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Justificativas para os direitos dos magistrados.

As férias anuais de 60 dias e o princípio da compensação

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04/05/2010 às 00:00
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Diante da declaração do ministro Cezar Peluso de que a redução das férias dos magistrados é questão fechada, busca-se analisar alguns pontos desta tormentosa questão.

1. Introdução

Os magistrados e os membros do Ministério Público, em comparação com os trabalhadores do setor privado, têm a mais 30 dias de férias, alguns feriados e o período de recesso de final de ano (na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal, de 20 de dezembro a 06 de janeiro), no qual a atividade judicante não é totalmente paralisada, funcionando em regime de plantão para atendimento de medidas urgentes.

Tem-se assistido ao incompreensível julgamento, e consequente condenação, dos magistrados por parte de alguns setores da mídia e de profissionais de outras áreas, de forma preconceituosa e discriminatória aos integrantes de uma carreira de Estado de suma importância para a sociedade, confundindo juízes (que pertencem a um segmento técnico e são escolhidos mediante aprovação em concurso público) com membros dos outros dois Poderes da República (eleitos pelo voto popular e não pertencentes a uma carreira), relacionando as conhecidas mazelas do Judiciário com supostos excessos de direitos dos juízes, colocando na mesma cesta as maçãs podres e as maçãs sadias, demonstrando desinformação e pregando extinção ou redução de direitos, sem considerar as restrições e os deveres em cotejo com as demais pessoas. Percebe-se, ainda, dificuldade extrema de muitos em distinguir direitos e prerrogativas de privilégios.

Diante da infeliz declaração do recém-eleito presidente do Excelso Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, publicada nos principais meios de comunicação, com a qual vibraram os opositores e os críticos da magistratura e do Judiciário, de que a redução das férias dos magistrados é questão fechada, e não se concordando com isso, tem este singelo texto o escopo de fazer uma análise de alguns pontos desta tormentosa questão, por mais desgastante e impopular que possa parecer. Pretende-se prestar informações claras, precisas e verdadeiras sobre a realidade da magistratura, sem subterfúgios e sem o pecado do corporativismo.


2. Das críticas generalizantes

Fazendo-se estudo comparativo entre as diversas profissões regulamentadas por lei verifica-se que existem distinções entre elas, seja quanto à formação e qualificação exigidas para seu exercício, seja quanto aos métodos de execução, além de sua maior ou menor importância para a sociedade, justificando tratamento jurídico diferenciado quanto a direitos e deveres, a exemplo de limitação da jornada de trabalho, períodos de descanso e remuneração mínima devida.

Nem todos que opinam sobre determinado assunto têm conhecimento que lhes dêem autoridade para tanto. Os que têm criticado o que reputam privilégios dos magistrados residem tanto no grupo dos ignorantes como no dos entendidos. Alguns são inocentes úteis, outros são movidos pela inveja e outros estão a serviço de grupos a quem interessa um Judiciário fragilizado por meio da deterioração das condições de trabalho dos seus membros. Alguns agem de boa-fé, outros de má-fé. Há aqueles que se baseiam em condutas inadequadas de um ou outro magistrado. O certo é que todos que se propõem a opinar têm certeza que são autoridades no assunto sem se dar conta de que a crítica generalizada é sempre injusta.

Não se sabe exatamente de onde surgiu a idéia de que a extinção de alguns direitos dos juízes poderia melhorar o desempenho do Judiciário, induzindo a maior celeridade processual, maior produtividade e melhoria da qualidade das decisões judiciais.

As férias de 60 dias a que têm direito os juízes consistem em matéria inserida num panorama mais amplo e complexo, em que são consideradas as inegáveis distinções da carreira em comparação com outras atividades profissionais, justificando regime diferenciado para a magistratura.

Os defensores da redução conseguem ver apenas os direitos que os magistrados têm e os outros trabalhadores não, mas são cegos para os direitos que aqueles não têm, mas que os demais trabalhadores têm. Há algumas concessões para compensar algumas vedações.


3. A magistratura

Os magistrados não devem ser igualados aos trabalhadores do setor privado não porque são melhores que estes, mas em virtude de distinções e vedações que serão demonstradas neste texto. Os magistrados são membros de um dos três poderes da república, o que é bem mais que ser apenas servidores públicos.

