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Preclusão: Constituição e processo

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13/08/2010 às 08:12
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A preclusão processual relaciona-se com a segurança jurídica (em suas variadas acepções), à efetividade do feito e aos corolários do devido processo legal.

Índice:I – Introdução. II - Limites à relativização da preclusão: análise do instituto sob o viés de princípio, e os verdadeiros prazos peremptórios. III - Necessidade de ponderada relativização da preclusão: análise do instituto sob o viés de técnica, e os prazos dilatórios. IV – Conclusão. V – Referências Doutrinárias.


I - Introdução

Tem-se com este conciso ensaio a árdua, mas relevante tarefa, de se levantar as centrais ponderações sobre a preclusão processual e sua relação com a segurança jurídica (em suas variadas acepções), e outros recorrentes temas diretamente relacionados, como a efetividade do feito e os corolários do devido processo legal. Para tanto nos valeremos de firmes e inafastáveis noções de direito público e constitucional, ao lado de conceitos consagrados na dogmática processual.

Voltando-se os olhos à Teoria Geral do Processo, é de se referir, preliminarmente, que embora neste espaço se proponha uma reflexão maior sobre a preclusão processual frente aos cânones constitucionais, a ponto de ser sugerida a redução do campo de sua incidência especialmente em face da preservação do direito à prova, em mais de uma oportunidade irá se ressalvar a sua importância para o sistema processual, a ponto da preclusão ser compreendida como princípio – a justamente impor significativa atenção na disciplina de sua ponderada relativização no caso concreto [01].


II - Limites à relativização da preclusão: análise do instituto sob o viés de princípio, e os verdadeiros prazos peremptórios

O instituto da preclusão, próprio da seara processual, à medida que deixa de ser visto como mera técnica, mas assume também status de verdadeiro princípio, impõe que passe a ser contemplado (e devidamente respeitado) em alguma medida significativa dentro dos ordenamentos jurídicos. Esse é o atual estágio da ciência processual no direito pátrio e comparado, em que não se discute mais sobre a necessidade de utilização da preclusão para ordenar e disciplinar o processo, sem o qual este nunca teria fim.

A sua definição como técnica emerge essencialmente do fato de o instituto poder ser aplicado, com maior ou menor intensidade, tornando o processo mais ou menos rápido, impondo ao procedimento uma maior ou menor rigidez na ordem entre as sucessivas atividades que o compõem, tudo dependendo dos valores e princípios fundamentais a serem perseguidos prioritariamente pelo ordenamento processual de regência de uma determinada sociedade em um dado estágio cultural [02].

No Brasil, já observava Liebman, o instituto encontra acentuada aplicação, já que herdamos do processo comum medieval uma certa rigidez das técnicas da eventualidade e da ordem legal. Repare-se assim, que a preclusão ganha em destaque quando estamos diante de um processo eminentemente escrito, como o brasileiro, já que em processos mais dominados pela oralidade a tendência natural é que sejam realizados, com a colaboração das partes e de uma só vez, mais atos processuais (atingindo-se um máximo de unidade/concentração), o que converge para o aumento da liberdade de atuação dos participantes da lide e reduz, conseqüentemente, a participação rígida do instituto [03].

De outra banda, o instituto da preclusão também pode então ser concebido como verdadeiro princípio processual, ao passo que considerado não em si mesmo, mas no seu complexo, organizado em sistema dentro da estrutura processual, decorrente de uma evolução (processual) histórica, com vista ao direito e precípuo funcionamento desta estrutura, garantindo as partes uma solução razoavelmente rápida e coerente da causa posta [04].

Contrapondo-se a esse princípio, teríamos o da unidade da causa, também chamado de liberdade processual, segundo o qual podem as partes apresentar suas alegações e provas, conforme se mostre necessário, até o momento da sentença – regendo-se o procedimento não por uma seqüência legal, mas sim por uma seqüência discricionária [05]. Veja-se então que nesse sistema (atualmente em desuso) faz-se apologia ao absoluto informalismo, o que por certo traz insegurança demasiada aos contendores, sem qualquer garantia de que o resultado final da demanda, assim orientado, trará melhores resultados daquele em que a preclusão se faz presente.

