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Ilegalidade do pagamento de 13º salário e adicional de férias a agentes políticos

05/05/2010 às 00:00
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I – Considerações preliminares

O presente trabalho tem por objetivo investigar a legalidade do pagamento do 13º subsídio (gratificação natalina) e do adicional de férias (equivalente a 1/3 da remuneração) aos agentes políticos.

Para tanto, são examinados os conceitos de agente político e de servidor público, fundamentais para a interpretação a ser dada à matéria. Por último, é feito um exame da posição jurisprudencial majoritária sobre o referido pagamento.


II – Conceito de agente político e servidor público

A Constituição Federal dá tratamento diferenciado quanto à remuneração dos agentes políticos e dos servidores públicos, que são categorias do gênero agente público.

De acordo com CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (in Curso de Direito Administrativo, 1998, p.151), agentes políticos "são os titulares dos cargos estruturais à organização política do país, ou seja, ocupantes dos cargos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado."

Enquadram-se na referida definição, no âmbito do Poder Executivo, o Presidente da República, Governadores, Prefeitos e os vices de cada um dos cargos, além de Ministros de Estado e Secretários de Estado e Municipais. No âmbito do Poder Legislativo, incluem-se os Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores.

Os agentes políticos desempenham funções de natureza política e não profissional, não possuindo vínculo empregatício ou estatutário com o ente público a que pertencem, diferentemente dos servidores públicos.

O termo "servidor público", conceituado pelo mesmo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (in Curso de Direito Administrativo, 1998, p.152), "abarca todos aqueles que entretêm com o Estado e entidades de sua Administração indireta ou fundacional relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência." Encontram-se, em regra, organizados em carreiras e estão submetidos a regime jurídico de direito público ou privado.

Também JOSÉ AFONSO DA SILVA (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 22ª ed., p. 658) distingue as duas categorias, afirmando que "o elemento subjetivo do órgão público - o titular - denomina-se genericamente agente público, que, dada a diferença de natureza das competências e atribuições a ele cometidas, se distingue em: agentes políticos, titulares de cargos que compõem a estrutura fundamental do governo, e agentes administrativos, titulares de cargo, emprego ou função pública, compreendendo todos aqueles que mantêm com o Poder Público relação de trabalho, não eventual, sob vínculo de dependência, caracterizando-se, assim pela profissionalidade e relação de subordinação hierárquica."


III – Pagamento de adicional de férias e gratificação natalina aos agentes políticos

Vistas as diferenças conceituais entre agentes políticos e servidores públicos, cabe ressaltar a regra constitucional constante do art. 39:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

...............................

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Vê-se que a Constituição deu tratamentos diferenciados ao pagamento de ambas as categorias. Aos servidores públicos (art. 39, §3º), expressamente concedeu o direito ao décimo terceiro salário e ao adicional de férias, constantes do art. 7º, VIII e XVII, da Constituição:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

................................

VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

................................

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

Aos agentes políticos (art. 39, §4º), por outro lado, a Constituição determinou que a remuneração fosse paga por subsídio em parcela única, vedado o recebimento de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória. Tal vedação impede o pagamento da gratificação natalina ou do adicional de férias aos agentes políticos, pois eventual pagamento, não excepcionado pela Carta Magna, constituiria burla à norma que determina a parcela única.

Fixar outra parcela, a qualquer título, como décimo terceiro ou adicional de férias, representaria violação da obrigatoriedade de pagamento em parcela única, pois, no mês do recebimento, haveria, de qualquer forma, o pagamento de mais de uma parcela. Por exemplo, se admitíssemos possível o pagamento de mais de uma parcela no mês de dezembro, seríamos obrigados a admitir também mais de uma parcela em qualquer mês, ou até mesmo em todos, levando-se ao absurdo de aceitar um pagamento que extrapolasse, mensalmente, o valor do subsídio em parcela única.

Há que se interpretar a omissão constitucional quanto ao pagamento das referidas verbas aos agentes políticos como expresso impedimento, tendo em vista que o legislador, quando quis, fez autorização explícita para tal pagamento, como ocorre em relação aos servidores públicos, consoante dispõe o art. 39, §3º.

