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A prescrição retroativa pela pena em concreto perspectiva no direito penal brasileiro

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Carece de sentido proceder a instrução de um processo se, fatalmente, poucos dias após, o decurso do tempo impedirá que o Estado aplique pena ao infrator.

Com a ocorrência do fato delituoso, nasce para o Estado o poder-dever de punir o infrator (ius puniendi). Entretanto, levando-se em consideração a gravidade da infração e da pena correspondente, a lei impõe limites ao exercício desse poder, fixando lapso temporal dentro do qual o órgão estatal estará legitimado para aplicar a sanção adequada. Essa é a lição que nos traz o brilhante estudo de Maria Isabella Rodrigues Gonçalves [01], ora transcrito em grande parte face à sua adequação ao tema.

Escoado esse prazo, prescreve o direito de punir o infrator. Pode-se, dessa maneira, definir prescrição, que, nos termos do artigo 107, inc. IV, do Código Penal Brasileiro, constitui causa extintiva da punibilidade, como "a perda do direito de punir do Estado, pelo decurso do tempo, em razão do seu não exercício, dentro do prazo previamente fixado" [02].

Com o trânsito em julgado da decisão condenatória, o ius puniendi concreto transforma-se em ius punitionis, isto é, a pretensão punitiva converte-se em pretensão executória.

Distingue-se, assim, a prescrição da pretensão punitiva, que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e regula-se pela pena máxima cominada e abstrato ao delito, da prescrição da pretensão executória, também chamada de prescrição da pena, que, ao contrário, ocorre após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e regula-se pela pena aplicada ao caso concreto.

Como modalidade de prescrição da pretensão punitiva, o artigo 110 do Código Penal Brasileiro, em seus §§ 1º e 2º regula a prescrição retroativa. Assim, não havendo interposição de recurso pela acusação ou caso este seja improvido, a prescrição regula-se pela pena aplicada, mesmo não havendo ainda trânsito em julgado para a defesa. Ressalte-se ainda que, conforme estabelecido no § 2º, em tal caso, a prescrição poderá ter por termo inicial data anterior à do recebimento da inicial acusatória.

Ora, as condições da ação existentes no Processo Civil (legitimidade de partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido), aplicam-se também ao Processo Penal, como condições genéricas para o exercício da Ação Penal.

No âmbito do trabalho apresentado pela eminente doutrinadora Maria Isabella só interessa analisar, de forma um pouco mais ampla, o interesse de agir, pois é nele que se fundamenta o reconhecimento da prescrição retroativa antecipada ou pela pena em concreto perspectiva.

Segundo esclarece Fernando Capez [03], o interesse de agir no processo penal, desdobra-se no trinômio necessidade, utilidade do uso das vias jurisdicionais para a defesa do interesse material pretendido e adequação à causa, do procedimento e do provimento, de forma a possibilitar a atuação da vontade concreta da lei, segundo os parâmetros do devido processo legal.

Desloca-se também para o interesse de agir a preocupação com a efetividade do processo, de modo a poder-se afirmar que este, enquanto instrumento da jurisdição, deve apresentar, em juízo prévio, um mínimo de viabilidade de satisfação futura da pretensão que informa seu conteúdo. É dizer, sob perspectiva de sua efetividade, que o processo deve se mostrar, desde a sua instauração, apto a realizar os diversos escopos da jurisdição, isto é, revelar-se útil [04].

Assim, se, de plano, for possível perceber a inutilidade da persecução penal aos fins a que se presta, inexiste, por conseqüência, interesse de agir, o que motiva até mesmo a utilização, ainda que de forma incipiente pelos interessados, da Exceção de Pré-Cognição Penal [05]. Essa possibilidade hoje encontra-se prevista nos artigos 395 [06] a 397 do CPP, inseridos pela Lei nº 11.719/08, pois que com a instituição do juízo de prelibação, onde o Juiz pode inclusive absolver o acusado em julgamento antecipado da lide, é possível o exercício mental de um juízo condenatório, inclusive com a fixação da pena - concretamente - para efetivar a rejeição da denúncia em razão da prescrição em perspectiva [07].

Se entende ser exatamente o que ocorre quando, ao oferecer a inicial acusatória, ou mesmo no curso do processo penal, verifica-se que se operaria a prescrição retroativa, caso comprovada a culpabilidade do réu, analisando-se a pena possível a ser imposta.

Nessa hipótese, toda a atividade jurisdicional seria inútil, carecendo o autor, portanto, de interesse de agir.

"A idéia de interesse está também relacionada ao conceito de utilidade. É preciso que, com a propositura da ação penal, se demonstre a utilidade que decorrerá do pedido formulado em juízo. Assim, a oferta de denúncia pela prática de um crime que já se viu alcançado pela prescrição punitiva, resultaria ao final em um provimento absolutamente inócuo, sem qualquer utilidade, ante a impossibilidade de aplicação de sanção penal." [08]

Nesse caso, qualquer ação se mostraria desnecessária e inútil porque a visada sanção jamais seria efetivamente aplicada (considerando-se que a prescrição retroativa, por ser uma espécie de prescrição da pretensão punitiva, não faz gerar qualquer efeito penal ou extrapenal).

Segundo enfatiza Liebman, "interesse processual, ou interesse de agir existe quando há para o autor, utilidade e necessidade de conseguir o recebimento de seu pedido, para obter, por esse meio, a satisfação do interesse (material) que ficou insatisfeito pela atitude de outra pessoa" [09].

Conforme anteriormente afirmado, o interesse processual no processo penal decorre, em regra, da pretensão penal condenatória, pois pretende-se, com a acusação, a aplicação de uma sanção penal ao agente do fato delituoso. Fundamenta-se, assim, o interesse de agir, na utilidade do provimento jurisdicional.

Assim, se a ação penal para existir precisa preencher o requisito do interesse de agir, desencadeando assim uma sanção ao autor do fato delituoso, caso esse fim não possa ser mais materialmente alcançado porque, ao sentenciar e aplicar concretamente a pena, o direito de punir já pulverizou-se no tempo, qual seria a finalidade de se instaurar ou até mesmo dar prosseguimento a um processo natimorto?

Carece de sentido, portanto, proceder a instrução de um processo se, fatalmente, poucos dias após, o decurso do tempo impedirá que o Estado aplique pena ao infrator.

Assim, havendo flagrante certeza de que, ao final do processo se verificaria a prescrição retroativa, inexistirá, por conseqüência, interesse de agir, atraindo-se, via de conseqüência, o que antes era disposto no artigo 43, inc. III do Código de Processo Penal Brasileiro (revogado pelo artigo 3º da Lei nº 11.719/08), verbis:

"A denúncia ou a queixa será rejeitada quando:

(...) III – for manifesta a ilegitimidade de partes ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal".

Se na redação anterior do diploma processual penal brasileiro já se previa essa exigência, hodiernamente, com muito mais rigor urge seja demonstrada a presença de todas as condições da ação para que seja recebida a Denúncia oferecida, a teor do artigo 365, II do CPP (com redação trazida pela lei 11.719/08), ou mesmo prosseguimento da Ação caso já instaurada:

"Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: 

I - for manifestamente inepta; 

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou  

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

...

Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: 

I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; 

II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; 

III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou 

IV - extinta a punibilidade do agente."

Por outro lado, a possibilidade de aplicação de pena ao autor do fato delituoso, caracterizando o interesse de agir, deve se mostrar presente durante todo o processo. Assim, se durante o curso da ação penal se verifica a possibilidade de ocorrência da prescrição retroativa ao final, inexistirá, também nessa hipótese, interesse processual da acusação.

Nesse sentido:

"O interesse deve existir no momento em que a sentença for proferida. Portanto, se ele existir no início da causa, mas desaparecer naquela fase, a ação deve ser rejeitada por falta de interesse" [10].

Verifica-se, assim, hipótese superveniente de carência da ação penal, decorrente do desaparecimento do interesse de agir do Estado, tornando viável, por expressa disposição constante do artigo 3º do Código de Processo Penal Brasileiro, a aplicação analógica do artigo 267 do Código de Processo Civil Brasileiro [11], possibilitando-se a extinção do processo sem julgamento do mérito.

No mesmo sentido se manifesta o professor Eugênio Pacelli de Oliveira, quando esclarece:

"Com efeito, diante da constatação, feita nos próprios autos do procedimento de investigação (inquérito policial ou qualquer outra peça de informação), da impossibilidade fática de imposição, ao final do processo condenatório, de pena em grau superior ao mínimo legal, é possível, desde logo, concluir pela inviabilidade da ação penal a ser proposta, porque demonstrada, de plano, a inutilidade da atividade processual correspondente. E assim ocorre porque, em tais hipóteses, o prazo prescricional inicialmente considerado, isto é, pela pena em abstrato (artigo 109 do Código Penal), seria sensivelmente reduzido após eventual sentença penal condenatória (com pena concretizada). Semelhante operação seria possível antes mesmo do início da ação penal, à vista das condições pessoais do agente imputado ou das circunstâncias objetivas do fato, que impediriam, em sede de juízo prévio, a imposição de pena acima do mínimo previsto no tipo penal adequado ao fato apurado na investigação.

Por isso, entendemos perfeitamente possível o requerimento de arquivamento do inquérito ou peças de investigação por ausência de interesse — utilidade — de agir" [12].

