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Prévias considerações das inovações do Decreto nº 7.046/2009: indulto e comutação

25/12/2009 às 00:00
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O Presidente da República, no uso das prerrogativas que lhe confere o artigo 84, XII, da Constituição Federal, fez publicar o Decreto nº 7.046, de 22 de dezembro de 2009, que prevê indulto natalino e comutação de penas, inovando em alguns aspectos na política criminal executiva e impondo controvérsias em outros.

Entre as inovações, está a hipótese do inciso IV do art. 1º, ao delimitar que "é concedido indulto às pessoas", independentemente de se tratar de homem ou mulher, ao tratar da concessão de indulto aos que tenham sido condenados a pena superior a oito anos, no regime fechado ou semiaberto, que até 25 de dezembro de 2009 tenham cumprido um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente, e tenham filho ou filha menor de dezoito anos, ou com deficiência mental, física, visual ou auditiva, cujos cuidados delas necessite [1].

Delimitou-se, no inciso IX do art. 1º, a possibilidade de extensão da concessão do indulto às pessoas condenadas a pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direito, que, mesmo convertida, tenham cumprido, privados da liberdade, até 25 de dezembro de 2009, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente [2]. Trata-se do caso típico daqueles que são intimados para dar início a pena restritiva de direito, mas a têm convertida em privativa de liberdade.

Ampliando a possibilidade do benefício, o inciso X do art. 1º prevê a possibilidade de indulto aos que estejam cumprindo pena no regime aberto, desde que as penas remanescentes, em 25 de dezembro de 2009, não sejam superiores a seis anos, se não reincidentes, e a quatro anos se reincidentes, desde que tenham cumprido um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente [3].

Na comutação (art. 2º), é prevista uma nova base para aplicabilidade do percentual quando a pena já cumprida for superior a remanescente, sendo que o percentual de um quarto ou um quinto deve incidir sobre o período de pena já cumprido até 25 de dezembro de 2009 [4].

As pessoas condenadas no concurso com infração descrita no art. 8º (crime hediondos após a Lei nº 8.072/90 e suas alterações, tráfico de drogas, terrorismo ou tortura etc.) poderão obter a comutação ou indulto aos crimes não impeditivos, após cumprir 2/3 da pena correspondente ao crime impeditivo [5].

Um dos pontos polêmicos está na redação do artigo 8º, inciso I, do Decreto, no seguinte sentido:

Art. 8º. Os benefícios previstos neste Decreto não alcançam as pessoas condenadas:

I - por crime de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de drogas, nos termos dos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006;

Trata-se de aspecto crítico e controvertido. Ao contrário da redação que tinha o Decreto nº 6.706, de 22 de dezembro de 2008, não mais é prevista a ressalva quanto à não incidência da proibição nas hipóteses previstas nos §§ 2º ao 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, desde que a conduta não configure atos de mercancia, típico caso do tráfico privilegiado ("mulas"), que na oportunidade delimitamos como legítimo [6], repete a descrição do artigo 44 da Lei 11.343/06 [7], proibindo os benefícios às pessoas condenadas por tráfico de drogas, além dos condenados por associação ao tráfico, equiparando aos crimes hediondos, em plena inconstitucionalidade, neste ponto, conforme exposição de Leonardo Luiz de Figueiredo Costa [8].

Ao que parece, o Decreto acolheu crítica de Alberto Silva Franco [9], que teceu considerações sobre a aplicabilidade então restrita quando não configurados atos de mercancia, violando o princípio da reserva legal e da distinção sem atribuição, ainda que rebatida por Carolina Dzimidas Haber e Pedro Vieira Abramovay [10], possibilitando os benefícios indistintamente aos condenados por tráfico privilegiado.

As discussões poderão surgir, ainda que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça tenha decidido pela constitucionalidade do artigo 44 da Lei 11.343/06 (HC 120353). Fato é que, conforme o Informativo nº 560 do STF, foi submetida ao Pleno a análise da constitucionalidade das vedações previstas no artigo questionado a quem é condenado por tráfico privilegiado (HC 97256/RS, Rel. Min. Carlos Britto, 22.09.2009).