Aliás, se atentarmos para a história do processo, ver-se-á que o instituto da preclusão das faculdades (ligada à eventualidade [06]) surgiu no direito comum alemão medieval justamente como uma reação à total liberdade que as partes possuíam em face da interferência estatal (Eventualmaxime). A partir dali, passou a ser comumente empregado pelos sistemas processuais, observando-se que a legislação, em países e tempos diferentes, tem tratado de utilizar o instituto para o mesmo fim, qual seja, a de acelerar a resolução da causa levada ao judiciário [07].

O instituto da eventualidade, também denominada acumulação eventual ou ainda técnica de ataque e defesa global tem como conseqüência impedir que quaisquer meios de ataque ou defesa, não apresentados respectivamente com a inicial ou contestação possam ser em momento posterior. Assim, a eventualidade assegura o pleno exercício do contraditório, evitando a possibilidade de uma das partes surpreender o antagonista com a alegação de fatos sobre os quais este não mais poderá se pronunciar, bem como refreia as manobras protelatórias.

Certamente a concentração dos atos processuais, decorrente da aplicação da preclusão, representa uma garantia para a efetividade processual – vedando o arbítrio das partes na regulamentação da marcha do processo. No entanto, pode afigurar-se, por outro lado, um obstáculo ao processo justo, representando um risco da exclusão de alegações e pleitos omitidos pelas partes (que inclusive podem não ser mais suscetíveis de alegação até em outro processo futuro – a partir da configuração do que se denomina de "eficácia preclusiva da coisa julgada material", prevista no art. 473 do CPC), razão pela qual não deveria exibir perfil demasiadamente rígido [08].

De qualquer sorte, retorna-se a assertiva contida no primeiro parágrafo, que contempla a preclusão como necessário princípio formador do direito processual, a ser utilizado em toda e qualquer demanda. Digamos, em tom conclusivo, que se trata de um "mal necessário", representando a maior limitação para atuação das partes no processo [09] – daí porque se diz que a preclusão das faculdades (das partes) ganha inicialmente dimensão de relevo, frente à preclusão de questões (do juiz) [10].

Mas, uma vez admitida a preclusão pelo sistema (princípio processual necessário a não eternalização e disciplina da lide), uma conseqüência inafastável é a de que o instituto passa a garantir a não-surpresa das partes (segurança jurídica primeira acepção, no sentido de previsibilidade/inalterabilidade das disposições processuais), vindo, em alguns momentos, a assegurar a estratégia a ser desenvolvida pelo litigante – postando-se a mencionada "exclusão de alegações e pleitos omitidos" na esfera de sua desídia ou desinteresse, a não ser tolerado.

Pois bem. Irá ser trabalhado neste enxuto ensaio com duas concepções de segurança jurídica relacionadas ao ambiente processual: a primeira acepção, já mencionada, refere-se à previsibilidade/inalterabilidade das normas do processo, impondo, por regra, que as disposições tornadas vigentes pelo legislativo, venham a ser aplicadas na prática, trazendo segurança aos contendores, no sentido de saberem o procedimento (e cada um dos prazos nele previstos) a ser seguido ao longo do iter, desde o ajuizamento da inicial até a extinção da execução (aspecto formal do procedimento). Já na segunda acepção, a segurança jurídica representa uma certeza (maior) do direito a ser confirmado ou negado pelo julgador; ou previsibilidade (tanto maior quanto possível) da decisão judicial a ser tomada – sendo notório que, nesse sentido, há uma atenção especial à efetivação das garantias processual-constitucionais integralizadoras do due process, verdadeiros direitos fundamentais processuais dos litigantes (aspecto material do procedimento) [11].

O maior exemplo do excerto é o de que encerrada a fase postulatória, os contendores possuem exata compreensão do tamanho conferido aquele específico processo, tendo construído esse momento plenamente seguros de que como se portou a parte adversa, a partir da premissa (reconhecida por ambos) de que uma determinada atitude ou omissão deveria ter sido tomada nesse momento introdutório porque não poderia ser em outro. Pensa-se na insegurança de um processo pátrio que, independente da natureza da matéria tratada, e superada a fase postulatória, poder-se-ia sem prévio conhecimento da parte contrária, ser viabilizada ao bel prazer modificações ou acréscimos de causa de pedir e/ou pedido; bem como, em ulteriores momentos do feito, ser possível ao réu apresentar sua reconvenção.

