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"Astreintes" contra Fazenda Pública

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INTRODUÇÃO. 1. ASTREINTE COMO MULTA. 2. OBRIGAÇÃO DE FAZER, NÃO FAZER E ENTREGAR COISA. 2.1. Antecipação de Tutela das Obrigações de Fazer e Não Fazer; 2.2. Tutela Específica das Obrigações; 3. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PARÁGRAFOS DO ART. 461. 3.1. O ART. 461 § 4º DO CPC. 3.2. Art. 461 § 5º do CPC; 3.3. Art. 461 § 6º do CPC; 4. ASTREINTE CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. 4.1. Aplicabilidades das Astreintes; CONCLUSÃO.


RESUMO

As constantes modificações do Código de Processo Civil buscaram um aprimoramento para a efetiva solução dos litígios postos. Não seria diferente com relação à Fazenda Pública. Porém, os institutos trazidos para o mundo jurídico pelo legislador nacional não atingem a todas as possíveis partes na relação processual. O presente texto tenta abordar a multa astreinte, no que tange a sua aplicabilidade à Fazenda pública.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Direito Processual Civil. 2. Multa cominatória. 3. Cumprimento de sentença. 4. Astreintes. 5. Fazenda Pública.


INTRODUÇÃO

Até pouco tempo, havia certa relutância em admitir-se a exigência de cumprimento específico de deveres e obrigações, contentando-se, doutrina e legislação, com o sucedâneo das perdas e danos.

Levava-se às últimas consequências um princípio de liberdade "nemo potest praecise cogi ad factum", com execução a recair exclusivamente sobre o patrimônio do devedor. Não eram ideias desprezíveis, porque se tratava, na essência, de resguardar a liberdade individual. Contudo, a sociedade moderna tomou novo rumo. Não mais se contentou com o sucedâneo das perdas e danos. Passou-se a exigir, não mais como exceção, mas como regra, o cumprimento específico das obrigações. Assim surgiram as "astreintes" (AMARAL, 2004, p. 96).

As multas cominatórias, ou astreintes, comportam inúmeras vertentes dentro da esfera jurídica pátria, sendo certo que sua melhor preponderância ocorre em relação a trazer efetividade às decisões judiciais.

Com a promulgação do CPC de 1973, extinguiu-se a antiga ação cominatória, tratada no código de processo revogado. Dessa forma, na falta de meio que possibilitasse a coercibilidade em face do devedor para cumprir exatamente a tutela pretendida, sem a conversão em perdas e danos, passou-se a usar o artifício do art. 287, que possibilitava a aplicação de multa para compelir obrigação de fazer e/ou não fazer.

Nosso estudo se concentra nas penas cominatórias (multas diárias). Consoante se depreende do próprio vocábulo qualificador "astreintes", numa acepção de pressão ou constrangimento, é proveniente da criação pretoriana francesa.

O artigo 1.142 do Código Civil Francês estava diretamente ligado à conversão em perdas e danos acaso não cumprisse o devedor com suas obrigações de fazer e não fazer, impedindo assim, a execução específica.

Encontra-se na doutrina francesa atual a definição de astreinte:

Condenação a uma soma de dinheiro, em fração de dia (ou semana ou mês) de atraso, pronunciada pelo juiz de fond ou de referis, contra um devedor inadimplente, com vias a competir a execução in natura da obrigação. Em princípio provisório, isto é, sujeita a revisão, a astreinte pode ser definida se o tribunal assim expressamente o decidir. Mas uma astreinte definitiva apenas pode ser ordenada depois de uma astreinte provisória e por uma duração que o juiz determinar. Todo juiz pode, mesmo de ofício, ordenar a astreinte para assegurar a execução de sua decisão. O juiz de execução recebeu poderes especiais neste domínio (GUILLIEN, 2003, p. 56).

O estudo das astreintes no direito estrangeiro, dado que este mecanismo não encontra suas raízes no direito pátrio, é importado do direito francês. No entanto, naquele país, o sistema para aplicação das astreintes não funcionava tal qual vivenciamos nos dias atuais (PIAZ, 2005, p. 63).