No entanto, como tive oportunidade de externar [11], somando-me às considerações do Juiz José Henrique Kaster Franco [12], se houver a aplicabilidade do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 em favor do agente, não há incidência da Lei 8.072/90, não sendo possível equiparar o tráfico privilegiado ao crime hediondo, como vem decidindo a Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul em diversos precedentes [13], com o aval do colegiado (seção criminal) no mesmo sentido:         

Seção Criminal

Revisão Criminal - N. 2009.026308-7/0000-00 - Dourados.

Relator - Exmo. Sr. Des. Romero Osme Dias Lopes.

Requerente - ********************.

Def. Públ. - Clarence Willians Duccini.

Requerido - Ministério Público Estadual.

Prom. Just. - Doralino Milgarefe da Costa.

E M E N T A – REVISÃO CRIMINAL – ART. 621, I, DO CPP – TRÁFICO DE DROGAS – PEDIDO DE EXCLUSÃO DE CAUSA DE AUMENTO DO ARTIGO 40, III, DA LEI N. 11.343/2006 – POSSIBILIDADE – APENAS TRANSPORTAVA A DROGA NO ÔNIBUS E NÃO COMERCIALIZAVA – AFASTAMENTO DA HEDIONDEZ – MULA – RESSOCIALIZAÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL – DISTINÇÃO ENTRE TRAFICANTE HABITUAL E OCASIONAL – REVISIONAL DEFERIDA.

O simples fato de o requerente transportar a droga em um ônibus sem se aproveitar daquela situação de aglomeração de pessoas para difundir o comércio da substância entorpecente não tem o condão, por si só, de fazer incidir a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso III, da nova Lei de Drogas.

A Lei n. 11.343/06 estabeleceu uma importante distinção entre o traficante habitual e o acidental, no tocante ao quantum da pena em abstrato. Essa distinção acarreta a aplicação ao grau máximo do princípio constitucional da isonomia: tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade.

No mais, em que pesem decisões da Primeira Turma Criminal do mesmo Tribunal declarando, em violação à Súmula Vinculante nº 10 do STF, a inconstitucionalidade do inciso I do artigo 8º do Decreto nº 6.706/08 [14], o decreto presidencial traz à comunidade jurídica novos questionamentos, ampliando a possibilidade de concessão dos benefícios.


Notas

IV - condenadas à pena privativa de liberdade superior a oito anos que, até 25 de dezembro de 2009, tenham cumprido, em regime fechado ou semiaberto, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes, e tenham filho ou filha menor de dezoito anos ou com deficiência mental, física, visual ou auditiva, cujos cuidados delas necessite;

[2] IX - condenadas à pena privativa de liberdade, desde que substituída por pena não privativa de liberdade, na forma do art. 44 do Código Penal, que tenham cumprido, ainda que por conversão, privados de liberdade, até 25 de dezembro de 2009, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes;

[3] X - condenadas à pena privativa de liberdade, que estejam cumprindo pena em regime aberto, cujas penas remanescentes, em 25 de dezembro de 2009, não sejam superiores a seis anos, se não reincidentes, e a quatro anos se reincidentes, desde que tenham cumprido um terço se não reincidentes e metade, se reincidentes

[4] Art. 2º  As pessoas condenadas à pena privativa de liberdade, não beneficiadas com a suspensão condicional da pena, que, até 25 de dezembro de 2009, tenham cumprido um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes, e não preencham os requisitos deste Decreto para receber indulto, terão comutada a pena remanescente de um quarto, se não reincidentes, e de um quinto, se reincidentes, aferida na data acima mencionada, salvo se o período de pena já cumprido, descontadas as comutações anteriores, for superior ao remanescente, hipótese em que o cálculo será feito sobre o período de pena já cumprido até 25 de dezembro de 2009.