As atividades profissionais são distintas, as repercussões sociais, políticas, econômicas e culturais derivadas do trabalho dos juízes são muito maiores e mais graves, para o bem ou para o mal, que aquelas de outro trabalhador qualquer, ou do servidor público comum (que trabalha subordinado às autoridades dos três poderes da República).

Do mesmo modo se dá com as decisões dos membros do Executivo e do Legislativo. Podem afetar a vida, a liberdade e o patrimônio de milhões de pessoas, muitas vezes podendo levar à riqueza ou à ruína.

Inaceitável, assim, que se façam comparações simplistas, como se tudo fosse uma coisa só. Os juízes não são investidos na função em razão de eleição e nem por apadrinhamento, mas sim, passam por rigoroso concurso público de provas e títulos, como exige o art. 37, inc. II, da Constituição. Excetuam-se os casos de preenchimento das vagas nos tribunais superiores, em Brasília, cujo critério (dissimulado, é bem verdade) continua sendo mais político que de qualquer outra natureza, porém, trata-se de regime excepcional que, por isso mesmo, não se aplica ao conjunto de magistrados de carreira, de primeiro e segundo graus de jurisdição. Do mesmo modo, quanto ao preenchimento das vagas nos tribunais em face do chamado quinto constitucional, reservadas a advogados indicados pela OAB e a membros do Ministério Público. São exceções.

Adiante-se que não se mostra correto e justo comparar as condições e o volume de trabalho – além de algumas vantagens não disponibilizadas aos magistrados em geral - de ministros de tribunais superiores com aquelas de que goza o universo de magistrados de carreira, da mesma forma que não se pode demonstrar insatisfação e frustração com a atividade jurisdicional como um todo, em termos de celeridade processual, tendo em conta a demora de cinco a dez anos que se verifica no julgamento de recursos no âmbito dos tribunais superiores. Em primeiro e segundo graus de jurisdição a duração dos processos, como regra, tem sido razoável na maioria das unidades da federação e na Justiça Federal e Justiça do Trabalho.

A magistratura – e por extensão o Poder Judiciário - deve ter sua importância para a sociedade reconhecida, valorizada, promovida e preservada, não devendo ser alvo de ataques, críticas injustas e nem deve ser vista, por evidente, como culpada pelos graves problemas de ordem social, econômica e política do País, já que neste âmbito sua atuação não é decisiva e nem independente, mas sim, pelo modo como a Constituição estrutura o exercício do poder estatal, encontra-se refém do poder político (Legislativo e Executivo), condicionada à sua vontade, não arrecadando, não gerenciando e não aplicando, no que se refere ao montante e aos fins, recursos públicos, oriundos de tributos pagos pela população em geral. O Judiciário e seus juízes não têm as chaves do cofre! Não têm o poder de fazer leis, menos ainda em benefício próprio!

Trata a magistratura de carreira de Estado, sendo seus integrantes, como se disse alhures, arregimentados mediante aprovação em concurso público de elevada complexidade, ao passo que nos demais poderes o preenchimento das vagas depende do êxito dos candidatos nas eleições periódicas, não havendo que se falar, quanto a eles, em carreira profissional. Não há continuidade. O mandato eletivo não é profissão.

Os juízes, com sua formação acadêmica, o aprimoramento técnico, a cultura e o conhecimento adquiridos pelos estudos e a experiência, enfim, pelo seu especial preparo, poderiam trabalhar no setor privado, fazendo carreira na área jurídica, como profissionais liberais (advocacia e consultoria), ou integrar o corpo jurídico de grandes empresas, ganhando duas, três ou quatro vezes mais que os subsídios que lhes são pagos atualmente.

Todavia, optaram por fazer carreira na magistratura, e se assim o fizeram, alguns por vocação outros não, é bem verdade, tal se deu em face de uma remuneração atrativa e de alguns outros direitos, entre eles as férias anuais com duração de 60 dias.