No Brasil, por um lado, percebe-se a índole de persuasão das astreintes que objetivam compelir a execução obrigacional; de outro, ou seja, na sua aplicação, nota-se sua contradição. Em princípio, não há limitação para a fixação de multa, e sua imposição deve ser de valor elevado, para que iniba o devedor com intenção de descumprir a obrigação e sensibilizá-lo de que é muito mais vantajoso cumpri-la do que pagar a respectiva pena pecuniária.

Sempre houve no Brasil tutela antecipada específica em temas tradicionais, bem como as chamadas "liminares" em "writs" como o mandado de segurança. Mais tarde, toda e qualquer ação coletiva passou a gozar de uma possibilidade de antecipação de tutela, desde a legislação sobre a ação civil pública de 1985, aperfeiçoada pelo Código de Defesa do Consumidor em 1990. Essa tutela específica acabou sendo incorporada pela reforma de 1994 do art. 273 do Código de Processo Civil, como regra de antecipação dos efeitos de qualquer sentença de mérito, incluindo as destinadas ao cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer (art. 461 CPC), bem como na entrega de coisa, art. 461-A (GRINOVER, 2004, p. 17).

O artigo 461 do Código de Processo Civil trata das obrigações de fazer ou de não fazer, fungíveis ou infungíveis, bem como as de entregar coisa, certa ou incerta, as que ensejam a utilização das astreintes como meio de coerção, excluídas as obrigações de prestar declaração de vontade e as de pagar quantia em dinheiro.


1. ASTREINTE COMO MULTA

Na impossibilidade de se constranger o devedor a prestar um fato, o Código de Processo Civil prevê, como meio de fazer atuar a vontade do direito nas obrigações de fazer e não fazer, a utilização de meios de coerção aptos a exercer pressão psicológica que incidirá sobre o executado.

Um meio de coerção, de incidência específica nas obrigações de fazer e não fazer, chama-se multa astreinte, que pode ser definida com uma multa periódica pelo atraso no cumprimento da obrigação.

A astreinte é multa diária, imposta pelo juiz, para dobrar a vontade do devedor condenado. Tem a função de obrigar o devedor a prestar a obrigação pactuada sem invadir direitos essenciais. Mas também de evitar o descumprimento e a subsequente faculdade em princípio inexistente ao devedor de escolher resolvê-la através de perdas e danos.

O doutrinador Câmara discorda serem as astreintes multas diárias, sendo mais específico ao proceder a conceituação:

Multa periódica pelo atraso ao cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, incidente em processo executivo (ou na fase executiva de um processo misto), fundado em título executivo judicial ou extrajudicial, que cumpri a função de pressionar psicologicamente o executado, para que se cumpra sua prestação (CÂMARA, 2004, p. 261).

Trata-se de instrumento destinado a induzir o réu a cumprir o mandado, não possuindo caráter ressarcitório ou compensatório. Enquadra-se entre as medidas coercitivas que objetivam o exato cumprimento do ordenado.

Marinoni enfatiza o papel da astreinte: "a multa, ou a coerção indireta, implica ameaça destinada a convencer o réu a adimplir a ordem do juiz" (MARINONI, 2001, p. 72).

As astreintes têm caráter acessório. Supõem decisão judicial impondo ou declarando dever do réu. Não têm caráter punitivo, mas coercitivo. Visam tão só a pressionar o réu ao cumprimento da ordem judicial. Daí o paradoxo. Se, apesar de tudo, persiste o descumprimento, a multa torna-se exigível, mas, nesse caso (é preciso reconhecer), as astreintes já não terão atingido sua finalidade.

