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De Nuremberg a Haia: uma análise histórica sobre o desenvolvimento dos Tribunais Internacionais Penais

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06/09/2010 às 17:36
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O universalismo dos preceitos de um Tribunal deste jaez é o cume de um longo processo de organização de mecanismos punitivos cada vez mais internacionalizados.

1. Introdução

Em tempos onde, sob o argumento de uma "guerra ao terror", vemos o Estado imperialista perpetrar invasões e cometer atrocidades na persecução de seus interesses escusos, inúmeras vezes sob a guarida de instituições que pretendiam garantir a paz mundial, o mundo observa atônito a fragilidade de seus supostos valores democráticos.

Por sua vez, o discurso dos direitos humanos torna-se mais eloqüente, mais pujante, visando ultrapassar as fronteiras estatais.

De fato, o início do século XXI parece estar em face da mesma problemática e oferece o mesmo caudal de respostas e afirmativas que no final da primeira metade do século XX, quando os resultados da hecatombe fascista puderam ser contabilizados e mecanismos de resposta acionados.

Quando observamos as análises teóricas que se debruçam sobre a formação das Nações Unidas e a afirmação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, resta nítido que a evolução de tais institutos sustenta-se como uma resposta aos abusos realizados na Segunda Grande Guerra.

A recente consolidação de um Tribunal Penal Internacional para julgar certos delitos considerados "atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade" é o resultado da conscientização coletiva da necessidade de se punir quem afronta a raça humana naquilo que lhe é mais caro?

O mundo contemporâneo parece encontrar-se afoito por saídas e alternativas do impasse em que se encontra.

A aparente derrocada das ideologias de igualdade e fraternidade, a corrida pelo lucro e o mercado cada vez mais predatório lançam um homem em um dilema e nos encontramos em um beco sem saída.

Neste cenário, vemos emergir o Tribunal Penal Internacional como o resultado da arregimentação de esforços na tentativa de constituir-se uma Corte, de caráter global, para punir aquele que cometer os crimes mais atrozes e que afetem diretamente a comunidade internacional.

O universalismo dos preceitos de um Tribunal deste jaez é o cume de um longo processo de organização de mecanismos punitivos cada vez mais internacionalizados no intuito de instituir-se uma rede global de prevenção e punição, um Direito Internacional Penal, diretamente relacionado com as demandas da nova ordem mundial.


2. Um breve esboço sobre a relação entre Direito e História

As diversas vertentes do pensamento marxista atribuem e debruçam-se sobre o direito através de perspectivas distintas, atribuindo valores diferenciados e observando a relação entre direito e poder econômico sob pesos diversos.

Contudo, é indubitável que o direito exerce peculiar função na sociedade, pois, além de ser um fenômeno de expressão das relações materiais de um tempo e de certos homens, possui a função de estatuir e codificar o status de sua origem.

A primeira implicação envolvida está em separar o que Marx define como elementos de superestrutura e infraestrutura.

Elementos de infraestrutura seriam os alicerces da dominação, as relações econômicas que produzem os elementos de superestrutura.

À guisa de exemplo, salutar é a análise feita por Gramsci sobre a divisão de poderes e os atritos entre classes:

A divisão dos poderes e toda a discussão havida para sua efetivação e dogmática jurídica derivada de seu advento constituem o resultado da luta entre a sociedade civil e a sociedade política de um determinado período histórico, com certo equilíbrio instável entre as classes [...]

Importância essencial da divisão dos poderes para o liberalismo político e econômico: toda a ideologia liberal, com suas forças e suas fraquezas, pode ser resumida no princípio da divisão dos poderes, e surge a fonte da debilidade do liberalismo: a burocracia, isto é, a cristalização do pessoal dirigente, que exerce o poder coercitivo e que, num determinado ponto, se transforma em casta [01].

Os elementos de superestrutura, na qualidade de expressões das relações econômicas, dariam legitimidade discursiva às relações de dominação, segundo Alysson Mascaro:

Na terminologia de Marx, no todo da vida social há uma base real, uma infra-estrutura das relações sociais, na qual se situa o eixo central da exploração produtiva, e, a partir dela, uma superestrutura das relações sociais. Mais nos determina a infra-estrutura, como um alicerce determina as paredes que se levantarão posteriormente num prédio [02].

