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Linhas gerais sobre o processo administrativo previdenciário

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28/08/2010 às 14:43
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Abordam-se os princípios aplicáveis, os canais de atendimento, os meios de prova, o processamento eletrônico, os requisitos da decisão administrativa e o sistema recursal.

RESUMO

O presente trabalho destina-se a traçar um paralelo entre o processo administrativo instaurado perante os órgãos da Previdência Social e a ordem constitucional e legal em vigor, dispondo sobre todas as fases por que passa a análise dos benefícios previdenciários, princípios aplicáveis, formas de acesso ao serviço público e condições para a formulação do pedido administrativo, produção das provas e meios recursais disponíveis para a reforma das decisões administrativas.

Palavras-chave:

Processo, administrativo, previdenciário.

SUMÁRIO: 1. Introdução.2. Processo, procedimento, constituição e Estado democrático de direito. Princípios gerais e princípios específicos do processo administrativo previdenciário.3. A fase postulatória e os meios disponíveis aos beneficiários para acesso à previdência social.4. A fase de instrução probatória e a crise processual. Processamento eletrônico de benefícios, o reconhecimento automático de direitos e os sistemas corporativos da previdência social.5. O julgamento administrativo. A fase recursal.6. Conclusão.7. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO.

A atuação dos órgãos da Previdência Social na apreciação dos requerimentos de benefícios e serviços formulados pelos usuários tem colocado a matéria previdenciária como um dos serviços públicos mais relevantes na Administração Pública Federal, seja pelos dados estatísticos que confirmam uma demanda em crescimento na sociedade, seja pelo volume exponencial de recursos que são disponibilizados para pagamento das prestações previdenciárias.

A procura da população pelos benefícios e serviços previdenciários tem se elevado de forma considerável nos últimos cinco anos [01].

Até o mês de setembro de 2009, encontrava-se sob a responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS o pagamento de 26,8 milhões de benefícios (18,7 milhões urbanos; 8,1 milhões rurais e 3,1 milhões assistenciais da Lei Orgânica da Assistência Social), número equivalente à população da Venezuela [02].

Se de um lado verifica-se o aumento progressivo do número de requerimentos administrativos formulados pelos usuários da Previdência Social, estima-se que 97.000 novas ações judiciais previdenciárias são propostas por mês só nos Juizados Especiais Federais [03] [04], o que tem permitido questionar a própria qualidade das decisões emitidas pelos órgãos da Previdência Social.

Embora os números, por si sós, revelem a importância do serviço público previdenciário, até o momento pouco se produziu na legislação e na doutrina sobre o processo administrativo previdenciário, como veículo propulsor do reconhecimento dos direitos dos segurados.

Por inexistir lei específica ou decreto regulamentar que discipline o processo administrativo previdenciário, cabe extrair o regramento básico da matéria de dispositivos esparsos existentes na Constituição, na Lei nº 8.212/91 (custeio), Lei nº 8.213/91 (benefícios), Decreto nº 3.048/99 (regulamento da previdência social) e, principalmente, na Lei nº 9.784/99 (processo administrativo federal) e atos normativos produzidos pelo INSS e pelo Ministério da Previdência Social – MPS.

A proposta do presente trabalho é contribuir para se firmar, em linhas gerais, a forma pela qual os órgãos previdenciários atuam na análise da demanda previdenciária, explorando o conceito jurídico do processo previdenciário; os princípios gerais e específicos aplicáveis; os canais de atendimento disponibilizados pelo INSS ao cidadão; os meios de prova mais utilizados para a comprovação do direito do segurado; os principais sistemas corporativos que auxiliam a autarquia previdenciária na análise do direito ao benefício ou serviço; o processamento eletrônico e o reconhecimento automático de benefícios; os requisitos necessários para a emissão de uma decisão administrativa de qualidade; e o sistema recursal disponível para a reforma do ato decisório.

A abordagem da matéria recebeu um corte epistemológico, já que, com certa freqüência, a expressão processo administrativo previdenciário tem sido utilizada na doutrina e pelos órgãos previdenciários na edição de suas normas [05], como instrumento para a cobrança das contribuições previdenciárias, realidade esta não mais aceitável desde a edição da Lei nº 11.457/2007, quando a administração das receitas decorrentes das contribuições previdenciárias foi transferida para a União Federal, com a criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil.