É uma multa que tem como destinatário o réu, ele tão-somente, vedada sua imposição ao autor, bem como a outros sujeitos do processo. Podem ser fixadas independentemente de pedido do autor, com suposta obediência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A multa não pode ser retroativa, dada sua finalidade de coagir ao cumprimento e começa a correr desde o momento do descumprimento. Cessa a contagem (se fixada por período de tempo, como dia ou minuto), com o atendimento à ordem judicial; pela impossibilidade do cumprimento da obrigação, com ou sem culpa do réu; pela opção do autor por perdas e danos, ou pelo valor da multa, com caráter sub-rogatório; pelo desaparecimento de sua capacidade de pressão, como no caso de insolvência do demandado.

Machado, verbis gratia, estabelece a diferença entre as naturezas econômica e jurídica das multas e dos tributos:

Do ponto de vista econômico a multa é despesa. Ninguém ousa afirmar o contrário. Com o pagamento da multa o patrimônio da pessoa jurídica fica diminuído do valor correspondente. Por isto não há como se possa escriturar tal pagamento de outro modo. Há de ser mesmo escriturado como despesa.

Do ponto de vista jurídico a multa é sanção pelo cometimento de ato ilícito. A ilicitude é seu pressuposto essencial. Aliás, a distinção entre o tributo e a multa reside precisamente nisto; na hipótese de incidência da norma de tributação não pode figurar a ilicitude, enquanto na hipótese de incidência da norma sancionatória ou punitiva a ilicitude é essencial (MACHADO, 1984, p. 54).

De sua finalidade decorre também a exigência de que se  conceda ao réu o tempo necessário para o cumprimento da obrigação, só incidindo a multa depois de esgotado. O adimplemento parcial autoriza a redução das astreintes, se divisível a obrigação. Em qualquer caso, o valor da multa deve ser suficientemente elevado, para que não se ofereça ao réu a alternativa de pagar a multa, em lugar de cumprir a obrigação.

A clássica passagem de Francesco Carnelutti ilustra o dilema pelo qual atravessa a Justiça "o tempo é um inimigo do direito, contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas" (CARNELUTTI, 2005, p. 63).

Tendo natureza e finalidade próprias, as astreintes podem ser cumuladas com perdas e danos, multa moratória, condenação por litigância de má-fé, multa por contempt of court, crime de desobediência, bem como com outras sanções processuais, cíveis, administrativas ou penais.

A improcedência da ação determina a extinção do crédito decorrente da incidência das astreintes. A procedência não repristina as fixadas em antecipação da tutela, posteriormente cassada por decisão de igual ou superior hierarquia.

O objetivo da astreinte é uma faceta do poder de coerção, ou seja, medida para obtenção compulsória da prática ou abstenção do ato e adequa-se à tendência de maior liberdade no exercício da função judicial.


2.OBRIGAÇÃO DE FAZER, NÃO FAZER E ENTREGAR COISA

As inovações do art. 461 do CPC não vieram modificar as regras materiais das obrigações de fazer e não fazer, pois estas já consagravam o cabimento da execução específica, desde que se tratasse de obrigação fungível (isto é, realizável por terceiro no lugar do devedor). O grande marco da reforma está em facilitar e tornar mais efetivo o uso da execução específica de tais obrigações (THEODORO JÚNIOR, 2002, p.17).

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A obrigação de fazer é uma obrigação positiva, consistente na realização de um ato ou confecção de uma coisa a ser entregue ao credor ou terceira pessoa. Em se tratando de obrigação de fazer personalíssima, a personalidade do devedor tem suma importância, posto que ele, e apenas ele, deverá levar a efeito o ato que deverá ser prestado a fim de se considerar cumprida a obrigação.

Se analisado o código de processo civil antes de suas reformas, percebe-se a inexistência de uma forma de obrigar às prestações de fazer e de não fazer.

O objeto da obrigação de fazer é um comportamento humano qualquer, desde que lícito e possível, a ser levado a efeito pelo devedor da obrigação ou terceira pessoa às suas custas. Comportamento este que pode se expressar em um trabalho físico ou material, por exemplo: a construção de uma edícula; intelectual, artístico ou científico, por exemplo: escrever um livro, desenvolver uma fórmula; ou mesmo na prática de ato que não configure na essência a execução de qualquer trabalho, por exemplo: renunciar a herança, reforçar uma garantia (SILVA, 1997, p.237).