Soa deveras estranho parte da sociedade se posicionar contra a luta dos juízes para a manutenção de direitos consagrados há décadas, para que o Congresso Nacional não vote leis que reduzam ou excluam direitos que compõem um conjunto de vantagens que lhes foram ofertadas quando optaram pelo ingresso na magistratura.

Salvo engano, a luta pela manutenção de direitos ou por sua ampliação, em qualquer profissão, é legítima e deve ser apoiada e não refutada, estando em harmonia com o regime democrático e com os anseios de todos em conquistarem melhores condições de trabalho e de vida. Não é aceitável sustentar que este empenho somente vale para o setor privado.


4. Fatores que determinam distinções

Numa sociedade capitalista, excludente e submetida às regras do mercado, cada profissional do setor privado recebe em proporção à sua relevância nos contextos econômico e social, sua formação acadêmica, atualização e aperfeiçoamento, sua experiência e conhecimento, além da lei da oferta e da procura, recebendo mais aqueles mais procurados pelo mercado, e menos aqueles que existem em excesso.

Quanto maior a dedicação aos estudos, ao aprimoramento e o investimento na carreira, maiores são as possibilidades de êxito e de melhores salários. Outros fatores por certo existem para justificar a média salarial de cada profissão e as distinções salariais entre uma profissão e outra.

Em algumas profissões o que justifica maior ou menor remuneração é a importância do trabalhador para aquele que usufrui do seu trabalho, seja ou não em um regime regido pela CLT ou, melhor dizendo, a sua reputação, o seu prestígio, a sua capacidade profissional, e notadamente – talvez o elemento fundamental - o retorno financeiro que consegue dar ao seu "patrão", a exemplo de alguns jogadores de futebol, jornalistas de grandes veículos de comunicação, particularmente a televisão, além de artistas de cinema, teatro e televisão, que percebem anualmente milhões de reais com o seu trabalho.

Neste grupo, o profissional é valorizado (no sentido de ter uma remuneração bem acima da média que outros profissionais) mais pelos ganhos monetários que consegue proporcionar àquele que se beneficia do seu trabalho do que por qualquer outra razão, claro, desde que tenha um talento especial nato ou habilidades adquiridas pelo estudo e empenho pessoal e seja capaz de desenvolver com sucesso sua atividade, pois, se isso não ocorrer não há como propiciar o citado retorno financeiro.

Destarte, não é justo, não é adequado e revela ignorância, outras vezes má-fé, ficar comparando remuneração de juiz com o salário médio do trabalhador brasileiro, que todos nós sabemos ser baixa, competição esta que, por esta ótica tão míope, os juízes sempre irão perder.

Em todas as profissões, e no cotejo entre elas, pode se concluir que inúmeros são os motivos, de variadas ordens, que podem justificar pagar mais a alguns e menos aos outros.

Por tudo que foi dito, fica claro que a boa remuneração e os demais direitos ofertados pelo ordenamento jurídico funcionam como atrativos para a carreira, de modo que se não existissem dificilmente haveria estímulo para que os melhores profissionais prestassem concurso público para o ingresso na magistratura.

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Existem dezenas de profissões regulamentadas por lei que devido às suas peculiaridades gozam de direitos não atribuídos a outras profissões (jornalistas, médicos, dentistas, arquitetos, advogados, engenheiros, químicos etc.), assim como existem categorias profissionais melhor organizadas no âmbito sindical que desfrutam de muitos direitos conquistados em convenções ou acordos coletivos de trabalho, ao passo que outras categorias não, por que os sindicatos que as representam não têm a mesma capacidade de negociação com os empregadores.

A distinção de salários e condições de trabalho entre as diversas profissões não significa necessariamente privilégios, como costumam se referir aos juízes em relação a alguns direitos de que são titulares, não contemplados para o restante dos trabalhadores – ou para a maioria.

Não se olvide que há também a força política dos representantes de algumas profissões no Congresso Nacional para a criação de leis que tragam mais vantagens e direitos aos seus representados, e esta luta, seja pela via sindical, seja pela política, é válida, é honesta e não merece censura. Não há nada demais nisso. Não é errado, imoral ou ilícito.


5. A pretendida igualização

O princípio da igualdade não tem o sentido que os leigos, ou mesmo os entendidos que agem de má-fé, tentam atribuir a ele, pois, no plano fático somente pode haver verdadeira igualdade se forem respeitadas as inegáveis diferenças entre pessoas e grupo de pessoas.