2. PROCESSO, PROCEDIMENTO, CONSTITUIÇÃO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PRINCÍPIOS GERAIS E PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO.

No vernáculo, a palavra processo significa "ato de proceder, de ir por diante; sucessão de estados ou de mudanças; modo por que se realiza ou executa uma coisa; método, técnica" [06]. No conceito leigo ou vulgar da palavra processo existe a compreensão do amontoado de papéis anexados em uma capa ou pasta, numerados em ordem crescente, que retratam a análise de algum fato de interesse dos administrados ou da Administração.

No Estado brasileiro para cada função exercida por um dos poderes constituídos (Judiciário, Legislativo e Executivo) existe uma espécie de Processo, com características e princípios próprios. Processo judicial, processo legislativo e processo administrativo representam o meio pelo qual atuam essas funções estatais.

No passado, alguns administrativistas atribuíam a exclusividade da palavra processo enquanto atividade inerente à função jurisdicional do Estado, de natureza contenciosa e caracterizada pela intervenção do Estado-juiz para solucionar a lide deduzida pelo autor da ação, adotando a palavra procedimento para a atividade exercida pela Administração.

A utilização do vocábulo procedimento para designar a relação jurídica típica da função administrativa está arraigada na literatura jurídica há algum tempo e ainda hoje tem merecido atenção da doutrina.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona:

Não se confunde processo com procedimento. O primeiro existe sempre como instrumento indispensável para o exercício de função administrativa; tudo o que a Administração Pública faz, operações materiais ou atos jurídicos, fica documentado em um processo; cada vez que ela for tomar uma decisão, executar uma obra, celebrar um contrato, edita um regulamento, o ato final é sempre precedido de uma série de atos materiais ou jurídicos, consistentes em estudos, pareceres, informações, laudos, audiências, enfim, tudo o que for necessário para instruir, preparar e fundamentar o ato final objetivado pela Administração [07].

E arremata, "o procedimento é o conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos; equivale a rito, a forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um processo administrativo" [08].

Uma leitura mais atenta do texto constitucional se extrai o importante papel que mereceu o processo administrativo como instrumento de garantia dos direitos dos administrados.

Dentre algumas dezenas de dispositivos da Constituição dispensados à palavra processo pelo constituinte originário merece destaque a expressa menção ao termo "processo administrativo" no art. 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, cláusula pétrea não sujeita a alteração pelo legislador constituinte derivado. São os incisos LV, LXXII e LXXVIII do art. 5º [09] da carta constitucional que legitimam o uso da expressão processo administrativo para definir a disciplina da relação jurídica estabelecida entre a Administração Previdenciária e seus beneficiários, cujo conteúdo normativo será mais adiante aprofundado.

Com o advento da Lei nº 9.784/99 do processo administrativo federal, tornou-se mais usual a utilização da palavra processo como representativa dessa relação jurídica de direito público estabelecida entre a Administração e o administrado, momento em que passou a possuir contornos jurídicos melhor definidos, destinados à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins precípuos da Administração.

Não que o processo administrativo tencione ao reconhecimento dos direitos dos beneficiários, mas se apresenta como moldura ou parâmetro mínimo de comportamento do servidor público, garantindo ao cidadão a melhor análise administrativa possível. Se os atos administrativos são praticados pelos agentes públicos de forma a observar a ordem jurídica em vigor (princípio da legalidade), é o processo administrativo o instrumento utilizado no Estado Democrático de Direito para garantir regras mínimas pré-definidas que assegurem a análise administrativa segundo o esquadro da ordem jurídica [10].

Celso Antônio Bandeira de Mello disserta que:

Em decorrência do caráter funcional administrativo, a Administração deve buscar as finalidades legais através de um itinerário, de uma ordenação seqüencial de atos, isto é, de um processo e um procedimento, a fim de que fique assegurado que a conclusão final administrativa, isto é, o ato derradeiro, resultou de uma trilha capaz de garantir que a finalidade legal foi, deveras, atendida e se possa controlar a ocorrência deste resultado [11].

Daí a importância de estabelecer regras claras de atuação da Administração no curso do processo administrativo, seja quanto à forma, fixação de prazos para a prática dos atos, instrução adequada (colheita de provas), apresentação dos motivos que levaram ao raciocínio jurídico perpetrado na decisão e disponibilização de meios recursais aos administrados, de forma a garantir o controle da legalidade da análise administrativa, seja pela própria Administração, seja pelos interessados.