[5] Art. 7º  As penas correspondentes a infrações diversas devem somar-se para efeito do indulto e da comutação.

Parágrafo único.  Na hipótese de haver concurso com infração descrita no art. 8º, a pessoa condenada não terá direito ao indulto ou à comutação da pena correspondente ao crime não impeditivo, enquanto não cumprir, no mínimo, dois terços da pena, correspondente ao crime impeditivo dos benefícios (art. 76 do Código Penal).

[6] DUCCINI, Clarence Willians. A análise inversa. A legitimidade do indulto e comutação de penas aos condenados por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06). Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2028, 19 jan. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12214>. Acesso em: 23 dez. 2009.

[7] Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

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[8] COSTA, Leonardo Luiz de Figueiredo. O crime de associação ao tráfico e as modificações introduzidas pela Lei nº 11.343/06 . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1310, 1 fev. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9451>. Acesso em: 23 dez. 2009

[9] FRANCO. Alberto Silva. Cláusula Inadmissível no Indulto Natalino – Boletim IBCCRIM- ANO 16 – nº 195 – Fevereiro – 2009, p.3.

[10] ABRAMOVAY. Pedro Vieira. HABER. Carolina Dzimidas. O decreto de Indulto e o Papel do Executivo na Política Criminal – Boletim IBCCRIM- ANO 16 – nº 197 – Abril – 2009, p.2.

[11] DUCCINI, Clarence Willians. A análise inversa. A legitimidade do indulto e comutação de penas aos condenados por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06). Jus Navegandi, Teresina, ano 13, nº 2028, 19 de janeiro de 2009, disponível em http://jus.com.br/artigos/12214.

[12] FRANCO, José Henrique Kaster. Tráfico privilegiado: a hediondez das mulas . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2031, 22 jan. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12234>. Acesso em: 23 nov. 2009.

[13] No mesmo sentido: Apelação Criminal - Reclusão - N. 2009.010319-0/0000-00 – Segunda Turma Criminal – Rel. Exmo. Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, j.24.08.2009; Apelação Criminal - Reclusão - N. 2009.016468-6/0000-00 – Segunda Turma Criminal – Rel. Exmo. Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, j.20.07.2009; Apelação Criminal - Reclusão - N. 2009.016572-9/0000-00 – Segunda Turma Criminal – Rel. Exmo. Sr. Des. Romero Osme Dias Lopes, j.13.07.2009;TJMS - Apelação Criminal - Reclusão - N. 2009.021158-3/0000-00 – Segunda Turma Criminal – Rel. Exmo. Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, j.31.08.2009.

[14] E M E N T A           –   AGRAVO CRIMINAL – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL – TRÁFICO DE DROGAS – CRIME EQUIPARADO AO HEDIONDO – CONCESSÃO DO INDULTO NOS TERMOS DO DECRETO PRESIDENCIAL Nº 6.706/08 – IMPOSSIBILIDADE – PROIBIÇÃO EXPRESSAMENTE PREVISTA NO ART. 5º, XLIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 2º, I DA LEI 8.072/90 – RECURSO PROVIDO.

Os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de anistia, graça e indulto. Ademais, em que pese a concessão do indulto e comutação de penas, por disposição constitucional, ser competência privativa do Presidente da República, a ser exercida mediante decreto, o exercício dessa competência pelo Chefe do Poder Executivo não poderá contrariar o que dispõe a lei ordinária. Recurso provido. (TJMS - Agravo Criminal - N. 2009.026429-2/0000-00 - Campo Grande – Primeira Turma Criminal – Rel. Des. João Batista da Costa Marques, j. 3.11.2009).

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Sobre o autor
Clarence Willians Duccini

Defensor Público no Estado de Mato Grosso do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUCCINI, Clarence Willians. Prévias considerações das inovações do Decreto nº 7.046/2009: indulto e comutação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2368, 25 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14095. Acesso em: 22 dez. 2024.

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