Não fosse assim, não haveria justificativa jurídica válida para o tratamento diferenciado introduzido pelo regime de cotas na promoção da igualdade dos afro-descendentes em universidades públicas. Para igualizar os desiguais, a lei cria distinção no disciplinamento jurídico em certas atividades e relações jurídicas. Tem-se esta diferenciação também no âmbito do direito do trabalho e do direito do consumidor, protegendo-se o mais fraco em suas relações os mais fortes econômica e culturalmente.

Não é adequada e justa esta campanha contra os direitos dos juízes, mediante comparações indevidas e desfundamentadas com as condições salariais e de trabalho dos trabalhadores brasileiros em geral, e nem mesmo com as dos servidores públicos comuns.

A magistratura tem seu encanto, direitos e prerrogativas e, por tantas restrições, deveres e responsabilidade, tem suas compensações; quem quiser ser juiz que se forme em Direito, estude e preste concurso público para a respectiva carreira. O que não valem é a crítica leviana, a desinformação e a inveja motivada pela frustração profissional em outras carreiras, ou o inconformismo de expressiva parcela da população com a qualidade e a eficácia dos serviços judiciários.

Antes que argumentem que a idéia não se aplica àqueles que pelas mais variadas razões não tiveram acesso à educação formal e nem a oportunidade de escolher uma profissão, principalmente pela sua condição de pobreza, cabe contra-argumentar que esta triste realidade, tão presente no Brasil, por certo, não serve para fundamentar a decisão de tirar direitos dos juízes ou de quem quer que seja. Não há nenhum sentido em tamanho disparate. Não há relação alguma entre uma coisa e outra.

Penso que não há qualquer razoabilidade em se afirmar, como já li em alguns fóruns de discussão, que os juízes não podem "ganhar tanto" e ter tanto "privilégios" porque tudo isso é bancado com dinheiro público. Não faz a menor diferença se os recursos são públicos ou privados.

Solucionar os conflitos de interesses ocorridos na sociedade é monopólio do Estado, sendo proibido por lei o exercício arbitrário das próprias razões, a chamada "justiça de mão própria". A atividade judicante é fundamental no regime democrático e na forma republicana de governo para a pacificação social através de meios civilizados e eficientes.

Cabe ao Estado ter estrutura e quadro de servidores e juízes em quantidade suficiente, bem preparados e bem pagos para prestar a jurisdição. Óbvio que em se tratando de atividade pública são os contribuintes, com os tributos que pagam, quem suportarão financeiramente seus custos. Não há como ser de outra forma, exceto se a atividade for privatizada.

Se na prática os serviços judiciários ficam devendo, o processo judicial é moroso e caro e a qualidade das decisões nem sempre é a esperada pela população, o que deve ser feito é o aperfeiçoamento do sistema como um todo, identificando as causas disso e receitando o remédio apropriado para curar a doença, o que por evidente não ocorrerá com a redução da remuneração e dos direitos dos juízes. Uma coisa nada tem a ver com a outra.


6. Férias anuais de 60 dias

Não satisfeitos com as comparações com os servidores públicos e trabalhadores em geral, aqueles que sustentam a redução das férias dos juízes agora sofisticaram suas estratégias com o escopo de convencer a população e o Congresso Nacional sobre o acerto do que defendem, sem que expliquem muito bem e com honestidade qual é a relação entre redução de direitos dos juízes e eficiência do Judiciário.

A comparação agora é entre magistrados/Judiciário brasileiros e magistrados/Judiciário americanos. Os críticos não explicam qual a importância (o nexo de relação) para a tese da redução das férias as diferenças eventualmente existentes entre as condições de trabalho, produtividade e qualidade dos magistrados tupiniquins e as dos magistrados ianques.

Para alcançar seus propósitos, utilizam informações comparativas de supostos estudos científicos que apontariam que os magistrados brasileiros trabalham menos e pior que seus colegas americanos, que, por sua vez, produzem mais, e ainda assim, são melhores remunerados que estes, concluindo que o povo brasileiro paga mais caro que o povo americano por um serviço que aqui no Brasil é bem pior que lá nos Estados Unidos.

