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Novo tipo penal de estupro.

Formas típicas qualificadas e concurso de crimes

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Este trabalho cuidará do novo conceito legal de estupro comum e sua nova forma qualificada; sua forma objetiva de execução; concurso de crimes e, finalmente, sua classificação como crime hediondo.

Sumário: 1. Introdução. 2. Novo Conceito Legal Unificado de Estupro. 3. Forma Objetiva de Realização do Tipo Penal. 4. Objeto Jurídico. 5. Formas Qualificadas do Estupro Comum. 5.1 Revogação do Art. 224 e Deslocamento das Qualificadoras para o Espaço Normativo do Art. 213, do CP. 5.2 Nova Qualificadora para Proteção Penal de Vítima Menor de 18 e Maior de 14 Anos. 6. Concurso de Crimes. 7. Estupro Comum Continua Classificado como Crime Hediondo. 8. Considerações Finais.


1. INTRODUÇÃO

Mais uma vez, o Código Penal foi objeto de mudanças pontuais, em sua Parte Especial. As alterações procedidas pela Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, não se limitaram aos aspetos formais e de simples redação. Em alguns casos, o conteúdo normativo do Título VI, do CP foi objeto de significativa mudança. O título em referência – que portava a rubrica original de "Crimes contra os Costumes" - passou a ser denominado de "Crimes contra a Dignidade Sexual", expressão que reflete uma linguagem mais moderna e consentânea com a teoria dos bens jurídicos penalmente protegidos.

O Capítulo I foi mantido com a mesma dicção original – "Dos Crimes contra a Liberdade Sexual – mas o conteúdo tipológico foi objeto de considerável mudança. Principalmente, a que diz respeito à unificação dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, que permaneceu com o nomen juris do primeiro.

Finalmente, cabe assinalar que o art. 4º da Lei 12.015/09, alterou a redação dos incisos V e VI, do art. 1º, da Lei 8.072/1990 – LCH. No primeiro destes dois incisos, ficou ratificado que o crime de estupro, em suas formas típicas básica e qualificadas continua sendo considerado como infração penal hedionda (art. 213, caput, §§ 1º e 2º) . No inciso VI, antes reservado à classificação do atentado violento ao pudor, o texto modificado também classifica como hediondo o novo crime de "estupro de vulnerável", seja em sua forma simples ou nas formas típicas qualificadas (art. 217-A, caput, e §§ 1º, 2º, 3º e 4º).

Este trabalho ficará restrito ao exame de algumas questões jurídicopenais mais relevantes inseridas no texto penal codificado, pela Lei 12.015/09: novo conceito legal de estupro comum e sua nova forma qualificada; sua forma objetiva de execução; concurso de crimes e, finalmente, sua classificação como crime hediondo. Outras questões serão examinadas num próximo artigo.


2. NOVO CONCEITO LEGAL UNIFICADO DE ESTUPRO

A redação dada ao art. 213, do CP, pela Lei 12.015/09, manteve a descrição da conduta anterior catalogada como estupro, mas acrescentou-lhe a descrição antes usada para tipificar o crime de atentado violento ao pudor, que com isso perdeu sua autonomia tipológica. Temos, agora, uma figura penal unificada ou ampliada, com a seguinte definição:

"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos (art. 213, caput)".

Ao promover a fusão tipológica do atentado violento ao pudor com o crime de estupro, o legislador preferiu o caminho de uma incriminação unificada das condutas praticadas com violência ou grave ameaça contra a liberdade sexual. Em síntese, são os coitos por via vaginal (conjunção carnal, na linguagem codificada), anal ou oral (referidos como "outros atos libidinosos", conforme a lei penal), praticados contra a vontade da vítima e que podem ser reunidos sob a denominação genérica de atos de violação da integridade sexual de outrem.

Assim, foi revogada a norma contida no art. 214, do CP, que incriminava o atentado violento ao pudor como tipo penal autônomo. Cabe ressaltar que não ocorreu abolitio criminis. A hipótese deve ser vista como de continuidade normativa ou incriminatória da conduta típica. Os atos libidinosos configuradores da infração penal agora extinta foram deslocados e incorporados ao texto do art. 213, caput e de seus dois parágrafos do CP, para formar um conceito legal ampliado do crime de estupro. (1)

Por sua vez, o novo tipo penal deve ser classificado como estupro comum, para distingui-lo da nova figura do estupro de pessoa vulnerável, devendo este ser visto como um tipo penal especial de estupro. O estupro comum apresenta-se em sua forma simples ou básica, nas formas típicas qualificadas pelo resultado prescritas nos parágrafos 1º e 2º, do art. 213, do CP.

