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Possibilidade do réu interpor recurso adesivo condicionado à apelação do autor

quando preliminar suscitada expressamente na contestação é afastada pela sentença que julgou improcedente o pedido

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04/02/2010 às 00:00
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Trata-se de casos em que o pedido exposto na inicial é julgado improcedente, mas eventual preliminar suscitada pelo réu na contestação é afastada de forma expressa na sentença, vindo o autor, face à improcedência do pedido, a interpor recurso de apelação.

Sumário: 1. Recurso de apelação do autor contra sentença que julga improcedente o pedido e afasta preliminar suscitada na contestação: possibilidade e importância de o réu reiterar a preliminar, de forma expressa, no Tribunal; 2. Alternativas potenciais do réu; 2.1 Contrarrazões; 2.2. Recurso de apelação interposto de forma autônoma; 2.3. Recurso de apelação interposto adesivamente: possibilidade do recurso adesivo condicionado; 3. Conclusão: cabimento do recurso adesivo condicionado; 4. Referências.


1.RECURSO DE APELAÇÃO DO AUTOR CONTRA SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO E AFASTA PRELIMINAR SUSCITADA NA CONTESTAÇÃO: POSSIBILIDADE E IMPORTÂNCIA DE O RÉU REITERAR A PRELIMINAR, DE FORMA EXPRESSA, NO TRIBUNAL

O presente trabalho tem como objetivo analisar uma questão processual que se apresenta com relativa frequência na lide forense. Trata-se de casos em que o pedido exposto na inicial é julgado improcedente, mas eventual preliminar suscitada pelo réu na contestação é afastada de forma expressa na sentença, vindo o autor, face à improcedência do pedido, a interpor recurso de apelação.

Em outras palavras, tal situação ocorre nos processos em que o magistrado planicial julga improcedente o pedido, mas afasta, de forma expressa, uma preliminar, seja preliminar em sentido estrito ou mesmo prejudicial de mérito, nos termos em que suscitada pelo réu na contestação. Interpondo o autor, sucumbente, recurso de apelação, questiona-se qual o remédio processual disponível para o réu que pretenda reiterar sua preliminar, de forma expressa, no Tribunal revisor.

Em casos como o narrado, qual seria a atitude cabível a ser tomada pela parte ré, que, considerando o potencial provimento da apelação interposta pelo autor, pretende reiterar, de forma expressa, no Tribunal, a tese em favor do acolhimento da preliminar?

Tentar-se-á, após analisar as alternativas, em tese, oferecidas pelo sistema processual civil ao réu, apresentar, em conclusão, aquela que se apresenta mais técnica e adequada.

Faz-se, desde logo, uma ressalva: o ato processual do réu visando reiterar a preliminar afastada na contestação não se trata de mero ataque à fundamentação.

Certo que o mero ataque à fundamentação não faz surgir o interesse em recorrer, mas, na situação em análise, como se percebe facilmente, não se trata de mero ataque à fundamentação, mas de ataque à parte da decisão que afastou uma preliminar suscitada pela defesa.

Deve ser considerado o potencial prejuízo em caso de provimento do recurso do autor e manutenção da sentença na parte em que afastou a preliminar argüida na contestação. Há, portanto, interesse jurídico do réu em reiterar, no Tribunal, a preliminar suscitada na instância planicial.

Privar o réu de um remédio processual efetivo, no caso, ainda que possa ser uma posição justificada pelo pragmatismo dominante no sistema processual contemporâneo, é um equívoco jurídico, um ato inconstitucional. A Constituição garante o contraditório e a ampla defesa, o que pressupõe igualdade de posições abstratas entre autor e réu. Mitigar o direito do réu, limitando sua ampla defesa no Tribunal, é desrespeitar de forma frontal e direta a ampla defesa e o contraditório; sendo, desta forma, inconstitucional.

Portanto, parte-se da premissa de que ao réu é necessário oferecer alternativas em casos como o narrado, não havendo como, sob pena de inconstitucionalidade, privá-lo desse direito.

Fixados esses pontos, cumpre que se discuta acerca da conduta processual cabível e adequada a ser tomada pelo réu.


2.ALTERNATIVAS POTENCIAIS DO RÉU

As alternativas oferecidas pelo ordenamento processual ao réu, no caso, são limitadas pela própria especificidade da questão posta em análise.

Assim, a primeira premissa a ser considerada é a existência de uma sentença de improcedência do pedido. Mais: deve-se pressupor que o autor, sucumbente, interpôs recurso de apelação.