Por várias vezes nos deparamos com situações onde um cidadão está sendo acusado de cometimento de crime, e por isso está sendo perseguido penalmente, seja ainda na 1ª fase (Inquérito) ou na 2ª fase (Ação Penal). Dentre essas várias oportunidades, algumas ocasiões evidenciam que pelo fato que está sendo analisado na Persecução Penal – considerando-se, por mera argumentação, que seja (ou fosse) verdadeira a eventual acusação constante no Inquérito ou mesmo na Denúncia já formalizada – quando eventualmente for proferida uma sentença condenatória, julgando-se procedente o pedido condenatório, já terá ocorrido a prescrição retroativa pela pena em concreto então aplicada.

Ou seja, o Estado agiu, trabalhou, gastou, e o cidadão também gastou, se preocupou, foi humilhado, se submeteu a uma Persecução Penal, todos se envolveram no processo, para ao final verem a tutela estatal entregue, contudo, inocuamente.

Assim, há casos em que de antemão já nos deparamos com pontuais situações em que é certa a inocuidade do prosseguimento da Persecução Penal porque mesmo no caso de uma condenação, pela pena em concreto a ser aplicada (analisando-se a trifásica aplicação da pena, com sua fundamentação para retirar na pena mínima a pena-base, com aplicação de causas especiais de diminuição e aumento de pena, assim como agravantes e atenuantes, e eventual substituição por multas ou restritivas de direito), já terá ocorrido a prescrição.

Note-se, é claro, que aqui é feita referência à prescrição pela pena em concreto (que não está expressamente prevista na legislação pátria, eis é fruto de interpretação hermenêutica), e não pela máxima em abstrato, pois essa é já prevista no próprio Código Penal Brasileiro, e deve ser declarada por qualquer Juízo assim que a reconheça, seja por provocação, seja de ofício.

Portanto convém sempre, se evidente no caso que estiver sendo analisado situações que permitam desde logo imaginar a pena em concreto a ser aplicada caso as acusações sejam julgadas procedentes tais como elencadas na Acusação inicial, pedir ao Juiz que reconheça a prescrição retroativa pela pena em perspectiva (também chamada de prescrição virtual). Em que pese não ser uma tese muito difundida, cabe aos advogados a utilizar, visando seja a mesma conhecida e aceita, até mesmo como rumo de lege ferenda.

Nas palavras do ilustre Juiz de Direito e Professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Osvaldo Palotti Júnior: "Constitui-se no reconhecimento da prescrição retroativa, tomando-se por base a pena que possível ou provavelmente seria imposta ao réu no caso de condenação" ("Considerações Sobre a Prescrição Retroativa Antecipada", in RT 709/302).

Assim, por exemplo, em um caso concreto, sendo o Acusado primário, possuidor de bons antecedentes, certamente a pena-base a que estaria sujeita em uma possível condenação seria a mínima, certamente. Deve-se ainda analisar no caso concreto se há circunstâncias atenuantes e agravantes (também entre os parâmetros possíveis de suas aplicações, as condições pessoais do Acusado para que sejam essas circunstâncias dosadas), e em seguida se há alguma causa especial de aumento ou diminuição de pena a incidir (e dentre os parâmetros possíveis de suas aplicações, as condições pessoais do Acusado para que sejam essas causas dosadas) e finalmente se há algum concurso formal, material ou continuação delitiva. Por exemplo, se houve arrependimento posterior, se era menor de 21 anos à data do fato, se houve confissão espontânea, se era de pequeno valor a coisa furtada, se sua participação no fato foi mínima, se o Acusado agiu sob violenta emoção após injusta provocação da vítima, tudo sempre levando em conta os artigos 61 [13] do CPPB, 109 [14], 54 [15], 59 [16], 60, § 2º [17], 65 e 66 [18], todos do Código Penal Brasileiro.

Sendo assim, quando for – e se fosse –condenado e essa decisão transitasse em julgado, estaria prescrito retroativamente o crime, com fulcro em algum dos incisos do artigo 109 do Código Penal Brasileiro, contando-se o prazo prescricional entre pontos de início da contagem e alguma causa interruptiva da contagem desse prazo prescricional (dependendo do ato: data do fato ou último ato de sua execução ou de quando tornou-se pública a sua ocorrência; recebimento da Denúncia; primeira pronúncia; eventual primeira confirmação da pronúncia; primeira condenação). Como se fala em arguição anterior à possível condenação, por óbvio a única causa interruptiva que será eventualmente analisada será o Recebimento da Denúncia (que, aliás, tem incompreensivelmente se tornado ato meramente mecânico, desfundamentado e por isso nulo, o que afronta princípios inalienáveis de direitos humanos resguardados na Carta Magna. Certamente uma prática que deve ser evitada em razão das novas redações trazidos pela Lei nº 11.719/08 aos artigos 395 e seguinte do CPP).

Argui-se o fato de ser pertinente considerar-se a ocorrência da prescrição pela pena em concreto perspectiva, como se tem praticado cada vez mais, a partir do exame sereno das condições da ação penal, especialmente do interesse de agir, da eficácia do provimento que é pedido:

"Pode-se também falar no interesse-utilidade, compreendendo a idéia de que o provimento cedido deve ser eficaz: de modo que faltará interesse de agir quando se verifique que o provimento condenatório não poderá ser aplicado (como, por exemplo, no caso de a denúncia ou queixa se oferecida na iminência de consumar-se a prescrição da pretensão punitiva. Sem aguardar-se a consumação desta, já se constata a falta de interesse de agir.

"Essa é a orientação da 4ª Câmara do TACriminal de São Pau.o (Rec. Em sentido estrito 589.413-0. de 12.3.90, (Rel. Walther Theodósio), julgando caso em que a pena em concreto perspectiva. uma vez concretizada, levaria ao reconhecimento da prescrição retroativa. No mesmo sentido RJDTACrim 8/156. E ainda, argumentando expressamente com a ausência de interesse de agir, RT 669/315 e 668/289." ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES, ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, As Nulidades no Processo Penal. (São Paulo, Malheiros, 5º edição, 1996). Páginas 60/61

É certo que para que o Juiz retire a pena de seu mínimo, elevando-a, não haverá qualquer motivação, especialmente porque o Acusado é primário, bons antecedentes. Qualquer outra motivação seria evidente bis in idem.

É sabido e consabido que para o Acusado ser apenado além do quantum previsto no mínimo do tipo penal, deve ser reincidente e ostentar circunstâncias judiciais totalmente desfavoráveis. É certo que se deve partir da pena mínima, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, eis neste sentido, o HC nº 51.246-SP, Rel. Min. ALIOMAR BALEEIRO, in RTJ 66/79, e o HC nº 69.334-PE, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, in RTJ 143/578.

A propósito, que não se recomenda, mas que se dispensa, a fundamentação da pena-base quando aplicada no mínimo legal (STF - HC nº 71.828-SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, in DJU de 22.11.94).

Como já firmou o Excelso Supremo Tribunal Federal, "é dever do juiz especificar os motivos pelos quais fixou a pena -- base acima do mínimo previsto na lei". [19]Não basta, porém, mera referência à necessidade, exigindo-se que a sentença seja motivada" [20] quanto ao que é a culpabilidade:

"Deve-se aferir o maior ou menor índice de reprovabilidade do agente, não só em razão de suas condições pessoais, como também em vista da situação de fato em que ocorreu sua conduta. (...) Mas sempre levando em conta a conduta que era exigível do agente, na situação em que o fato ocorreu." [21]

"A imposição da pena está condicionada à culpabilidade do sujeito. Na fixação da sanção penal, sua qualidade e quantidade estão presas ao grau da censurabilidade da conduta (culpabilidade)." [22]

As circunstâncias judiciais, salvo equivocada dupla valoração (como deplorar o evento morte no homicídio, já considerado na cominação abstrata, por exemplo), e em especial as de caráter pessoal e subjetivo, só podem beneficiar o Acusado; primário, bons antecedentes, conduta social excelente, eventual confissão espontânea.

Quanto às consequências do crime, possível e eventualmente valoradas como aumento de culpabilidade do apenado, incidiria a veneranda decisão proferida em indefensável dupla valoração: e.g., a consequência do homicídio, com seu cortejo de dores e sofrimentos que caracterizam o próprio tipo, já foram considerados na cominação abstrata da forma de proteção desse bem jurídico, e que fora unicamente imputado a outra pessoa. O legislador e o órgão acusador já haviam cuidado de valorar essas consequências.

Então, se é primário e não possui antecedentes criminais, nada impede que o Magistrado, antevendo a pena que ao final poderia vir a ser aplicada no caso concreto, em regra no mínimo legal, reconheça a inexistência de qualquer interesse estatal, face à ocorrência da prescrição retroativa naquele futuro momento.

Aliás, seria até mesmo o caso de se lhe aplicar a pena abaixo do mínimo cominado em abstrato como forma contemporânea de aplicação do Enunciado nº 231 da Súmula do Colendo STJ, e assim tem sido reiteradamente feito pelos Tribunais da Federação, de que se traz um julgado a exemplificar:

... Nada existe no ordenamento penal que impeça que a aplicação das circunstâncias atenuantes possa fazer a pena retroceder a limite inferior ao mínimo legal, a exemplo do que ocorre com as minorantes. Com este entendimento, o 3º Grupo Criminal, por unanimidade, em sessão realizada hoje (20.08), proveu o recurso contra a decisão da 6ª Câmara Criminal que mantivera, por 2 a 1, a decisão de 1º Grau, e reduziu por 6 meses a pena aplicada, por furto qualificado, a G.F.S. A pena acabou fixada em 1 ano e seis meses de reclusão, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade por igual período e 10 dias-multa, no valor unitário mínimo legal, mantida a sanção pecuniária cumulativa.

