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A contribuição previdenciária para inativos e pensionistas em face da EC 20/98

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01/04/1999 às 00:00
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V - A CLIENTELA (E OS CONTRIBUINTES) DO REGIME DO ART. 40

O art. 40, caput, com a redação dada pela Emenda n.º 20, de 1998, dispõe:

"Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo."

Como se vê da redação acima, o regime de previdência é assegurado aos servidores titulares de cargos efetivos. Os servidores titulares de cargos efetivos são os destinatários da norma. Eles constituem a clientela do regime previdenciário de caráter contributivo mencionado no art. 40. Logo, eles são seus contribuintes. Fora de qualquer dúvida que os aposentados não são titulares de qualquer cargo efetivo, e muito menos os pensionistas. A eles não se dirige a norma. Não são eles clientela nem tampouco contribuintes do regime previdenciário mencionado. São beneficiários do regime.

Dir-se-á que a expressão relativa aos titulares de cargos efetivos aí está apenas para contrastar com a expressão relativa aos titulares de cargos em comissão (e outros cargos temporários), matéria tratada no § 13 do art. 40, para remetê-los ao regime geral de previdência. O argumento é verossímil. Contudo, o fato é que, restringindo-se aos titulares de cargos efetivos, automaticamente operou-se a exclusão também dos aposentados.

De mais a mais, fosse a intenção do legislador apenas contrastar titulares de cargos efetivos com ocupantes de cargos em comissão, a técnica legislativa indicada seria outra. O correto seria, então, exprimir a regra geral no caput (menção ao gênero "servidores") e a exceção no parágrafo (menção aos titulares de cargos em comissão, etc.). É o que dispõe o art. 11, III, c da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 que dispõe sobre normas para a elaboração, a redação a alteração e a consolidação das leis: "expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma anunciada no caput e as exceções à regra por este estabelecida."

A interpretação sistemática comprova, também, que a exclusão dos aposentados não foi meramente acidental. Muito pelo contrário.

O "servidor titular de cargo efetivo" do regime do art. 40 corresponde exatamente ao "trabalhador" do regime do art. 201, combinado com o art. 195, II.

Além disso, de acordo com os parágrafos do art. 40, o direito à aposentadoria é condicionada ao prévio pagamento de contribuição durante determinado numero de anos. Ou seja, enquanto o segurado é titular de cargo efetivo.

O § 1º do art. 40 busca definir ainda mais a clientela do regime de previdência assegurado no caput. Reza, ele, que "os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata esse artigo serão aposentados..." Ora, se o preceito constitucional precisou especificar quanto aos "servidores abrangidos", resta evidente que há "servidores não abrangidos". E, à toda clareza, os "não abrangidos" não são os ocupantes de cargos em comissão, porque deles trata regra específica, constante do § 13 do mesmo art. 40. Não haveria o menor sentido ou necessidade de o redator constitucional salpicar em diversos dispositivos redação discriminatória dos ocupantes de cargos em comissão. A lei não tem palavras inúteis. Seria ridículo imaginar que o constituinte temesse que o § 13 não tivesse clareza ou força suficiente para impedir que os comissionados fossem abrangidos pelo regime do art. 40.

Mais, ainda. O § 12 do art. 40 determina que "além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral da previdência social.". Como já assinalado antes, esse dispositivo é a ponte principal entre os dois regimes, lembrando que a intenção do Governo (e do constituinte) sempre foi a de extinguir (objetivo não atingido) ou pelo menos identificar ao máximo possível o regime aplicável aos servidores com o regime geral. O § 12 explicita a configuração da convivência de normas gerais do, regime geral, tratado no art. 201, com normas especiais, aplicáveis aos regimes especiais, tratados no art. 40.

A interpretação gramatical do § 12 do art. 40 não oferece dificuldades, pois ele é de meridiana clareza. O ponto fulcral de seu deslinde, todavia, reside na expressão "no que couber". Em princípio, o "que couber" compreende tudo o que exceder do regime dos servidores em relação ao regime geral e não for com ele incompatível. Ambos os regimes são assemelhados: são contributivos e de base atuarial.