As obrigações de não fazer, em especial, encontravam-se praticamente desamparadas. Por sua natureza, são obrigações que somente podem ser prestadas por ato omissivo do próprio obrigado, ou seja, são obrigações infungíveis. Este tipo de prestação de obrigação de não fazer não podia ser executado por terceiros e a multa por dia de atraso de nada adiantaria, pois, diferente das obrigações de dar e de fazer, as de não fazer consumam-se com um único ato que pode ser irreversível.

A única solução para a tutela das obrigações de não fazer era a busca de uma sentença condenatória, através de um longo processo de conhecimento para daí ter o seu direito reconhecido. Ora, se ao ingressar com a ação o credor já temia ter o seu direito lesado, ao final do processo este direito certamente já tinha sido violado. Poderia utilizar-se, juntamente com esta ação declaratória, de uma cautelar inominada, para que o credor se abstivesse de praticar o ato, mas também os resultados não eram os mais satisfatórios.

A obrigação de fazer pode ser definida como o vínculo jurídico que obriga o devedor a prestar um ato positivo, material ou imaterial, seu ou de terceiro, em benefício do credor ou terceira pessoa.

A obrigação de não fazer pode ser conceituada como a obrigação na qual o devedor assume, em benefício do credor ou terceiro, o compromisso de não praticar determinado ato, o qual poderia praticar sem embaraço caso não se houvesse obrigado a dele se abster.

As obrigações de fazer se dividem em duas espécies, ambas previstas no Código Civil.   A primeira é a obrigação de fazer de natureza infungível (intutitu personae), onde a prestação, por sua natureza ou por determinação contratual, somente poderá ser levada a efeito pelo próprio devedor. Isto porque as qualidades do sujeito passivo foram determinantes para a conclusão da avença que lhe deu origem.

Obrigação de fazer fungível, segunda espécie dentre as obrigações de fazer, se caracteriza por ser aquela que permite que a prestação avençada seja realizada pelo próprio devedor ou por terceira pessoa. Assim, não cumprindo o devedor a obrigação, abre para o credor duas alternativas: mandar executar o ato à custa do devedor inadimplente ou pedir indenização por perdas e danos. Nesta espécie de obrigação, a pessoa do devedor está em segundo plano, importando unicamente que o ato seja prestado como avençado, seja pelo devedor ou por terceiro.

A distinção entre ambas as modalidades de obrigação de fazer está na fungibilidade ou não da prestação avençada. Não requerendo a prestação qualquer aptidão pessoal daquele incumbido de cumpri-la, ela é dita fungível, se indispensável tal aptidão, será ela tida por infungível. É ela uma obrigação negativa, que se caracteriza pela abstenção, por parte do devedor, da prática de um ato, que não lhe era vedado pelo ordenamento jurídico, em favor do credor ou terceiro. O inadimplemento desta obrigação ocorre pela prática do ato proibido.      

"A importância de se proceder à distinção entre obrigação de não fazer, direito pessoal que é, da obrigação negativa, correlata aos direitos reais e de caráter geral" (MONTEIRO, 1985, p. 139).

Por obrigação negativa, concernente aos direitos reais, direito oponível erga omnes, temos que todos estão obrigados a não prejudicar um direito real alheio. Já na obrigação de não fazer, a relação é de direito pessoal, de modo que vincula apenas o devedor, que espontaneamente limita a própria liberdade. Havendo a instituição de uma obrigação negativa acerca de um dado imóvel, esta o acompanhará, independentemente da mutação subjetiva que possa ocorrer no futuro quanto à titularidade do bem.

Todavia, existindo uma obrigação de não fazer referente a dado imóvel, esta perdurará enquanto o bem permanecer no patrimônio do devedor. Havendo alteração subjetiva na propriedade do objeto, estará extinta a relação obrigacional, posto que ela recai sobre a pessoa que contrata e não sobre a coisa sobre a qual versa o contrato.