Esse controle institucional ou social é que permite o aperfeiçoamento do serviço público prestado pelo órgão estatal.

A doutrina, quando busca diferenciar os termos "regras de direito" e "princípios", invariavelmente chega à conclusão de que ambas estão categorizadas como norma jurídicas, destinando-se a primeira a regular uma dada situação de fato que, quando ocorrida, será atribuída uma conseqüência jurídica. Já o princípio, não obstante possuir conteúdo normativo, não se destina a disciplinar um dado caso concreto de forma direta e imediata, e sim, diante do forte conteúdo axiológico e abstração, presta-se como guia para que o aplicador do direito, no momento da subsunção do fato à norma, utilizando-se dos métodos de hermenêutica, construa a norma jurídica aplicável no caso concreto [12].

José dos Santos Carvalho Filho conceitua os princípios administrativos como "postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas" [13].

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No processo administrativo previdenciário podemos classificar os princípios em gerais e específicos. Princípios gerais são aqueles conhecidos por todos e bastante explorado na doutrina pátria, insculpidos no art. 37 da Constituição Federal e art. 2º da Lei 9.784/99: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público [14].

Alguns princípios específicos aplicáveis à relação jurídica previdenciária podem ser extraídos da legislação, dentre os quais: a obrigatoriedade da concessão do benefício mais vantajoso; a primazia da verdade real; a oficialidade na atuação dos órgãos para a realização de requerimentos administrativos e produção de provas; e a presunção de veracidade dos dados constantes nos sistemas corporativos da Previdência Social [15].

O princípio da obrigatoriedade da concessão do benefício mais vantajoso destina-se a oferecer ao beneficiário a situação jurídico-financeira mais favorável possível. No momento do julgamento administrativo, mesmo que o segurado ou dependente requeiram espécie de benefício diversa, ou mesmo seja possível duas ou mais interpretações jurídicas sobre o caso concreto, devem os servidores do INSS verificar as provas produzidas nos autos e, caso constatado o direito a benefício diverso do requerido e/ou mais vantajoso economicamente, informar ao interessado e, no caso de anuência deste, proceder à concessão do benefício [16].

O princípio da primazia da verdade real pretende orientar os órgãos da Previdência Social a não ficarem adstritos aos documentos apresentados pelos interessados quando possível a obtenção de outras provas que auxiliem no esclarecimento do direito alegado, aproximando a conclusão do processo administrativo ao que verdadeiramente ocorreu no mundo dos fatos.

O princípio da oficialidade exige uma atuação proativa por parte dos órgãos previdenciários. Diferentemente do que ocorre no Judiciário, devem os órgãos públicos: atuar em busca de provas independentemente da provocação do interessado; formular requerimento administrativo em favor do interessado nos casos previstos na legislação; e reconhecer automaticamente o direito ao benefício quando os sistemas corporativos da Previdência Social indicarem a presença dos requisitos legais para sua concessão [17].

Os dados e informações constantes nos sistemas corporativos da Previdência Social, como todo ato administrativo, gozam da presunção de veracidade, presumindo-se verdadeiros enquanto não apresentadas outras provas que infirmem o seu valor probatório (STJ. EREsp 519988/CE ).


3. A FASE POSTULATÓRIA E OS MEIOS DISPONÍVEIS AOS BENEFICIÁRIOS PARA O ACESSO À PREVIDÊNCIA SOCIAL.

O processo administrativo previdenciário é deflagrado mediante pedido formulado pelo segurado ou dependente e, em algumas situações específicas, pelo empregador ou de ofício pela Administração.

A relação jurídica processual possui, no pólo ativo, o segurado ou dependente que mantêm relação de seguro social com o Estado. No pólo passivo, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia federal, com personalidade jurídica de direito público interno e, na fase recursal, o Conselho de Recursos da Previdência Social, órgão do Ministério da Previdência Social (União Federal).

Os segurados e dependentes podem postular perante a Previdência pessoalmente, por meio do seu representante legal (pais, tutores, curadores, etc.), por terceiros com poderes de representação (procuração) ou pelo administrador provisório. Os maiores de 16 (dezesseis) anos de idade [18] possuem legitimidade para postular perante a Previdência.