A pesquisa pode ser facilitada indo-se pelo caminho inverso. Eliminando-se o que escapa ao "que couber", chega-se ao que cabe.

Por exemplo, não cabe o que se relacione com a definição de segurados, que já são claramente definidos no art. 40; idem quanto aos benefícios e muito menos quanto aos critérios para concessão dos benefícios. A atualização do valor dos benefícios também tem regras claras, bem definidas. Os cálculos atuariais obviamente terão que ser específicos para cada regime, senão deixariam de ser atuariais.

Regra exegética de ouro diz que a lei (muito menos a Constituição) não tem palavras inúteis. O que cabe, então?

Por exclusão, verifica-se que a única lacuna do regime previdenciário do art. 40 em relação ao regime previdenciário do art. 201 diz respeito à sua natureza contributiva, isto é, à sua fonte de custeio na parte que toca aos segurados.

O art. 40 determina a natureza contributiva do regime, porém não oferece mais detalhes sobre isso. Para elucidação da lacuna, então, CABE a aplicação supletiva da regra contributiva do regime geral, matéria tratada no art. 195.

E aí se vê que é critério inerente à natureza contributiva do regime geral que somente os trabalhadores em atividade devem contribuir. É o que salta aos olhos pela simples leitura do inciso II do art. 195, que trata das contribuições que são fontes de custeio da previdência:

"II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201."

A restrição da parte final, que poderia impressionar, não tem a menor importância. No caso, o que interessa pesquisar no dispositivo são os requisitos e critérios da natureza contributiva do regime do art. 201, para que possam, supletivamente, ser aplicados à definição da natureza contributiva do regime do art. 40. E os requisitos e critérios do regime do art. 201 informam que somente os trabalhadores não aposentados são obrigados à contribuição.

Logo, a Lei nº 9.783, de 1999 não poderia inovar, quando o texto constitucional estabelece quem são os contribuintes do regime do art. 40. A inconstitucionalidade material é flagrante.


VI - OFENSA AO PRINCÍPIO ISONÔMICO

Além disso, curial que a contribuição dos servidores tem arrimo no mesmo art. 195 II da CF, que dá suporte à cobrança de contribuições dos segurados do regime geral. O próprio art. 12 da Emenda 20 deixa claro que as leis "que irão dispor sobre as contribuições (...) destinadas ao custeio da seguridade social e dos diversos regimes previdenciários" são tratadas no art. 195. Não o fosse, a contribuição teria que derivar do art. 149, do que resultaria sujeição à forma de lei complementar e ao princípio da anterioridade plena, ou seja, a Lei nº 9.783 resultaria igualmente inconstitucional.

Ora, se a raiz constitucional da contribuição dos segurados de ambos os regimes é exatamente a mesma, o tratamento desigual aos aposentados de um regime, comparativamente aos do outro regime fere o direito à isonomia, mormente porque outro dispositivo constitucional (o § 12 do art. 40) manda que se aplique, no caso, os mesmos requisitos e critérios.

Ylves José de Miranda Guimarães preleciona: "Como corolário da natureza tributária das contribuições em tela, deflui ficarem sujeitas a todos os princípios e normas constitucionais aplicáveis aos tributos, quer expressos, quer implícitos. Assim, afora o princípio de legalidade, com a ressalva acima feita, o que lhes dá um tratamento exclusivo, no tocante a sua natureza de tributo vinculado, estão as contribuições também sujeitas ao princípio de igualdade tributária..." (in Curso de Direito Tributário, diversos autores, Ed. Saraiva, 1982, pág. 588).

O direito à isonomia decorre do primeiro e básico enunciado da declaração dos Direitos e Garantias Fundamentais, inscrito no próprio caput do art. 5º da CF, cláusula pétrea nos termos do art. 60, § 4º, inc. IV. Em matéria tributária, a Magna Carta foi mais explícita e particularizou o princípio isonômico no Inciso II do art. 150, proibindo a União, os Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios de:

"II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos."