Nos termos da nova dicção legal unificada, o crime de estupro não se restringe mais ao ato sexual representado pela cópula vaginal ou, como diz o CP, apenas pela "conjunção carnal", que é a relação sexual entre homem e mulher, consistente na introdução, parcial ou total, do pênis na cavidade vaginal. Ou seja, não se limita à denominada relação sexual secundum naturam. Com a atual descrição típica, o crime de estupro abrange, também, todo e qualquer ato sexual ou libidinoso praticado contra o sujeito passivo (homem ou mulher).

Verifica-se que, em termos terminológicos, temos agora uma infração penal unificada e abrangente da cópula vaginal e/ou dos demais atos libidinosos, sempre que praticados pelo agente de forma violenta ou mediante grave ameaça contra a vítima.


3. FORMA OBJETIVA DE REALIZAÇÃO DO TIPO PENAL

Em ambas as formas, a ação criminosa é expressa por meio do verbo "constranger", que tem o significado de forçar, coagir, violentar, ou seja, de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. (2) Apesar da unificação tipologia, cremos que o estupro deve continuar classificado como crime de ação única, pois que a norma incrimina e reprime é a conduta de "constranger", mediante atos sexuais ou libidinosos que podem ser diferentes entre si.

Na primeira forma típica, que corresponde ao crime de estupro em sua versão codificada original, a ação incriminada ocorre quando uma mulher é obrigada, coagida ou forçada a manter cópula vaginal com o agente, que vence a recusa ou a resistência da vítima "mediante violência ou grave ameaça". Assim, pode-se dizer que, nesta hipótese típica, ocorre estupro quando um homem força ou coage uma mulher a ter com ele relação sexual vagínal.

Nesta forma típica, o estupro continua classificado como duplamente próprio: sujeito ativo continua sendo somente o homem, admitindo-se que a mulher possa ser coautora ou partícipe do crime e sujeito passivo da infração, só pode ser a mulher.

Entendemos que o elemento normativo "violência ou grave ameaça" é inerente ao sentido semântico do verbo "constranger". (3) No magistério de Nelson Hungria, a figura criminosa em estudo carateriza-se pela "obtenção da posse sexual da mulher por meio de violência física ou moral". (4)

A segunda hipótese típica corresponde ao crime de atentado violento ao pudor, antes definido no art. 214, do CP. Aqui, ocorre também o crime de estupro comum quando o agente (homem ou mulher) pratica contra o ofendido "outro ato libidinoso", que não seja a cópula vaginal. Em seu sentido semântico, libidinoso é o ato que se relaciona com o prazer sexual, tendo o significado de lascivo, dissoluto ou devasso. (5)

Em seu sentido normativo ou jurídicopenal, o ato libidinoso previsto no referido dispositivo legal é todo aquele que se apresenta como manifestamente obsceno ou ofensivo ao sentimento de pudor comum verificado na vida social, numa determinada época. Aproveitando a definição formulada por Nelson Hungria, tantas vezes citada na doutrina e na jurisprudência, "ato libidinoso é todo aquele que se apresenta como desafogo à concupiscência". (6)

Podemos dizer que a expressão normativa "outro ato libidinoso" a que se refere a segunda parte do art. 213, caput, do CP, tem o significado de um ato que situa fora dos padrões da denominada sexualidade normal, entendida esta como a relação sexual entre homem e mulher, através da cópula vaginal. É o que se relaciona com o que poderíamos denominar de sexualidade maldita, formando o "elenco das impudicícias macroscópicas", na expressão utilizada por Nelson Hungria. (7)

Nesse elenco de outros atos libidinosos diversos da conjunção carnal, que podem configurar o crime de estupro em seu conceito legal ampliado (antes, seria o caso do atentado violento ao pudor), encontram-se aqueles que se enquadram no espaço de normalidade estabelecido pela pudicícia média, mas que, praticados contra a liberdade sexual de alguém, podem configurar esta infração contra os costumes. Como assinalou com propriedade Magalhães Noronha, "os atos libidinosos obedecem a uma escala de diferentes graus de luxúria e devassidão. É a hierarquia da volúpia, indo desde os meros toques e tateios até os coitos anormais". Para o autor, estes últimos deveriam constituir um tipo penal autônomo mais grave. (8)

O beijo na boca, nos seios ou na genitália, o tatear e o apalpar os órgãos genitais, quando praticados mediante violência ou grave ameaça, que já foram admitidos como atos suficientes para a realização objetiva do crime de atentado ao pudor, agora poderão continuar sendo considerados como estupro, de conformidade com a segunda parte da norma contida no art. 213 caput, co CP.

