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A participação dos empregados nos lucros e resultados: apontamentos sobre a incidência do imposto de renda

18/07/2010 às 07:45
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1. A POLÊMICA.

É de conhecimento da comunidade jurídica que o Superior Tribunal de Justiça, encerrando anos de controvérsias na doutrina e nos tribunais pátrios, editara os enunciados nº 125, 136 e 215, de sua Súmula, que tratam sobre a incidência de imposto de renda na fonte sobre algumas verbas percebidas pelo trabalhador durante seu contrato de trabalho.

O enunciado nº 125 prescreve que "O pagamento de férias não gozadas por necessidade de serviço não está sujeito à incidência do Imposto de Renda". O enunciado nº 136, por sua vez, dita que "O pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade do serviço não esta sujeito ao imposto de renda. E, por fim, o enunciado nº 215, da Súmula do Superior Tribunal de Justiça deixa claro que "A indenização recebida pela adesão a programa de incentivo à demissão voluntária não está sujeita à incidência do imposto de renda".

Em suma, o que tais enunciados proclamam nada mais é que o pagamento em dinheiro, como forma de compensar a extinção das mencionadas verbas oriundas do contrato de trabalho, não é produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, não representando acréscimo ao patrimônio do trabalhador, contribuinte, que pudesse autorizar a incidência do imposto de renda sobre mencionadas verbas. É dizer que tais verbas possuem natureza indenizatória, o que, certamente, impede a atração da incidência do imposto de renda.

Entretanto, os enunciados em referência vêm, indevidamente, sendo utilizados como argumentação para a formulação de pedidos de não incidência do imposto de renda da pessoa física sobre verbas das mais diversas matrizes. Entre elas a verba que é objeto do presente estudo: a participação dos empregados nos lucros e resultados das empresas.

Não só certa confusão de conceitos pode ser considerada a causa desses pedidos. A falta de um devido aconselhamento, que passa pelo ainda difícil acesso à Justiça, mas também a busca por um incremento nos rendimentos, causada por anos de arrocho e crises econômicas, estão na base da mesma.

Assim é que neste estudo, de crucial importância para fazer-se a Justiça Fiscal tão apregoada, será feita uma pequena reflexão sobre o imposto de renda da pessoa física e seu fato gerador. Ao final, procurará ser demonstrada a constitucionalidade e legalidade, ou seja, a legitimidade de em sua base de cálculo estar presentes os valores recebidos pelos empregados a título de participação nos lucros e resultados.


2. O FATO GERADOR DO IMPOSTO DE RENDA E AS INDENIZAÇÕES.

O fato gerador do imposto de renda está, de forma clara, delimitado no art. 43, incisos I e II, e §§1º e 2º (estes incluídos pela LC nº 104/01), do Código Tributário Nacional, que adiante se transcreve:

"Art. 43 — O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I — de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II — de proventos de qualquer natureza assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.

§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo."

No mesmo sentido dispõem os art. 3º e 4º, da Lei 7.713/88. Vejam-se:

"Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei.

§ 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.

§ 2º Integrará o rendimento bruto, como ganho de capital, o resultado da soma dos ganhos auferidos no mês, decorrentes de alienação de bens ou direitos de qualquer natureza, considerando-se como ganho a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição corrigido monetariamente, observado o disposto nos arts. 15 a 22 desta Lei.

§ 3º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.

§ 4º A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda, e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título.

§ 5º Ficam revogados todos os dispositivos legais concessivos de isenção ou exclusão, da base de cálculo do imposto de renda das pessoas físicas, de rendimentos e proventos de qualquer natureza, bem como os que autorizam redução do imposto por investimento de interesse econômico ou social.

§ 6º Ficam revogados todos os dispositivos legais que autorizam deduções cedulares ou abatimentos da renda bruta do contribuinte, para efeito de incidência do imposto de renda."

"Art. 4º Fica suprimida a classificação por cédulas dos rendimentos e ganhos de capital percebidos pelas pessoas físicas."

