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O contrato preliminar do art. 462 do Código Civil de 2002 e sua inaplicabilidade às empresas públicas federais que realizam investimentos

Estudo a partir de um caso concreto

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20/10/2009 às 00:00
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I - Há empresas públicas que intervém na economia, como instituições financeiras, e prestam também serviço público, notadamente, de fomento, como é o caso do BNDES, por exemplo.

Não havendo que se ter, a priori, as atividades econômicas e de serviços públicos como recíproca e necessariamente excludentes.

Como dito por ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO, lembrando a doutrina de CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA:

"Cármen Lúcia Antunes Rocha, com a autoridade de sempre, tem manifestado entendimento no sentido de que "serviço público" é o que "cada povo o diz em seu sistema jurídico, que é onde se definem as atividades como tal consideradas. Constitui ele uma atividade que não é incompatível nem contrária à atividade econômica, como se chegou a supor e a encarecer anteriormente na doutrina. A atividade pode ser considerada econômica e nem por isso deixar de arrolar-se entre aquelas tidas como serviço público". Atento a essa preciosa lição, é inegável que, pela irrecusável submissão ao regime jurídico administrativo, qualquer atividade, seja de cunho público ou privado, submete-se ao poder regulador e fiscalizatório do Estado, por meio da Administração Pública, cuja existência, entre outros, mantém-se e justifica-se pelo atendimento a esses superiores fins." (1)

Obedecem, assim, e por expressa imposição constitucional, às mesmas normas, regras e princípios de direito civil e comercial que as demais instituições financeiras, quando estiverem a intervir concorrencialmente no mercado financeiro, societário, ou outros, como aquelas o fazem.

E obedecem às normas, regras e princípios de direito público, - constitucional e administrativo, neste caso concreto – quando estiverem a intervir nas ordens econômica e social como entidades da Administração Pública, prestando funções de incentivo e estímulo a setores da economia cujo fomento seja entendido corresponder ao interesse público.

Será a finalidade para a qual estiverem a atuar essas empresas públicas federais que definirá as vinculações normativas que terão que observar, e os modos segundo os quais suas atividades se materializarão.

Assim, por exemplo, se decidirem por alienar ações de empresa de capital aberto negociadas em Bolsa de Valores cuja titularidade houverem assumido por força de garantia de empréstimo, terão que obedecer às mesmas normas administrativas e procedimentais, e às mesmas restrições legais, que as demais empresas privadas de capital aberto encontram-se obrigadas a observar.

Quando, entretanto, decidirem contratar pessoal ou bens, produtos ou serviços a serem fornecidos ou prestados, terão que realizar concurso público, no primeiro caso, ou procedimento licitatório, no segundo.


II -A atuação dessas empresas públicas federais, portanto, está vinculada às normas, princípios e valores essenciais à Administração Pública Federal, explicitadas ou havidas como implícitas, ou ainda, decorrentes daquelas duas espécies, na Constituição Federal.

Não havendo contradição no fato de que o modo de atingimento daquela finalidade administrativa tenha sido o da via contratual, negocial.

A Administração Pública pode se valer de instrumentos típicos daqueles usados pelos particulares para a consecução de fins públicos, inclusive os negociais, sem que, com isso, deixe a atividade de ser administrativa, e a Administração, assim como o ato por ela praticado, de natureza pública.


III -O contrato de financiamento realizado a título de investimento e fomento, partindo-se daquelas premissas, encontra-se sujeito aos limites impostos pelo ordenamento jurídico à atuação da Administração Pública como um todo, dentre as quais salientam-se o respeito à forma devida e ao procedimento devido.

À forma devida, inclusive quando, por forma, estiver-se a referir-se ao procedimento em si mesmo, já que a forma é o conteúdo material exteriorizado no e através do procedimento.

Daí a sua indispensabilidade, regra geral, no âmbito dos atos e contratos firmados pela Administração Pública.

É através da forma devida que se buscará estabelecer um dos meios de controle da legalidade material da atuação da Administração Pública.