Fixados tais pontos e considerando o sistema processual civil, resta ao réu, ao menos em tese, interpor recurso de apelação de forma autônoma; interpor o mesmo recurso, mas de forma adesiva; ou, finalmente, utilizar-se das contrarrazões para reiterar sua tese no Tribunal.

2.1.CONTRARRAZÕES

Interposto o recurso de apelação, em razão dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e face disposição expressa do artigo 518 do Código de Processo Civil (CPC), à parte outra é dada a oportunidade de oferecer contrarrazões.

Trata-se de peça processual pouco analisada pela doutrina, talvez pela obviedade de sua função, já que a teleologia das contrarrazões é de compreensão intuitiva.

Ora, não se discute que as contrarrazões são uma peça processual totalmente vinculada aos termos do recurso que lhe deu causa e em face do qual se opõe. A análise semântica da denominação desta peça processual [01], ou do ato – seguindo de forma precisa o Código de Processo Civil -, leva a mesma conclusão: as contrarrazões estão limitadas às, por assim dizer, razões do recurso interposto.

Em outras palavras: as contrarrazões estão limitadas aos argumentos do recurso que é sua antípoda, não podendo, por isso, consubstanciar requerimento dissociado das razões do recurso.

Deste modo, é tecnicamente equivocada a apresentação, no âmbito das contrarrazões, de qualquer requerimento que seja distinto do único requerimento que lhe é próprio: o não provimento do recurso. Nas contrarrazões, o único requerimento cabível é o não provimento do recurso ou, se for o caso, o que lhe é antecedente, o não conhecimento. De qualquer forma, trata-se de requerimentos, não conhecimento ou não provimento, vinculados ao recurso interposto. Toda matéria que não estiver inserida estritamente no ataque às razões recursais não deve, tecnicamente, estar presente nas contrarrazões.

Aceitar outros requerimentos nas contrarrazões, dissociados das razões do recurso ao qual se contrapõe, é tecnicamente equivocado, pode trazer prejuízos efetivos a quem o faz, além de causar potenciais tumultos e confusões processuais.

Tal procedimento, se generalizado, tornaria dispensável o próprio recurso na modalidade adesiva, pois bastaria à parte apresentar contrarrazões ao recurso interposto e, na mesma peça processual, apresentar as razões de sua irresignação contra a mesma decisão – o que, além de atécnico, seria processualmente temerário.

Além disso, escusando-me pela abordagem pouco dogmática neste ponto, pois forçosamente prática e teleológica, é notório que há uma diferença qualitativa na apreciação, pelo Tribunal, dos argumentos expostos em um recurso comparativamente com aqueles expostos nas contrarrazões. As contrarrazões, salvo excepcionalmente, não recebem do julgador uma análise tão minuciosa quanto à empregada na análise recursal. Trata-se de um dado objetivo que deve ser reconhecido e levado em consideração.

Feitas essas considerações, a única conclusão possível a que se chega é a de que as contrarrazões não são o ato processual tecnicamente adequado para o réu reiterar, no Tribunal, a preliminar afastada pela sentença. No ato de responder ao recurso, o réu está limitado pelas razões recursais, não podendo inovar e, por consequência, não podendo suscitar preliminar não discutida no recurso de apelação do autor.

Assim, além de, tecnicamente, não ser a peça processual adequada para apresentar requerimento novo, posto que vinculada aos termos do recurso apresentado pela outra parte, a utilização das contrarrazões para tal objetivo poderia gerar, ao menos em tese, prejuízo ao réu, na medida em que a apreciação dos argumentos apresentados não receberia do julgador uma análise tão minuciosa quanto à empregada na análise recursal.

2.2. RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO DE FORMA AUTÔNOMA

Da decisão que põe termo ao processo, com ou sem julgamento de mérito, o recurso cabível é a apelação (CPC 513). O objetivo da apelação é o reexame da decisão proferida pelo magistrado planicial e, em certos âmbitos, da regularidade de todo o processo.

O recurso de apelação é interposto de forma autônoma quando uma das partes, autor ou réu, foi sucumbente, ainda que parcialmente, e interpõe seu recurso no prazo recursal ordinário, independentemente da atuação da outra parte. Fala-se, neste tópico, em interposição da apelação de forma autônoma para distingui-la da apelação interposta de forma adesiva, tratada no tópico posterior.

Das alternativas potenciais facultadas ao réu, esta aqui tratada é a menos adequada, pois, considerando que o caso em discussão trata de pedido julgado improcedente, faltaria pressuposto básico para apelação: o interesse recursal.