Daí a importância de termos, a pouco, feito referência à eventualidade, já que nessa esfera (garantindo direitos fundamentais dos contendores, na formação de suas estratégias de ataque e defesa), a preclusão parece realmente tomar consistente medida que justifique, de plano, a sua não relativização.

Nesse sentir, caberia destaque, no nosso sistema de cognição [12], onde é bem presente a participação da eventualidade (própria da fase postulatória), ao momento processual para apresentação de documentos pelo autor – junto com a exordial, nos termos do art. 282 c/c art. 283 do CPC; as possibilidades de resposta pelo réu e respectiva juntada de documentos, no devido prazo legal – a contemplar a contestação, reconvenção, exceção, impugnação ao valor da causa e/ou à assistência judiciária gratuita, nos termos, respectivamente, dos arts. 297/318 c/c art. 396 do CPC, arts. 258/261 do CPC, e Lei n° 1.060/50; bem como o momento finito para emendar/modificar a causa de pedir ou pedido, com concordância ou não do réu – nos termos, respectivamente, do art. 294 e art. 264 do CPC.

Uma modificação desses mencionados prazos não deve dar-se de outra forma senão por reforma legislativa, tendo-se em vista a gravidade para a segurança jurídica (na primeira acepção ventilada – ordenadora e disciplinadora do rito) que relativizações por comando judicial, no caso concreto, acarretariam nessas hipóteses – sobressaindo-se a importância que assume o princípio da não-surpresa para a parte, vinculada ao direito fundamental da ampla defesa nos limites em que estendida a irresignação pela parte contrária [13].

Eis a razão pela qual entendemos que esses, além dos recursos [14], são os verdadeiros prazos peremptórios de que trata genericamente o CPC, no art. 182 [15], os quais não são passíveis de prorrogação, mesmo havendo consenso das partes nesse sentido. Na seara recursal, só para não passar em branco nesse ensaio, diga-se que não ousaríamos pregar relativizações da preclusão, sendo patente que a intempestividade do recurso (ligada a desídia ou desinteresse da parte) somada a preocupação com a efetividade e a própria presunção de correção da decisão mal embargada, determina a consolidação deste decisum (interlocutório ou final), operando-se a coisa julgada formal.

Ainda é de se sublinhar que alguns magistrados, em sentido diverso (aproveitando-se que o código não desenvolveu qualquer critério lógico para distinguir os prazos peremptórios dos meramente dilatórios), consideram indevidamente que a maioria dos prazos processuais fixados no código são peremptórios [16], inviabilizando daí, a partir dessa imprecisa premissa, qualquer discussão a respeito da preclusão processual decorrente do desrespeito ao estrito teor dos dispositivos contempladores de tais prazos.

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III - Necessidade de ponderada relativização da preclusão: análise do instituto sob o viés de técnica, e os prazos dilatórios

Assentada essa questão de ordem (qual seja: a de que, prima facie, somente alguns prazos é que não são passíveis de relativização – os assim chamados de peremptórios: como os recursos e os vinculados à eventualidade), cabe ingressarmos em terreno mais melindroso, a destacar em que medida, para os outros prazos processuais (os dilatórios), pode-se deixar de aplicar o instituto da preclusão na rigorosa forma em que prevista em lei – tópico que foge (repara-se) à discussão da preclusão como princípio (sendo assentado que assim o é), ingressando na problemática da sua aplicação mais reduzida, como técnica.

Ou em termos mais singelos: sedimentado que não podemos cair num extremo em que não devemos aplicar em qualquer situação a preclusão (informalismo absoluto), pensaremos em que medida pode-se evitar a utilização do instituto em outro extremo, em que sempre a preclusão como regulada pelo legislador deva ser imposta, sem qualquer ponderação, no caso concreto (formalismo exacerbado) – lembrando-se que o código para os prazos ditos dilatórios (art. 181 do CPC), só prevê a possibilidade de prorrogação quando ambas as partes estiverem de acordo, o que normalmente inocorre, razão pela qual a preclusão processual também aqui, caso seguidos os estritos parâmetros legais, se operaria de maneira reinante.