Entre os elementos de superestrutura, inclui-se a ideologia, a cultura e o direito, como aparelho normativo que atende às necessidades da classe dominante, havendo uma determinação imediata entre tais elementos e a base econômica, como informa Márcio Naves:

No período de A ideologia alemã Marx estabelece o principio de determinação imediata entre a base econômica e a superestrutura, resultando disso que esta última aparece como uma "emanação direta" das relações econômicas. Ele estabelece também o principio do primado das forças produtivas sobre as relações de produção, segundo o qual são as forças produtivas que "comandam" o desenvolvimento histórico [03].

Sem sombra de dúvida, o papel do direito é fundamental na articulação do capitalismo em suas diferentes fases, de tal forma que Marx considera que apenas durante o capitalismo podemos falar em instituições jurídicas propriamente ditas, assim ressalta Alysson Mascaro:

Ao olhar para essa longa história dos modos de produção, Marx verifica que somente na dominação do tipo capitalista houve instituições que possam ser denominadas de especificamente jurídicas. Claro está que antes do capitalismo, outras sociedades chamavam seus arranjos políticos de direito, mas esse direito do passado, assim chamado em sentido lato, não tem a mesma estrutura específica do direito no capitalismo [04].

O fundamento do direito encontra base nas relações de poder, sendo tais relações expressões de circunstâncias materiais propriamente ditas, não de um consenso universal, um contrato civilizatório coletivo ou um direito natural. Assim afirmam Marx e Engels:

Na história real, aqueles teóricos que consideravam o poder como fundamento do direito formavam a oposição frontal àqueles que encaravam a vontade como a base do direito. [...]

Se o poder é suposto como a base do direito, como fazem Hobbes etc., então direito, lei etc. são apenas sintomas, expressões de outras relações nas quais se apóia o poder do Estado. A vida material dos indivíduos, que de modo algum depende de sua mera "vontade", seu modo de produção e as formas de intercâmbio que se condicionam reciprocamente são a base real do Estado e continuam a sê-lo em todos os níveis em que a divisão do trabalho e a propriedade privada ainda são necessárias, de forma inteiramente independente da vontade dos indivíduos. Essas condições reais de modo algum forma criadas pelo poder do Estado; elas são, antes, o poder que o cria. Os indivíduos que dominam nessas condições, abstraindo o fato de que seu poder deve constituir como Estado, têm de conferir à sua vontade condicionada por essas condições bem determinadas uma expressão geral como vontade do Estado, como lei – uma expressão cujo conteúdo sempre é dado pelas condições dessa classe, do que o direito privado e o direito criminal são a prova mais cabal [05].

O poder pessoal deve se constituir então como a expressão das condições de vida de uma generalidade, expressão condensada na lei como imperativo geral que ocasiona ao dominar renúncia de poder excepcionalmente e controle na média.

Após a ascensão e derrocada do projeto fascista na Europa e o desdobramento de um mundo bipolarizado, as formações discursivas se reorganizaram formando novos paradigmas:

Ao tempo em que trevas se anunciavam na Europa, as armas dos liberais e dos socialistas foram ambas soterradas em favor de mistificados argumentos de raça e da força de exércitos imperialistas. Tempos de obscuridade e de guerra, como, de outro modo, parecem ser os atuais novamente. Naquela altura, boa parte da política, da filosofia e das religiões se lançou ou ao silêncio ou ao pacto de legitimação dos poderes existentes. Ao pensamento crítico, restou a retaguarda.

No direito, o resultado de tal política de trevas foi a destruição de qualquer respeito institucional aos direitos humanos, à dignidade existencial, em troca dos argumentos da força do Estado ou de distinções como a de amigo-inimigo. Em oposição a esse quadro, as velhas forças humanistas – a maior parte delas vinculada às mesmas religiões que, em sua outra faceta, silenciavam quanto ao Reich – proclamaram, sem maior crítica, a volta do direito natural, eterno, metafísico e quase que revelado [06].

Se a experiência devastadora das duas grandes guerras mundiais ainda se processava no imaginário social em meio às transformações cada vez mais rápidas do espaço material, logo o homem precisaria lidar com uma nova ordem mundial bipolarizada.

A afirmação dos direitos humanos liderada pelas correntes humanistas do direito internacional em coalizão com doutrinas religiosas e movimentos pacifistas associou-se teoricamente à base ideológica do direito natural, criado séculos antes, sem maiores condições e ressalvas.

O resultado foi o desenvolvimento dentro do direito internacional de um direito internacional dos direitos humanos.