Ora, para que o recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que haja posto a decisão impugnada – e necessidade – que lhe seja preciso usar as vias recursais para alcançar este objetivo. Costuma-se relacionar o interesse recursal à existência de sucumbência ou gravame. [02]

Considerando que o pedido do autor tenha sido julgado improcedente, não haverá, a princípio, sequer em tese, qualquer utilidade ou necessidade na interposição de recurso pelo réu – pelo menos, enquanto não interposto recurso pelo autor. Além disso, após interposto o recurso pelo autor, dependendo do momento dessa interposição, consumada para o réu estaria a preclusão, o que impediria a interposição do recurso de apelação na forma ordinária.

Este tópico, portanto, é meramente exemplificativo, para complementar a conclusão, ao explorar todas as possibilidades, ainda que meramente potenciais.

Só após a interposição de recurso pelo autor, nascerá, ao menos em tese, o interesse do réu, pois haverá, potencialmente, a possibilidade de ser dado provimento ao recurso do autor, o que faz ressurgir a importância da preliminar afastada.

Portanto, apenas neste momento, após a interposição da apelação pelo autor e considerando o seu possível provimento, é que o réu terá potencial interesse jurídico em suscitar sua preliminar, de forma expressa, no Tribunal. Ainda assim, tratar-se-ia de pedido julgado improcedente, inexistindo sucumbência, o que inviabilizaria a interposição do recurso de apelação na forma ordinária.

Nesta linha, ao focar os pressupostos recursais, afasta-se a apelação interposta de forma autônoma, porque incabível, não podendo ultrapassar o mero juízo de admissibilidade. Eventual apelação interposta nestes termos não deve sequer ser conhecida, pela ausência de pressuposto recursal.

Após as considerações expostas até este ponto, fica afastada, por ser inadequada, a opção pelas contrarrazões, assim como a interposição do recurso de apelação de forma autônoma, o qual é incabível.

Nada obstante, ficou demonstrado o interesse em potencia do réu que pretende reiterar expressamente sua tese no Tribunal, sendo necessário, portanto, chegar-se a uma solução compatível com o nosso sistema processual e que resolva o litígio – é o que se propõe no tópico seguinte.

2.3. RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO ADESIVAMENTE: POSSIBILIDADE DO RECURSO ADESIVO CONDICIONADO

O recurso adesivo está previsto no artigo 500 do CPC, nestes termos:

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Cada parte interporá o recurso, independentemente, no prazo e observadas as exigências legais. Sendo, porém, vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir a outra parte. O recurso adesivo fica subordinado ao recurso principal e se rege pelas disposições seguintes.

As regras do artigo 500 do CPC alcançam os recursos de apelação, embargos infringentes, recurso extraordinário e recurso especial.

A falta de interposição do recurso principal pela parte ocasionaria, em tese, a preclusão, contudo, considerando a regra do artigo 500, ao ser intimada para oferecer contrarrazões ao recurso interposto pela parte contrária, a outra parte, no prazo para essas contrarrazões, tem a prerrogativa de recorrer adesivamente.

Necessário esclarecer que recurso adesivo não é outra espécie de recurso. Trata-se de forma de interposição de recurso. O recurso pode ser interposto de forma autônoma e de forma adesiva. O recurso adesivo é exatamente o mesmo recurso que poderia ter sido interposto autonomamente, diferenciando-se apenas pela técnica de interposição [03].

Assim, em razão da sucumbência recíproca, o litigante, atendido em parte na sua pretensão, prefere não recorrer de início, conformando-se com a decisão; mas, caso a outra parte recorra, poderá manifestar sua irresignação.

É pressuposto do recurso adesivo que a parte não tenha recorrido.

O recurso adesivo visa evitar, portanto, a interposição precipitada do recurso pelo parcialmente vencido, graças à certeza de que terá nova oportunidade de impugnar a decisão. Ambas as partes vêem-se incentivadas a abster-se de impugnar a decisão, pois, recorrendo imediatamente, poderiam provocar a reação de um adversário em princípio disposto a conservar-se inerte. É um contra-estímulo ao recurso. [04]

Ora, a finalidade do recurso adesivo é impedir que uma parte recorra de forma autônoma precipitadamente. Portanto, o recurso adesivo existe para evitar que o litigante parcialmente sucumbente não recorra apenas pelo temor de que o outro litigante o faça [05].