Pelo exposto supra, percebe-se, de início, que buscaremos um juízo intermediário, invocando a incorreção de se seguir, invariavelmente à risca, a preclusão como moldada no nosso código de processo civil – viabilizando, segundo determinados critérios seguros, a prorrogação dos prazos preclusivos ditos dilatórios, não seguindo exemplarmente o que dispõe o anunciado geral contido no art. 181 do CPC. Partamos, para tanto, das razões pelas quais se justificaria o não cumprimento estrito das disposições processuais contidas no código, fazendo-se ligações da Teoria do Processo, com a Teoria do Direito Público e Constitucional.

Primeiro, invoca-se que para se atingir no processo uma louvável maior possível certeza do direito a ser declarado, as disposições contidas no código processual (amoldadoras do procedimento e conferidoras de ordenação e disciplina ao rito a ser seguido), precisam passar pelo filtro de sua compatibilidade com os princípios e valores fundamentais pertinentes à espécie e reconhecidos em dado momento histórico – os quais direta ou indiretamente se apresentam estipulados na Lei Fundamental [17].

Falando em princípios e valores constitucionais, mais detidamente nos interessa focar, os em voga a partir do século XX,princípios da segurança jurídica e da efetividade e os valores da justiça e da paz social [18] – verificando-se que os aludidos princípios são digamos meios para a consecução dos valores nominados, decorrência lógica-científica de que o processo é instrumento para a realização justa/devida do direito material, cabendo-se sempre buscar, em maior grau possível, a concatenação desses princípios e valores na hipótese processual concreta em que se decidirá sobre suas aplicações [19].

Contemporaneamente tem-se consolidado o entendimento de que vivemos em um Estado Constitucional de Direito, a termos uma atuação de toda sociedade pautada por disposições normativas, que guardam vínculo hierárquico-valorativo com os comandos lançados na Constituição (Lei Maior) [20]. Nesse cenário, o julgador passa a ser visto como imprescindível agente político do Estado [21], portador do poder deste e expressão da democracia nos Estados (Constitucionais) de Direito [22] – a exigir um novo modelo que repare a incompatibilidade entre essa vigorosa dimensão, autêntica garantia de democratização do processo, com a falta de comando e liberdade criativa que vinha tenho o magistrado dentro do feito que administrava (própria dos tempos do processo liberal, pós-revolução francesa).

O judiciário passa assim a ser imprescindível agente político do Estado, deixando-se para trás uma concepção que identificava no legislativo toda a manifestação do poder político – concentrando assim a plena criação produtiva do direito; cabendo ao judiciário então a mera aplicação reprodutiva. No entanto o outro extremo, também sendo deveras perigoso, merece ser recriminado – qual seja: tornar-se o Estado-juiz um agente político autônomo, a determinar a superação da importância do legislador, quebrando-se a divisão de competência determinada pela Constituição, onde estariam devidamente dispostas as atribuições próprias da atividade legislativa (eminentemente política) e da atividade jurisdicional (eminentemente técnica). Aliás, se voltarmos a pensar nos termos ajustados na primeira parte desse ensaio, poder-se-ia constatar que justamente uma superação pelo julgador das determinações contidas na lei processual para os (verdadeiros) prazos peremptórios é, para o tema proposto, o marco exato identificador da supramencionada quebra de divisão determinada pela Constituição (entre as atribuições que compete ao judiciário e ao legislativo).

Mas não é só: outros fatores jurídico-processuais que vieram se desenvolvendo nos últimos tempos também contribuem para, em última análise, ser repensada a viabilidade de aplicação irrestrita das disposições processuais (inclusive as de carga preclusiva), a partir das assentadas bases constitucionais, cabendo destaque antes de tudo a tomada de consciência de que o processo cria direito [23], possuindo uma carga instrumental indiscutível voltada não simplesmente para a realização do direito material, mas para a realização deste da maneira mais adequada/justa as peculiaridades do caso trazido ao judiciário (consolidando-se, nesse novo enfoque, a concepção de que o processo não é um fim em si mesmo) [24].