Para o relator dos embargos infringentes, Desembargador Amilton Bueno de Camargo, a sentença reconheceu a atenuante da confissão espontânea, mas não procedeu a devida redução na pena aplicada. Com base no voto minoritário expresso no âmbito da 6ª Câmara Criminal pelo Desembargador Paulo Moacir Aguiar Vieira, o relator afirmou que "nada há no ordenamento repressivo que impeça a aplicação da pena inferior ao mínimo legal, a exemplo do que acontece com relação às minorantes". Explicitou que "caso, porventura, se adotasse a posição doutrinária mais gravosa, deixando-se de proceder a essa operação, restaria inoperante o reconhecimento da atenuante, o que implicaria em negar a aplicação a norma penal favorável ao réu".

A decisão reafirma o entendimento já manifestado pelo 3º Grupo Criminal anteriormente. Participaram da sessão, além do relator, os Desembargadores Paulo Moacir Aguiar Vieira, Aramis Nassif, Luiz Gonzaga da Silva Moura, Ivan Leomar Bruxel, Marco Antonio Bandeira Scapini e João Batista Marques Tovo.

(TJRS – 3º Grupo Criminal - Processo nº 70008778128 - Relator o eminente Desembargador Amilton Bueno de Camargo - Julgado em 20/08/2004)

E o Colendo Superior Tribunal de Justiça também reconhece como necessária a aplicação da diminuição de pena, ainda que abaixo da pena mínima cominada em abstrato, sob pena de, ao não se aplicá-la, se desprezar a circunstância expressamente prevista pelo legislador.

RESP - PENAL - PENA - INDIVIDUALIZAÇÃO - ATENUANTE - FIXAÇÃO ABAIXO DO MINIMO LEGAL – O PRINCIPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (CONST., ARTIGO 5., XLVI) MATERIALMENTE, SIGNIFICA QUE A SANÇÃO DEVE CORRESPONDER AS CARACTERISTICAS DO FATO, DO AGENTE E DA VITIMA, ENFIM, CONSIDERAR TODAS AS CIRCUNSTANCIAS DO DELITO. A COMINAÇÃO, ESTABELECENDO GRAU MINIMO E GRAU MAXIMO, VISA A ESSE FIM, CONFERINDO AO JUIZ, CONFORME O CRITERIO DO ARTIGO 68, CP, FIXAR A PENA IN CONCRETO. A LEI TRABALHA COM O GENERO. DA ESPECIE, CUIDA O MAGISTRADO. SO ASSIM, TER-SE-A DIREITO DINAMICO E SENSIVEL A REALIDADE, IMPOSSIVEL DE, FORMALMENTE, SER DESCRITA EM TODOS OS PORMENORES. IMPOSIÇÃO AINDA DA JUSTIÇA DO CASO CONCRETO, BUSCANDO REALIZAR O DIREITO JUSTO. NA ESPECIE SUB JUDICE, A PENA-BASE FOI FIXADA NO MINIMO LEGAL. RECONHECIDA, AINDA, A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTANEA (CP, ARTIGO 65, III, D). TODAVIA, DESCONSIDERADA PORQUE NÃO PODERA SER REDUZIDA. ESSA CONCLUSÃO SIGNIFICARIA DESPREZAR A CIRCUNSTANCIA. EM OUTROS TERMOS, NÃO REPERCUTIR NA SANÇÃO APLICADA.

OFENSA AO PRINCIPIO E AO DISPOSTO NO ARTIGO 59, CP, QUE DETERMINA PONDERAR TODAS AS CIRCUNSTANCIAS DO CRIME.

(STJ – Sexta Turma - RESP 68120 / MG – Relator o eminente Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro - Data do Julgamento - 16/09/1996 - Data da Publicação/Fonte DJ de 09.12.1996 p.49296)

Assim, ainda que não se queira considerar a possibilidade de aplicação da pena abaixo do mínimo legal, terá ocorrido a prescrição retroativamente pela pena em concreto perspectiva, o que já se poderá requerer seja reconhecido no curso da Ação Penal (ou mesmo ainda na fase de Inquérito, contudo nesse caso, deve-se requer ao Juiz responsável pelas prorrogações de prazo referentes ao mesmo), extinguindo, portanto, a punibilidade em relação ao suposto crime. Registre-se ainda que se deve analisar quanto a possibilidade de haver ocorrido alguma causa suspensiva do curso prescricional evidenciada.

Portanto, já estará prescrita a pretensão punitiva e executória retroativamente pela pena em concreto perspectiva.

"AÇÃO PENAL. EXTINÇÃO DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA ANTES DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. A SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA É PRESSUPOSTO LEGAL APENAS TEÓRICO QUANDO, PELO CONJUNTO DA PROVA, A PENA IMPONÍVEL OBJETIVAMENTE PROPICIAR A VERIFICAÇÃO ANTECIPADA DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO E A GARANTIA DA FORMA CEDEM AO PRINCÍPIO DE QUE A APLICAÇÃO DA SANÇÃO PENAL DEVE IMPOR-SE COM O MENOR GRAVAME POSSÍVEL. "(ACR nº 93.04.26964-4. TRF4, 3ª Turma, relator o Juiz Volkmer de Castilho, Data da Decisão 08.03.94, Publicado no DJU de 23.03.94, pág. 11609).

"EMENTA: 1 - Declarada a extinção da punibilidade em relação aos artigos 48 e 60 da Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), pela prescrição retroativa. 2 – Declarada a prescrição virtual em relação ao artigo 54, inciso V, do Código Penal. Perfeitamente adequada ao caso a aplicação da prescrição virtual, posto que, tendo em vista as circunstâncias pessoais do acusado, e demais peculiaridades do caso, certo é que não será penalizado com pena muito superior ao mínimo, que é de 01 (um) ano. Mesmo que sua pena definitiva fique bem próxima ao máximo, que é de 05 (cinco) anos, ou seja, em 04 (quatro) anos, ainda assim, a prescrição já teria ocorrido, já que, em acordo com o inciso IV do artigo 109 do Código Penal, a prescrição ocorre em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro, e entre o fato e a denúncia transcorreram quase doze anos. 3 – Ordem concedida."

(TJGO - 2ª Câmara Criminal – Habeas Corpus nº 200800330441 de Goiânia, relatora a eminente Juíza Sandra Regina Teodoro Reis, Julgado em 29-04-2008, Publicado no DJ 121 de 01-07-2008).

"EMENTA: PENAL. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA PELA PENA SUPOSTAMENTE APLICADA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR.

I. Examinados os autos e verificando que a única pena viável ensejará fatalmente a prescrição retroativa, impõe-se decretar antecipadamente a extinção da punibilidade. II. Sendo indiscutível a causa extintiva da punibilidade, por economia processual e política criminal, em razão de o processo representar um intenso ônus para o réu, deve-se reconhecer a prescrição pela pena supostamente aplicável. III. Constata-se, na espécie, que se torna a parte autora carecedora da ação pela superveniente falta de interesse de agir, uma vez que restará inútil a prestação jurisdicional, sendo, portanto, caso de extinção do processo."

(ACR nº 95.04.39301-2, TRF4, 1ª Turma, relator o Juiz Gilson Dipp, Data da decisão 05.05.98, Publicado no DJU de 24-06-98, Pg. 00493.

A prescrição põe fim à ação ou a pena. É a perda do direito de punir pelo não uso da pretensão punitiva durante certo espaço de tempo, segundo José Frederico Marques.

Ainda, ensina Tourinho Neto, é fixado um prazo no qual o Estado deve exercer sua pretensão punitiva ou executória.

Se não o fizer, o jus vi persequendi in judicio ou o jus punitionis se extingue, desaparece, dando lugar ao que se chama de prescrição ou a perda do direito por decurso de tempo.

A prescrição tanto pode ocorrer antes de ser proposta a Ação ou durante o seu curso, e, no caso em tela, nenhuma causa interruptiva ou suspensiva do prazo prescricional ocorreu até o presente momento.

Assim, não mais poderá ser instaurado o "Jus persequendi", ou seja, o inquérito, as investigações. Tampouco poderá ser instalada a relação processual (Tourinho Neto).

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É a desnecessidade de que a máquina judiciária trabalhe, despendendo tempo e dinheiro inocuamente.

É pertinente lembrar o que trazem Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli, ao comentarem o pacto de San José da Costa Rica [23]:

"Em nossa opinião, todos os dispositivos ... devem ser ... interpretadas "conforme a constituição", com base no princípio da proporcionalidade, que permite "acomodar a lei ao caso concreto, atendendo aos interesses em conflito" [24]... conforme as circunstâncias de cada caso, impondo-se a efetiva ponderação entre os interesses do Estado, Como titular do ius puniendi interesse na persecução penal, que se avalia pelos critérios da conseqüência jurídica esperadas, da importância da causa, do perigo de reiteração de fatos análogos, do grau de imputação assim como do êxito previsível da medida), e os interesses do indivíduo, como titular do ius libertatis (valendo-se os seguintes critérios: prejuízos para a saúde física ou psíquica ... para a vida familiar, profissional e social etc.) [25]"

Busca-se, nessa promoção, tão-só, indicar caminhos que a experiência vem consagrando e que são perfeitamente adequados para o conflito entre a pretensão punitiva e a pretensão de liberdade que pode vir a se estabelecer nos autos, solucionando-o com o mesmo espírito que leva ao nolo contendere entusiasticamente defendido por doutrina e jurisprudência de escol, adotando as lições iniciadas por ADA PELLEGRINI GRINOVER, com os estudos sobre o Juizado Especial Criminal.