Historiando o tema, o tributarista SACHA CALMON NAVARRO COELHO (Curso de Direito Tributário Brasileiro: comentários à Constituição e ao Código Tributário Nacional, artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 448) explica a evolução do entendimento sobre o fato gerador do imposto de renda no Brasil:

"O imposto de renda no Brasil, em sua primeira fase, incidiu sobre os salários. Na segunda fase, sobre outras rendas. Na terceira fase avançou para os proventos de qualquer natureza, que não possuem definição própria e são conceituados por derivação do conceito de renda, que é o produto do capital, do trabalho e da combinação de ambos. Há quem veja em proventos, ao nosso sentir, com erronia, apenas os rendimentos dos aposentados. O legislador, ao cunhar os demais proventos, com toda certeza não pensou tão restritamente. O intérprete não deve criar conceitos a partir de elucubrações cerebrinas distanciados do ambiente legislativo original. Seja lá como for, quer pela renda, produto do capital, do trabalho e da combinação de ambos, quer os demais proventos não compreendidos na definição, devem traduzir um aumento patrimonial entre dois momentos de tempo. É o acréscimo patrimonial, em seu dinamismo acrescentador de mais patrimônio, que constitui a substância tributável pelo imposto. São proventos, por exemplo, os que se recebem da previdência pública ou privada, os ganhos lotéricos, a absorção de dinheiro em estado de res derelicta ou nullius, doação, heranças e legados, indenização e todos os ganhos que não são provenientes de uma fonte permanente e que só acontecem de vez em quando, aumentando dado patrimônio. No início deste século, Fisher e Einaudi construíram teorizações econômicas e jurídicas remontando a Adam Smith, para quem a renda era ‘o produto do trabalho ou da terra que traz ao indivíduo riqueza nova, tendo a função de repor ou aumentar o conjunto de bens que a pessoa detém e que o consumo tende continuamente a reduzir’ (Apud Fernando C. Walcacer in Cadernos do CEPED – Rio de Janeiro).

A partir de então o pensamento jurídico evoluiu no sentido de conceituar melhor os fatores produtores de renda, introduzindo a idéia de sua disponibilidade como algo essencial para caracterizar a renda tributável. A caracterização da fonte de produção da renda (distinta desta) e a periodização foram elementos que influíram na teoria do imposto, levando à necessidade de se admitir a dedução das despesas e a deterioração dos próprios fatores necessários à obtenção da renda."

Também são esclarecedores os ensinamentos de ROQUE ANTÔNIO CARRAZA (Curso de Direito Constitucional Tributário. 12ª edição revista, ampliada e atualizada de acordo com as emendas constitucionais nº 19/98 e 20/98. São Paulo: RT, 1998, p. 446):

"A nosso pensar, o conceito de ‘renda e proventos de qualquer natureza’ constitucionalmente abonado, pressupõe ações humanas que revelem mais-valias, isto é, acréscimos na capacidade contributiva (que a doutrina tradicional chama de ‘acréscimos patrimoniais'). Só quando há uma realidade econômica nova, que se incorpora ao patrimônio individual preexistente, traduzindo nova disponibilidade de riqueza, é que podemos falar em ‘renda e proventos de qualquer natureza’. Vai daí que as indenizações recebidas, os custos da empresa, a energia elétrica consumida, o capital empregado etc. não são nem rendimentos, nem proventos de qualquer natureza. Escapam da tributação por via de IR."

Vê-se, pois, sem sombra de dúvidas que de acordo com a legislação tributária federal a tributação do imposto de renda independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda, e da forma da percepção das rendas ou proventos, bastando o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título.

Sendo assim, as indenizações de qualquer espécie não têm natureza de acréscimo patrimonial, pois na verdade são meras compensações pela perda de algo. As indenizações pressupõem que o patrimônio do indivíduo, privado de algum bem ou direito, seja recomposto com outro bem ou direito equivalente àquele que lhe foi sonegado.

Em resumo, sem acréscimo patrimonial não há, segundo o Código Tributário Nacional, nem renda, nem proventos.