É clássico o entendimento no sentido de que o recurso adesivo aplica-se exclusivamente em caso de sucumbência recíproca, situação em que ambas as partes poderiam interpor o recurso independente. Neste sentido:

Essa é a razão que justifica a criação do recurso adesivo. Somente se afigura cabível quando houver (a) a sucumbência recíproca e (b) conformidade inicial com a decisão. Em outras palavras, o cabimento do recurso adesivo depende não somente da sucumbência recíproca, mas da ausência de interposição de recurso no prazo inicial, com a intenção (presumida em lei) de se obter logo o trânsito em julgado. [06]

Ocorre que há posição doutrinária convincente defendendo a tese de que, em alguns casos, o pressuposto da sucumbência recíproca deve ser relativizado, inclusive, para garantia do contraditório e da ampla defesa, princípios constitucionais, portanto, superiores.

Realmente, conforme o artigo 500 do Código de Processo Civil, o recurso adesivo só é admitido quando "vencidos autor e réu", configurando-se a sucumbência recíproca, contudo, esse pressuposto não é absoluto.

Imaginemos uma ação de cobrança. No julgamento da apelação, o tribunal afasta a tese da prescrição, mas acolhe a do pagamento, dando provimento ao apelo do réu. Nesse momento, o réu não tem interesse de recorrer, pois saiu vitorioso (improcedência da ação de cobrança com base no pagamento). Entretanto, se o autor, com base no acórdão (que afastava o pagamento), interpuser recurso especial, surgirá para o réu o risco de, no julgamento desse recurso, ver reformado o acórdão na parte em que saiu vitorioso (pagamento). Dessa forma, surge o interesse do réu em interpor recurso especial, na forma adesiva, a fim de obter a apreciação da tese prescrição pelo STJ, sob pena de preclusão da matéria. [07]

Sobre o assunto, discorre José Carlos Barbosa Moreira:

Daí a conveniência, que surge para ele, de inverter-se a ordem de julgamento, só se passando ao exame da matéria veiculada no recurso adesivo na hipótese de verificar-se que a outra parte tem razão no que tange à matéria do recurso principal; do contrário, simplesmente se negará provimento a este, "confirmando-se" a decisão de improcedência do pedido, sem tocar no recurso adesivo. Com base nesse raciocínio é que em mais de um país, ainda que não sem resistência, se tem admitido um recurso adesivo condicionado, isto é, interposto ad cautelam, para ser julgado unicamente no caso de convencer-se o órgão ad quem da procedência do recurso principal. [08]

Tratar-se-ia do recurso adesivo cruzado [09], não apenas dependente do recurso principal, mas condicionado ao seu provimento. É um recurso interposto sob condição de somente ser julgado se o recurso independente for acolhido [10].

Trata-se da solução mais adequada para casos como o analisado neste trabalho.

Certo que é necessário oferecer ao réu algum remédio processual, considerando seu inegável interesse jurídico, dado o potencial prejuízo em caso de provimento do recurso do particular e manutenção do afastamento da preliminar. Ocorre que o pedido foi julgado totalmente improcedente e o interesse recursal do réu surge apenas com a interposição da apelação pelo particular, a qual, ao menos em tese, poderá ser provida.

O recurso adesivo cruzado, que terá seu próprio conhecimento condicionado não apenas ao julgamento do principal, mas ao seu provimento, é a alternativa mais técnica que se apresenta ao réu.

Chegando-se a essa conclusão, é necessário fazer algumas ponderações.

Ainda que seja óbvio e conforme ressaltado no início desta exposição, é preciso esclarecer que não se trata de "ataque a mera fundamentação". Ora, a preliminar suscitada, que pode até ser prejudicial de mérito, foi afastada de forma expressa. Caso o recurso do particular seja provido e a preliminar seja mantida, haverá prejuízo concreto para o réu. Portanto, não se trata de mero ataque à fundamentação da sentença, mas de ataque ao ponto em que afastou a preliminar suscitada de forma expressa.

Por outro lado, ainda que a matéria tratada na preliminar seja daquelas que podem ser conhecida de ofício, como seria o caso da prescrição, que pode ser analisada pelo Tribunal independentemente da apelação do réu; ainda assim, entendo cabível o recurso adesivo cruzado.

Ora, ainda que o Tribunal possa conhecer a matéria de ofício, tal não seria suficiente para a rejeição do recurso. Assim entendendo-se, seria o caso de não conhecimento de eventuais apelações interpostas pelos entes públicos nos casos sujeitos a reexames necessários, conclusão que se mostra absurda.

