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Equiparação remuneratória e advocacia pública.

Considerações acerca da ADIn nº 4345

22/02/2010 às 00:00
Leia nesta página:

1.Introdução.

A equiparação de cargos e funções públicas para efeitos remuneratórios é vedada desde a promulgação da Carta Constitucional de 1967, repetindo-se tal proibição na Constituição da República vigente, em seu artigo 37, XIII, bem como em constituições estaduais, da qual destacamos a do Estado do Pará, no art. 39, §8º.

Contudo, a Lei paraense nº. 6.783/2006, visando dar tratamento isonômico para carreiras estatutariamente integrantes da advocacia pública, através da unificação remuneratória dos cargos de procurador, advogado, assistente jurídico e técnico de nível superior/advogado, findou por incidir, em tese, na proibição citada, resultando na Ação Direta de Inconstitucionalidade de Norma Estadual autuada sob n. 4.345/PA, proposta em 18 de novembro de 2009 e distribuída para o ilustre Ministro Dias Tóffoli, ainda em curso.

Considerando a relevância da matéria posta em debate, bem como a repercussão desta na advocacia pública, pretende-se jogar algumas luzes sobre o caso, especialmente pela situação paradigma que resultou na citada ação constitucional.


2.Antecedentes judiciais à ADIn 4.345/PA.

Embora a norma atacada tenha sido promulgada em 2006, a Ação Direta de Inconstitucionalidade supra só veio a ser proposta mais de três anos após, tendo por pano de fundo o leading case autuado na justiça paraense sob nº. 20091031181-6 em Mandado de Segurança proposto pela então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Pará, contra a Diretora Geral do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará – Ideflor, autarquia criada para atuar como gestora das florestas públicas, na forma da Lei nº. 11.284/2006.

Nesta demanda judicial, buscava-se a aplicação do art. 10º, da Lei estadual nº. 6.783/2006, atacada pela ADIn supra, cujo teor é o seguinte:

"Art. 10. Os servidores ocupantes das funções de caráter permanente de procurador, Advogado, Assistente Jurídico e de cargos efetivos de Técnico de Nível Superior Advogado nas autarquias e fundações públicas do Poder Executivo Estadual farão jus ao vencimento inicial da carreira de procurador Autárquico". (Negritado).

De fato, tal caso foi sentenciado favoravelmente à OAB/PA, determinando-se a aplicação da norma citada aos seus cargos técnicos cujo requisito de provimento seja a inscrição como Advogado. No prazo recursal, interpôs-se apelação encampando a tese da inconstitucionalidade do dispositivo, entre outras, pendente de julgamento no Tribunal de Justiça do Estado do Pará.


3.Equiparação remuneratória e isonomia funcional frente a advocacia pública.

Pois bem, apesar do art. 10 da Lei estadual nº. 6.783/2006 ter igualado a remuneração de quatro cargos ao de procurador autárquico, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.345/PA busca especificamente a invalidação da expressão "e de cargos efetivos de Técnico de Nível Superior Advogado", não se insurgindo contra os demais cargos citados.

Inicialmente, pode-se afirmar que a declaração de inconstitucionalidade unicamente desta última expressão , mantendo-se as demais equiparações, não resolveria o problema jurídico que se criou com a redação do dispositivo, pelo contrário, tornaria a situação antieconômica, visto que desiguala cargos de atribuições senão iguais, ao menos semelhantes o bastante.

Contudo, antes que se aprofunde na discussão, pertinente colacionar a doutrina de um dos maiores mestres no constitucionalismo, o professor José Afonso da Silva, que estabelece clara distinção entre a isonomia funcional e a equiparação remuneratória:

"Não há se confundir isonomia e paridade com equiparação ou vinculação para efeitos de vencimentos. Isonomia é igualdade de espécies remuneratórias entre cargos de atribuições iguais ou assemelhados. Paridade é um tipo especial de isonomia, é igualdade de vencimentos a cargos de atribuições iguais ou assemelhadas pertencentes a quadros de poderes diferentes. Equiparação é a comparação de cargos de denominação e atribuições diversas, considerando-os iguais para fins de se lhes conferirem os mesmos vencimentos; é igualação jurídico-formal de cargos ontologicamente desiguais, para o efeito de se lhes darem vencimentos idênticos (...)". (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 687). Destacado.

Após conceituar as figuras jurídicas, continua o renomado autor:

"Os regimes jurídicos destes institutos são, por isso mesmo, diametralmente opostos. A isonomia, em qualquer de suas formas, incluída nela a paridade, é uma garantia constitucional e um direito do funcionário, ao passo que a vinculação e a equiparação de cargos, empregos ou funções, para efeito de remuneração, são vedadas pelo art. 37, XIII. É isso que o texto quer dizer na sua redação defeituosa. De fato, o dispositivo veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração de pessoal do serviço público, quando, na verdade, o que se veda é a vinculação ou equiparação de cargos, empregos ou funções para efeitos de remuneração. É assim que se deve entender o dispositivo". (idem, ibidem, p. 688). Destacado.