Tem ainda aqueles críticos que sustentam a existência de estudos que demonstrariam que os magistrados brasileiros trabalham 20% menos que os servidores públicos "comuns" e 30% menos que o trabalhador formal (com carteira assinada).

Há uma inegável manipulação perversa de números, pois, esta conclusão possivelmente foi obtida em cotejo com os 30 dias a mais de férias, alguns feriados e o período de recesso.

Não existem informações oficiais apontando a carga de trabalho dos juízes em número de horas trabalhadas no dia, na semana ou no mês, simplesmente porque de um lado não há controle de ponto, e de outro lado, há muito trabalho realizado além dos acanhados "horários de expediente" (período em que há atendimento ao público nos órgãos judiciários).

Sendo assim, não há elementos que possam embasar estudo verdadeiramente científico, sério e honesto para se chegar a conclusões como estas.

A existência de um período de férias maior que 30 dias (são 60 dias), um recesso de menos de três semanas no final de ano e alguns feriados a mais não oferecem base para se concluir que os magistrados trabalham menos (nos dias em que trabalham, quanto ao número de horas dedicadas à prestação jurisdicional) que os servidores públicos e os trabalhadores em geral, excluindo, é claro, aqueles períodos citados (mais férias, recesso e feriados).

6.1 Diferenciações internas

O Judiciário não é integrado por magistrados com igual vocação, produtividade e qualidade e nem todas as comarcas têm a mesma quantidade de serviço para ser feito, o que torna impossível obter conclusões igualmente válidas para todos os juízes, todos os ramos do Judiciário e todas as comarcas.

O volume de serviço também varia de um tipo de processo para outro. As mesmas distinções servem no que concerne à eficiência (quantidade, qualidade e eficácia) dos serviços judiciários e à duração do processo (razoável ou excessiva). A produtividade e a eficiência também são influenciadas pela estrutura de que dispõe cada ramo do Judiciário, número de servidores e de magistrados e informatização dos serviços.

Poucas coisas neste mundo criam tantas distorções e inverdades como estatísticas quando não são realizadas com emprego de metodologia adequada e se não forem interpretadas/lidas com honestidade de propósitos e com as devidas ressalvas quanto à sua generalização e outros desvios.

Muitos exemplos poderiam ser indicados para dar materialidade a este ponto de vista.

Assim, um juiz de uma vara cível do interior do Pará profere 40 sentenças por ano, ao passo que seu colega da comarca de São Paulo profere 600 sentenças no mesmo período. Estatisticamente falando, cada um deles produziu, em média, 320 sentenças. Isso significa desvalorização do juiz de São Paulo e valorização indevida do juiz da comarca do interior do Pará. O desvirtuamento dos números fica escancarado e pode ser usado para fins ilícitos, conspirando em prol de determinado propósito de forma destrutiva.

São teses que, de um lado não prestam homenagem à verdade, e de outro consistem numa retórica vil e injusta, servindo seus propagadores de inocentes colaboradores ou de deliberada campanha contra os magistrados, sem que se vislumbre qual o ganho da sociedade com isso.

Tentar igualar - para efeito de se pregar a redução de direitos para todos mediante modificação da lei vigente - todos os magistrados com critérios generalizantes, desconsiderando as particularidades de cada um é desonesto e gera conclusões equivocadas.

Assim, mostra-se incontestável que no Judiciário nacional existem juízes que trabalham menos e juízes que trabalham mais, sendo que no primeiro caso, em regra, porque exercem a judicatura em localidade em que há menos serviço e não porque é preguiçoso.

Desse modo, a lei geral – e deve ser geral – quanto aos direitos e deveres dos membros do Judiciário, quando aplicada a casos concretos e específicos, até pode produzir distorções e não ser a mais justa, mas este é um risco presente em toda e qualquer lei geral. O que não se mostra aceitável é esta campanha nacional promovida por alguns segmentos da sociedade e algumas pessoas isoladas, com base nesta premissa, sustentando a igualização pelo menos e não pelo mais (regime vigente).