Entender que não haveria interesse, em razão do efeito devolutivo específico – ou, tratando-se de matéria de ordem pública, do efeito translativo -, seria o mesmo, ao menos de forma análoga, que entender ausente o interesse recursal do ente público nos casos de reexames necessários.

No reexame necessário não há o efeito translativo em sentido estrito, mas a consequência prática, no tocante à matéria em que a Fazenda foi condenada, é a mesma, já que a devolução ao Tribunal é ampla e independe de qualquer manifestação ou requerimento do ente público. O efeito devolutivo, em relação ao ente público, é o mais amplo possível, já que toda a matéria em que foi sucumbente é reapreciada, de ofício, pelo Tribunal.

E é forçoso concluir, neste e nesses casos, que o fato de ao magistrado ser dada a atribuição de conhecer de ofício determinando ponto não exclui da parte o direito – ou o interesse – de recorrer de forma expressa de tal ponto, apresentando sua tese de forma expressa no Tribunal ad quem.

Pelo contrário, considerando que existe jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "A remessa necessária não se confunde com o recurso de apelação. Desserve ao propósito de defender eventuais interesses da Administração, não apresentados oportunamente" (AgRg no Ag 1022874 / SC, 2008/0049470-1, DJe 03/08/2009).

Do teor dessa decisão, conclui-se que, não apresentada a apelação pelo ente público no momento oportuno, não pode, o ente público, via recurso especial, discutir matérias não analisadas pelo Tribunal no julgamento da remessa necessária. Portanto, para garantir os interesses do ente público, é necessário o recurso de apelação, reiterando expressamente no Tribunal as teses fazendárias, mesmo quando o processo está submetido ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

Assim, trata-se realmente de caso em que, ainda que ao Tribunal seja devolvido o conhecimento da matéria, é cabível o recurso de apelação – e, conforme exposto, mais que simplesmente cabível, pois necessário para garantir o interesse do ente público em eventual recurso especial [11].

O que poderia afastar o interesse recursal, apenas em tese, seria a ausência de sucumbência. Ocorre, conforme explicado, que, apesar de não ser sucumbente, posto que o pedido foi julgado improcedente, o interesse recursal do réu, pelo menos em potência, surgiu no momento em que o autor interpôs o recurso de apelação. Certo que a efetiva análise meritória do recurso interposto pelo réu dependerá do provimento da apelação do autor, ficando condicionada ao seu julgamento de mérito – o que não desnatura o recurso de apelação, apenas o torna peculiar no tocante à forma de interposição, que será a adesiva cruzada, conforme exposto.

Por outro lado, está superada a idéia de que "a matéria ventilada no recurso adesivo está subordinada à do recurso principal, sendo vedado ao recorrente dependente discutir matéria que não conste do recurso principal, já que suportou os efeitos da sentença ao deixar transcorrer in albis o prazo para interposição do recurso independente", ainda que conte com alguns entusiastas. [12]

A norma processual não exige que a matéria veiculada no recurso adesivo esteja relacionada com a do recurso principal.

Subordinar e limitar a matéria do recurso adesivo à matéria ventilada no recurso independente equivale a negar vigência ao art. 500, uma vez que o dispositivo legal não fez qualquer restrição acerca da matéria objeto do recurso adesivo. Não é demais lembrar que onde a lei não restringiu, não cabe ao intérprete fazê-lo, quanto mais em detrimento da própria natureza do recurso sob exame.

[...]

Desde que satisfeito o requisito de que o recurso adesivo seja dirigido contra o recorrente principal,"a lei não exige que a matéria objeto da apelação adesiva esteja relacionada com a formulada na apelação principal" (JTA 94/170, maioria). Ou seja: o objeto da impugnação formulada no recurso adesivo "não deve guardar, necessariamente, relação com a matéria cogitada" na apelação principal (STJ – 3º Turma, Resp 41.398-2- ES, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 194.94, deram provimento, v. u., DJU 23.05.94, p. 12.605). [13]

Em todo caso, tal discussão apenas tem sentido quando se analisa o recurso adesivo interposto na forma usual; pois, quando se tem em consideração os contornos do recurso adesivo cruzado, já que o pedido foi julgado totalmente improcedente e o pressuposto da sucumbência recíproca terá que ser relativizado, está prejudicada a discussão – exposta apenas como complemento.

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Sobre o autor
João Aurino de Melo Filho

Procurador da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, João Aurino. Possibilidade do réu interpor recurso adesivo condicionado à apelação do autor: quando preliminar suscitada expressamente na contestação é afastada pela sentença que julgou improcedente o pedido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2409, 4 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14303. Acesso em: 22 dez. 2024.

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