Como dito por JOSÉ CARVALHO DOS SANTOS FILHO:

"A forma é o meio pelo qual se exterioriza a vontade. A vontade, tomada de modo isolado, reside na mente como elemento de caráter meramente psíquico, interno. Quando se projeta, é necessário que o faça através da forma. Por isso mesmo é que a forma é elemento que integra a própria formação do ato. Sem sua presença, o ato (diga-se qualquer ato que vise a produção de efeitos) sequer completa o ciclo de existência.

"A forma, como concepção material, não se identifica com a forma, na concepção jurídica. De fato, uma coisa é o ato ter forma, e outra, diversa, é o ato ter forma válida.

"Por isso, para ser considerada válida, a forma do ato deve compatibilizar-se com o que expressamente dispõe a lei ou ato equivalente com força jurídica. Desse modo, não basta simplesmente a exteriorização da vontade pelo agente administrativo; urge que o faça nos termos em que a lei a estabeleceu, pena de ficar o ato inquinado de vício de legalidade suficiente para provocar-lhe a invalidação.

"O aspecto relativo à forma válida tem estreita conexão com os procedimentos administrativos. Constantemente a lei impõe que certos atos sejam precedidos de uma série formal de atividades (é o caso da licitação, por exemplo). O ato administrativo é o ponto em que culmina a seqüência de atos prévios. Por ter essa natureza, estará sua validade comprometida se não for observado todo o procedimento, todo o iter que a lei contemplou, observância essa, aliás, que decorre do princípio do devido processo legal, consagrado em todo sistema jurídico moderno.

"Diversamente do que se passa no direito privado, onde vigora o princípio da liberdade das formas, no direito público a regra é a solenidade das formas. E não é difícil identificar a razão da diversidade de postulados. No direito privado prevalece o interesse privado, a vontade dos interessados, ao passo que no direito público toda a atividade deve estar voltada para o interesse público."

(2)

Valendo lembrar as palavras, sempre atuais, de HELY LOPES MEIRELLES:

"Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa "pode fazer assim", para o administrador significa "deve fazer assim"". (3)

A Administração Pública não tem liberdade de afastar a forma que a lei determinou que fosse observada, e menos ainda liberdade para não utilizar, ou não seguir do modo legalmente estabelecido, o procedimento imposto pela lei como o devido para a realização de determinado ato.

Em uma ou noutra hipótese, restará tipificado vício de forma, com nulidade dos atos praticados.

Assim, como dito por CELSO RIBEIRO BASTOS:

"Por forma deve-se entender o modo pelo qual se instrumenta e se dá a conhecer a vontade administrativa. É a maneira pela qual o ato se exterioriza. Com efeito, esta não pode externar-se senão assumindo uma expressão que acaba por lhe conferir o próprio revestimento. Portanto, todo ato administrativo possui alguma forma, já que não pode consubstanciar-se sem ao mesmo tempo estar adotando alguma expressão que materialize a vontade administrativa.

"Ao contrário do que acontece com o direito privado, em que a forma é livre, salvo disposição em contrário, no direito administrativo a forma há de ser a prevista em lei, salvo situações excepcionais. É dizer, predomina a forma escrita que é aquela que mais se presta à transmissão e ao registro do próprio ato. E como o direito público tem de cintar-se de cautelas para evitar o desvio de comportamento administrativo, a necessidade de que ele se expresse em atos escritos é dominante."

E comentando posição seguida por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:

"Maria Sylvia Zanella di Pietro escreve: "encontram-se na doutrina duas acepções da forma como elemento do ato administrativo: 1) uma concepção restrita, que considera a forma como a exteriorização do ato, ou seja, o modo pelo qual a declaração se exterioriza; nesse sentido, fala-se que o ato pode ter forma escrita ou verbal, de decreto, portaria, resolução, etc.; 2) uma concepção ampla, que inclui no conceito de forma não só a exteriorização do ato, mas todas as formalidades que devem ser observadas durante o processo de formação da vontade da Administração, e até os requisitos concernentes à publicidade do ato.

"Partindo-se da idéia de elemento do ato administrativo como condição de existência e de validade do ato, não há dúvida de que a inobservância das formalidades que precedem o ato e o sucedem, desde que estabelecidas em lei, determinam a sua invalidade. É verdade que, na acepção restrita de forma, considera-se cada ato isoladamente, e, na acepção ampla, considera-se o ato dentro de um procedimento. Neste último existe, na realidade, uma sucessão de atos administrativos preparatórios da decisão final; cada ato deve ser analisado separadamente em seus cinco elementos: sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade.