Devemos ainda enfatizar que o descumprimento da obrigação de não fazer em decorrência de impossibilidade da abstenção do fato, sem que para isto haja concorrido o devedor, dá ensejo à resolução da obrigação e, por consequência, a exoneração daquele, por exemplo: lei que determina a obrigatoriedade da prática de um ato do qual o indivíduo tinha assumido a obrigação de se abster.

Fixadas por período de tempo, o valor unitário das astreintes pode ser alterado para mais ou para menos, conforme se mostre excessivo ou insuficiente para o fim colimado, que é o de quebrar a resistência do devedor.

As multas astreintes decorrem ou derivam de uma obrigação: de fazer, de não fazer ou de dar. Ou seja, há prévia existência de um vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Corresponde, por isso, a uma relação que é derivada de outra (anterior) de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (extingue-se pelo cumprimento), cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível.

Elas atuam no sistema mediante o agravamento da situação do obrigado renitente, onerando-se mais e mais a cada hora ou a cada dia, mês ou ano, ou a cada ato indevido que ele venha a repetir, com o objetivo de criar em seu espírito a consciência de que lhe será mais gravoso descumprir do que cumprir a obrigação emergente do título executivo (DINAMARCO, 2004, p. 469).

A fim de possibilitar o cumprimento específico da obrigação de fazer ou não fazer, impedindo a sua conversão em perdas e danos, é dado ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, fixar multa diária (astreintes) de valor elevado a fim de compelir o inadimplente ao cumprimento da obrigação acordada, concedendo-lhe, para isto, prazo razoável.

"A lei vigente não estabelece limitação para o valor da multa cominada na sentença, que tem o objetivo de induzir ao cumprimento da obrigação e não o de ressarcir" (DINAMARCO, 2004, p. 470).

A obrigação principal emana de várias fontes e deve ser cumprida livre e espontaneamente. Quando tal não ocorre e sobrevém o inadimplemento, surge a responsabilidade. Não se confundem, portanto, obrigação e responsabilidade. Esta só surge se o devedor não cumpre espontaneamente a primeira. A responsabilidade é, pois, corolário jurídico-patrimonial do descumprimento de uma relação obrigacional.

O credor da referida multa, consoante entendimento já assentado na doutrina e na jurisprudência, é a parte contrária, que, no caso, é o autor da demanda.

A multa diária deve ser imposta de ofício ou a requerimento da parte (CPC art. 287; art. 461). Seu valor deve ser significativamente alto, justamente porque possui natureza inibitória. O juiz não deve ficar receoso, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é o de obrigar o réu ao pagamento da multa, mas compeli-lo a cumprir a obrigação específica. A multa portanto é inibitória. E deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação imposta (NERY JÚNIOR, 1997, p.530).

As multas diárias punem as violações a deveres, mas com a característica determinante de conduzir ao cumprimento de outras normas. Sendo assim, as astreintes são uma espécie de multa anômala, uma vez que não decorrem da prática de um ato ilícito em sentido estrito, prestando-se, pois, a induzir ou a obrigar ao cumprimento de uma norma ou a uma conduta.

"Doutrina e jurisprudência nacionais vêm entendendo, de forma pacífica, que o valor da multa diária reverte em benefício do credor da execução à garantia da qual a multa foi aplicada" (GUERRA, 1998, p. 205).

Ao conceder a tutela antecipada que imponha o cumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, o juiz poderá impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito (CPC, art. 461, § 4º).

Significa que, não cumprida a decisão, o réu sujeitar-se-á a uma multa diária (astreinte), cujo objetivo aponta para a efetividade da decisão judicial. De fato, tal multa, consiste em mio coercitivo direcionado a forçar o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer pela parte demandada.

À evidência, as astreintes contém induvidoso caráter coercitivo, daí resultando sua independência de qualquer finalidade ressarcitória, a permitir seja cumulada com a indenização por perdas e danos causados pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer. Desse modo, a multa poderá ser imposta mesmo na hipótese de não haver qualquer prejuízo (ZAVASCKI, 2000, p. 503).