É de pouca utilidade oferecer e receber a Denúncia e dar curso a uma Ação Penal fadada a não produzir resultado prático algum: se absolver o acusado, não o terá livrado, mesmo assim, do sofrimento de que falam Carnelutti e seus seguidores; se o condenar, a pena que pode ser razoavelmente aplicada estará prescrita, porque as circunstâncias legais e judiciais determinariam sua fixação em seu mínimo legal.

Logo, é o caso de considerar-se a prescrição pela pena em concreto perspectiva, como se tem praticado cada vez mais – é utilizada por alguns Magistrados que atuaram na Seção Judiciária Federal de Goiás - a partir do exame sereno das condições da ação penal, especialmente do interesse de agir, da eficácia do provimento que é pedido.

Com estas considerações e aferindo melhor a situação concreta contida nos autos em que se estuda o caso concreto, afigura-se evidente a incidência da prescrição pela pena em concreto perspectiva (virtual, eventual ou em hipótese), tornando-se inócuo e sem efeito jurídico o início da persecução criminal em juízo, posto que ausente afigura-se, in casu, o interesse de agir, condição de ação indispensável para a instauração/tramitação do processo penal e sem a qual o Ministério Público, o dominus litis, torna-se carecedor do direito de ação. Em outras palavras, se o Estado, em concreto perspectiva, já perdeu o direito de punir, falece ao Parquet o direito de agir.

Se o Direito não está definitivamente eliminado, aquela ação extinta sem julgamento do mérito por falta de interesse de agir, uma vez reconhecida a prescrição antecipada, poderia ser novamente intentada, desde que não extinta a punibilidade por qualquer motivo, caso fosse dada nova definição jurídica do fato, que importasse em imposição de pena mais grave (convém aqui mencionar as modificações levadas aos artigos 383 e 384 do CPPB pela Lei nº 11.719/08, referentes aos institutos da Emendatio Libelli e Mutatio Libelli)

Ressalte-se que, no caso que ora se discute, a extinção do processo se daria sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir, considerando-se que, ao final, se operaria uma causa extintiva da punibilidade, o que é diferente do julgamento com análise de mérito, em que se declara extinta a punibilidade por qualquer motivo.

Não seria julgado extinto o processo por ter ocorrido extinção da punibilidade, mas por falta do interesse de agir. A prescrição, então, seria analisada à luz das condições da ação, somente para fins de caracterização do interesse processual, uma vez que, caso o processo prosseguisse até o seu fim, estaria extinta a punibilidade pela prescrição retroativa, carecendo de sentido, portanto, o movimento da máquina judiciária.

Não há dúvida de que o operador do direito deve evitar a instauração inútil de qualquer ação em Juízo (em especial a Ação Penal), bem assim a movimentação, sem sentido, da máquina judiciária, já tão sobrecarregada de trabalho, em atenção aos princípios da economia processual, da instrumentalidade e da celeridade da Justiça, contribuindo, por fim, para o desafogo de processos já fulminados pela certeza da futura extinção da punibilidade.

Sobre o tema, o ilustre Procurador Regional da República no TRF-1, Doutor José Osterno Campos de Araújo, em processo análogo, lançou luz, com os seguintes dizeres:

"Assim é que iniciar, em casos que tais, a perseguição penal judicial, ou, se for o caso, dar-lhe prosseguimento, seria, mutatis mutandi, nadar e morrer na praia, seria construir castelos na areia, com a ineliminável certeza de que a força indomável da próxima maré os destruiria, seria, ainda, adubar, com zelo, o dispêndio de preciosíssimo tempo, árvore, pretensamente frutífera, adrede e inexoravelmente condenada a não frutificar, antolhando-se de conseguinte, como imperioso consectário lógico, seja a perseguição em juízo, em hipóteses deste cariz, estancada ab ovo, até mesmo como medida desobstruidora da Justiça Penal, disponibilizando-se, via de conseqüência, seus operadores para empreitadas em que o remédio penal, uma vez prescrito, surta efetivamente seus próprios efeitos."

De igual modo, merece citação a lição do ilustre Magistrado Federal do Rio Grande do Sul, Doutor Celso Kipper, nos autos do processo nº 8.902.372:

"Se a missão do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução de pena, se a finalidade do processo penal é a realização do Direito Penal, servir como instrumento útil e necessário para tornar efetiva a função jurisdicional, e se, enfim, não haverá pena a ser aplicada e executada, em virtude de desconstituição de eventual sentença condenatória em face do advento da prescrição retroativa, então já não haverá mais utilidade na sobrevivência do processo, uma vez que não pode atingir sua finalidade."

Dessa maneira, diante da evidente ausência de uma das condições da Ação Penal, qual seja, a falta de interesse de agir da acusação, motivada pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva em concreto perspectiva, restaria ao Ministério Público requerer o arquivamento dos presentes autos de qualquer Inquérito, ou mesmo ao Juízo – em qualquer Instância - reconhecer de ofício.

"PRESCRIÇÃO RETROATIVA –

Reconhecimento antecipado considerada a pena em concreto perspectiva – Trancamento da ação penal sob tal fundamento – Persecução penal sem nenhum efeito, com dispêndio de tempo e desgaste do prestígio da Justiça Pública, faltando, na hipótese, o teleológico interesse de agir". – Habeas Corpus concedido de ofício.

"PRESCRIÇÃO RETROATIVA –

Reconhecimento antecipado considerada a pena em concreto perspectiva – Denúncia rejeitada sob tal fundamento – Admissibilidade – Disposições dos arts. 41 e 43 do CPP que limitam sob exclusividade o exame da peça introdutora da ação penal – Interesse de agir inexistente, por falta de utilidade do provimento jurisdicional".

(TACrim, SP – Rec. em sentido estrito 589.413-0, de 12.03.90, Rel. Walter Theodosio, 4ª C. Criminal).

"PENAL. PROCESSUAL. RECEPTAÇÃO. PRESCRIÇÃO RETROATIVA.

RESSARCIMENTO. ARREPENDIMENTO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM PERSPECTIVA. REDUÇÃO NO GRAU MAXIMO.

"HABEAS CORPUS".

1. INDUBITAVEL QUE SO PODE HAVER EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RETROATIVA SE HOUVER, ANTES, SENTENÇA CONDENATORIA.

2. SENDO O ACUSADO PRIMARIO E DE BONS ANTECEDENTES, CONSIDERANDO QUE HOUVE, ANTES DA AÇÃO PENAL, POR ATO VOLUNTARIO, RESSARCIMENTO DA COISA, HIPOTESE EM QUE SE REDUZ A PENA A GRAU MAXIMO, DECRETA-SE A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM PERSPECTIVA.

3. "HABEAS CORPUS" CONHECIDO; PEDIDO DEFERIDO.

(STJ - HC 4.795/SP, Relator o eminente Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 23.09.1996, DJ 29.10.1996 p. 41670)."

Verificada a prescrição, sequer se pode discutir o mérito, resolver o conflito entre a pretensão punitiva e a pretensão de liberdade pelo exame do fato e do Direito a ele aplicável.

"A extinção da punibilidade e a sua declaração em qualquer fase do processo. – Já está bem esclarecido que a finalidade da ação penal é a verificação da existência de uma infração punível e a aplicação da pena adequada aos responsáveis por ela.

"Compreende-se, pois, que perde, inteiramente, toda significação a ação, desde que esteja extinta punibilidade.

"Daí constituir um princípio de economia do processo o de que, extinta a punibilidade do réu, deve ser isso logo declarado, esteja em que pé estiver a ação penal, que, assim, tem o seu curso definitivamente paralisado. Cessa a ação penal, extinta a punibilidade." [26]

Como visto, em situações excepcionais, e esta é uma delas, nossos Tribunais têm admitido o reconhecimento da prescrição antecipada. E não poderia ser diferente. Afinal, o desenvolvimento da Ação Penal tem como pretensão derradeira a imposição de uma pena, com todas as suas conseqüências.

Confira-se mais jurisprudência a respeito do tema:

"Crimes de estelionato, um consumado, e outro na forma tentada. Denúncia recebida há mais de 4 anos. Prescrição pela pena projetada. Precedentes deste Tribunal. Critério da razoabilidade. Sensata previsão do magistrado, ao considerar absolutamente improvável que, em caso de condenação, possa a pena ser fixada em patamar superior a 2 anos, em relação a cada delito. Recurso ministerial improvido"

(RSE nº 70003634714, 5ª Câmara Criminal, TJRS, rel. Paulo Moacir Aguiar Vieira, julgado em 16/10/2002).

"Recurso Estrito. Prescrição antecipada. Inexiste prejuízo, no declarar extinta a pretensão punitiva, seja qual for a tese processual em que venha a ocorrer. ‘Se o processo não for útil ao Estado, sua existência é jurídica e socialmente inútil’. O interesse de agir, é categoria básica para a noção de ‘justa causa’, no processo penal, e exige da ação penal um resultado útil. Sem aplicação possível de sanção, inexiste justa causa para a ação penal. Recurso improvido (07 fls.)"

(RSE nº 70003495777, 8ª Câmara Criminal, TJRS, rel. Tupinambá Pinto de Azevedo, julgado em 20/03/2002).