"Ocorre que tanto a inobservância da forma como a do procedimento produzem o mesmo resultado, ou seja, a ilicitude do ato. Por exemplo, se a lei exige a forma escrita e o ato é praticado verbalmente, ele será nulo; se a lei exige processo disciplinar para demissão de um funcionário, a falta ou vício naquele procedimento invalida a demissão, ainda que esta esteja correta, quando isoladamente considerada.

"Não há dúvida, pois, que a observância das formalidades constitui requisito de validade do ato administrativo, de modo que o procedimento administrativo integra o conceito de forma". (4)


IV -A exigência de respeito a uma forma devida por parte dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, Direta e Indireta, também é imposição a ser observada em matéria de contratos firmados pela Administração Pública, ainda que a entidade administrativa seja regida, legal e estatutariamente, pelo direito privado, como é o caso das empresas públicas em geral, e isso pelo simples fato de que jamais deixarão elas, e os atos que vierem a praticar, em maior ou menor extensão e profundidade, de serem parte da Administração Pública, e assim, também elas, públicas.

Assim, como dito por ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO:

"A doutrina brasileira tem caminhado em três vertentes no tocante ao módulo contratual aplicável à atividade administrativa: i) identificação de um típico contrato administrativo que, para uns, estaria regulado exclusivamente pelo Direito Público (Maria Sylvia Zanella di Pietro), e, para outros, prevalentemente pelo Direito Administrativo sem afastar a incidência subsidiária do Direito Privado (Celso Antônio Bandeira de Mello e Lúcia Valle Figueiredo); ii) identificação de "contratos da Administração Pública" regidos pelo Direito Privado com derrogações parciais do Direito Público (Maria Sylvia Zanella di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello, Lúcia Valle Figueiredo); e (iii) constatação que o Direito Privado incide nas contratações da Administração Pública, ora com maior intensidade, ora com menor intensidade, mas nunca desacompanhado de normas próprias do Direito Administrativo (o que leva à negação de contratos celebrados pela Administração Pública regidos exclusivamente pelo Direito Privado).

"No tocante ao último aspecto, valha por todas as manifestações lançadas, as de Lúcia Valle Figueiredo: "Vale dizer: à Administração Pública descabe, em qualquer circunstância, o absoluto nivelamento com o particular por haurir, exatamente, do Direito Administrativo, sua competência para contratar, como um dos meios, um instrumental posto a seu serviço, a fim de que possa perseguir seus desideratos. Conseqüentemente, encontra-se ela manietada aos fins que lhe cumpre implementar. Impõe-se, assim, como conclusão preliminar, agasalhando a magnífica lição de Agustín GORDILLO, asseverar a inexistência da possibilidade jurídica de se subsumir a Administração apenas às normas de Direito Privado, qualquer que seja o contrato celebrado."

"Aliás, a incidência do Direito Civil nas contratações da Administração Pública está agasalhada em dispositivo legal, notadamente o art. 54 da Lei no. 8.666/93 – "Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de Direito Público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de Direito Privado".

"(...) Com efeito, muitos princípios contratuais foram alocados tradicionalmente no campo do Direito Civil, pois este foi o ramo do Direito Privado que primeiro se desenvolveu, além de ter sido o berço da noção de contrato. Por essa razão, há princípios contratuais pertencentes à teoria geral do Direito, com diferentes matizes quando incidam em relações jurídicas mais fortemente reguladas pelo Direito Civil ou pelo Direito Administrativo.

