica e discussão com os juristas do país, entendedores do tema, antes da elaboração de leis cuja relevância é das maiores, tanto para Estado quanto para membros da sociedade.

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Sobre o autor
Renato Brunetti Cruz

Advogado e Consultor Jurídico Especializado em Direito Processual Civil. Sócio da Brunetti Advogados Asociados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Renato Brunetti. Os problemas da nova Lei do Mandado de Segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2240, 19 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13353. Acesso em: 16 abr. 2024.

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