Na doutrina, admite-se que o beijo mediante grave ameaça ou violência, pode configurar o delito estupro (antes, crime de atentado violento ao pudor). Tanto que Nelson Hungria escreveu que o beijo na boca, na face ou no colo, "se dado de forma lasciva ou com fim erótico, pode incidir no conceito legal" dessa infração contra os costumes. (9)

Nesta segunda forma típica, tanto o homem quanto a mulher podem ser os sujeitos ativos ou passivos da infração penal.

Seja diante da violência sofrida ou da grave ameaça iminente, o ofendido deve manifestar uma firme e decidida vontade de resistência ao ato sexual pretendido pelo agente. Para a jurisprudência, "a ofendida deve opor veemente resistência e não inerte e passiva oposição à investida sexual do agente estuprador". Somente assim, estará configurada esta grave infração penal. (10)


4. OBJETO JURÍDICO

O estupro, a exemplo das demais infrações sexuais, é conduta ilícita que tem como objeto jurídico a integridade e liberdade sexual, com o fim de garantir a dignidade sexual. No caso da ação delituosa descrita na primeira parte do art. 213, trata-se da liberdade e da dignidade sexual feminina. A ação criminosa atinge o direito que tem a mulher de dispor livremente de seu corpo e de se relacionar sexualmente com alguém de sua escolha, garantia esta erigida à categoria de bem jurídico penalmente tutelado. Na segunda parte do dispositivo, a ação criminosa atinge também a dignidade sexual do sujeito passivo de qualquer outro ato libidinoso distinto da conjunção carnal. Neste caso, a vítima pode ser tanto do sexo feminino quanto do sexo masculino.

É preciso ressaltar, no entanto, que se trata de bem jurídico disponível. O ato libidinoso visado pela norma repressiva, por maior carga de imoralidade que possa apresentar, perde a tipicidade penal se for praticado de comum acordo pelas partes, desde que maiores de quatorze anos e estejam em condições de consentir. Nessa hipótese, mesmo a denominada sexualidade maldita, ou libidinagem devassa, torna-se penalmente irrelevante para se restringir apenas ao filtro da censura moral.


5. FORMAS TÍPICAS QUALIFICADAS DO ESTUPRO COMUM

Como vimos, a Lei 12.015/09 apenas promoveu a junção dos dois enunciados típicos para formar um único crime, que preservou o nome jurídico de estupro. Assim, as penas continuam as mesmas, desde a elevação ocorrida em 1990, para o tipo penal básico: seis anos (mínima) e dez anos (máxima) de reclusão.

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Os marcos punitivos cominados para o estupro com lesão corporal grave também foram mantidos nos mesmos patamares estabelecidos por meio do art. 6º, da LCH. No entanto, no caso de estupro qualificado pela morte da vítima, a pena mínima foi mantida em 12 anos, mas houve aumento da pena mínima para 30 anos. Neste último caso, ficou demonstrada a preocupação maior dessa legislação especial de prescrever sanções mais elevadas para as infrações hediondas. Tratando-se de formas qualificadas, nas quais sempre estará presente um resultado material grave, compreende-se que o legislador de 1990 tenha considerado necessária a majoração da carga punitiva, medida que se insere no contexto global da proposta legislativa de maior rigor penal para os autores de crimes hediondos. Cabe apenas ressaltar que, tratando-se de crime qualificado pelo resultado (preterdoloso) a lesão corporal ou a morte da vítima não devem ter sido praticadas de forma intencional quanto ao resultado.

No caso de estupro, a lesão corporal leve causada pela violência é elemento integrante do tipo penal. No entanto, se da violência resultar lesão corporal grave ou a morte da vítima, em vez do concurso material ou formal de crimes, o que se tem são as formas qualificadas pelo resultado desta infração penal contra liberdade sexual. É o que dispõem os dois novos parágrafos acostados ao art. 213, do texto codificado, com a redação que lhe foi dada pela Lei 12.015/09:

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos." (NR)

Como se verifica, as duas qualificadoras já existentes foram deslocadas do espaço normativo do art. 223 e seu parágrafo único, do CP, cujo texto foi objeto de revogação, para complementar a função incriminatória descrita no espaço do tipo básico (art. 213). Em termos de técnica legislativa, consideramos que a mudança foi oportuna e acertada.