Nesse sentido, o desenvolvimento das leis penais, que vão se encaminhando para uma certa uniformidade, e o desenvolvimento da ideia e das práticas de colaboração internacional em repressão aos delitos concorrem para a formação de uma civilização homogênea, com um ordenamento jurídico uniforme, com iguais necessidades, regras morais e hábitos de vida.

No âmbito do direito penal interno é evidente a aplicação desta esfera do direito como mecanismo do Estado-Nação de subordinar seus cidadãos. O Estado é por essência titular do direito de punir, o jus puniendi, vedando a vingança privada.

Ocorre que, na articulação de uma justiça penal universal, inúmeros atores entram em cena diferentemente da articulação nacional interna. Por exemplo, as organizações não governamentais exerceram um papel determinante na criação do Tribunal Penal Internacional:

Nos trabalhos preparatórios do tratado, em Roma, estavam presentes nada mais nada menos do que 124. A organização No Peace Without Justice exerceu uma pressão particularmente determinante. Mais do que uma ONG no sentido estrito do termo, tratava-se de um comité englobando parlamentares, juristas, edis e cidadãos, reunidos sob a causa da justiça internacional, cujas posições foram fortemente difundidas pelo Transnational Radical Party, sob a batuta de Emma Bonino. Esta estrutura informal oferecia os seus serviços aos governos mais pobres para pagar aos seus peritos ou manter uma delegação durante cinco semanas em Roma [07].

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As ONGs constituem novos poderes, móveis e transnacionais, que entram em cena na consolidação da nova ordem mundial que encontramos.

A justiça penal universal apresenta um conteúdo teórico utópico e um plano realista prático. Segundo as vozes doutrinárias, a evolução deste último plano é a aproximação do primeiro, ou seja:

O desenvolvimento de uma justiça penal universal cada vez mais consciente, transparente, democrática e universal se desvincula de seu contexto político e histórico e atinge a tão sonhada universalidade.

Por que é que a opinião pública democrática se mostra mais sensível do que qualquer outra às violações dos direitos do homem? O apoio das sociedades ditas livres à ideia da justiça penal internacional explica-se pelo traço comum dos países democráticos:

Na perspectiva liberal, nenhuma actividade humana, nenhum poder – mesmo o de fazer a guerra- deve estar à margem do direito. A lei deve delimitar toda a actividade humana e permitir a um juiz ponderar a força. O legalism, a crença nas virtudes do direito, pressupõe uma maneira justa de fazer as coisas, regulada a partir do exterior, prevista de antemão e assim subtraída à arbitrariedade pela intervenção de um terceiro poder independente. O governo "segundo as regras e não segundo os homens" é, efectivamente, um dos dogmas do liberalismo: é essa a ideia do rule of law.

(...)

O aparecimento de uma justiça penal internacional marca a passagem para uma sociedade mais individualista, para a qual a vida de um homem, independentemente das suas pertenças nacional, cultural ou política, tem um valor superior. A omnipresença dos corpos na justiça penal universal – do corpo em sofrimento da vitima ou do corpo do soberano acusado [08].

O sonho de julgar a História se alimenta da decrepitude desta diante da eterna juventude dos valores da justiça.

Sem o seu uniforme, Pinochet não é mais do que um idoso doente destituído de toda a sua soberba. O corpo simbólico desertou do corpo físico: sem ele, este não é senão um corpo velho e doente. A cerimônia judiciária alimenta-se do declínio do poder totalitário, da desinvestidura dos tiranos, do inverso da sagração. É a vez do ditador se apresentar "nu entre as pessoas vestidas". A sua dimensão política está agora confinada a seu próprio corpo, a um corpo semelhante àqueles que submeteu à tortura. O seu uniforme fulgurante surge como um traje de impostura, como uma túnica falsa. Isso só é possível graças ao universo simbólico do palco judiciário [09].

É importante frisar que o que se tem em consideração não é a condescendência com as barbáries praticadas, muito menos se recusa o beneficio em se julgar tais condutas. O que se espera é realizar uma análise critica da utopia da justiça universal, observando suas contradições implícitas, a origem de seus ideais e a inevitável falibilidade de certos aspectos seus.


3. A Justiça dos Vencedores

Em um primeiro momento, a articulação do poder de punir do Estado restringia-se ao poder exercido sobre seus súditos.

Com a pirataria e os Tratados de Navegação, passou-se a considerar certos indivíduos como hostis em um plano internacional dando azo à punição destes, independentemente do local em que se encontravam ou seu país de origem.

No contexto das guerras, a vitória era a consagração natural da justiça, dando o poder ao vitorioso para julgar e punir o vencido conforme seu bel-prazer.