Na realidade, não faria sentido limitar o valor da multa a que alude o § 4º do CPC, visto que serve como: "(...) um meio de pressão sobre a vontade do réu intimidando-o a realizar a prestação que deve, sob pena de a ameaça de sanção pecuniária concretizar-se. Daí advém o seu caráter coercitivo" (SPADONI, 2002, p. 166).

Sendo o objetivo do art. 461 resguardar um direito, prevenir um ilícito ou fazer com que a sua realização seja interrompida, ao invés de simplesmente ressarcir, (MARINONI, 2000, p. 76) em estudo ao referido dispositivo legal, extrair as possíveis tutelas a serem usadas. Com efeito, tal estudo acabou por se tornar em um rol exemplificativo das formas em que poderá se utilizar este recurso

São tutelas fundamentais para a proteção do direito que podem ser prestadas pelo artigo 461 da legislação processual civil. Dentre elas estão a tutela inibitória, a tutela ressarcitória específica, a tutela do adimplemento da obrigação na forma específica, a tutela da remoção do ilícito e a tutela preventiva executiva.

2.1.ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER

A tutela antecipatória fundada no art. 273, § 6º, do CPC será oportuna quando são perdidas várias prestações, ou mesmo a sanação de diversos vícios ou a substituição de muitos produtos, e parcelas do que foi pedido tornar-se incontroversa (MARINONI, 2004, p. 402).

O panorama da Justiça, como um todo, não contribui para melhorar a credibilidade nas instituições legais, pois a lentidão acaba muitas vezes por oficializar injustiças. Embora não seja um problema exclusivamente brasileiro, há entre nós uma procura, cada vez maior, em todas as áreas do direito processual, por soluções que tornem os processos mais efetivos e anulem a morosidade da Justiça brasileira, na "construção de uma nova ordem jurídica" (GRECO, 1999, p. 34).

A tutela antecipada foi introduzida no nosso Direito, recentemente, com um objetivo claro: a celeridade. Outorgar o mais rápido possível a prestação jurisdicional. Para outorgar a tutela antecipada, é necessário que haja uma prova inequívoca, no sentido do autor provar o seu direito, sua pretensão. Uma vez concedida a tutela antecipada, há necessidade de execução desta medida.

A execução não é definitiva, mas provisória, pois a tutela foi outorgada liminarmente por intermédio de uma decisão interlocutória. Essa decisão é contratável por um recurso (o agravo de instrumento) que, em princípio, não tem efeito suspensivo. Essa execução, porque provisória, deverá ser feita com determinadas cautelas, sendo vetado chegar-se ao seu fim, os bens a ela sujeitos não podem ser alienados (SUNDFELD, et al., 2003, p.172).

O Código de Processo Civil Brasileiro foi organizado com base na divisão clássica do processo em três níveis independentes sob o ângulo da tutela pretendida. E estabelece:

Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º - A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2º - A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).

§ 3º - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 4º - O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

§ 6º - O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

É importante salientar que a tutela antecipada só tem valor quando atuar no plano fático, ou melhor, na antecipação dos efeitos daquele provimento jurisdicional pedido pela parte, pelo autor. Em outras palavras, ela só tem vez quando não tivermos de nos remeter à execução, ao processo de execução tradicionalmente previsto. É dizer: se pensarmos em efetivação da tutela antecipada na forma normal da execução, essa tutela acabará se tornando totalmente inócua (SUNDFELD, et al., 2003, p. 181).

Arruda Alvim descreve:

A estrutura do sistema brasileiro, filiado ao continental europeu, modelou o seu processo civil em três seguimentos estanques, cada um deles com funções próprias e sem que houvesse a possibilidade de que uma função fosse realizada fora do seguimento a ela destinado: a) conhecimento; b) execução; e c) cautelar... Não havia a possibilidade de execução/realização do direito, sobreposta ou simultaneamente à fase ou no âmbito da fase conhecimento (ALVIM, 2000, p. 24).