Antes desta alteração, tinha-se a impressão de que estes dois tipos penais qualificados pelo resultado mais grave (lesão corporal grave ou morte da vítima) estavam também relacionados a outros tipos penais. Mas, na verdade, são duas circunstâncias qualificadoras que se referiam apenas aos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor. Agora, com a fusão destas duas infrações, com maior razão, o deslocamento das duas qualificadoras para o campo incriminatório da nova figura unificada de estupro se fazia ainda mais necessária e oportuna.

5.2 Nova Qualificadora para Proteção Penal de Vítima Menor de 18 e Maior de 14 Anos

A Lei 12.015/05 acrescentou, ainda, mais uma qualificadora ao crime de estupro (art. 213, § 1°), que terá incidência quando "a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos". Tudo indica que esse reforço punitivo em face da ação estupradora contra menores de 18 anos, tem como fundamento políticojurídico o princípio constitucional da proteção integral da adolescência. (11)

Trata-se de qualificadora objetiva com incidência sobre o crime de estupro, sempre o agente tiver conhecimento de que está constrangendo ao ato sexual uma vítima maior de 14 e menor de 18 anos de idade. A hipótese aqui prevista é a do estupro praticado com lesão corporal leve ou com ameaça grave, pois no caso de violência grave, a qualificadora a ser aplicada é a prevista na primeira parte do parágrafo. Se as duas circunstâncias qualificadoras estiverem presentes, uma delas deve ser considerada como circunstância judicial para fins de fixação da pena-base. Dessa forma e, embora a lei não utilize mais a expressão, é preciso assinalar que estamos diante de uma nova hipótese legal de violência presumida. Assim, para a configuração deste tipo qualificado de estupro, basta que a vítima seja menor situada na faixa etária indicada no referido parágrafo primeiro.

A norma incriminadora também terá incidência sempre que o agente atuar na dúvida sobre a idade da vítima, porque neste caso tem ele o dever de se informar sobre o elemento normativo fático deste grave tipo penal qualificado. No entanto, a qualificadora desaparecerá sempre que o agente atuar mediante erro inevitável sobre a circunstância fática aqui examinada (art. 20, caput, do CP).

Cabe ressaltar que a utilização da preposição alternativa "ou" não corresponde ao sentido exato do conteúdo normativo deste dispositivo. Tudo indica que o melhor seria o emprego da preposição aditiva "e". Cremos que o deslize gramatical não vai impedir que o texto legal seja interpretado desta forma: "menor de 18 anos e maior de 14 anos".

Por outro lado, é preciso dizer que houve um tempo em que a expressão "maior de 14 anos" suscitou divergências na doutrina e na jurisprudência. Mas, ficou judicialmente consolidado o entendimento de que o marco inicial desta maioridade penal começa no dia em que a vítima completa 14 anos de idade. Esta era a hermenêutica aplicada à norma que descrevia o já revogado crime de sedução (art. 217, do CP) e que continha expressão idêntica sobre a faixa etária de proteção penal da vítima. Aqui, vale também o recurso à analogia e levar em consideração a hermenêutica firmada em face da norma contida no art. 27, do CP. Este dispositivo prescreve que "os menores de 18 anos, são inimputáveis" e o que se tem entendido é que a maioridade penal inicia no primeiro momento (ou no primeiro minuto) do dia em que o agente de um crime completa seus 18 anos de idade. ( 12)

Assim, pelo direito agora vigente, se a cópula vaginal ou outro ato libidinoso for praticado no dia anterior ao aniversário de 14 anos da vítima, o crime será o de estupro contra pessoa vulnerável, novo tipo penal descrito no art. 217-A, do CP e punido de forma mais severa. Já no dia seguinte, a vítima terá completado seus 14 anos de idade e o crime será de estupro comum qualificado pelo resultado, cuja pena cominada é menos severa.

Em síntese, a lei considera que o crime de estupro estará qualificado pela simples circunstância objetiva de a vítima encontrar-se numa faixa etária que requer proteção penal integral e mais rigorosa. Em termos de Política Criminal, cremos ser questionável a conveniência e validade desta norma de maior rigor penal.