Fora de qualquer dúvida que, dos pontos de vista jurídico e constitucional, os contribuintes do regime do art. 40 estão em "situação equivalente" aos contribuintes do regime do art. 201. Será absolutamente extra-jurídica e extra-constitucional qualquer argumentação calcada em comparações entre magnitudes de benefícios de uns e de outros, assim como em chavões do tipo "privilégio". Inclusive porque, a partir da Emenda nº 20, as responsabilidades dos segurados dos regimes especiais são absolutamente iguais às dos segurados do regime geral, no que toca à natureza contributiva atuarial, isto é, cada um deles deve contribuir na medida e proporção necessária para a usufruição dos respectivos benefícios.

A invocação da parte final do inciso II do art. 195, como autorizativa do tratamento diferenciado, no tocante às obrigações contributivas dos aposentados do regime geral em relação aos aposentados dos regimes especiais faria aflorar a discussão sobre a legitimidade do legislador constituinte derivado em criar norma em flagrante arrepio de um princípio constitucional pétreo. O Supremo Tribunal Federal já tem precedente claro, de considerar inconstitucional norma superveniente de reforma constitucional que contrarie cláusula pétrea.

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VII - INSTITUIÇÃO DE NOVA FONTE DE CUSTEIO: EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR E DE DISTINÇÃO DE FATO GERADOR

Ainda que ultrapassada a questão relativa ao princípio isonômico, outro corolário inevitável é que, ao instituir contribuição para o aposentado, a lei desbordou da autorização constitucional no relativo às fontes ordinárias de custeio da previdência dos servidores públicos (art. 195, II) e instituiu fonte nova de custeio, com sede no § 4º do mesmo artigo, do que decorre a manifesta necessidade de que isso devesse ser feito por via de lei complementar. Isso, na melhor das hipóteses, abstraindo-se outros tipos de análise que concluam por outras implicações no campo constitucional tributário.

O princípio contributivo inerente a ambos os regimes de previdência rege-se pelos mesmos requisitos e critérios, por força da aplicação do § 12 do art. 40. Logo, a responsabilidade contributiva do segurado do regime do art. 40 limita-se ao que for instituído para o titular de cargo efetivo, que corresponde ao trabalhador, contribuinte do regime do art. 201, vedada a cobrança de contribuição do aposentado.

Além disso, como visto antes, o art. 40 e seus parágrafos determinam que o servidor titular de cargo efetivo deve contribuir por trinta e cinco anos - e não mais que isso - para constituir direito à percepção integral dos proventos. O mesmo raciocínio vale para as hipóteses de percepção proporcional.

Logo, é inarredável a constatação de que a lei n.º 9.783, na verdade, instituiu nova fonte de custeio ao estender o tempo de contribuição ao aposentado, assim como, para isso, equiparando-o ao "servidor titular de cargo efetivo".

Não encontrando arrimo no inciso II do art. 195, a contribuição dos aposentados teria de assentar-se no § 4º do mesmo art. 195 (redação não alterada pela Emenda nº 20), que autoriza a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social. Todavia, a autorização é condicionada: o dispositivo conclui com a restrição de que deve ser "...obedecido o disposto no art. 154, I." O qual, por sua vez, reza:

"A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição."

A conclusão óbvia é de que a contribuição dos aposentados, é nova fonte de custeio para a previdência:

I - deveria ter sido instituída por lei complementar, estando, então, configurada inconstitucionalidade formal visto que está sediada em lei ordinária;

II - tem o mesmo fato gerador do imposto de renda da pessoa física, configurando-se inconstitucionalidade material.

Eventual tentativa de deslocar-se o arrimo constitucional da nova exação para o art. 149 levaria a conclusão de que, identicamente, teria havido erro de forma por falta de lei complementar, com a agravante de que haveria necessidade da observância da anterioridade plena, preconizada no art. 150, III.

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Sobre o autor
Roberto Barbosa de Castro

auditor fiscal do Tesouro Nacional aposentado, ex-diretor-geral da ESAF, ex-coordenador-geral de Recursos Humanos do Ministério da Fazenda

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Roberto Barbosa. A contribuição previdenciária para inativos e pensionistas em face da EC 20/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 30, 1 abr. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1456. Acesso em: 19 mai. 2024.

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