"Penal. Apelação. Abuso de poder e prevaricação. Prescrição em perspectiva. 1. Se após exame minucioso dos autos, o julgador, ao verificar a suposta pena a ser aplicada, mesmo considerando todas circunstâncias judiciais desfavoráveis, perceber que eventual juízo condenatório restaria fulminado pela prescrição, não há justificativa para proceder-se a um completo exame da ocorrência, ou não, da conduta criminosa, em nítida afronta às finalidades do processo e em prejuízo do próprio Poder Judiciário, devendo ser reconhecida, nessa hipótese, a ausência de justa causa para a ação. 2 (...)"

(ACR: Apelação Criminal – 9847 – processo: 200204010271426/SC, 8ª Turma. julgado em 17/03/2004, documento nº TRF 400094983).

"Penal. Descaminho. Prestação de informações falsas. Artigos 334, caput, do Código Penal e artigo 21, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86. Viável a extinção da punibilidade pela prescrição em perspectiva. Concurso de crimes. Artigo 119 do CP. Penas consideradas isoladamente. Falta de interesse processual. Ausência de justa causa. 1. A prescrição pela pena em perspectiva, embora não prevista na lei, é construção jurisprudencial tolerada em casos especialíssimos, quando existe convicção plena de que a sanção aplicada não será apta a impedir a extinção da punibilidade. 2. Na hipótese dos autos, há elementos corroborando a inteligência adotada pelo julgador singular eis, considerando o lapso temporal transcorrido desde o recebimento da denúncia (mais de sete anos) a prescrição fatalmente incidirá sobre a pena aplicada em eventual sentença condenatória — que, provavelmente, muito não se afastará do mínimo legal cominado a cada um dos delitos por que respondem os acusados (1 ano de reclusão e detenção) porquanto são tecnicamente primários. 3. (...)"

(RSE, Processo no 200304010365334/RS, 8ª Turma, julgado em 19/11/2003, documento TRF nº 400094442).

Destarte, não se pode desconhecer da extinção da punibilidade, na forma projetada, embora sem amparo na legislação vigente, pois se sabe que nenhum instituto jurídico está imune à imprevisão legislativa. A fundamentação ética do direito, arejada pelos valores dos tempos atuais, reclama sua contemplação, visando alcançar o resultado útil do processo, que, segundo a melhor doutrina, não tem fim em si mesmo, senão ser instrumento de atuação do direito. A jurisprudência, por seu turno, constitui direito vivo e evolui à luz das transformações sociais, permitindo que o Direito vá se renovando e se aperfeiçoando, pois nenhuma lei e nenhum código exaurem o Direito em sua completitude. É necessário, então, que as soluções de cada caso sejam supridas e elaboradas por setores da doutrina e jurisprudência para superar o isolacionismo e a marcha lenta da legislação [27].

O mestre Alberto Silva Franco, ao prefaciar obra da brilhante professora Alice Bianchini [28], deixa mais uma lição:

"... Se o legislador falha em qualquer dos momentos desse processo para o qual está, de imediato, convocado a atuar, o juiz deve ocupar seu espaço, não para substituí-lo porque não é sua tarefa realizar os concatenados momentos do processo incriminador, mas para declarar a lei embora vigente, não tem validade por afrontar, de modo flagrante, os princípios constitucionais que devem reger a intervenção punitiva...de tão pesada carga negativa permite, a pretexto de uma cruzada mundial, reduzir liberdades, subverter garantias materiais e processuais já consagradas, desconhecer direitos reconhecidos a todo os seres humanos e fenecer o regime democrático. Já, há algum tempo, se cogitara de um ‘direito penal do inimigo’ em contraste com o direito penal do cidadão ... "

Como salientado alhures, alguns julgados entendem não ser cabível o reconhecimento da prescrição antecipada, por não haver previsão legal nesse sentido. Outros, ao contrário, admitem tal possibilidade com base na inexistência de interesse de agir por parte do órgão acusador. Dessa segunda corrente extrai-se a ilação de que a utilidade do processo traduz-se na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse da sociedade. Daí resulta que se de plano for possível perceber a inutilidade da persecução penal aos fins a que se presta, como é o caso dos autos, podendo antever a ocorrência da prescrição retroativa, não se pode permitir toda uma atividade jurisdicional que ao final será inútil.

De um lado, os defensores de tal tese, rendem aplausos a esta prescrição, pois encontram respaldo suficiente no princípio da economia processual, vez que é de se indagar a razão de movimentar-se inutilmente a máquina judiciária com um processo onde já se sabe de antemão, que após a prolação de um édito condenatório, serão impossível e imposição de sanção penal, face a ocorrência da prescrição.

Destaca-se, ainda, outro argumento a corroborar o acima citado, qual seja o da inexistência de justa causa para o ajuizamento de uma ação penal, ante a impossibilidade de se atribuir uma futura reprimenda penal.

Nesse sentido, como já exposto anteriormente, dentre outros, na doutrina e jurisprudência: Antonio Scarance Fernandes ("A Provável Prescrição Retroativa e a Falta de Justa Causa para a Ação Penal", in Cadernos de Doutrina e Jurisprudência da Associação Paulista do Ministério Público nº 6, p. 38), Edison Aparecido Brandão ("Prescrição em Perspectiva", in RT 710/391, Luiz Sérgio Fernandes de Souza ("A Prescrição Retroativa e a Inutilidade do Provimento Jurisdicional", in RT 680/435), Maurício Antonio Ribeiro Lopes ("O Reconhecimento Antecipado da Prescrição, o Interesse de Agir no Processo penal e o Ministério Público", in Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 3, ano 1, RT, julho-setembro de 1993, p. 128); RT 668/290 e RT 669/315.

Nesse sentido, a CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) foi clara a respeito dos limites que supõem o exercício do poder penal do Estado:

"Está más allá de toda Duda que el Estado tiene el derecho y el deber de garantizar su propria seguridad. Tampoco puede discutirse que toda sociedad padece por las infracciones a su ordem jurídico. Pero, por graves que puedan ser ciertas acciones y por culpables que puedan ser los reos de determinados delitos, no cabe admitir que el poder pueda ejercese sin limite alguno o que el Estado pueda valerse de cualquier procedimiento para alcanzar sus objetivos, sin sujeción al derecho o a la moral. Ninguna actividad del Estado puede fundarse sobre el desprecio a la dignidad humana." [29]

Ainda sobre a necessidade de interpretação das normas de Direito humanitário para análise quanto ao cabimento de segregação cautelar, vale a pena trazer à baila [30]:

"Las explicitas disposiciones de la CADH (art. 7), la DUDH (art. 9, y 9.3), la DADDH (art. XXV) y el PIDCP (art. 9) se desprende el reconocimiento al derecho a la libertad ambulatória; se precisa que este solo podrá ser restringido excepcionalmente (no será la regra general) [31]... La privación de la libertad durante el processo penal – que solo se debe poner em manos de órganos judiciales (única "autoridade competente" em el "juicio prévio") – resulta así uma medida cautelar [32] excepcional [33] dirigida a neutralizar los peligros graves (por los serios y los probables) que se puedan cernir sobre el juicio prévio, con riesgo de apartalo de sua finalidade de afianzar la justicia." [34]

Finalmente, mesmo que rebarbativamente, oportuno evidenciar que de acordo com o texto constitucional, não pode haver pena perpétua, toda pena tem caráter ressociabilizador; prima-se pelo núcleo duro dos direitos fundamentais, pela dignidade da pessoa humana, e pela incorporação dos preceitos de direitos humanos, versados em Tratados Internacionais, com força hierárquica, no mínimo, supra legal (portanto, a suplantar a Lei de Execuções Penais, Código de Processo Penal Brasileiro e o Código Penal Brasileiro).

No artigo 5º, 2, a Convenção Americana de Direitos Humanos prevê o já mencionado princípio da humanidade da pena (e como muito mais razão de seu necessário antecedente, a Persecução Penal, que engloba Inquérito e Ação Penal). Como princípio cardeal do Direito penal [35] ela proíbe o tratamento cruel, desumano ou degradante, o que vem repetido na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, no artigo 5º, III.

A Regra 6.2 da Resolução 45/110 da Assembléia Geral das Nações Unidas (Regras de Tóquio) refere-se expressamente à humanidade com que deve ser aplicada e executada a prisão (cautelar) e por conseguinte a Persecução Criminal. Despiciendo salientar que, na verdade o princípio da humanidade é válido e informador de todo e qualquer tipo de intervenção penal no âmbito dos direitos fundamentais da pessoa.

A base internacional do princípio reside na Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 5º, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos assim como na Convenção Americana de Direitos Humanos. No plano interno, são abundantes os dispositivos constitucionais que servem de apoio para a construção do referido princípio (artigos 1º, II, III, 4º, II, 5º, IIII, XL, XLVI, XLVII, b, §§ 1º, 2º e 3º da CRFB/88, respaldados pelo artigo 5º, 2, 6, da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, e artigo 7º, 10º, 1, 3, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos do Homem).

O respeito do princípio da humanidade da pena constitui [36] certamente uma das características fundamentais das penas e da Política criminal nos últimos três séculos [37], especialmente porque é certo que não se prepara a pessoa para a liberdade (ou para se adequar às normas de projeção de conduta) privando-a da liberdade. Certamente por isso Becccaria, no Iluminismo, combateu vigorosamente a crueldade das penas do Direito Penal do "Antigo Regime" (direito medieval) [38].