Além disso, cabe frisar que o décimo terceiro salário ou gratificação natalina é um direito trabalhista assegurado na Constituição da República de 1988, em seu art. 7º, VIII, e estendido aos servidores públicos por força da previsão contida no art. 39, § 3º. Sendo assim, mediante interpretação sistemática da Constituição, conclui-se que aos agentes políticos, por não se revestirem da condição de servidores públicos, não se aplica o disposto no art. 39, §, 3º, não tendo, assim, direito à referida parcela salarial.

Da mesma forma, o adicional de férias também é elencado pela Carta Magna como direito trabalhista, associado ao direito maior, que é o de férias. Os agentes políticos, por outro lado, sequer tiveram o direito às férias deferido pela Lei Maior. No Poder Legislativo, por exemplo, há recessos nas casas legislativas, em que os trabalhos são interrompidos, por força da aplicação do art. 57 da Constituição, que é norma de repetição obrigatória nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais.

Tais recessos podem, por exemplo, ser retirados nas hipóteses de não votação da lei de diretrizes orçamentárias (art. 57, §2º) e de convocação extraordinária (art. 57, §6º), o que não ocorreria caso se tratasse de férias enquanto direito do trabalhador, para o qual a lei pune o empregador que não estabelece período de gozo do direito adquirido.

Quanto aos agentes políticos que integram o Poder Executivo, não há qualquer menção a férias ou recesso de funcionamento.

Nesse sentido, eventual lei ordinária estadual ou municipal, Constituição Estadual ou Lei Orgânica Municipal que concedessem a gratificação natalina ou o adicional de férias a seus agentes políticos, no âmbito do ordenamento constitucional atual, incorreriam em inconstitucionalidade, violando o referido art. 39, §4º, da Carta Magna.

Não seria inconstitucional, todavia, a modificação do texto constitucional, de modo a autorizar o pagamento das aludidas verbas aos agentes políticos, tendo em vista que a vedação hoje existente não pode ser considerada como cláusula pétrea.


IV – Posição jurisprudencial

Ressalte-se, por oportuno, a inexistência de pronunciamento explícito sobre a matéria pelo Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a guarda da Constituição Federal.

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O Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se contra o pagamento da gratificação natalina a ex-Deputados Estaduais, ao julgar o RMS 15.476/BA, conforme a seguir ementado:

Recurso em mandado de segurança. Ex-deputados estaduais. Postulação de pagamento de 13º salário. Inocorrência de relação de trabalho com o Poder Público. Inviabilidade. Deputado estadual, não mantendo com o Estado, como é da natureza do cargo eletivo, relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência, não pode ser considerado como trabalhador ou servidor público, tal como dimana da Constituição Federal (arts. 7º, inciso VIII, e 39, § 3º), para o fim de se lhe estender a percepção da gratificação natalina. Recurso a que se nega provimento. (STJ, 5ª Turma, RMS 15.476, Rela. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, julg. 16/3/2004).

Por serem agentes políticos, o fundamento utilizado pode ser estendido a todos os demais, mesmo em atividade, no sentido da impossibilidade do pagamento, ante a ausência de relação de trabalho entre o Deputado Estadual e o Poder Público. Na visão do STJ, os direitos sociais, constantes do art. 7º da Carta Magna, somente podem ser aplicados a outras categorias que não os trabalhadores urbanos ou rurais, mediante expressa previsão constitucional, como ocorre no art. 39, §3º, da Constituição, em relação aos servidores públicos.

Embora não houvesse pronunciamento quanto ao adicional de férias, por não ter sido pedido pelos autores, poder-se-ia ser aplicado entendimento semelhante.

Entre os tribunais de justiça estaduais, ao analisar o pagamento da gratificação natalina e do adicional de férias aos agentes políticos, predomina o entendimento de que tal pagamento não é possível, em face do disposto no já anteriormente mencionado art. 39, §4º, da Constituição Federal.

