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Responsabilidade civil por dano à honra

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28/04/2010 às 00:00
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para desfecho deste estudo, será conveniente assentarmos algumas conclusões, embora muitos aspectos já tenham sido conclusivamente apontados, na medida em que a sua colocação nos autorizava essa manifestação.

Apoiados em estudos preciosos, comprovamos que a proteção da honra já existia entre os romanos, que contavam com os recursos da Actio injuriarum aestimatoria e da Lex Cornelia para as lesões provenientes de injúria. Para as injúrias verbais utilizava-se a primeira ação e, para as injúrias reais, a tutela era feita pela Lex Cornelia. O conceito de injúria ganhou, pela jurisprudência romana, extensão considerável, ao ultrapassar os restritos limites da Lei das XII Tábuas, que apenas considerava os danos de natureza corporal.

Não alheio aos fatos sociais, o direito canônico previa expressamente as figuras da calúnia e injúria, determinando sanções de natureza material e espiritual. Obrigava o ofensor a dar a devida satisfação e a reparar os danos, como também determinava penas e penitências.

Coube ao Cristianismo assentar os fundamentos morais dos direitos individuais da personalidade, ante a consagração da idéia de uma verdadeira fraternidade universal. Juntamente com o Cristianismo, papel fundamental exerceram a Escola de Direito Natural e o Iluminismo.

A verdadeira tomada de consciência dos civilistas em relação aos direitos da personalidade ocorreu nos séculos XIX e XX, mas o reconhecimento de tutela específica, no direito privado, somente se incrementou na segunda metade desse último século. Importantes instrumentos internacionais de proteção à personalidade foram firmados, neles se inserindo o direito à honra.

A jurisprudência de vários países desempenhou relevante papel no reconhecimento da honra, desde o início do século XX.

As legislações de diferentes países sentiram dificuldade em fixar a proteção da honra sem o recurso às figuras penais da calúnia, difamação e injúria. Mas a doutrina reconhece que a honra é um patrimônio moral da pessoa, de conteúdo abrangente, que pode ser visualizada sob o aspecto objetivo e subjetivo. Existia certa dificuldade em distinguir o direito à honra de outros que dela se aproximam, como a imagem, a intimidade, a honorificência etc. Demonstramos, no entanto, que esta dificuldade é transponível, não restando mais dúvidas atualmente.

O conceito de honra é múltiplo, porque encerra vários aspectos da vida humana, e proteiforme, ou seja, adquire diversas molduras, conforme o costume, o país, a religião, etc. Isto, no entanto, não retira a unicidade do direito.

Entendemos que, no campo privado, não deverá haver preocupação com as tipificações penais. A conceituação da honra deverá ser de amplitude que abranja qualquer ofensa capaz de afetar o respeito, o decoro, a dignidade, a consideração, a reputação da pessoa ou "bom nome" ou "boa imagem", ofensa essa que poderá repercutir ante terceiros ou apenas em relação ao próprio ofendido. A honra encerra um conceito social, mesmo que a ofensa seja tomada ou visualizada sob o aspecto subjetivo. A natureza de verdadeiro direito subjetivo, embora encontrasse alguma resistência, veio-se firmando em relação aos direitos da personalidade, na doutrina moderna, e se diz, atualmente, que esses direitos têm como objeto os bens constituídos por certos atributos ou qualidades físicas ou morais do homem e que as características existentes nos demais direitos subjetivos existem também nos direitos da personalidade.

A honra constitui um bem interno, porque faz parte da essência moral da pessoa, mas desenvolve-se atada a circunstâncias do mundo exterior. Os bens exteriores poderão desempenhar uma função integradora do bem interior e, correlativamente, o bem interior – a honra – poderá permitir a conquista de bens exteriores revestidos de utilidade econômica. A honra é, portanto, um bem interno e externo e não há dissociação entre ambos os aspectos. É também um direito inato. A sua existência coincide com a existência da pessoa, unindo-se a ela, enquanto sujeito de direito. Por isso pertence a cada indivíduo, não sendo recusada ao incapaz, mendigo, delinqüente, homossexual, prostituta etc. Pode-se argumentar que se trata aí de uma questão gradativa do valor social ou de vários campos delimitados da vida pessoal.

A controvertida questão da honra do morto é justificável, já que sua defesa remonta ao direito romano, que reconhecia no herdeiro uma continuação da pessoa do morto. Entendemos que o direito à honra desaparece com a morte da pessoa, pois no cadáver não existe mais sujeito de relação jurídica. A ofensa à memória do morto poderá traduzir-se em uma ofensa à sua família, mas isto não ocorre sempre e necessariamente. Poderá ainda ocorrer que os herdeiros se sintam ofendidos no sentido de piedade para com o de cujus. Entretanto, não apoiamos a ideia sustentada por Kayser de que existe uma héritage moral capaz de ser transmitida aos herdeiros.

Apesar dos argumentos em seu desfavor, propugnamos pela existência de uma honra familiar, pois reconhecemos que a família, como unidade social, possui uma individualidade autônoma, possui valores morais e de conduta social que são preservados e transmitidos aos seus componentes. A família é sujeito de interesses jurídicos distintos de cada um de seus membros.