Não se pode permitir que seja inserido em nosso ordenamento regramentos fulcrados no Direito Penal do Inimigo [39]. Todo endurecimento penal ofensivo à dignidade humana, para além de constituir expressão desse modelo de "direito" penal, enquadra-se no movimento punitivo simbólico e emergencial, desenvolvido desde os anos 80, sobretudo na Itália (para combater – inicialmente – as organizações mafiosas).

Esse tipo de restrição se mostra oriundo de um mesmo modelo que visa agir sob justificativa de combate ao inimigo (Direito Penal do Inimigo), presumida, preventiva e dogmáticamente, o terrorismo com a promulgação pelo Presidente dos EUA em 26 de outubro de 2001 do USA Patriot Act, onde direitos fundamentais dos cidadãos são sufragados em prol de uma suposta supremacia de direitos coletivos e nacionais [40]. Vale, para contrapor a esse viés retrocesso, mencionar a Convenção de Genebra, assinada 1864, que inaugura o que se convencionou chamar direito humanitário, em matéria internacional; isto é, o conjunto das leis e costumes da guerra, visando minorar o sofrimento de soldados doentes e feridos, bem como de populações civis atingidas por um conflito bélico. É a primeira introdução dos direitos humanos na esfera internacional, lembrando que já fora analisado pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) [41] ser obrigação cogente de todos os países respeitar os Convênios de Genebra de 1949 (com seus protocolos adicionais, que versam sobre crimes de guerra e direitos humanos das pessoas envolvidas nas mesmas), por ser princípio geral de Direito Internacional Humanitário [42], que certamente não permitem a aplicação e proliferação do Direito Penal do Inimigo.

De modo algum – e isso se menciona ilustrativamente - pode o autor de um crime (ainda que tivesse ocorrido o trânsito em julgado de sua condenação) ser tomado como "bode expiatório", como paradigma para a sociedade (opinião pública não é o mesmo que opinião publicada) [43], como meio de se alcançar a finalidade de prevenção geral.

Para os eminentes Ministros Sepúlveda Pertence (STF - RHC nº 79.785/RJ) e Gilmar Mendes [44], têm caráter supralegal esses preceitos, (é a tese que prevaleceu ao findar o julgamento do RE 466.343/SP). Já os Ministros Carlos Velloso e Celso de Mello (votos proferidos por esse último Ministro no HC 87.585/TO [45] e no HC 94.404 MC/SP [46]) entendem que têm caráter constitucional. Vale registrar, contudo, que se consideram com nível hierárquico supraconstitucional de acordo coma Convenção de Convenção de Viena/69 [47] e a de Havana/28, que reconhecem a condição supralegal (na verdade, utiliza-se a expressão legal em sentido latu, pois gênero de que é espécie o texto constitucional) de quaisquer tratados, que permanecem vigentes no Estado mesmo se o Estado modificar sua Constituição interna.

Ressalte-se que o Código de Processo Penal Brasileiro, que vige hoje, foi criado em 1941, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, ou seja, fora constituído numa outra época, numa outra realidade social. O Estado Democrático de Direito era apenas um ideal, o sonho de uma nação que sofria com o regime ditatorial que prevaleceu no Brasil por mais de vinte anos, a partir de 1964, e que objetivava controlar os diversos segmentos representativos da sociedade brasileira. Em que pese ter sofrido várias modificações (dentre as mais relevantes, as ocorridas em 2008 pelas Leis nos 11.689, 11.690 e 11.719), o bojo no Código ainda é esse que se menciona ao início do presente parágrafo.

O artigo 26 da Convenção de Viena deixa claro que a norma mais favorável, internacional ou interna, deve ser aplicada sempre, diante de eventual conflito. Utilizam-se normas de reenvio (uma norma reenvia para outra a dimensão de um direito humano). E.g, o artigo 5º, parágrafo 2º da CRFB/88 (norma de reenvio na CRFB, que reenvia para o Direito Internacional) e artigo 30 da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos (norma de reenvio na Convenção, que reenvia para o direito interno). Como uma não exclui a aplicação da outra, aplica-se o princípio da lente de aplicação pro-homine, portanto a mais benéfica, sempre.

Diante disso, é que observam situações onde haverá colisão de interesses, ambos fundados em direitos fundamentais [48], entre um Órgão do Estado de o próprio particular, súdito desse Estado. Nessa situação, ainda que excepcional, deverá ser realizado o trabalho de análise e conceituação de ponderação dos valores de cada um desses direitos fundamentais, para que ao final prevaleça aquele que mereça a devida guarida por parte do Direito interno ou mesmo Internacional.

A evolução do Direito Internacional Público permite afirmar que a responsabilidade internacional é um dos seus temas mais intrigantes, justamente por ser passível de contínuas alterações, sobretudo em matéria de direitos humanos, onde a tendência global é a permitir-se o indivíduo como parte em Cortes de Justiça Internacionais, como já ocorre na Europa e mesmo no sistema Interamericano, por intermédio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (vinculada à OEA e à Convenção Interamericana de Direitos Humanos), especialmente fundada em jus cogens.

Trata-se de verdadeira hipótese de conflito entre valores constitucionais, em que a solução que lhe predicaria o método da concordância prática, segundo o qual deve o intérprete harmonizar os preceitos divergentes no quadro da compreensão unitária da Constituição, parte do reconhecimento da natureza relativa do direito fundamental como valor jurídico (na verdade, não há direitos absolutos na ordem jurídica) [49]. Mas implica ainda outra idéia, a de que se não resolve conflito entre direitos fundamentais com o sacrifício prático de um deles, conforme o chamado princípio ou postulado do resguardo do núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias constitucionais. Este outro postulado, que concorre para definir o próprio campo de pertinência do critério da concordância prática, do qual está pré-eliminada a necessidade de sacrifício do núcleo substantivo de algum dos direitos (do contrário não se conceberia colisão entre eles), tal como decidido pelo Excelso Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE 447.584/RJ.

A eficácia mediata dos direitos está freqüentemente relacionada com um caso de colisão de direitos. A posição jurídica de um indivíduo em face de outro somente pode prevalecer na medida em que se reconhece a prevalência de determinados interesses sobre outros.

"...En cualquier supuesto, resulta obvio que para el adecuado conocimiento de nuestro derecho positivo y sus instituciones fundamentales no se puede prescindir del conjunto normativo aportado por los tratados y las declaraciones internacionales sobre derechos humanos que vinculam a nuestro país..." [50]

"... Apesar del reconocimiento de estas garantias en el ámbito normativo de mayor jearquía – esto es, em constitucionaes y tratados internacionales de derechos humanos - , tanto las prácticas cotidianas de la justicia penal como la regulación legislativa Del procedimiento penal de los países de América Latina se han impuesto em nuestra realidad...Según los estúdios empíricos, nuestros países recurrem, como regla, al encarcelamento cautelar de personas inocentes, como si se tratara de una pena anticipada...El problema del abuso del encarcelamiento preventivo, además, resulta agravado significativamente por un problema adicional: las pésimas condiciones materiales en las que se cumpre la detención cautelar de las personas inocentes. Las terribles e inhumanas condiciones de nuestras prisiones, em las que se cumple el cierro cautelar o procesal ... Los tribunales de la justicia penal deben tener en cuenta, em toda decisión acerca de la restrición de la libertad de un inocente, que ellos constituyen la última protección que existe entre el poder penal del Estado y los derechos fundamentales de las personas..." [51]

Como mencionado, a teoria da ‘eficácia mediata’ (mittelbare Drittwirkung) revela também a preocupação do Bundesverfassungsgericht com a aplicação/concretização dos direitos fundamentais pelos Tribunais ordinários. A discussão sobre a eficácia indireta ganha relevo na medida em que as valorações estabelecidas pela Constituição não coincidem com a valoração do direito privado. Tal como sintetizado por Hesse, a orientação da Corte Constitucional revela que a função dos direitos fundamentais enquanto elementos de uma ordem objetiva impõe tão-somente a preservação de um standard mínimo de liberdade individual. Não se impõe, porém, uma redução generalizada da liberdade individual a esse padrão mínimo. ‘Se o Direito Privado deixa maior liberdade do que os direitos fundamentais, não deve a liberdade ser restringida mediante uma vinculação a esses direitos’.

E é nesse diapasão que se imaginam situações onde um indivíduo possa vir a ter algum interesse particular (como por exemplo, o direito de não ser processado penalmente, não ser incomodado em sua liberdade, não ser investigado penalmente, em não ter proibido seu direito de livre iniciativa privada ainda que pretenda exercer um ramo empresarial de jogo de prognósticos em autorização estatal, não ser incomodado em sua propriedade privada sem que seja desapropriado, ou incomodado caso queira desmatar toda a sua área de vegetação nativa etc.) afrontado pelo interesse coletivo, do Estado, ainda que por algum de seus Órgãos.

E, ocorrendo essa concorrência de interesses, mesmo colisão ou conflito, que se apliquem os princípios norteadores para análise quanto à prevalência do núcleo fundamental, o núcleo duro do direito fundamental, aquele intocável, para que em seu invólucro restante, seja feito o devido sopesamento para se concluir quanto a qual direito prevalecerá, e ainda que ambos prevaleçam, em qual medida isso ocorrerá ao final, no caso concreto.