O INSS tem admitido a formulação de requerimentos administrativos por administrador provisório, considerando como tal o parente ou qualquer pessoa que se apresentar, independentemente da apresentação de termo de curatela judicial, quando o requerente seja portador de doença mental, mediante entrega de simples declaração alegando a situação peculiar que passa o interessado e o impede de formular o requerimento pessoalmente. Embora de legalidade duvidosa, já que a tutela dos interesses dos incapazes possui disciplina normativa específica na legislação civil [19], exigindo-se a intervenção jurisdicional obrigatória para a designação do representante legal do interdito (o curador) e participação do Ministério Público, o entendimento do INSS que dispensa a apresentação da sentença judicial de interdição tem sido adotado para simplificar e facilitar o acesso dos segurados aos benefícios e serviços da Previdência Social.

A própria Lei nº 8.213/91, nos artigos 110 e 111, admite o pagamento de benefício devido ao incapaz para o herdeiro necessário, por um período de 6 (seis) meses, mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento. Da mesma forma confere legitimidade ao ato jurídico de pagamento realizado ao menor de idade, a partir dos 16 anos, independentemente da presença dos pais ou do tutor.

São situações que aparentemente divergem da matéria tratada pelo Código Civil, mas reafirmam a especialidade e prevalência das normas previdenciárias em relação à legislação civil.

A empresa, o sindicato ou a entidade de aposentados devidamente legalizada podem, mediante convênio com a Previdência Social, processar requerimento de benefício em favor do seu empregado ou associado e respectivos dependentes [20].

A Previdência Social deve processar de ofício o benefício quando tiver ciência da incapacidade do segurado, sem que este tenha requerido auxílio-doença, sendo facultado à empresa protocolizar requerimento de auxílio-doença ou documento dele originário de seu empregado ou de contribuinte individual a ela vinculado ou a seu serviço [21].

A Previdência Social oferece como meios à formalização do requerimento administrativo: acesso pela rede mundial de computadores (endereço eletrônico www.previdencia.gov.br), pelo telefone (Central 135) ou diretamente nas unidades de atendimento do INSS (Agências de Previdência Social).

Como regra geral, realiza-se o agendamento do atendimento do segurado ou dependente por contato telefônico ou pelo acesso à página da internet da Previdência Social, comparecendo o interessado na Agência da Previdência Social na data e hora agendadas.

Alguns serviços estão disponíveis para atendimento imediato pela Central 135 ou pela página da Previdência na internet, dentre os quais, a orientação e informação sobre os serviços disponíveis; requerimento de auxílio-doença; pedido de prorrogação e de reconsideração de benefício por incapacidade; consulta às perícias agendadas; verificação da data de pagamento de benefício; informação sobre a situação do benefício; inscrição do contribuinte; cálculo da contribuição em atraso; registro de reclamação, sugestão, elogio e denúncia junto à Ouvidoria [22]. Outros serviços são apenas agendados para o comparecimento pessoal do segurado a uma das Agências de Previdência Social.

Como bem pontuou Viviane Masotti [23], a variedade dos meios de acesso do cidadão à Previdência Social torna efetivo o princípio constitucional da universalidade da cobertura e do atendimento, constante no inciso I, parágrafo único, art. 194 da Constituição Federal.

A apresentação de documentação incompleta às unidades da Previdência Social não é motivo suficiente para a recusa ao processamento do pedido formulado [24], devendo o requerimento ser recebido pelo servidor e, no caso de insuficiência documental, deve o interessado ser intimado para a complementação das informações, com a emissão de carta de exigências para seu endereço residencial, fixando-se prazo mínimo de 30 (trinta) dias [25] para cumprimento.

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Sobre o autor
Allan Luiz Oliveira Barros

Allan Luiz Oliveira Barros. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Atuou na Procuradoria Federal junto a Superintendência Nacional de Previdência Complementar - Previc. Membro da Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC). Mestrando em Direito e Políticas Públicas pela UNICEUB. Máster en Dirección y Gestión de Planes y Fondos de Pensiones pela Universidade de Alcalá, Espanha. Pós-Graduado em Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito Previdenciário e da Escola da Advocacia-Geral da União. Editor do site www.allanbarros.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Allan Luiz Oliveira. Linhas gerais sobre o processo administrativo previdenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2614, 28 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17278. Acesso em: 19 abr. 2024.

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