Além disso, cabe destacada referência: (a) à incorreção da defesa irrestrita da interpretação literal das disposições processuais – já que se se defende que na exegese da lei material deve-se levar em consideração a interpretação sistemática e especialmente os fins a que visa determinado comando legal (inclusive existindo disposição expressa quanto à correção da interpretação teleológica, na LICC/42, art. 5°) [25], ainda em maior grau tal concepção se aplica no campo processual, em que a norma possui autonomia relativa, não separada absolutamente do direito material, a que visa proteger e dar eficácia [26]; (b) à própria verificação, na prática forense, das desigualdades, de várias ordens, que se mantêm entre as partes componentes dos processos – a exigir algo mais do que a igualdade formal proporcionada pelo modelo processual liberal [27]; (c) ao desenvolvimento de uma dimensão substantiva da cláusula do devido processo legal [28] – a exigir normas processuais e materiais razoáveis que propiciassem um julgamento formal e materialmente admissível, incentivando que os participantes do processo enfrentem criticamente as normas que possam vir a decidir o jogo, não as aceitando invariavelmente como comando abstrato virtuoso e infalível, restando assim sepultada a máxima de que "o juiz é boca da lei" [29]; (d) à própria crise de legitimação do poder legislativo (mais grave nos países em desenvolvimento), que incrementa esse desconforto na aceitação do comando abstrato, exarado pelo órgão estatal competente, como algo sempre virtuoso e infalível [30]; e, por fim, (e) a tomada de consciência do aspecto prospectivo do processo contemporâneo, a aumentar a exigência de uma decisão justa e coerente - já que o critério estabelecido em um determinado julgado cada vez mais produz efeitos para a coletividade, servindo de base para casos semelhantes futuros que venham a ser apreciados [31].

Disso tudo decorre que a forma desenvolvida pelo Código de Processo Civil não deve subsistir por si só (cabendo aplicação fria e indiscriminada das disposições infraconstitucionais lá posas – "formas eficaciais"), mas sim aquela que se justifica pelos fins úteis a serem perseguidos pelo processo ("formas finalísticas" [32]) – que além de corporificar a segurança jurídica (especialmente no sentido de previsibilidade/inalterabilidade da norma, primeira acepção); não venha a comprometer séria e injustificadamente a efetividade; e principalmente não venha a se postar de maneira arbitrária (e irrazoável) à obtenção da justiça no caso concreto, inviabilizando (ou retardando) a devida prestação jurisdicional (com os meios e recursos a ela inerentes), para a satisfação em última instância do legítimo direito material invocado/defendido.

A lei processual deve sim ser tida como ponto-de-partida (pela sua concretude, previsibilidade, e por possuir em tese alguma ponderação prévia de princípios e valores realizada pelo legislador – agente político legítimo do Estado para o exercício originário de poder), mas não necessariamente como ponto-de-chegada [33], a partir da perspectiva de que aquela não resume o direito processual a ser aplicado [34] – o qual não pode restar indiferente a uma realidade social e política, típica de um determinado Estado em um determinado lapso temporal, alinhadas na Constituição [35]. A ser preservado entendimento diverso, em que se passa a identificar indiscriminadamente a Lei com o Direito, e com a própria Justiça [36], está-se sujeito a ocorrência de um resultado flagrantemente arbitrário no processo, seguindo-se, sem ponderações, o formalismo (exacerbado) estabelecido pelo sistema, sem qualquer questionamento crítico quanto às nefastas e injustificáveis conseqüências que uma determinada disposição processual (com carga preclusiva), levada ao pé da letra, pode acarretar para a sorte final do litígio [37].

Nessa perspectiva, coerente solução a ser adotada, para o tema em estudo, é viabilizar a relativização de certas formalidades (com prazo específico para serem realizadas), quando (a) dirigida ao atendimento da finalidade jurídica primacial do processo (de realização do direito material e de maneira justa) e (b) seja realizado o ato processual em tempo não excessivamente prolongado; (c) desde que preservadas as garantias e direitos fundamentais das partes (notadamente daquela não beneficiada) e (d) não demonstrada topicamente desídia ou desinteresse da parte a quem a noticiada relativização beneficiar – mesmo que não invocado, por esta, motivo legítimo/justa causa para não cumprimento do ato no prazo legal.