Destarte, devem ser interpretadas essas normas de acordo com princípio e regras norteadoras da dignidade da pessoa humana, portanto deve ser analisado ao perseguido penalmente o direito à extinção da Persecução Penal caso ausentes as condições da Ação Penal que existe (ou que poderia em tese surgir), de acordo com a interpretação sistemática do ordenamento válido, e não unicamente vigente.

A distinção de Ferrajoli entre vigência e validade da lei tem extrema pertinência nessa situação. As limitações e entendimentos de que a previsão de prescrição retroativa pela pena em concreto perspectiva não está expressamente prevista na legislação pátria estão de fato corretas, mas em que pese essa constatação até ser vigente, ela não é válida em face da antinomia com a Constituição e com os Tratados Internacionais que versem sobre Direitos Humanos.

No queda más que uma propuesta: la de continuar com la tarea de garantizarle al sujeto acusado de sea um verdadero actor del ritual judicial y no simplesmente un objeto al que se le permite estar físicamente dentro del cuadrado sagrado em el que se le importe justicia. Tal como nos enseña Luigi Ferrajoli em su Derecho y razón, que la tarea tienda a lograr "la tutela de los derechos fundamentales: los cuales – de la vida a la libertad personal, de las libertades civiles y políticas a las expectativas sociales de subsistência, de los derechos individuales a los colectivos – representan los valores, los bienes y los interesses, materiales y prepolíticos, que fundan y justifican la existência de aquellos `artifícios` - como los llamó Hobbes – que son el derecho y el estado, cuyo disfrute por parte de todos constituye la sabe sustancial de la democracia." [52]

Tão relevante a matéria, que o Código De Ética Da Magistratura Nacional, editado pelo Augusto Conselho Nacional De Justiça, a acolhe:

Art. 32. O conhecimento e a capacitação dos magistrados adquirem uma intensidade especial no que se relaciona com as matérias, as técnicas e as atitudes que levem à máxima proteção dos direitos humanos e ao desenvolvimento dos valores constitucionais.

O estudo ora perfilado, repita-se, se apóia no postulado da dignidade da pessoa humana o qual representa, considerada a centralidade desse princípio essencial, significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente no país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo (STF - RHC 94358/SC - relator o eminente Ministro Celso de Mello - julgado em 29-04-2008).

A negativa do reconhecimento da prescrição retroativa pela pena em concreto perspectiva por ausência de previsão ex legi não pode existir por vários fundamentos já alinhados alhures, que deixam evidente não caber ao legislador se ocupar do posto do Magistrado que analisa cada caso concretamente, a então reconhecer se estão presentes elementos a ensejar a Persecução penal do cidadão. Afronta, sem dúvida, o Princípio da Proporcionalidade, em seu trinômio adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito [53].

A maior revolução da ciência jurídica neste princípio de novo milênio está na superação do formalismo positivista (obediência cega e obtusa da lei). Do método abstrato da mera subsunção estamos passando para o método concreto da ponderação, da razoabilidade, da proporcionalidade. O que mais importa, assim, não é a beleza do ordenamento ou do sistema jurídico (não se deseja mais um Palácio jurídico), senão suas conseqüências práticas e reais (busca incessante do justo em cada caso concreto).

Nas palavras do eminente Ministro Gilmar Mendes, ao proferir voto no julgamento perante o Excelso Supremo Tribunal Federal, do Habeas Corpus nº 82.424-2 do Rio Grande do Sul:

O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do limite" ou uma "proibição de excesso" na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Robert Alexy (Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986), coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo - tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.

A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.

Nesse sentido, afirma Robert Alexy:

"O postulado da proporcionalidade em sentido estrito pode ser formulado como uma lei de ponderação, cuja fórmula mais simples voltada para os direitos fundamentais diz:

''quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção''."

(Palestra proferida na Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, em 10.12.98)

Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ("A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2ª ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).

Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2ª ed., p. 264).

A paz social é atingida toda vez que se comete um ilícito, e não só quando seja este de natureza criminal. E, por buscar o restabelecimento da ordem jurídica violada, conta o Direito com múltiplos instrumentos, dentre os quais a sanção penal, mas também, entre outros, a reparabilidade do dano extrapenal, medidas constritivas patrimoniais, sanções administrativas, etc. O que justificaria a opção do legislador, dentre todos os instrumentos de resposta normativa, pela ameaça da sanção penal, precisamente aquela que de regra atinge um dos mais importantes direitos individuais fundamentais, que é a liberdade (artigo 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988), enquanto bem jurídico-penal alcançado pela sanção? [54]

A resposta é uma só: por exigência de proporcionalidade - afinal, trata-se da mais grave das sanções do sistema jurídico -, somente os atentados mais conspícuos contra os bens, valores e interesses igualmente mais importantes ao juízo do mesmo sistema, ou o que hoje chamamos de bens jurídico-penais.

Foi por essa via, é bom lembrar, que se estruturou todo o arcabouço da moderna teoria do bem jurídico-penal, que, desde as origens, com FEUERBACH, sempre teve por finalidade prevenir o abuso incriminador mediante estabelecimento de critérios, seguros e imanentes ao sistema, aptos a instaurar e avaliar relação de proporcionalidade entre a gravidade da sanção penal e o objeto tutelado pela norma incriminadora.

Não há como identificar a paz social ao objeto jurídico específico do delito de que se trata, assim porque ela subjaz ferida em todos os crimes - as incriminações pretendem, em última instância, como é óbvio, preservar ou restabelecer a paz social -, como porque doutro modo se aniquilaria a própria idéia dogmática do bem jurídico-penal, elaborada pelo esforço de doutrinadores, do porte de FEUERBACH, BIRNBAUM, BINDING, VON LISZT, SAX, ROXIN, POLAINO NAVARRETE, BRICOLA, ANGIONI e FERRAJOLI, dentre outros, como relevante instrumento classificatório, sistemático, exegético, dogmático e crítico. [55] Se fora concebido, aliás, com tamanha vagueza e abstração, o bem jurídico seria incapaz de exercer qualquer dessas funções metodológicas, a começar pela mais simples, a classificatória [56].

ROXIN acentua, exatamente, esse ponto, afirmando que é função do Direito, como um todo, assegurar a convivência pacífica, e do Direito Penal (em verdade, devemos evitar o uso de Direito Penal em detrimento de Direito Criminal) [57], como instrumento excepcional, assegurar os bens jurídicos fundamentais, verbis:

"o hodierno Estado democrático de direito, enquanto laico e fundado na soberania popular, não pode perseguir o aperfeiçoamento moral dos cidadãos adultos, mas deve limitar-se a assegurar as condições de uma convivência pacífica (...); o direito penal, ao fornecer seu contributo em tal direção, deve antes de tudo garantir os bens jurídicos fundamentais que estão sob os olhos de todos, como a vida, a integridade física, a liberdade, o patrimônio, etc." (destaque inexistente no original). [58]

Ademais, a título de ilustração, sabe-se que hodiernamente têm sido utilizadas medidas cautelares inominadas em substituição às prisões cautelares (e.g., apreensão de passaporte), bem menos danosas a quem as sofre, e menos dispendiosa ao Estado, certamente [59]. E tais não estão expressamente dispostas nos textos legais, mas ainda assim a norma sublima aos olhos do intérprete do texto legal, tal como sói ocorrer no caso ora apreciado: a norma é extraída não apenas do texto frio da Lei positivada, mas do Direito.

A prerrogativa jurídica da liberdade e da dignidade - que possui extração constitucional (CRFB, artigos 1º, III, 5º, incisos III, LXI a LXV) - não pode ser ofendida, por isso mesmo, por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos a garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República Federativa do Brasil, a ideologia germânica da Lei e da Ordem.

Tais os motivos por que se entende ser cabível pedir seja declarada extinta a punibilidade, pela prescrição retroativa da pretensão punitiva [60], ainda que pela pena em concreto perspectiva, canceladas todas as anotações existentes em Juízo e nas repartições policiais, em virtude da acusação, deixando expressamente consignado que o Princípio da Presunção de Não Culpabilidade (classificação refutada por Luiz Flávio Gomes, que vê nela implícita homenagem ao autoritarismo fascista de Rocco) e da Inocência [61] não se mostra afrontado ao se reconhecer a extinção por esse Instituto, pois o reconhecimento é (em verdade será, no caso concreto) solicitado pelo próprio Acusado, e não ex-officio.

Mesmo porque esse reconhecimento se baseia numa possibilidade, mas não é – sob qualquer enfoque - uma condenação, tanto é que em situações onde já ocorrera a prescrição propriamente dita pela pena em abstrato não pode a Acusado exigir que se prossiga com o processo para que seja prolatada a sua – eventual – absolvição.

O estudo ora perfilado se apoiou no postulado da dignidade da pessoa humana o qual representa, considerada a centralidade desse princípio essencial, significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente no país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo (STF - RHC 94358/SC - relator o eminente Ministro Celso de Mello - julgado em 29-04-2008).

O instituto da prescrição teve origem no ensejo de impor ao Estado um termo legal que limitasse o seu direito de punir, aos parâmetros da razão e convivência. A pena só é legítima quando traduz o sentimento médio da coletividade, assim, insistir em apenar o delito cuja repercussão social diminuiu pelo esquecimento criaria dentro do Direito Penal uma contradição de grande interesse entre seus fins teóricos e a sua respectiva efetivação.

Tem por escopo amenizar a situação do acusado, objetivando livrá-lo da punibilidade pelo decurso do tempo, marcado pela inércia de punir ou demora do Estado em exercer tal poder-dever. Logo, a prescrição é um meio de viabilizar a justiça penal com a realidade fática e não um estímulo à impunidade ou criminalidade.

