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Tarifas abusivas em contratos bancários

05/01/2010 às 00:00
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INTRODUÇÃO

É cediço que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se às relações entre instituições financeiras e seus clientes, haja vista que a instituição financeira é fornecedora de serviços dos quais o consumidor é destinatário final (STF - ADI 2.591/DF e súmula 297 do STJ).

Desta forma, faz-se necessária a revisão dos contratos bancários sempre que houver o reconhecimento da ilegalidade ou abusividade das cláusulas, nos termos do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor e do art. 166 do Código Civil.

Assim, devem sempre ser observados os princípios insculpidos no CDC, dentre os quais é imprescindível citar a responsabilidade objetiva, o dever de informação, a solidariedade, a proteção ao hipossuficiente e a vedação às cláusulas abusivas.


DA ILEGALIDADE DA COBRANÇA DE TARIFA DE ABERTURA DE CRÉDITO

A Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) é comumente encontrada nos contratos bancários. Aproveitando-se do desconhecimento do consumidor, muitas instituições financeiras fazem a cobrança irregular da tarifa, que, no entanto, é ilegal por três razões.

Em primeiro lugar, porque o contrato, em geral, não discrimina precisamente que espécie de serviço a tarifa tem por finalidade remunerar, em afronta ao art. 46 do CDC, consoante o qual "os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".

Em segundo lugar, os custos da operação de abertura de crédito devem ser integralmente assumidos pela instituição financeira, não cabendo repassá-los ao consumidor. E isso pela simples razão de que o Banco já recebe a remuneração pelo serviço de concessão de crédito na forma de juros cobrados do cliente.

Logo, não pode a instituição financeira cobrar a Tarifa de Abertura de Crédito, eis que os custos dessa atividade já são naturalmente cobertos por sua atividade de financiamento, havendo enriquecimento ilícito e má-fé na dupla cobrança pelo mesmo serviço.

Não bastasse isso, os valores praticados no mercado são certamente exagerados. Não se demonstra plausível que os custos administrativos da abertura de crédito, a que se destinam, em última análise, os valores pagos, perfaçam valores tão elevados quanto os comumente cobrados.

Desta maneira, a referida cláusula contratual infringe o art. 51, IV, do CDC, por estabelecer tarifa iníqua e abusiva, que acarreta onerosidade excessiva ao consumidor.

Nesse sentido, percebendo que os bancos embutiam na Tarifa de Abertura de Crédito valores de comissão de venda pagos aos agentes que realizam a operação [01], a cobrança da TAC foi proibida pela Resolução-CMN nº. 3.517/07, que em seu art. 1º trouxe a previsão de que "as instituições financeiras e as sociedades de arrendamento mercantil, previamente à contratação de operações de crédito e de arrendamento mercantil financeiro com pessoas físicas, devem informar o custo total da operação [custo efetivo total – CET], expresso na forma de taxa percentual anual [...]".

Assim, a partir de 03.03.2008, entrou em vigor a atual sistemática da Resolução-CMN nº 3.517/07, buscando evitar que as instituições financeiras anunciem ao consumidor uma taxa de juros atrativa, e, no contrato, haja a inclusão de tarifas que encareçam o custo do financiamento do consumidor [02], a exemplo da TAC.

A propósito, é bastante esclarecedora a informação contida no sítio do Banco Central na internet:

Os serviços mais utilizados pela população, definidos como ‘serviços prioritários’, passarão a ter nomenclatura (nome) padronizada, que deverá ser obrigatoriamente utilizada por todos os bancos tanto para a divulgação do valor das tarifas correspondentes a esses serviços prioritários quanto para identificação da cobrança nos extratos, recibos e quaisquer outros documentos (Resolução 3.518). O número de serviços prioritários é de 20, não sendo admitida a cobrança de qualquer outra tarifa relacionada a 1 - movimentação de contas de depósitos, 2 - transferência de recursos, 3 - confecção de cadastro e 4 - operações de crédito (Circular 3.371). Dessa forma, não mais poderão ser cobradas tarifas, por exemplo, por cheque compensado ou por depósitos e nem por abertura de crédito (TAC). Portanto, somente podem ser cobradas as tarifas previstas na regulamentação. A padronização da nomenclatura desses serviços permite a comparação entre os valores cobrados em cada banco, levando a uma maior competição e, conseqüentemente, gerando benefícios para o consumidor. [03]


DA ILEGALIDADE DA COBRANÇA DE TARIFA DE EMISSÃO DE CARNÊ

Também não é incomum encontrar nos contratos bancários a cobrança da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC), cobrada por lâmina de carnê emitida.

Trata-se, mais uma vez, de desconto abusivo e desproporcional, vedado pelo Código de Defesa do Consumidor. Não é raro que o valor cobrado supere, em muito, o custo de produção dos boletos.

A referida cobrança contraria os art. 39, V, e 51, §4º e I, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual é "vedado ao fornecedor de produtos ou serviços [...] exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva".