3. ANÁLISE DA NATUREZA JURÍDICA DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS.

Do que fora sustentado, a correta identificação da natureza jurídica da verba percebida pelo trabalhador, denominada participação nos lucros e resultados, é fundamental para estabelecer-se como incluída no conceito de renda previsto pelo Código Tributário Nacional.

Primeiramente urge a transcrição de sua previsão na Constituição da República de 1988:

"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua

condição social:

(...)

XI − participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente,

participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;

(...)"

A participação nos lucros e resultados da empresa, pelo empregado, pois, constitui nada mais que incentivo ao mesmo com objetivo não só de integração e empenho, mas de estímulo à produtividade e melhora os ganhos. O empregador fixa percentual sobre os lucros obtidos pela empresa e rateia o valor apurado entre seus empregados. Nada tem de indenização a direito não usufruído ou renunciado, estando assim prevista no art. 7º, XI, da CR/88:

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O termo "conforme definido em lei", contido no inciso XI, do art. 7º, da CR/88, remete ao conceito de norma constitucional de eficácia limitada, que depende de lei para surtir os efeitos pretendidos pelo legislador originário. Por sua vez, somente começou a operar efeitos o mencionado dispositivo constitucional após a entrada em vigor da MP nº 794/94 e suas sucessivas reedições até sua conversão na Lei 10.101/00, que dispõe nos art. 3º e 5º:

"Art. 3º. A participação de que trata o art. 2º não substitui ou complementa a remuneração devida a qualquer empregado, nem constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista, não se lhe aplicando o princípio da habitualidade".

"Art. 5º. As participações de que trata este artigo serão tributadas na fonte, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês, como antecipação do imposto de renda devido na declaração de rendimentos da pessoa física, competindo à pessoa jurídica a responsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do imposto".

Ainda com base no que fora sustentado no tópico acima, não há como classificar-se a verba em referência – participação nos lucros e resultados – como indenização. É que o trabalhador, ao receber os valores pecuniários como participação nos lucros e resultados, efetivamente obtém um acréscimo patrimonial.

O caráter remuneratório da verba fora assentado pelo Superior Tribunal de Justiça, como pode ser visto com excelência do voto proferido pelo Ministro LUIZ FUX, Relator do REsp nº 767121/PR, acolhido à unanimidade pela Primeira Turma:

"Segundo o magistério de Sérgio Pinto Martins, três foram as teorias informadoras da natureza jurídica da aludida verba, verbis:

"A primeira teoria é a que considera a participação nos lucros como salário. A segunda teoria entende que sua natureza jurídica decorre do contrato de sociedade. A terceira assevera que seria uma espécie de contrato sui generis, que configuraria forma de transição entre o contrato de trabalho e o contrato de sociedade. O fundamento para considerar a participação nos lucros como salário está estampado no caput e no § 1º do art. 457 da CLT. Primeiro, porque é uma contraprestação paga pelo empregador ao empregado, tendo caráter de retribuição. Segundo, pelo fato de que poderia confundir-se com a gratificação ou uma forma de percentagem. Havendo o requisito habitualidade, somado aos anteriormente mencionados, considera-se que a participação nos lucros tem natureza salarial. Poder-se-ia dizer que tudo o que excedesse as disposições do ajuste contratual entre empregado e empregador teria natureza de salário desde que habitual seu pagamento, tendo reflexos em outras verbas. Ao se analisar o art. 63 da CLT, que estabelece que a condição de interessado (quando o trabalhador tem participação nos lucros) não vai excluir a condição de empregado, já se pode entenderam, a contrario sensu, que o pagamento da participação nos lucros só pode ter natureza de salário (Maranhão 1992:167). Decorrendo do contrato de trabalho , o pagamento feito pelo empregador ao empregado a título de participação nos lucros só poderia ter natureza de salário (Catharino 1994:330), seria uma cláusula de índole salarial incluída no contrato de trabalho, daí sua natureza salarial (Sussekind 1964:v. III/361), principalmente porque não deixa de ser, de certa forma, um complemento da remuneração. Nada impediria que, em razão da habitualidade, se considerasse tacitamente ajustado, com base na orientação analógica do Enunciado 152 do TST.