A realidade de um juiz de uma comarca do interior do Amazonas não é a mesma de um juiz da Comarca de São Paulo, a deste não é igual à de uma comarca do interior do mesmo Estado; a realidade um juiz da vara criminal não é a mesma de um juiz da vara cível; a realidade dos juízes do trabalho não é a mesma dos juízes federais ou dos juízes da Justiça Comum Estadual, que, por sua vez, é distinta daquela dos juízes dos Juizados Especiais; a realidade dos juízes estaduais varia de uma unidade da federação para outra. Do mesmo modo, a realidade de um juiz do trabalho de uma jurisdição com 30 mil pessoas que gera 500 novos processos por ano é distinta daquela do juiz do trabalho de uma jurisdição de 200 mil pessoas que gera 1500 novos processos por ano. 

Mesmo dentro de uma mesma categoria há variações motivadas por inúmeros fatores (p. ex.: um juiz do trabalho de uma vara de Curitiba pode ser mais produtivo que outro de outra vara da mesma cidade, porque se preocupa mais com quantidade do que com qualidade em comparação com seu colega).

Destarte, têm reduzido valor as estatísticas que apenas dividem o número de processos pelo número de magistrados e concluem que cada um tem sob responsabilidade determinada média, ou qualquer outra que adote esta metodologia, ignorando as mais variadas distinções entre os ramos que compõem esta grande árvore que é o Poder Judiciário, as distinções entre os tipos de processos, entre as centenas de comarcas, entre questões tributárias, trabalhistas, cíveis e criminais, além de tantas outras que poderiam ser lembradas.

6.2 Juiz brasileiro x juiz americano

Não conheço a realidade dos magistrados americanos, mas sei que dispõem de uma estrutura física e de pessoal muito superior em quantidade e qualidade que seus colegas brasileiros, incluindo polpudas verbas de gabinete para contratação de servidores, além de estarem inseridos num sistema judicial e processual completamente distinto do brasileiro. O argumento vale também para os magistrados europeus ou de qualquer outro País, diante das particularidades dos sistemas processual e judicial de cada um.

Afirma-se com plena convicção que este tipo de comparação não tem qualquer escopo nobre e se assenta em premissas falsas, sendo absolutamente inverídica a alegação de que os magistrados americanos percebem remuneração inferior que a dos brasileiros.

Em alguns países, os magistrados dispõem de vários outros benefícios não oferecidos aos juízes brasileiros, de modo que não precisam gastar com inúmeras despesas que, no caso do Brasil, são suportadas diretamente pelos juízes com os subsídios que recebem do Estado.

Soa irônico e falso dizer, não obstante o custo de vida americano, que seus magistrados conseguem viver dignamente apenas com a remuneração atribuída aos mesmos, em matéria recentemente publicada por alguns jornais, bem como por alguns comentaristas em fóruns de discussão.

O critério meramente econômico sugerido por alguns críticos é tão importante - segundo a visão deles - que, para justificar sua posição, chegam ao absurdo de comparar a remuneração dos magistrados em proporção ao PIB per capita anual, aduzindo que nos EUA e na Suíça, em final de carreira, um juiz percebe de 5 a 10 vezes o PIB per capita anual, e no Brasil, 20 vezes. Aqui também não se consegue saber quais são a relevância, o nexo de relação e a justiça deste critério.

Para estes opositores, se em alguns países da África o PIB per capita anual for de US$ 1.000, um juiz africano deveria receber quanto muito US$ 10.000 (10 vezes) por ano. Vincular remuneração de juízes com o PIB per capita não encontra justificativa alguma de ordem social, jurídica ou filosófica, exceto a de natureza puramente econômica que, parece cristalino, não pode ser o único ou o mais importante aspecto a ser prestigiado. Dignidade e qualidade de vida também devem ser considerados nesta equação.

Não se leva em conta grau de responsabilidade, carga de trabalho, importância da atividade, quantidade de estudos, aperfeiçoamento e atualização permanentes, exigências de ordem intelectual e moral, restrições de liberdade e direitos, entre outros requeridos para o exercício do cargo. O que importa é o crescimento econômico! O PIB (este ente invisível chamado mercado seria um Deus sagrado?) de cada País! 