"Advirta-se que, embora o contrato tenha nascido no seio do Direito Privado, a sua aplicação na esfera administrativa ganhou contornos próprios. Neste passo, tratar de princípios subsidiários do Direito Civil não significa interpretar institutos próprios do Direito Privado à luz do Direito Privado." (5)

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Nessa mesma linha de pensamento, JOSÉ CRETELLA JÚNIOR:

"Em suma, quer se trate de empresa pública, que objetive a exploração de atividades privadas, quer se trate de empresa pública, que tenha por finalidade o exercício de serviços públicos, o regime jurídico privado, em ambos os casos, em razão da presença estatal, sofre "derrogações", "para mais" e "para menos", ora colocando-se a entidade em situação privilegiada, diante de outras pessoas privadas, ora colocando-se a entidade em situação de submissão, diante de órgãos estatais controladores, o que demonstra que o regime jurídico da empresa pública, em suas linhas gerais, se assemelha, mas não coincide, com o regime jurídico a que se submete a empresa privada." (6)


V-A esta altura, pode-se afirmar, sem risco de cometer-se algum equívoco, que a forma devida, nos atos e contratos administrativos, é não só um elemento e condição de existência válida desses atos e contratos, mas também um princípio constitucional implícito, já que objetiva garantir o respeito a princípios constitucionais explícitos, notadamente, os de justiça intrínseca das decisões, legalidade objetiva e da impessoalidade da Administração Pública.

Novamente com JOSÉ CRETELLA JÚNIOR:

"Pelas sujeições ou minimizações, o administrador é obrigado a agir como órgão impessoal do poder público, impedindo que pretensões pessoais ou motivos de ordem privada interfiram na concretização dos direitos e deveres decorrentes da relação jurídico – administrativa." (7)

E aqui é oportuno chamar a atenção para as novas funções que o princípio da solenidade das formas dos atos e contratos administrativos está sendo chamado a desempenhar, no sentido de servir de instrumento para a realização prática de princípios constitucionais voltados não só à organização administrativa do Estado, mas sim, e antes de tudo, dos princípios e valores da moralidade pública e da dignidade da pessoa humana.

Valho-me das palavras de PATRÍCIA BAPTISTA:

"Assim, é possível afirmar que a grande mudança provocada pela constitucionalização da Administração Pública vem sendo a agregação ao direito administrativo das preocupações materiais e não meramente organizatórias dos novos textos constitucionais. Neste processo – que a doutrina tem chamado de filtragem constitucional -, é fundamental a influência da nova principiologia constitucional, que realça, dentre outros, valores como a democracia, a moralidade e a dignidade da pessoa humana, forçando o direito administrativo a se voltar para os problemas da existência individual e coletiva dos cidadãos. O novo constitucionalismo impõe a substanciação do direito administrativo através dos princípios."

"(...)Ao lado de impor o redimensionamento da discricionariedade, os princípios destacam-se, com igual força, no controle da normatividade burocrática. Hoje, quanto mais se acentua o poder normativo dos administradores, maior se torna a importância dos princípios constitucionais para o direito administrativo. Apenas um sistema de princípios, de fato, é capaz de reduzir "os riscos próprios de uma normação burocrática", assegurando o respeito aos mandamentos de democracia e justiça contidos na decisão". (8)


VI-A forma, sem dúvida, é um dos elementos essenciais dos atos jurídicos em geral, consoante longa tradição de nosso Direito Civil, como ilustrado pela doutrina de JOSÉ JOAQUIM PEREIRA DA SILVA RAMOS, "Apontamentos Jurídicos sobre Contratos", Laemmery, Rio de Janeiro, 1868, p. 26/28:

"A fórma dos actos, ou por outra, as suas formalidades, circumnstancias ou solemnidades externas, nem sempre são indiferentes. Quando a lei não deixa isso ao arbítrio do homem, e sim faz dependente de alguns requesitos, é porque tem em vistas demonstrar, ou por elles provar, enquanto o contrario se não torne evidente, que os respectivos actos forão feitos por modo que merecem fé em suas diversas relações.

"É por isso mesmo que as solemnidades externas ou a fórma, devem, por exemplo, referir a presença das partes ou de seus procuradores, suas assignaturas, o concurso das testemunhas e notarios quando exigidos, expressar as respectivas disposições ou estipulações, e conseqüentemente induzir a crença da capacidade e do consentimento do que dispõe ou dos que contractão, e da observância do mais que da lei dimana.

"É por isso que quando se trata de um testamento, a lei quer que sua redacção, além de clara, seja feita perante certo número de testemunhas, que confirmem que o testador estava em seu perfeito juízo, isto é, que gozava de sua capacidade, que dispunha segundo sua vontade ou consentimento, etc.