(...)

O Enunciado 251 foi aprovado pela Resolução nº 17/85 do TST, publicada no DJU de 13, 14 e 15-1-86. Tinha a seguinte redação: "A parcela participação nos lucros da empresa, habitualmente paga, tem natureza salarial, para todos os efeitos legais." Foi editada com fundamento no § 1º do art. 457, da CLT, conforme a referência contida na publicação do referido verbete.

(...)

A Resolução nº 33 do TST, de 27-4-94, cancelou o Enunciado 251 daquela Corte. O motivo do cancelamento do referido verbete deu-se "tendo em vista o disposto no inciso IX do art. 7º da Constituição Federal de 1988, que desvincula da remuneração a participação nos lucros da empresa". A partir de agora, há dúvida a respeito do pagamento que o empregador fizer ao empregado a título de participação nos lucros, se vai realmente se tratar de salário ou não. Pode ser que o TST tenha o entendimento de que a norma é auto-aplicável, sendo que, doravante, a participação nos lucros que for paga ao empregado estará desvinculada da remuneração, embora não seja esse o meu pensamento.

(...)

A tese de que a participação nos lucros seria decorrente do contrato de sociedade deixou de subsistir. A referida orientação diria respeito a que a participação nos lucros decorre do contrato de sociedade, da affectio societatis

de que os sócios têm um objetivo comum: conseguir lucros por meio do empreendimento que pretendam realizar. Assim, se a participação nos lucros fosse conferida ao empregado, teria a característica de contrato de sociedade. Ocorre, contudo, que nem todo pagamento feito ao empregado é salário, como as gorjetas que são pagas por terceiros (clientes); nem todo pagamento decorre apenas do trabalho do empregado, mas pode ser proveniente de um esforço indireto do empregado de produzir bens e serviços para a empresa, que resulta, ao final, num benefício, que seria a participação nos lucros que ajudou a conseguir para o empregador. Pinto Antunes também afirma que a participação nos lucros seria um contrato misto ou "promíscuo", havendo "uma dupla situação na vida empresária, a de empregado subordinado e a de sócio, e cada uma delas sujeita a direito e processos distintos" (RF 99/38). Na verdade, a participação nos lucros é simples decorrência ou efeito do contrato que lhe dá causa ou é principal. Se decorre do contrato de trabalho, não pode ter natureza de contrato de sociedade, a não ser que o empregado tenha quotas ou participação na empresa, o que é diferente. Assim, a participação nos lucros não pode ser considerada um contrato próprio. Se o empregado é assalariado e subordinado ao empregador, a participação nos lucros decorre do contrato de trabalho, e não do contrato de sociedade, pois falta ao obreiro a affectio societatis, ínsita ao segundo contrato.

(...)

Esclarece Amauri Mascaro Nascimento (1989:150) que a "tese da participação nos lucros como contrato sui generis parte do pressuposto de que a sua instituição indica o início da sonhada fase de transição entre o regime do salário e o regime da sociedade, situando-se o sistema de participação exatamente como a ponte através da qual serão percorridos os caminhos que permitirão, ao trabalhador, afastar-se da sua condição desfavorável, como segmento social, para situar-se em posição melhor, ao lado do capital e usufruindo das vantagens dele. Aceita essa tese, a participação nos lucros não é salário, mas também não faz do assalariado um sócio do empregador. Não fica descaracterizada a relação de emprego, idéia melhor do que a anterior".

Não vem a ser a participação nos lucros, porém, uma forma de indenização, pois esta pressupõe a ocorrência de dano.

(...)