Com a evolução histórico-jurídica, a reforma de 1984 consubstanciou nos art. 109 e 110 do CP as espécies de prescrição (prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória), regidas por regras próprias, e igualmente conhecidas em outros países. Porém, possui o sistema brasileiro tipo prescricional próprio – a prescrição retroativa, que se originou em nossos tribunais (Enunciado 146, Súmula STF) e após muitas críticas e debates encontra-se, atualmente, contida no ordenamento jurídico positivo.

Em suma, embora complexo, o instituto se faz necessário no ordenamento para não atribuir ao Estado um direito ilimitado, sendo inconcebível perpetuar uma relação jurídica ad eternum, salvo raríssimas exceções. Visa impedir eventuais incertezas e injustiças que venham a surgir em virtude da inércia estatal em cumprir com os direito e obrigações decorrentes de sua natureza. Assim, vencido o lapso temporal previsto em lei para a extinção da punibilidade pela prescrição, esta deve ser decretada ex officio ou a requerimento do interessado.

Por fim, é preciso ter presente que o Direito Criminal não tem o condão de extinguir e eliminar o delito. Pode ele apenas evitar a sua exacerbação. Os homicídios, os furtos, os estelionatos, e outras formas de condutas tipificamente penais, inclusive as que estão surgindo e surgirão diante da dinâmica evolutiva das relações e valores sociais, jamais deixarão de existir, porque sua raiz está na imperfeição, e no que de irracional existe em cada ser humano, convivendo com a racionalidade e a capacidade de amor. Por isso para manter a sociedade que tem como base a vida humana, e os valores que a garantem e a justificam, indispensável é o Direito Criminal.

É importante não se perder de vista que o Excelso Supremo Tribunal Federal não tem acolhido a possibilidade de reconhecimento a prescrição "virtual" (e.g., STF - HC 43965/GO de que foi relatora a eminente Ministra Ellen Gracie, julgado em 05-08-2008, do qual segue trecho da Ementa: "... O instituto da prescrição antecipada não foi aceito na jurisprudência dos tribunais brasileiros...", nesse mesmo sentido, STJ RHC 18.569/MG), contudo em face das novas redações levadas ao CPPB pela Lei nº 11.719/08 (essa lei deu nova redação aos artigos 395 e seguintes do referido diploma legal), que prevê expressamente a rejeição da peça inicial acusatória se ausentes alguma das condições da ação (o interesse de agir é uma delas), presente causa extintiva da punibilidade (se se entender que se trata de prescrição retroativa pela pena em concreto perspectiva uma causa extintiva da punibilidade, tal com a prescrição própria) ou mesmo ausência de justa causa, poderá ocorrer nova leitura pela Excelsa Corte acerca do tema que ora se traz à baila.

Essas orientações legalistas, superficialmente balizadas em entendimentos sufragados pela constante manutenção de um erro cometido ab initio por algum equivocado analista, nada mais são que a comprovação da já mencionada facilidade que se encontra em manter uma posição dura, reacionária, fascista, acolhedora socialmente, ainda que fundada em equívocos, à ter que discutir, discordar e fundamentar o motivo e a motivação pela qual essa orientação não pode (como de fato nunca pôde) ser adotada.

Essa perpetração de uma idéia – independentemente de sua correição – já foi objeto de análise pelo sempre seguido doutrinador, professor Luiz Flávio Gomes, que tratou do tema no seu artigo "Por que os economistas (em geral) falharam na previsão da crise econômica?" [62], cujos trechos seguem:

... É impressionante como os economistas, da mesma maneira que os financistas e investidores, se iludem com as aparências. É incrível como não vasculham mais a realidade para desnudarem o que está "oculto" no "aparente". Ficam no "aparente do aparente" (Nilton Bonder) e um acaba servindo de espelho para o outro. Terminam por fazer um discurso "clonado" (repetitivo) - os economistas e financistas - ou por terem um comportamento idêntico (os investidores). Se a bolsa na Ásia começa mal, a tendência (quase que) implacável é o mundo todo acabar o dia mal. Um investidor copia o outro (sem atinar muito para as realidades que estão por trás da aparência) ... Nilton Bonder (O segredo judaico de resolução de problemas, Imago, RJ: 1995) enfatiza: "Quem não enxerga sabe que não vê. Mas pior é o que vê e pensa que tudo o que vê é o que é. Todos nós temos que enfocar o ''aparente do aparente'' não como verdades sabidas, sim, como um estágio para descobrir nossas ignorâncias." E aconselha: "Saiba ser sensível a todas as possibilidades que um enunciado ou contexto apresenta. Seja um literalista e busque listar todas as realidades compatíveis com o que não sabe (...) Todo aquele que deseja aprender do óbvio deve voltar-se para aquilo que o óbvio pode ensinar sobre o que não é óbvio. Infelizmente, na maioria das vezes somos cativados pela estética do óbvio e o absorvemos com um ilusório senso de superioridade. Percebemos a clareza e nos sentimos poderosos, enquanto o lugar do saber está na intimidante percepção das escuridões".

A terrível crise mundial que atravessamos talvez pudesse ter sido evitada ou suavizada se os economistas, financistas e investidores soubessem que "nada suscita maior percepção das trevas que a luz da obviedade"...

Com essa análise conseguimos entender várias opções ideológicas do Judiciário, como o "in dubio pro societate" [63], a "impossibilidade de liberdade provisória com ou sem fiança aos presos em flagrante por crime de tráfico de droga" ou mesmo o "não reconhecimento da prescrição retroativa pela pena em concreto perspectiva". Alguém errou, e a maioria ficou naquele círculo vicioso do erro....é muito mais fácil lavar as mãos, não ter que pensar, agir, assumir responsabilidades...."voto com o relator"... "o problema da criminalidade e da sociedade não são meus (Judiciário), mas vou acabar com ele assim mesmo pois sou a "ultima ratio" do poder Estatal: prendam os criminosos, retirem deles todos os direitos fundamentais, pois eles são os inimigos do Estado, e por isso não merecem qualquer respeito".

Jean Baptiste Poquelin Molière [66] em seu tempo já pregava que "Estando em moda, todos os vícios passam por virtudes e qualquer hipócrita representa o papel de homem de bem com razoável perícia."

Por detrás de toda norma aberta, subjetiva, há uma ideologia que a mantém viva, a despeito do que se abomina quanto à existência dos textos de onde se extraem normas intencionalmente inconclusivas e ilimitadas. Eis o perigo: não podemos viver de ideologia, sob qualquer pretexto, mas sim de regras, direitos indisponíveis, comuns a todos.

"...O escopo do processo penal, como ensina MANZINI, é o de verificar o fundamento da pretensão punitiva e não o de torná-la realizável a todo custo. Prevê ele, em consequência, ao lado de normas que asseguram os meios de verificação da culpabilidade, outras dispostas a evitar o erro e o arbítrio. Desta forma, junto ao interesse repressivo, o processo penal assegura, no estado livre, a tutela do interesse eventualmente em perigo da liberdade individual ... " [64]

Alice Bianchini [65] em sua obra cuja leitura nos parece obrigatória para se conhecer os limites da atuação Estatal no campo repressivo, traz algumas lições:

"... A função de minimizar a violência que grassa no interior da sociedade, a ser desempenhada pelo direito penal em um Estado deste tipo, considerando os princípios que a ele se impõe observação, somente pode ser concebida com restrições de alcance. Ultrapassados os limites, perderá, o direito penal, legitimidade ... Criminalizar ou não determinada conduta é questão a ser resolvida a partir da análise de considerações que versem sobre a situação paradoxal de que, para proteger bens e direitos individuais e coletivos há que se sacrificar bens e direitos individuais ... é realizada a averiguação da relação custo/benefício que tal intervenção provoca, há que servir de guia para se chegar à conclusão que pareça a mais indicada ... Cabe ao Estado, na perspectiva em que se o compreende, por meio de, também, outras instâncias, as tarefas de fazer acreditar que há alternativas e de reforçar a confiança em suas instituições ... Se o direito penal pode contribuir, com a dimensão que se arvora possuir, para este desiderato, será criando um modelo de direito penal mais apto a diminuir a violência que se fixa no interior da sociedade sem se fazer, do mesmo modo – ou mais -, violento, sempre cuidando de só atingir no mínimo possível a liberdade individual da qual é garante. A criminalização de conduta deve pautar-se, neste quadro, por processo meticuloso, cujos aspectos materiais ..."

Dar credibilidade à Justiça é fazer com que ela seja justa, e não, má. Todos sabemos que a privação dos direitos fundamentais individuais é qualificada pela nota da excepcionalidade.

Neste sentido, para finalizar, não é demais lembrar a lição repassada de poesia do Mestre e Advogado Piero Calamandrei: a sociedade não sobrevive sem o Direito, ou seja, sem ele "tutte le umane forme di convivenza ricadano frantumate in caos".

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Sobre o autor
Pedro Paulo Guerra de Medeiros

advogado, professor, doutorando em Ciências Jurídicas pela UMSA, especialista em Processo Penal e Processo Civil, MBA em Direito Empresarial, Direito Ambiental e Direito do Estado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Pedro Paulo Guerra. A prescrição retroativa pela pena em concreto perspectiva no direito penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2459, 26 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14532. Acesso em: 24 nov. 2024.

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