Assim, o Código de Processo Civil de 1973 separou claramente o processo de conhecimento do cautelar. Em determinado momento da histórica jurídica brasileira, passou-se a usar o processo cautelar como meio eficaz de se conceder a tutela jurisdicional, por meio das famosas cautelares satisfativas, embora com âmbito de atuação bem mais restrito do que a antecipação de tutela, em razão das exigências sociais por um processo que realmente tutelasse os direitos no plano fático.

Cabe reconhecer que, diante da eficácia imediata do provimento concessivo da antecipação de tutela, e não atribuindo o relator efeito suspensivo ao recurso, o crédito da multa é desde logo exigível. Contudo, em virtude do caráter provisório de sua imposição, a execução será igualmente provisória (TALAMINI 2003, p. 258).

O instituto da tutela antecipada é de suma importância para a efetividade do processo, notadamente nos casos de prevenção de violação de direitos essenciais à convivência humana, por meio do que se chama atualmente de tutela provisória, com aplicação de obrigações de fazer e não fazer, pena cominatória. Possibilitando-se a imposição de multas coercitivas antes mesmo de declarada, com força de coisa julgada, a própria existência do dever ou da obrigação.

A antecipação de tutela, onde as astreintes são bastante utilizadas para a coerção ao seu cumprimento imediato, também se encontra na jurisprudência com posicionamento contrário à sua concessão se se tratarem de ações constitutivas ou declaratórias. Porém, Theodoro Jr. relata argumentos que justificam a antecipação dos efeitos da tutela nas diversas ações:

Qualquer sentença, mesmo as declaratórias e constitutivas, contém um preceito básico que se dirige ao vencido e que se traduz na necessidade de não adotar um comportamento que seja contrário ao direito subjetivo reconhecido e declarado ou constitutivo em favor do vencedor. É a sujeição do réu a esse comportamento negativo ou omissivo em face do direito do autor que pode ser importa por antecipação de tutela, não só as ações condenatórias, como também nas meramente declaratórias e nas constitutivas. Reconhece-se, provisoriamente, o direito subjetivo do autor e impõe-se ao réu, a proibição de agir de maneira contrária, ou incompatível com a facultas agendi tutelada (THEODORO JR., 2002, p. 1).

A tutela antecipada pode ser revogada e é por isto que o § 2º do art. 273 estabeleceu que não deve ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade e provimento antecipado. Sua execução se faz segundo o disposto no art. 588, I e II, do CPC, relativo à execução provisória.

Ainda hoje, a antecipação de tutela pode enfrentar resistência por abreviar e sacrificar a ampla defesa e o contraditório. Ou seja, a adoção da tutela antecipada vem responder diretamente ao desejo de conferir maior efetividade ao processo em detrimento da amplitude de defesa e da certeza jurídica.

2.2.TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES

A diferença entre tutela específica e tutela pelo equivalente corresponde à distinção entre sentenças mandamental e executiva, de um lado, e sentença condenatória, de outro.

A tutela específica confere ao credor exatamente aquilo que ele obteria caso a obrigação fosse cumprida espontaneamente pelo devedor. Por outro lado, quando o artigo 461 do Código de Processo Civil menciona o resultado prático equivalente, o faz em referência à tutela equivalente, que só poderia ser admitida quando a tutela específica tiver se tornado impossível ou inviável.

A condenação ao pagamento em dinheiro não tem preocupação alguma com a tutela específica dos direitos, pois constitui uma forma processual que sempre tentou igualizar os direitos e as diferentes necessidades dos litigantes (MARINONI, 2004, p. 152).

Antes a tutela específica das obrigações de fazer era impossibilitada pela ojeriza natural do Direito à coação direta do devedor ao adimplemento. Através da ficção jurídica da equiparação de efeitos, foi possível oferecer às obrigações de fazer inadimplidas a proteção que sempre mereceram. Ao credor, finalmente, foi dada a possibilidade de receber a prestação a que faz jus, e não a quantia pecuniária correspondente, como compensação pela recusa do devedor em cumprir o contrato firmado.