Destacamos como caracteres do direito à honra a unicidade, o absolutismo, a originalidade, a extrapatrimonialidade, a indisponibilidade, a imprescritibilidade e a intransmissibilidade em razão da morte. Quanto a este último caráter, dissentimos de muitos autores e estendemos a intransmissibilidade ao direito de agir, na ocorrência de ofensa a pessoa que falece sem nenhuma iniciativa judicial. Somos de opinião que o conteúdo econômico da reparação do dano moral somente se apresenta como tal, quando o titular do direito manifestou, ainda em vida, seu interesse em se ver reparado; isto é, quando busca aquela satisfação que entendemos existir nos casos de reparação por ofensa à honra, ou seja, quando já intentou ação penal ou civil ou tomou providências neste sentido. Neste caso, cabe aos herdeiros o prosseguimento na relação processual. Ao contrário, se o hereditando falece sem nenhuma iniciativa, aí então não admitimos a transmissão do direito de agir. A situação inverte-se, quando se trata da substituição do sujeito passivo da ação de reparação. Nesta hipótese a ação pode ser promovida contra os herdeiros do ofensor, quando for o caso de reparação pelo sucedâneo. Argumentamos que compete ao lesado transformar a reparação do dano extrapatrimonial em patrimonial. Assim, quando ele propõe a indenização, o que passa a existir é um direito patrimonial e, como tal, absorvido pela successio haereditatis. O Código Civil brasileiro de 2002 confere legitimidade para agir ao cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta, ou colateral até 4º grau (art. 12, § único) e ao cônjuge, ascendentes ou descendentes (art. 20, § único). A teor das expressões utilizadas: " requerer a medida prevista neste artigo" e "são partes legítimas para requerer essa proteção" parece-nos que não se está conferindo àqueles uma sucessão sobre bens imateriais, mas resguardo à memória do morto. Entretanto, há alguns defensores da tese de que há um patrimônio moral que se transfere aos herdeiros.

Algumas situações de ofensa à honra foram previstas pelas legislações como a concorrência desleal, eliminação de sócio de associação ou sociedade, exclusão do indigno da sucessão e deserdação, revogação de doação, cessação de alimentos, dote previsto no Código de 1916, delitos sexuais, separação e divórcio, proteção ao consumidor, relação de trabalho e assédio moral. Ao prescreverem penalidade para os atos de concorrência desleal, as legislações cuidam de relações entre pessoas que exercem a mesma atividade econômica, resguardando, segundo entendemos, além dos bons costumes, o avviamento, que se traduz por bom nome, reputação. Este encerra tanto uma qualidade integrante do estabelecimento, quanto o efeito da qualidade pessoal do titular (aviamento subjetivo). Nestas qualidades é que inserimos a existência da honra. As demais situações de ofensa ao crédito pessoal, que extrapolam as previsões legais brasileiras, como da Lei de Propriedade Industrial e Lei de Imprensa, recaem na previsão genérica do artigo 927, e específica da honra (953), bem como na normatização constitucional.

Na eliminação de associado ou sócio de associação ou sociedade, detectamos dúplice proteção da honra: em relação ao grupo social e em relação ao próprio membro eliminado, como também confirmamos que a honra está presente em todos os setores da vida humana, até mesmo naqueles em que as pessoas se unem, visando a uma atividade econômica. Em favor da honra do grupo social está o direito de exclusão do membro que se torna indigno de pertencer a ele. Em favor da honra da pessoa atingida está o direito de não se ver excluída sem motivos suficientes. Tal pessoa poderá exigir a revogação da exclusão injusta, bem como indenização de prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais porventura ocorridos.

A exclusão do indigno da sucessão assenta-se em princípio de ordem pública, que é a sucessão com dignidade, bem como afirma o preceito de que os herdeiros não possuem um direito absoluto aos bens do hereditando. O princípio mencionado é de tamanha relevância que justifica o poder atribuído aos sucessores de propor ação, já que o ofendido não se encontra mais vivo. Das situações relacionadas pelos Códigos Civis brasileiro e estrangeiros, como motivadoras de exclusão, destacam-se atos ofensivos à honra do hereditando. O fundamento da exclusão é o mesmo para a situação de deserdação. Concomitantemente com a penalidade civil imposta, reconhecemos a existência de ato reparador com função satisfatória, buscada pelo autor da herança, quando, por ato seu, deserda o herdeiro necessário ingrato.

À exclusão do herdeiro indigno e à deserdação alinha-se a revogação da doação. Os atos mencionados pelas legislações encerram caráter injurioso a qualquer pessoa. Revestem-se de gravidade, portanto, quando praticados pelo donatário contra o doador. Devido à natureza personalíssima da ação, entendemos que esse direito não se transmite aos herdeiros, quando o doador perdoa tacitamente o donatário ou falece na ignorância da ofensa. As legislações têm variado quanto à transmissibilidade desse direito: algumas a seu favor, outras não (Cf. art. 560, Código Civil brasileiro). O fundamento para a revogação da doação também prevalece para a cessação de alimentos.