Nesse sentido, colacionamos a seguir ementas de julgados dos tribunais do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, que já se posicionaram sobre o tema:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. CONCESSÃO DE ADICIONAL DE FÉRIAS E DE DÉCIMO TERCEIRO SUBSÍDIO AO PREFEITO, AO VICE-PREFEITO E VEREADORES. CONCESSÃO DE INDENIZAÇÃO AOS VEREADORES CONVOCADOS PARA PARTICIPAR DE SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DA CÂMARA MUNICIPAL. São inconstitucionais disposições legais que concedem gratificação de férias e décimo terceiro subsídio ao Prefeito, ao Vice-Prefeito e Vereadores. Afronta aos arts. 8º e 11 da Constituição Estadual e aos §§ 3º e 4º do art. 39 da Constituição Federal, o qual veda, entre outros, o acréscimo de gratificação ou outra espécie remuneratória ao subsídio de detentor de mandato eletivo. Mostra-se igualmente inconstitucional, disposição legal que prevê o pagamento de indenização aos Vereadores em razão de convocação para sessão legislativa extraordinária, em face do disposto nos arts. 50, § 4º, da Constituição Estadual e 57, § 7º, da Constituição Federal. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA. (TJ/RS, Tribunal Pleno, Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70028647378, Rel. Des. Leo Lima, julg. 25-05-2009).

AÇÃO POPULAR - Pagamento de décimo terceiro salário a Vice-Prefeito - Inadmissibilidade - Ato lesivo ao patrimônio público municipal - O agente político, exerce mandato eletivo, possuindo vínculo de natureza política e temporária com o Poder Público e não guarda direito ao recebimento do 13° salário. Recursos improvidos. (TJ/SP, 7ª Câmara de Direito Público, Apelação Com Revisão nº 6604005800, Rel. Des. Walter Swensson, julg. 08/09/2008).

DIREITO CONSTITUCIONAL - TUTELA ANTECIPADA - REQUISITOS PRESENTES - RISCO DE DANO AO ERÁRIO - AJUDA DE CUSTO - PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADORES E SECRETÁRIOS MUNICIPAIS - RECURSO IMPROVIDO. O exercício da edilidade é remunerado com subsídio que se apresenta em forma de parcela única e, na qualidade de agente político, o servidor que cumpre mandato eletivo não faz jus ao 13° salário, ainda que revestido com outra roupagem pela atribuição de nomenclatura diversa. REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO, EM PARTE, O PRIMEIRO VOGAL. (TJ/MG, Proc. 1.0701.08.237144-7/001, Rel. Des. CARREIRA MACHADO, julg. 10/02/2009).


V – Conclusão

A análise dos dispositivos constitucionais que disciplinam a remuneração dos agentes políticos permite inferir que não é cabível, no ordenamento jurídico atual, o pagamento do décimo terceiro salário (gratificação natalina) e do adicional de férias a tais agentes políticos, pois a Constituição foi omissa a respeito de tal pagamento, no art. 39, §3º, determinando apenas que o pagamento fosse feito em parcela única, vedando-se o acréscimo de quaisquer outras parcelas. Ao mesmo tempo, a Constituição, no art. 39, §4º, autorizou o pagamento das referidas verbas aos servidores públicos.

Tal diferenciação é compatível com uma interpretação sistemática da Constituição, na medida em que os institutos férias e décimo terceiro salário não se coadunam com o desempenho das funções atribuídas pelos agentes políticos.

Além disso, tanto os tribunais de justiça estaduais, quanto o Superior Tribunal de Justiça, têm entendido que não é cabível o pagamento de qualquer parcela além do subsídio mensal fixado em lei para os agentes políticos.

Dessa forma, o pagamento da gratificação natalina e do adicional de férias aos agentes políticos dependeria de uma alteração prévia da Constituição, fazendo expressamente constar exceção à regra da parcela única para os mesmos, a exemplo da exceção que é feita para os servidores públicos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

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Sobre o autor
Márcio Silva Fernandes

Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados - Área de Direito Constitucional e advogado. Especialista em Direito Registral Imobiliário pela PUC/MG e em Direito Civil pela Unisul/SC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Márcio Silva. Ilegalidade do pagamento de 13º salário e adicional de férias a agentes políticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2499, 5 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14796. Acesso em: 26 abr. 2024.

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