6. CONCURSO DE CRIMES

Outra questão que merece exame é a que diz respeito ao concurso de crimes. Antes da unificação dos crimes de estupro e o de atentado violento ao pudor, tanto a doutrina quanto a jurisprudência admitiam que, de um modo geral, podia haver concurso material entre essas duas infrações penais contra os costumes. Mesmo no caso de terem sido praticadas contra uma única vítima, como na hipótese de cópula vaginal e coito anal ou felação contra uma mesma mulher. O argumento hermenêutico consistia em dizer que, embora do mesmo gênero, não eram crimes da mesma espécie.

A jurisprudência da Suprema Corte era firme para rejeitar a continuidade delitiva se os crimes de estupro e atentado violento ao pudor fossem praticados de forma autônoma, "ainda que em desfavor da mesma vítima". Para o STF a hipótese seria de concurso material entre estas duas infrações penais contra a liberdade sexual, sempre que o atentado violento ao pudor não tivesse sido praticado como "prelúdio do coito ou meio para a consumação do crime de estupro".( 13 )

A nosso ver, a discussão já não tem mais razão de ser. Com a vigência da Lei 12.015/09 e o desaparecimento do crime de atentado violento ao pudor com tipo penal autônomo, não se pode cogitar mais da figura do concurso material. Trata-se de questão que ficou absolutamente superada pelo simples fato de já não existir mais os dois crimes (desapareceu o crime de atentado) para que se tenha a figura do concurso material e as penas possam ser somadas. Agora, o agente pode praticar o coito vaginal e outros atos libidinosos contra a mesma vítima e, conforme o caso, o concurso material poderá ser afastado para ser reconhecida a continuidade delitiva. Isto vale, também, para as hipóteses de estupro contra vítimas diferentes.

Para a hipótese de estupro cometido por meio de duas ou mais ações estupradoras contra mesma vítima – hipótese, aliás, comum na prática (coito vaginal, anal e/ou oral etc.) – parece-nos que deverá prevalecer a tese da continuidade delitiva. Isto, é evidente, desde que as circunstâncias de tempo, de lugar e modo de execução apontarem para a idéia de uma ação delitiva continuada, na forma prescrita pelo art. 71, caput, do CP. Se os atos de conjunção carnal ou libidinosos forem praticados contra vítimas diferentes e, nas mesmas circunstâncias, poderá ser aplicada a regra do crime continuado especial (art. 71, parágrafo único, do CP).

O crime será um só - o estupro – mas a pena deverá ser aumentada por ocorrer, no caso, a figura do crime continuado. No regime do direito anterior, o STJ já decidiu que, se ocorrer a prática de três atos de conjunção carnal "em condições idênticas contra uma única vítima", a ação delituosa deve ser aglutinada para se reconhecer a figura do crime continuado.( 14 ) Assim, com a mudança operada no direito positivo, cremos que o mesmo entendimento jurisprudencial haverá de prevalecer quando a continuidade ocorrer entre atos de conjunção carnal e outros atos libidinosos antes incriminados de forma autônoma (atentado violento ao pudor).

Se prevalecer esta orientação jurisprudencial, é evidente que estamos diante de norma penal mais benéfica. Trata-se de uma autêntica hipótese de abolitio criminis, com eficácia retroativa para alcançar os casos em que foi reconhecida a figura do concurso material e a conseqüente soma das penas do estupro e do atentado violento ao pudor. Se a Lei 12015/09 revogou o art. 214, do CP, as decisões condenatórias que reconheceram a figura do concurso material, com base na prática do crime de atentado violento ao pudor, precisam ser revistas a fim de readequar a quantidade da pena cumulativamente aplicada à nova situação jurídica. A nosso ver, a hipótese é agora de crime continuado, o que implica numa redução obrigatória da sanção penal já aplicada e ainda não extinta.

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Sobre os autores
João José Leal

Promotor de Justiça aposentado. Ex-Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina. Professor de Direito Penal aposentado.

Rodrigo José Leal

Professor de Direito Penal da Universidade Regional de Blumenau - FURB e na Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Doutor em Direito pela Universidade de Alicante/Espanha. Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB. Graduado pela Furb.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, João José ; LEAL, Rodrigo José. Novo tipo penal de estupro.: Formas típicas qualificadas e concurso de crimes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2258, 6 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13462. Acesso em: 22 dez. 2024.

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