A afronta aos referidos dispositivos ocorre, portanto, por serem os custos da emissão de boletos de cobrança inerentes à atividade da instituição financeira, não sendo possível repassá-los ao consumidor.

De outro ângulo, há também afronta ao art. 319 do Código Civil, que estabelece que "o devedor que paga tem direito à quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada". Como bem enfatizado pela Nota Técnica nº 777/2005 do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça,

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Da leitura do dispositivo acima, depreende-se que é obrigação da instituição financeira, portanto, a expedição de carnê de pagamento, cujo custo não pode, consequentemente, ser transferido ao financiado. Afinal, o serviço contratado com o banco proporciona uma maior comodidade ao fornecedor, que não precisará disponibilizar pessoal da empresa para cumprir os ditames da lei, ou seja, quitação regular do débito.

[...]

Admitir a licitude da cobrança dos valores relativos à emissão de boletos aos consumidores implicaria aceitar que o direito à quitação pode ser condicionado ao pagamento de tarifa bancária, o que é inadmissível, pois o direito estabelecido no art. 319 do novo Código Civil não está sujeito a nenhuma outra condição que não seja a do pagamento puro e simples do débito. [...] [04]

O Conselho Monetário Nacional, mais uma vez atento à prática abusiva das instituições financeiras, instituiu vedação à prática da cobrança de tarifas por emissão de boletos de cobrança por meio da Resolução-CMN nº 3.693, datada de 26.03.2009:

Art. 1º O artigo 1º da Resolução nº 3.518, de 6 de dezembro de 2007, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 1º A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.

[...]

§ 2º Não se admite o ressarcimento, na forma prevista no inciso III do § 1º, de despesas de emissão de boletos de cobrança, carnês e assemelhados.’ (NR).


DA ILEGALIDADE DA COBRANÇA DE TARIFA DE LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA

Por fim, outra tarifa ilegal é aquela que incide em caso de liquidação antecipada total ou parcial do crédito concedido.

A tarifa de liquidação antecipada (TLA) infringe o disposto nos arts. 6º, IV e V, 51, I, II, IV, X e XV e § 1º, I e II, bem como o art. 52, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.

Conforme o art. 52, § 2º, do CDC, a liquidação antecipada constitui direito do consumidor, não estando subordinado a qualquer encargo ou condição, sendo iníqua e nula de pleno direito a cláusula contratual que estabelecer qualquer espécie de tarifa. A razão disso é que a natureza da tarifa será de pena imposta ao consumidor por exercício de direito legítimo que lhe é assegurado pela legislação civil e consumerista, não havendo previsão legal para tal cobrança.

O Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução nº 3.516/2007, impôs vedação à cobrança da TLA, reconhecendo a sua abusividade:

Art. 1º Fica vedada às instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada nos contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil financeiro, firmados a partir da data da entrada em vigor desta resolução com pessoas físicas e com microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

A referida proibição atendeu aos princípios da defesa do consumidor, uma vez que se pôde verificar que a TLA era em grande parte responsável pela baixa portabilidade do crédito, impedindo que o consumidor pudesse trocar um empréstimo por outro com juros mais atraentes, causando prejuízos à sua liberdade de escolha [05].


CONCLUSÃO

Os tribunais e o Conselho Monetário Nacional, de forma veemente, vêm repudiando a cobrança das aludidas tarifas bancárias. Os princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor devem ser respeitados pelas instituições financeiras em suas relações com o cliente bancário, impondo-se o pronto reconhecimento da abusividade e ilegalidade da cobrança das tarifas mencionadas sempre que presentes em contratos bancários.


Notas

  1. ETCHEVERRY, Carlos Alberto. Não apenas ilegal: a taxa de abertura de crédito é um caso de polícia . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1612, 30 nov. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10710>. Acesso em: 01 jan. 2010.
  2. Balduccini, Bruno e Hortolã, Leonardo de Souza. A Regulamentação da Cobrança das Tarifas Bancárias. Migalhas. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=54672>. Acesso em 01 jan. 2010.
  3. BANCO CENTRAL DO BRASIL. FAQ – Tarifas bancárias. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/servicos5.asp >. Acesso em 01 jan. 2010
  4. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Nota técnica nº 777 CGAJ/DPDC/2005. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID={B70BB36E-2F46-417D-A75A-77704EAD530B}&ServiceInstUID={7C3D5342-485C-4944-BA65-5EBCD81ADCD4}>. Acesso em 01 jan. 2010.
  5. Balduccini e Hortolã, op. cit.
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Sobre o autor
Marcus Paulo da Silva Cardoso

advogado em Brasília/DF e servidor do Tribunal de Contas da União

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Marcus Paulo Silva. Tarifas abusivas em contratos bancários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2379, 5 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14145. Acesso em: 8 mai. 2024.

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