"É semelhantemente por isso que a lei dá forma ou requisitos externos ás letras de cambio, ou exige em certos casos a fórma litteral ou authentica, repellindo a prova testemunhal. Vê-se, pois, que não é lícito contrariar os preceitos da lei acerca dos requisitos ou condições externas, cujo modo e complexo constituem a fórma legal.

"Os contratos commerciais para os quaes no respectivo Código se estabelecem fórmas e solemnidades particulares, não produzirão acção em juízo commercial se as mesmas fórmas não tiverem sido observadas.

"É livre contratar por qualquer fórma não havendo Lei expressa que tenha exclusivamente decretado, ou decretado com a pena de nullidade, uma fórma ou solemnidade privativa.

"Quando a fórma instrumental for exclusivamente decretada, ou a de uma determinada espécie de instrumentos, tanto importará que os contractos tenhão sido feitos sem instrumento, ou sem instrumento próprio, como terem sido feitos com instrumento nullo, ou annulavel, por qualquer vicio interno ou externo. (...)". (9)

A essencialidade da forma como requisito de validade do ato jurídico foi mantida pelo CC de 1916, em seu art. 82 – "A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, n. I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145)" -, e pelo CC de 2002, em seu art. 104, III – "A validade do negócio jurídico requer: ...III – forma prescrita ou não defesa em lei".

Ao tempo do CC de 1916, a doutrina extraía do seu art. 1088 os fundamentos dos chamados – "contratos preliminares", ou "pré-contratos".

Assim dispunha o referido artigo:

"Art. 1088 – Quando o instrumento público for exigido como prova do contrato, qualquer das partes pode arrepender-se, antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento, sem prejuízo do estatuído nos arts. 1095 a 1097."

Dessa previsão retirava-se, como premissa, a possibilidade da existência de um contrato preparatório do que se seria aquele a ser lavrado por instrumento público, e a constituição de direitos e obrigações passíveis de indenização, no caso de não se concretizar o negócio definitivo com aquela lavratura.

A forma desse "contrato preliminar", ou "pré-contrato", poderia ser, ou não, idêntica à do contrato definitivo a ser celebrado.

Assim, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:

"De início, e apenas em torno do art. 1088 do Código Civil, vingou a doutrina da exigência da escritura pública para a validade da promessa de compra e venda, sem a qual nenhum efeito se lhe reconhecia. Neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal, acompanhando voto célebre de EDMUNDO LINS, e neste sentido falava a communis opinio. Contra o parecer, vozes valorosas levantaram-se, procurando solução mais compatível com a realidade e com as exigências do progresso.

"Os nossos Tribunais, não obstante, mostraram-se lamentavelmente tímidos e vacilantes, receosos de abrir a estrada e de acolher a tese dos que em trabalhos de árduo valor doutrinário autêntico demonstravam a eficácia e os préstimos dos contratos preliminares de venda.

"Foi neste ponto que surgiu a teoria elaborada por FILADELFO AZEVEDO, no estudo destinado a ter a mais viva repercussão. Partiu de que o contrato preliminar é diverso, em sua natureza como nos seus efeitos, do principal, e, por esta razão, não sofre as restrições oriundas da forma deste. Gera obrigação de fazer, e, como tal, não está subordinado à exigência do instrumento público para ter eficácia. A regra é que a obligatio faciendi origina uma obrigação consistente em uma prestação de fato que deve cumprir-se especificamente, não se tornando inexeqüível no caso de recusa do devedor; pois que apenas aquelas personalíssimas são insuscetíveis de realização por outrem. As que o não forem, tanto se cumprem por ato do próprio devedor, quanto pelo de um terceiro (página 597). Por outro lado, sustentava que o contrato preliminar já encerra a obrigação de dar o consentimento para o contrato futuro, o que, levado um pouco mais longe, significa que "na promessa se contém potencialmente a própria venda" (página 596). Revestindo, então, a forma particular, nem por isto deixa de ter validade, pois que sujeita o inadimplente às perdas e danos, como ocorre no descumprimento de toda obrigação de fazer. Mas, se as partes tiverem adotado a forma pública, aproxima-se ele do contrato definitivo, e dá lugar à execução perfeita e coativa, valendo a sentença como título translativo do direito, em ação intentada "para compelir a execução da obrigação de fazer suprindo a sentença a injusta recusa do consentimento por parte do devedor" (página 611). (...)". (10)

O art. 462 do CC de 2002 positivou essa linha de entendimento doutrinário, "verbis":

"Art. 462 – O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado." (grifei)

Mas aqui há que se recordar uma linha de distinção fundamental entre o valor da forma para os particulares, e com relação à Administração Pública.