O dote previsto no Código Civil de 1916 como reparação da honra feminina, em casos de delitos sexuais, foi eliminado, no entanto algumas das ilicitudes que lhe davam suporte podem caracterizar-se como ilícito penal. Como corolário, encerram ilicitude civil. Pode haver a obrigação de indenizar como no caso de qualquer outra lesão extrapatrimonial, não mais como ofensa à honra, tomada essa no sentido objetivo, mas se é atingido o sentimento de dignidade da pessoa.

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As ofensas à honra ganham especial relevo na vida conjugal. Aqui elas adquirem maior amplitude e podem consistir tanto em violação dos deveres como traduzir-se por atos de subestima ou desapreço, que seriam irrelevantes se se referissem às demais pessoas, mas que, na união familiar, adquirem mensuração peculiar. As injúrias podem fundamentar uma ação de separação ou divórcio. Ainda dentro daquela linha de pensamento, no qual consideramos existir uma função satisfatória, na reparação por ofensas à honra, entendemos que esta função também aqui se apresenta e se traduz no pedido de separação ou divórcio, em que pese não ser descartada a possibilidade, em algumas situações, de existir também a indenização.

Por significar a honra um conceito social, também é reconhecida aos entes morais. As pessoas jurídicas, por constituirem uma realidade viva no mundo atual, exercem uma função na sociedade, possuem, além do patrimônio material, o patrimônio moral, revelador da idoneidade, "bom nome", reputação, não ficam excluídas da proteção jurídica. Não existe razão em negar-lhes proteção contra ofensas à honra e não entendemos ser necessária a utilização das figuras penais para detectar ofensa a elas na esfera privada. Qualquer que seja a ofensa, independentemente da modalidade com que se configurar, será reparável pelo Direito se atingir sua idoneidade, reputação, "bom nome", em síntese, a honra objetiva. Seguimos o pensamento de Kayser e consideramos que elas somente estarão privadas de direitos cuja existência possui uma ligação necessária com a personalidade humana.

Serão também responsáveis por atos ofensivos à honra de terceiro, quando praticados por seus representantes, empregados ou membros no exercício das atividades que lhes são conferidas. Atento a esta tendência de que os entes morais são capazes de cometer ilícitos, destacou a Lei de Imprensa brasileira n. 5.250/67 esta responsabilidade, determinando reparação de prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais em casos de ofensa à honra. Enfatizou o direito de liberdade de manifestação do pensamento, mas determinou, na área cível, o limite do respeito à vida privada do indivíduo, ainda que o fato seja verdadeiro e sua divulgação não seja motivada por interesse público. Nesse caso, não se admitia a exceptio veritatis, como também persistiria a responsabilidade civil. A proteção total da honra somente encontra óbice no interesse público justificado, ou seja, poderá ocorrer que a divulgação de fatos verdadeiros pertinentes à vida privada do indivíduo corresponda a um apreciável interesse da coletividade.

A reparação do dano por ofensa à honra, quando não puder ser feita por reposição natural, deverá sê-lo pelo equivalente pecuniário ou sucedâneo. A dificuldade para determinação do quantum reparatório não é razão bastante para se deixar de condenar o ofensor e dar uma satisfação à pessoa lesada. Se a muitos repugnava que o dano à honra pudesse ter um equivalente pecuniário, com mais razão repugna ao Direito ver sucederem-se ilícitos que permaneçam impunes. No caso de indenização, visando a auxiliar o julgador, para fixação do montante da reparação, alguns elementos poderão ser tomados, como o grau de culpa do ofensor, as circunstâncias do fato, a situação econômica das partes, a conduta do ofendido, a posição social ou política do ofendido, a repercussão territorial do fato, adotando-se o princípio do equilíbrio entre a reparação e a culpabilidade e afastando-se da responsabilidade civil baseada exclusivamente no dano, que leva em consideração a quantificação do dano e não a quantificação da culpa. O atual Código Civil perfilhou-se ao critério objetivo atenuado (art. 944) para quantificar a indenização, em geral. Igual critério foi adotado para indenização decorrente de ofensa à honra (art. 953).

Por fim, resta salientar que a proteção da honra fez-se sentir nos países, que editaram legislações civis mais recentes, em uns, reconhecida como verdadeiro direito subjetivo, em outros, incluída na proteção genérica da integridade moral ou dos direitos da personalidade. Nos países em que esta tutela não teve ainda acolhida nos códigos civis, a sua proteção vem sendo feita arrimada em preceitos constitucionais ou pelo labor jurisprudencial, que elastece o sentido das leis privadas.

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Sobre a autora
Aparecida I. Amarante

Procuradora do Estado de Minas Gerais. Ex-professora-adjunta de Direito da UFMG. Doutora em Direito Civil. Escritora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARANTE, Aparecida I.. Responsabilidade civil por dano à honra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2492, 28 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14764. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Esta é a versão eletrônica do livro "Responsabilidade civil por dano à honra", em 7ª edição revisada, publicada com exclusividade no Jus Navigandi.

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