Analisando-se os critérios supra estabelecido, verifica-se que em face de um formalismo vazio/excessivo, cujo respeito estrito não irá comprometer diretamente as garantias das partes envolvidas ao due process, viabilizado estaria que o julgador, a partir de um enfoque constitucional a ser dado ao arcabouço processual, adote um ponto de vista mais maleável, adaptando o rigor formal ao caso concreto - tudo com vistas à desejável aproximação do feito à verdade material. Agora, isso não significa que fora os casos em que a preclusão restaria de plano intocável (hipóteses vinculada à eventualidade e a seara recursal – prazos peremptórios), o ato processual se poderia dar a qualquer tempo futuro, já que como suscitado no critério exposto, este deve ser realizado em tempo não excessivamente longo, sob pena de vir a ser declarada a preclusão.

Tal modelo aplica-se adequadamente aos chamados prazos preclusivos dilatórios, e o campo fértil onde é cabível essa ponderação é o probatório [38], a partir da perspectiva constitucional de visualização do direito a provar como prioritário [39]. Tal perspectiva impõe que a formação da prova não seja indevidamente limitada pelo sistema processual, determinando-se assim uma relativização das regras jurídicas que inviabilizam ou tornam excessivamente difícil a utilização dos meios probatórios no feito, desde que devidamente requeridos e justificados pela parte interessada.

Vê-se que no momento instrutório, em que os processos com conteúdo fático significativo são realmente decididos, uma substancial preocupação com a ampla defesa, inclina a tomada de posição final mais justa pelo julgador, devolvendo legitimidade ao Poder Judiciário. Isso implica, por regra, em uma aceitação, pelo magistrado, dos meios de prova devidamente requeridos e justificados pelas partes, mesmo que produzidos eventualmente a destempo (mas desde que em lapso temporal não excessivamente longo); bem como em uma aplicação restrita da regra do art. 130, in fine, do CPC, que autoriza o juiz a indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias – corporificando-se efetivamente assim os comandos constitucionais que elevam o direito de provar ao patamar de prioritário (art. 5°, XXXV, LIV e LVI da CF/88).

É, sem dúvida, na seara probatória, que se visualiza com nitidez as conseqüências nefastas da aplicação sempre fria das disposições processuais (com carga preclusiva), a afastar a possibilidade da parte de provar o que alega e que expressamente registra interesse – ao que irá se somar a possível manifestação final do julgador no sentido de que a parte não se desincumbiu do ônus de provar o seu direito, nos termos do art. 333 do CPC, razão pela qual suas pretensões não podem prosperar.

Então, veja-se com cuidado: tal conclusão – comum na prática forense – acaba forçosamente a igualar (a) a parte que não se valeu do prazo preclusivo para apresentação de provas que eventualmente lhe trariam melhor sorte no juízo final, (b) daquela que também não se valeu do prazo, mas tinha interesse na produção da prova, justificou a sua necessidade no processo e requereu expressamente prazo razoável adicional para tanto (tendo relevância diminuta, nesse contexto, as razões pelas quais não cumpriu a determinação legal dentro dos estritos limites impostos pela lei). E é contra tal indevida equiparação que nos postamos, certos de que o direito prioritário a prova impõe que se analise as duas hipóteses supra-aviadas de maneira diferente – a exigir do julgador uma maior tolerância no segundo caso.

De qualquer forma, ponto relevante a ser devidamente repisado é a de que somente pensamos em relativizações da preclusão de faculdades no direito probatório, a ser ponderada pelo julgador da causa, partindo-se da premissa de que dentro do prazo processual determinado para a realização de determinado meio probante (prazo dilatório), a parte interessada, mesmo não apresentando contundente razão excepcional para não cumprimento tempestivo da disposição legal, se manifestou nos autos requerendo dilação de prazo, apontando para a importância do meio probante a integrar o feito mesmo a destempo. Aliás, como se infere de várias passagens anteriores, a preclusão atua sempre de maneira a evitar que a desídia ou desinteresse das partes prevaleça no processo – e, sob esse prisma, a ressalva ora colocada revela toda sua razão de ser.