De fato, e como já salientado, enquanto que entre os particulares a regra geral é a da liberdade das formas, salvo norma legal de ordem pública em contrário, em relação à Administração Pública o princípio é o da solenidade das formas, maior ou menor, mas presente, constituindo-se em exceção a liberdade, e apenas quando admitida expressamente em lei.

Novamente com CELSO RIBEIRO BASTOS:

"Portanto, embora todo ato tenha de assumir uma determinada forma, a não ser, certamente, o silêncio, que em determinadas ocasiões produz efeitos jurídicos, é preciso reconhecer-se que a exigência de solenidade é variável, podendo ser maior ou menor, dependendo do conteúdo do ato. Assim, há atos que sem infirmarem a regra geral da forma escrita, como a mais própria do ato administrativo, acabam por adotar formas menos solenes, traduzindo-se em sinais, apitos, ordens, etc. O importante é dizer que o silêncio só produz efeitos jurídicos quando a lei determina um prazo para a externação da vontade administrativa. Esgotado este, o silêncio equivale a uma manifestação de vontade." (11)

Dada a sujeição do administrador público – e como tal deve ser considerado também o administrador de empresas públicas – aos princípios constitucionais, não só relativos à organização da Administração Pública, mas também, e principalmente, e antes de tudo, à materialização dos princípios, normas e valores focados no respeito à dignidade da pessoa humana, da moralidade pública e da impessoalidade da Administração Pública; diante da função de garantia desses princípios, normas e valores constitucionais que o princípio da solenidade das formas passou a representar, na mesma proporção em que a Administração Pública passou a ser uma Administração Constitucional vinculada a um Estado Democrático de Direito; à vista do fato de que as empresas públicas, conquanto regidas pelo direito privado, jamais serão inteiramente equiparadas às demais pessoas jurídicas de direito privado que com ela estiverem a atuar no domínio econômico, vez que as empresas públicas são objeto de controles que as últimas desconhecem; considerando que os contratos administrativos, especialmente os de fomento, portanto, jamais serão plenamente regidos somente pelo Direito Privado, muito ao contrário, este, quando incidir sobre uma determinada relação jurídica administrativa, terá papel subsidiário, e será interpretado segundo institutos próprios do Direito Administrativo; e em razão da inafastabilidade da forma devida pelo administrador público, a outra conclusão não se pode chegar, senão à de que a figura do "pré-contrato", ou "contrato preliminar", não é equiparável ao contrato definitivo, para o fim de estabelecer vínculos, direitos e obrigações entre a Administração Pública e os particulares.

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Sobre o autor
Alberto Nogueira Júnior

juiz federal no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), autor dos livros: "Medidas Cautelares Inominadas Satisfativas ou Justiça Cautelar" (LTr, São Paulo, 1998), "Cidadania e Direito de Acesso aos Documentos Administrativos" (Renovar, Rio de Janeiro, 2003) e "Segurança - Nacional, Pública e Nuclear - e o direito à informação" (UniverCidade/Citibooks, 2006); "Tutelas de Urgência em Matéria Tributária" (Forum/2011, em coautoria); "Dignidade da Pessoa Humana e Processo" (Biblioteca 24horas, 2014); "Comentários à Lei da Segurança Jurídica e Eficiência" (Lumen Juris, 2019).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA JÚNIOR, Alberto. O contrato preliminar do art. 462 do Código Civil de 2002 e sua inaplicabilidade às empresas públicas federais que realizam investimentos: Estudo a partir de um caso concreto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2302, 20 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13661. Acesso em: 17 abr. 2024.

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