Pode-se dizer que, a partir da edição da lei ordinária sobre a participação nos lucros, a referida participação será uma forma de complementação do salário, uma espécie de benefício decorrente do contrato de trabalho. Como é uma forma de participação, não é salário. O próprio nome diz: se é participação, não é exatamente salário. Trata-se de um pagamento condicionado, ou seja, o pagamento só será feito na ocorrência de lucros, o que mostra que, existindo prejuízo, não haverá pagamento. Na verdade, a participação nos lucros é forma de participação do empregado na empresa, mediante a distribuição dos lucros desta última, os quais o trabalhador ajudou a conseguir. O empregado não se torna sócio do empregador, nem fica descaracterizado o contrato de trabalho, evidenciando que a natureza jurídica da participação nos lucros seria a de uma forma de transição entre o contrato de trabalho e contrato de sociedade, ou seja, poderíamos , à primeira vista, dizer que teria uma natureza mista ou sui generis, uma prestação aleatória, dependente da existência de lucro, porém, a característica principal, ao contrário, decorre do contrato de trabalho, em função da condição de empregado e da manutenção da subordinação, e não da condição de sócio." (in Participação dos Empregados nos Lucros das Empresas, Ed. Atlas, São Paulo, 2000, p.63 a 69)

Com efeito, comentando o art. 7º, XI, da Carta Maior (in Constituição Federal Anotada, Ed. Saraiva, 5ª ed., p. 432), Uadi Lammêgo Bulos assim se manifestou acerca do significado das expressões lucro e resultado verbis:

"... Lucro significa ganho, vantagem ou benefício livre de despesas, obtido em decorrência da exploração de alguma atividade econômica. Será líquido, se decorrer da diferença entre o preço da venda e o total das quantias gastas em uma operação financeira, ou bruto, se for proveniente da diferença entre o preço de venda e o de compra, sem considerar as despesas ocorridas entre essas duas operações. Resultado, diversamente, é o produto da equação positiva ou negativa dos ganhos e das perdas, tomados em sua totalidade. Poderá ser operacional (positivo) ou não operacional (negativo) a depender do desempenho econômico-financeiro obtido pela empresa."

O entendimento em questão fora consolidado no âmbito das Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA – INCIDÊNCIA SOBRE A PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS DA EMPRESA – ARTIGO 3º, § 5º DA LEI 10.101/00 – LEGALIDADE – PRECEDENTES.

1. Não há falar em violação do art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem analisa a tese objeto do recurso especial, ainda que implicitamente.

2. A jurisprudência das Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça está sedimentada no sentido de que a participação nos lucros da empresa paga aos empregados têm caráter remuneratório, pois importam em acréscimo patrimonial, constituindo fato gerador do imposto de renda.

3. Recurso especial não provido.

(REsp 851.638/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 06/08/2008)

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO.

EMPRESAS CONTROLADAS SITUADAS NO EXTERIOR. DISPONIBILIDADE ECONÔMICA E JURÍDICA DA RENDA. ARTS. 43, § 2º, DO CTN E 74 DA MP 2.158-35/2001.

1. O art. 43 do CTN, sobretudo o seu § 2º, determina que o imposto de renda incidirá sobre a disponibilidade econômica ou jurídica da renda e que a lei fixará o momento em que se torna disponível no Brasil a renda oriunda de investimento estrangeiro.

2. Atendendo à previsão contida no § 2º do art. 43 do CTN, a Medida Provisória 2.158-35/2001 dispôs, no art. 74, que "os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados".

3. Em outras palavras, o art. 74 da MP 2.158-35/2001 considera ocorrido o fato gerador no momento em que a empresa controlada ou coligada no exterior publica o seu balanço patrimonial positivo.

4. Não se deve confundir disponibilidade econômica com disponibilidade financeira da renda ou dos proventos de qualquer natureza. Enquanto esta última se refere à imediata "utilidade" da renda, a segunda está atrelada ao simples acréscimo patrimonial, independentemente da existência de recursos financeiros.

5. Não é necessário que a renda se torne efetivamente disponível (disponibilidade financeira) para que se considere ocorrido o fato gerador do imposto de renda, limitando-se a lei a exigir a verificação do acréscimo patrimonial (disponibilidade econômica). No caso, o incremento patrimonial verificado no balanço de uma empresa coligada ou controlada no exterior representa a majoração, proporcionalmente à participação acionária, do patrimônio da empresa coligada ou controladora no Brasil.