Desta forma, entende-se por isonomia, neste caso, a garantia constitucional do funcionário público que, por exercer atividades iguais ou assemelhadas, torna-se titular do direito subjetivo à remuneração correspondente. É uma prerrogativa decorrente da Carta Magna, cujo texto vincula a Administração Pública em suas variadas esferas e níveis. De outro lado, equiparação é tornar iguais (leia-se: tornar pares) situações jurídicas diferentes, díspares, não incluídas no conceito de isonomia. Esta última medida é vedada pela Constituição vigente.

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Analisando sob o prisma teleológico a norma submetida ao julgamento do Supremo Tribunal Federal, tem-se que esta veio reunir as carreiras jurídicas públicas privativas de advogado sob uma única remuneração, estabelecendo patamar mínimo, a fim de manter a dignidade inerente à nobre função advocatícia.

Assim sendo, evitar-se-iam situações obtusas, onde advogados em pleno exercício de funções estatais, desempenhando as atividades privativas dispostas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº. 8.906/94), percebessem vencimentos discrepantes com a relevância da atividade.

Promover-se-ia, então, a isonomia funcional entre os advogados públicos, seja lá qual fosse a nomenclatura do cargo exercido, eis que, em sendo necessário o registro na OAB para atuação, as atividades não poderiam se distanciar do quadrinômio: representação judicial, consultoria, assessoria ou direção jurídicas (art. 1º, Lei nº. 8.906/94).

Neste sentido foi a fundamentação da sentença no caso paradigma ao norte citado, em que o MM. Juízo da 1ª Vara da Fazenda da Capital afirmou que "(...) a propósito, o tratamento isonômico conferido pela lei a indivíduos que se encontrem em situação jurídica semelhante é um princípio constitucional, cuja observância vincula a todo o Estado Democrático e Social de Direito".

Em que pese a nobreza da finalidade da norma, uma hermenêutica literal de sua redação deixa claro que esta não coadunou com o fim colimado, pelo contrário, ao invés de promover a isonomia reunindo os referidos cargos sob única denominação e carreira, findou por igualá-los somente no que atine à remuneração, violando expressamente o mandamento constitucional do art. 37, XIII.

De fato, apesar da Lei editada, as quatro profissões citadas no corpo da norma posta para apreciação do Supremo (quais sejam: procurador, advogado, assistente jurídico e técnico de nível superior advogado) continuaram a existir com denominações e atribuições próprias, diferentes entre si, a não ser pela remuneração, que ficou equiparada e vinculada a do cargo de procurador de autarquia.

A reunião das carreiras privativas de advogado público seria fundamental, especialmente, para abolir o obtuso cargo de técnico/advogado. Ora, se há que se exigir a inscrição na OAB para atuação funcional, o cargo jamais terá uma finalidade meramente técnica, mas sim estritamente científica, seja em consultoria, assessoria ou mesmo direção jurídica. Para uma atribuição funcional técnica, exigível seria meramente o bacharelado em Direito.

Desta feita, entende-se que o ideal para solucionar a situação de fato vivida na Administração Pública paraense, e cuja correspondência em outros Estados não é descartada, embora não tenha sido objeto de pesquisa por estes autores, seria a unificação das carreiras inerentes à Advocacia Pública, estabelecendo-se a nova remuneração nominalmente, sem referências a este ou aquele cargo público.


4.Conclusão.

Em suma, malgrado o louvável objetivo da norma atacada por meio da ADIn 4.345/PA, esta pecou por instrumentalizar, ao invés da isonomia funcional necessária às carreiras da advocacia pública, uma verdadeira equiparação remuneratória, medida proibida pela Constituição.

Neste momento a demanda está sob apreciação da Procuradoria Geral da República, após parecer da Advocacia Geral da União favorável à inconstitucionalidade pela equiparação.

Restará ao Supremo definir a questão, ou reconhecendo a isonomia entre as carreiras, apesar da redação defeituosa da norma estadual, ou reconhecendo a inconstitucionalidade desta, invalidando o dispositivo por inteiro, e não somente no trecho que se refere aos cargos técnicos privativos de Advogados, sob pena de aniquilar-se uma anomalia jurídica, mas garantir a subsistência das demais.

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Sobre o autor
Eduardo Minuzzi Niederauer

Procurador Autárquico do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará - Ideflor; Advogado; bacharel formado pela Universidade Federal do Pará, Campus Tapajós.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NIEDERAUER, Eduardo Minuzzi. Equiparação remuneratória e advocacia pública.: Considerações acerca da ADIn nº 4345. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2427, 22 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14383. Acesso em: 28 abr. 2024.

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