6.3 Redução das férias dos juízes e aumento de produtividade

Não traz novidade afirmar que a redução das férias dos magistrados importaria em aumento da produtividade do Judiciário. Estão inventando a roda. Trata-se do óbvio ululante, como diria o saudoso dramaturgo Nélson Rodrigues. Numa primeira fase, parece inegável que haveria ganhos de produtividade, pois, afinal de contas, haveria mais trabalho sendo realizado (em tese). Se os magistrados não tiverem nenhum dia de férias por ano a produtividade aumentaria ainda mais.

O mesmo vale para as empresas, na medida em que se não concederem férias aos seus empregados, certamente haverá aumento de produtividade.

Assim, desprovida de valor científico a alegação constante de pequeno artigo publicado recentemente de que em Portugal a redução das férias dos juízes elevou a produção do Judiciário em 9%. Claro que sim, pois com a redução houve trabalho no período correspondente às férias.

Certamente que não são as férias dos juízes em 30 dias a mais que as outras categorias profissionais a responsável pela morosidade e a ineficiência reconhecida do sistema judicial brasileiro. Não sei nem se tem alguma influência neste quadro, mas se tem, é ínfima.

Em outra oportunidade poderia apontar muitas causas mais importantes para justificar a lentidão processual e a ineficiência do sistema.

As férias têm pelo menos duas finalidades, uma social e outra biológica.

A social, em linhas gerais, tem por fim assegurar ao juiz convívio com família, amigos e parentes, ou seja, com pessoas queridas de seus relacionamentos, propiciando viagens e outras atividades de integração e afetividade, o que é indispensável para o fortalecimento dos laços familiares e de amizade, promovendo a integração e a convivência pacífica em sociedade, ser gregário que é o homem.

A finalidade biológica consiste na recuperação das forças e energias, o relaxamento, a reflexão, esquecendo o estresse do trabalho e recolocando o homem em condições de reiniciar sua jornada com saúde, disposição e bom humor.

Esses objetivos que se atribuem às férias estão presentes para todo e qualquer trabalhador, seja ele juiz ou não.

O que se tem questionado é a razão pela qual se deve atribuir dois meses de férias aos juízes e um mês aos outros trabalhadores.

Em primeiro lugar, porque quando de sua instituição o legislador entendeu que as características da atividade do magistrado justificavam dois meses e não um mês. Em segundo lugar, porque não parece avanço algum, depois de décadas, em que pese à facilitação gerada pela tecnologia em geral e pela informática em particular, não obstante o aumento significativo de processos, em dezenas de vezes em comparação com vinte/trinta anos atrás, que o direito que na época se entendeu justo seja retirado, apenas ao argumento de que os demais trabalhadores não o tem, ou, então, porque supostamente haveria ganho significativo na produtividade do Judiciário como um todo (argumento este bastante questionável).

Reconhece-se que existem outras categorias de trabalhadores que pelas peculiaridades da atividade profissional também mereceriam ter dois meses de férias por ano.

Todavia, não é porque isso não ocorre que se deve nivelar por baixo, em vez de agraciar quem merece este direito, fazer o inverso, retirando o direito de quem já o tem há décadas.

Tratando-se de um direito que somente juízes e membros do Ministério Público têm, evidente que se o tema for debatido por este enfoque, sempre vencerão aqueles que defendem a extinção do que consideram um privilégio. Contra fatos não há argumentos e, além disso, há a inveja, o despeito, a desinformação e a manipulação.

Para sustentar esta pretendida igualização os críticos empregam argumentos sobre uma realidade que não conhecem.

Quem é casado (a) com um (a) juiz (a) bem sabe qual é a vida profissional deste.

Alguns tribunais e os ministros dos tribunais superiores dispõem de alguns benefícios não conferidos aos juízes de primeiro grau e a maioria daqueles de segundo grau, a exemplo de carro oficial, às vezes até com motorista. A população precisa ser informada de que a quase totalidade dos magistrados brasileiros não recebe nenhum outro benefício, mas unicamente seus salários (juridicamente denominados de subsídios). Não tem carro oficial, não tem motorista, não tem vale-alimentação, não tem isenção de imposto de renda, não tem 14º salário, não tem auxílio-moradia, não tem vários assessores para fazer seu trabalho, enfim, não tem privilégio algum. Os únicos direitos significativos que tem a mais em comparação com as demais categorias de trabalhadores são: um mês de férias, 18 dias de recesso de final de ano (20 de dezembro a 06 de janeiro) e alguns feriados.