6. Sob esse prisma, parece razoável que o patrimônio da empresa brasileira já se considere acrescido desde a divulgação do balanço patrimonial da empresa estrangeira. Nesse caso, há disponibilidade econômica. O que não há é disponibilidade financeira, que se fará presente apenas quando do aumento nominal do valor das ações ou do número de ações representativas do capital social.

7. É conveniente salientar que o Supremo está examinando a tese de inconstitucionalidade do § 2º do art. 43 do CTN, acrescentado pela LC 104/2001, e do art. 74, caput e parágrafo único, da MP 2.158-35/2001, em razão da ADIn 2.588, proposta pela Confederação Nacional da Indústria-CNI.

8. Pelos votos já proferidos na ADIn, tem-se uma noção de como é tormentosa a questão em torno da constitucionalidade do disposto no art. 74 da MP 2.158-35/2001. Há voto no sentido da inconstitucionalidade apenas quanto às empresas coligadas (Min.

Ellen Gracie); votos pela total constitucionalidade do dispositivo (Ministros Nelson Jobim e Eros Grau); e votos pela sua total inconstitucionalidade (Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Ricardo Lewandowski).

9. A par de discussões de ordem constitucional, o certo é que o dispositivo ainda não foi retirado do ordenamento nem suspenso por liminar, e o recurso especial surgiu tão-somente para exame da ilegalidade do art. 7º da IN SRF 213/2001. Sob o prisma infraconstitucional, como visto, nada há de ilegal na Instrução Normativa, que encontra amparo nas regras dos arts. 43, § 2º, do CTN e 74 da MP 2.158-35/2001, que permitem seja considerada disponível a renda desde a publicação dos balanços patrimoniais das empresas coligadas e controladas no estrangeiro.

10. Recurso especial provido.

(REsp 983.134/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/04/2008, DJe 17/04/2008)

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PAGAMENTO A EMPREGADO, POR OCASIÃO DA RESCISÃO DO CONTRATO. GRATIFICAÇÃO ESPECIAL. FÉRIAS VENCIDAS E NÃO-GOZADAS. TERÇO CONSTITUCIONAL. NATUREZA. REGIME TRIBUTÁRIO DAS INDENIZAÇÕES. PRECEDENTES.

1. O imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador, nos termos do art. 43 e seus parágrafos do CTN, os "acréscimos patrimoniais", assim entendidos os acréscimos ao patrimônio material do contribuinte.

2. No caso, o pagamento feito pelo empregador a seu empregado, a título de participação nos lucros, não tem natureza indenizatória.

E, mesmo que tivesse, estaria sujeito à tributação do imposto de renda, já que (a) importou acréscimo patrimonial e (b) não está beneficiado por isenção – pelo contrário, conforme prevê o § 5º do art. 3º da Lei 10.101/2000, sujeita-se à tributação na fonte, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês, como antecipação do imposto de renda devido na declaração de rendimentos da pessoa física.

3. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 769.258/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/09/2007, DJ 01/10/2007 p. 219)

Portanto, a verba tem evidente natureza remuneratória, decorrendo do contrato de trabalho, inserindo-se no campo de tributação do imposto de renda, nosmoldes do art. 43, do Código Tributário Nacional, acima transcrito.


4. BIBLIOGRAFIA.

BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas. 9 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22ª Ed. Atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

CARRAZA, ROQUE ANTÔNIO. Curso de Direito Constitucional Tributário. 12ª edição revista, ampliada e atualizada de acordo com as emendas constitucionais nº 19/98 e 20/98. São Paulo: RT, 1998.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro: comentários à Constituição e ao Código Tributário Nacional, artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª Ed. Revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

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Sobre a autora
Viviane Santos Rezende

Procuradora da Fazenda Nacional. Pós Graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Viviane Santos. A participação dos empregados nos lucros e resultados: apontamentos sobre a incidência do imposto de renda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2573, 18 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16995. Acesso em: 19 abr. 2024.

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