Na mesma linha, mesmo que a parte interessada tenha se manifestado requerendo dilação de prazo para aportar aos autos importante meio de prova, vindo a deixar de apresentá-lo em tempo futuro razoável, presume-se a partir daqui a sua desídia ou desinteresse, cabendo então ao julgador que havia relativizado anteriormente o prazo preclusivo, vir agora a decretar a preclusão com correção.

Por isso, em linhas gerais, pode-se dizer que os critérios conjugados no modelo estabelecido nesse ensaio tratam de justificar a possibilidade de não aplicação literal do art. 181 do CPC (prazo dilatório), e apresentar uma nova dimensão de compreendê-lo, especialmente na seara do direito probatório; preservando-se o teor do dispositivo subseqüente (art. 182) a tratar dos prazos peremptórios – compreendidos estes nas específicas hipóteses em que expostos os limites à relativização da preclusão de faculdades (eventualidade e recursos).

Perfaz-se por esses caminhos, uma redefinição do peso dos valores e princípios envolvidos, a partir do teor de uma determinação processual contendo carga preclusiva, de modo a dar a cada um, seu devido espaço, viabilizando uma aplicação harmônica deles – o que ao fim e ao cabo, passará necessariamente pela ponderação do julgador diante de cada caso "sub judice", especialmente quando provocado pela parte interessa em ver estendido o prazo fixado em lei [40]. Como acentuado pela doutrina mais abalizada, não se podendo negar a importância dos valores e princípios éticos que devem atuar na interpretação e formulação das regras legais pelo magistrado [41], tem-se como necessário estabelecer um critério claro para tanto, deixando-se estipulado de maneira suficientemente segura até que limites um valor hermenêutico pode ser adotado na compreensão (e até exclusão) do preceito legal [42].

Foi com esse mote que ousamos apresentar uma solução para o problema da preclusão-efetividade versus segurança jurídica-devido processo legal, pregando-se a possibilidade (ao menos no campo do direito probatório – prazo dilatório) de uma redução do campo de incidência "crua" da preclusão processual, aumentando-se o campo de atuação das partes e por conseqüência da segurança jurídica na segunda acepção (como certeza maior do direito a ser declarado), sem que haja sobreposição excessiva dessa segurança sobre a efetividade (a ponto de restar desfigurada esta), e sem que haja um desvirtuamento da segurança jurídica na acepção primeira (previsibilidade/inalterabilidade das regras processuais), descambando-se o processo para um jogo sem qualquer regra definida – em que possa ser invocada, sem qualquer critério, a utilização de um suposto princípio ou valor constitucional para não se aplicar uma disposição legal-processual [43].

De todo o exposto (com a apresentação agora do modelo lógico apontado), o leitor mais desconfiado poderia indagar se a solução do imbróglio já não estaria toda ela contemplada no próprio código processual, ao regular a possibilidade de ser invocada a "justa causa" para não cumprimento do prazo, nos termos do art. 183 do CPC (expressão que muito se aproximaria do "motivo legítimo" registrado no art. 181 do CPC). Ocorre que, especialmente pela jurisprudência, sempre fora visto com muitas reservas tais expressões consagradas no diploma processual, a não contemplar propriamente uma dificuldade nem tão excepcional da parte a eventualmente ser superada em face à preservação dos fins do processo (a solução justa do caso concreto, e para tanto a garantia do direito prioritário à prova) [44] – ratificando-se que a questão básica enfrentada neste ensaio não são propriamente as razões pelas quais não foi observado estritamente o prazo previsto (se são ou não tão excepcionais); mas sim a importância da realização de um determinado ato processual relacionado a esse prazo (meio probante para um julgamento com maiores elementos de convicção - a conferir plena legitimidade à decisão, bem como ao órgão público prestador da tutela jurisdicional), e o requerimento expresso da parte interessada na produção do ato (confecção da prova - a criar a convicção da inexistência de flagrante desídia ou desinteresse, emergindo daí a presunção de que em lapso temporal diminuto irá ser produzido ou juntado o meio probante respectivo).

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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. Preclusão: Constituição e processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2599, 13 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17173. Acesso em: 4 mai. 2024.

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