O que vemos na pós-modernidade é a sofisticação de tais mecanismos punitivos internacionais na forma da tipificação e conceituação de determinadas condutas e o desenvolvimento de tribunais internacionais que culminarão na criação do Tribunal Penal Internacional, instituição que constitui marco na história da articulação de tais mecanismos e no desenvolvimento de uma justiça penal universal.

A ideiade julgar os autores de crimes de guerra e de graves atentados contra os chamados direitos das pessoas é muito antiga, conforme lição de Ariel Dotti (2007) [10]:

A primeira Corte Penal Internacional foi instituída no século XV (ano 1474) em Breisach (Alemanha). Era composta por 27 juízes do Sacro Império Romano para julgar e condenar Peter VON HAGENBACH por violações às leis de Deus e dos homens, porque autorizou suas tropas a seqüestrar e matar civis inocentes e usurpar suas propriedades.

Ao final, Von Hagenbach foi condenado à morte por violar as leis de Deus e dos homens durante a ocupação militar. Dali em diante, pouco se modificou ou se aperfeiçoou em virtude da consolidação das noções de soberania e independência dos Estados, como ensina Jankov:

A questão relativa à justiça internacional penal foi retomada com a Paz de Westphalia de 1648. Com o desenvolvimento do direito dos conflitos armados a partir da metade do século XIX, os conceitos de processos judiciais por violações do direito humanitário começaram a crescer. Um dos fundadores do movimento da Cruz Vermelha, ocorrido em Genebra em 1860, preconizava um estatuto provisório para uma corte internacional criminal. Sua tarefa seria processar e julgar graves violações da Convenção de Genebra de 1864 e outras normas de direito humanitário. No entanto, a proposta inovativa de Gustave Monnier era muito radical para o seu tempo [11].

Após a primeira grande guerra, sob a pressão das opiniões públicas, francesa e inglesa, buscou-se julgar os alemães em face de suas atrocidades. As potências vencedoras, Inglaterra e França, sob a liderança de Lloyd George e David Clemenceau, respectivamente, ambicionaram responsabilizar Guilherme II da Alemanha pelo saldo final do confronto levando-o a julgamento, além de oficiais turcos e alemães.

Na Conferência de Paz de Paris (1919) (Paris Peace Conference), os Aliados debateram as possibilidades de realização de julgamentos, especialmente do Kaiser Alemão, criminais de guerra alemães e oficiais turcos por crimes contra as leis da humanidade.

Os julgamentos assemelharam-se a procedimentos disciplinares do exército e configuraram uma derrota para os julgadores, ficando conhecidos como "Julgamentos de Leipzig" (Leipzig Trials).

É chegada a hora do ajuste de contas. A vitória traz a justiça. A justiça do vencedor. Assim, Garapon examina:

A vitória permanece um sinal de eleição divina. Ao recusarem o veredicto das armas e ao remeterem-se a um tribunal para consagrar a sua vitória, os Aliados queriam refazer o caminho que, no século XII, conduziu à justiça penal do ordálio no processo, da intervenção do sobrenatural na convicção da razão. Com a introdução no Tratado de Versalhes do famoso art. 227.° os dirigentes políticos colocavam-se em consonância com a sua opinião pública, por vezes mais do que seria o seu desejo [12].

Guilherme II refugiou-se na Holanda, que se recusou a entregá-lo, ironicamente, o país que sedia hoje o Tribunal Penal Internacional.


4. Os Tribunais de Nuremberg

Após a Segunda Guerra, a ideia de se punir os nazistas já se encontrava cristalizada. A divulgação e descrição dos horrores do holocausto, bem como o interesse nítido de desnazificar a Alemanha foram fundamentais para a formação de uma esmagadora opinião favorável à criação do futuro Tribunal de Nuremberg.

Sondagens efectuadas mostravam que as opiniões públicas inglesa e americana eram maioritariamente favoráveis a uma punição dos criminosos de guerra alemães. Mas quem diz punição não diz necessariamente processo: a ideia de uma comparência perante um tribunal germinou sobretudo entre as elites. Assim a primeira jurisdição verdadeiramente internacional foi instituída em 1945, pelos Aliados, mais exactamente pelos Americanos. Churchill, que guardava ainda na memória o doloroso revés de Leipzig, inclinava-se inicialmente para uma solução expeditiva, que consistiria em executar os dignitários nazis e julgar apenas os quadros intermédios e oficiais de baixa patente. Mas quando Estaline propôs a execução de vários milhares de nazis, ficou chocado e aderiu à opção judicial proposta por Roosevelt [13].