Várias e importantes inovações no âmbito do direito processual foram introduzidas, tanto para reforçar a teoria do cabimento da execução específica, sempre que possível, como protegê-la por variados mecanismos de antecipação de tutela, de coerção e de sub-rogação (ALVIM, 2001, p. 72).

Quando o cumprimento da obrigação de fazer ou de entregar coisa não for possível na forma específica, ou mesmo interesse do credor, a tutela será pelo equivalente em pecúnia. Na hipótese inversa, contudo, poderá ser prestada tutela específica com base no art. 461 do CPC.

O novo instituto da tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, previsto no CPC, em seu art. 461, atribui à sentença a ser proferida na execução de obrigação de emitir declaração de vontade, com trânsito em julgado, os mesmos efeitos da declaração de vontade recusada. Ocorre aqui uma pura equiparação de efeitos entre a declaração de vontade não emitida e a sentença a ser proferida pelo juiz.

Esta equiparação de efeitos traz algumas consequências de ordem processual. É sabido que as astreintes são devidas ou podem ser pleiteadas sempre que se vise o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Ora, a obrigação de emitir declaração de vontade é espécie do gênero obrigação de fazer, de forma que a lógica nos leva a concluir seriam perfeitamente aplicáveis à hipótese as astreintes. Contudo isto não corresponde à verdade.

É possível dizer que a tutela específica, ao lado da antecipação dos efeitos da tutela, foi um dos maiores avanços trazidos pela reforma do CPC, ainda em sua primeira etapa em 1994.

Através do art. 462, CPC, o juiz pode valer-se de uma série de medidas em prol da tutela específica ou da obtenção do chamado "resultado prático equivalente".

O artigo 461 do Código de Processo Civil privilegia a concessão da tutela específica da obrigação, só permitindo a adoção da tutela equivalente em situações excepcionais. Ressalte-se, por oportuno, que essas regras são igualmente empregadas nas execuções das obrigações de entrega de coisa.

Qualquer execução específica pressupõe que a prestação a realizar coativamente é ainda possível, não se tendo extinto, conseqüentemente, a obrigação respectiva. Assim sendo, o Estado vai efetuar, à custa do devedor inadimplente e pelo prisma da responsabilidade patrimonial, a própria prestação em falta (CORDEIRO, 1986, p. 463).

Ao se atribuir à sentença de procedência, com trânsito em julgado, os mesmos efeitos da declaração de vontade recusada, se está possibilitando ao credor a satisfação integral da obrigação inadimplida. Desta forma, nada mais resta a ser exigido do devedor, não existindo pois, qualquer justificativa para a cominação de multa por dia de atraso pelo inadimplemento da obrigação, esta já satisfeita pelo trânsito em julgado da sentença de procedência.

As astreintes serão devidas apenas quando a obrigação de fazer não puder ser satisfeita por outra pessoa que não o devedor. A contrário sensu, podendo a obrigação ser satisfeita por terceiro, não há que se falar em fixação de astreintes. Por conclusão, apenas nas obrigações de fazer infungíveis será possível a sua fixação, e mesmo aqui, com exceção das obrigações de emitir declaração de vontade, quando, apesar da aparência de infungibilidade, o ato que deveria ter sido praticado pelo devedor pode ser substituído pelo ato do juiz. Isto porque à sentença de procedência é conferida a mesma eficácia daquele ato.

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Sobre o autor
José Guerra de Andrade Lima Neto

técnico em Edificações pelo Centro Federal de Educação Tecnológico de Pernambuco - CEFET-PE, graduação em Bacharelado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP, Pós-graduação em Direito Público pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB-MS, Pós-graduação em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho - UGF-DF, e na mesma instituição, Pós-graduando em Direito Processual Civil,servidor público federal no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA NETO, José Guerra Andrade. "Astreintes" contra Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2369, 26 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14086. Acesso em: 16 abr. 2024.

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