Não sei dizer se, em regra, os juízes de fato trabalham mais que a média dos trabalhadores brasileiros, como às vezes se divulga. Sei, entretanto, que não trabalham menos.

Nem é a quantidade de trabalho a principal razão para justificar um mês a mais de férias por ano. Penso que não se deve admitir que juiz leve processo para casa para analisar e julgar durante as férias e pelo que se sabe nenhum tribunal tem exigido isso dos magistrados. Em minha ótica, embora este fato seja verdadeiro para muitos juízes, não tem força suficiente para justificar a manutenção das férias anuais de 60 dias. Admitir trabalho durante as férias faz ruir os motivos (finalidades social e biológica) pelos quais qualquer trabalhador deve ter um período anual de descanso.

Destaque-se que vários outros motivos em conjunto formam as justificativas para amparar um período maior de férias aos magistrados. Podem ser citados: a natureza do trabalho (eminentemente intelectual, provocando maior desgaste mental e emocional); a qualificação, atualização e aprimoramento exigidos; as responsabilidades do cargo; os reflexos das decisões judiciais na vida das pessoas e das instituições; as condições de trabalho de que dispõem; e o modo como o trabalho é executado.

O sistema atual restringe alguns direitos aos magistrados e, para compensar, atribuem-lhes outros.

Não são consistem apenas em exercício de retórica e desculpas infundadas afirmar que os juízes são juízes as 24 horas do dia nos 07 dias da semana, no mais das vezes ficando o tempo todo de alerta, à disposição da jurisdição para, a qualquer hora, se indispensável for, atuar e solucionar o problema que lhe for apresentado. Não tem sábado, domingo e feriados. Muitas tarefas não são realizadas dentro do que se chama de "horário de expediente" porque não há tempo para isso, diante de sua complexidade, exigindo maiores estudos e análises mais aprofundadas, pois, não se pode dar ao luxo de errar pelas repercussões que isso pode ocasionar.

Desse modo, não são raras as vezes em que os magistrados proferem decisões antecipatórias de tutelas e liminares em ações cautelares em sábados, domingos e feriados, ou nos outros dias da semana à noite, além de outras medidas urgentes. Outras vezes levam processos para casa e lá fazem estudo, exame e avaliação de provas, formando convencimento quanto à solução a ser dada ao conflito de interesses, deixando tudo encaminhado para o julgamento e a prolação da sentença, estes sim, dentro do "horário de expediente".

Pode-se argumentar que os juízes não estão obrigados a trabalhar em referidas ocasiões, mas, se o fazem é porque têm consciência do grau de responsabilidade de seu cargo, da importância de sua atividade para a sociedade e da necessidade de assim procederem, pela falta ou insuficiência de estrutura física (prédio, mobiliário, computadores, impressoras, informática etc.) e de pessoal (servidores e juízes), como forma de minimizar os efeitos nefastos gerados pelo sistema do qual fazem parte.

O aumento de produtividade do Judiciário, pelos motivos apontados, com a redução das férias, primeiro cuida-se de mera estimativa, e ainda que ocorresse, seria em curto prazo, pois, em médio e longo prazos, com o esgotamento físico, mental e emocional dos juízes, seguramente, a produtividade poderia vir a ser menor que a atual.

As férias dos juízes não devem ser analisadas isoladamente, mas sim como um tema integrante de um mecanismo mais amplo, qual seja, como elemento de um regime de compensação estabelecido pela lei aos magistrados em geral em virtude de algumas restrições e direitos que têm a menos que as outras pessoas de outras profissões.

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Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular da 7a. Vara do Trabalho de Londrina - PR. Especialista e Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - PR. Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. Justificativas para os direitos dos magistrados.: As férias anuais de 60 dias e o princípio da compensação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2498, 4 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14800. Acesso em: 19 abr. 2024.

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