O anseio de processar os líderes nazistas foi manifestado pelos Aliados, na Declaração de Moscou de 1943, sendo o Tribunal Militar Internacional (IMT- International Military Tribunal) instituído pelo Acordo de Londres de 08 de agosto de 1945 [14].

O Tribunal era composto por representantes de cada Aliado signatário não podendo a recusa da Corte e seus membros ser arguida como matéria pela Acusação ou Defesa por nenhum motivo, conforme Estatuto do Tribunal anexado ao Acordo de Londres:

STATUT DU TRIBUNAL MILITAIRE INTERNATIONAL

I- CONSTITUTION DU TRIBUNAL MILITAIRE INTERNATIONAL

(...)

Article 2

Le Tribunal sera composé de quatre juges, assistés chacun d’un suppléant. Chacune des Puissances signataires désignera un juge et un juge suppléant. Les suppléants devront, dans la mesure du possible, assister à toutes les séances du Tribunal. En cas de maladie d’un membre du Tribunal ou si, por toute autre raison, il n’est pas en mesure de remplir ses fonctions, son suppléant siégera à sa place.

Article 3

Ni le Tribunal, ni ses membres, ni leurs suppléants ne pourront être récuses par le Ministère Public, par les accusés, ou par leurs défenseurs. Chaque Puissance signataire pourra remplacer le juge ou le suppléant désignés par elle, pour raisons de santé ou pour tout autre motif valable, mais aucun remplacement, autre que par un suppléant, ne devra être effectué pendant le cours d’un procès [15].

Prevendo o evidente calcanhar de Aquiles do Tribunal, a saber, a total parcialidade dos julgadores, as potências aliadas no Estatuto logo impossibilitaram o possível não reconhecimento do Tribunal por parte de um de seus réus.

O Tribunal possuía competência para julgar os crimes contra a paz, que consistiam em "projetar, preparar, desencadear ou prosseguir uma guerra de agressão ou uma guerra feita em violação de tratados, acordos ou compromissos internacionais" [16], os crimes de guerra, que consistiam nas violações às leis e costumes de guerra e, finalmente, o crime contra a humanidade, definido como o "assassínio, extermínio, sujeição à escravatura, deportação ou qualquer outro ato desumano cometido contra quaisquer populações civis, ou perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos, quando tais atos ou perseguições forem cometidos na seqüência de um crime contra a paz ou de um crime de guerra ou estiverem ligados a estes crimes" [17]. Sobre o resultado informa Garapon:

Este processo gigantesco, que comportaria quatrocentas e três sessões, ouviria cento e dezesseis testemunhas e se realizaria em quatro línguas, e do qual restam quarenta e dois volumes de documentos e retranscrição de debates, assinala incontestavelmente uma ruptura histórica. No entanto, não faltam criticas passiveis de lhe ser apontadas [18].

Conforme asseverado, a imparcialidade dos juizes era nula considerando que cada um dos Magistrados e Procuradores provinha de um dos Aliados: França, Inglaterra, EUA e URSS.

A qualificação do crime contra a humanidade não existia antes do cometimento dos crimes, o que configuraria uma violação ao princípio "nulla pœna sine lege", o qual impossibilita a condenação de alguém em razão de cometimento de fato posteriormente incriminado.

Para a tipificação dos "Crimes de Guerra" houve uma simples translação do que já existia no âmbito do Direito Internacional e quanto aos "Crimes contra a Paz" o Tribunal Militar Internacional referiu-se às Convenções da Haia e ao Tratado de Renúncia à Guerra (Pacto de Paris ou Briand-Kellog, de 1928).

As Convenções de Paz da Haia (1899 e 1907) previam a obrigatoriedade de utilização dos mecanismos pacíficos de solução de controvérsias, por sua vez o Pacto de Briand-Kellog estabelecia utopicamente que jamais se recorreria à guerra.

Os crimes elencados no Estatuto recebiam críticas também em razão de seu caráter de lege imperfetae, ou seja, norma que não comina em sanção, denominação de um crime sem estabelecimento de uma pena prévia. Também não havia a possibilidade de se recorrer da sentença editada.

Pode-se notar a ausência do elencamento do "Crime de Genocídio", fato explicado porque tal conceito somente surgiria em 1948 por criação de Raphael Lemkin.

Mas o desassiso maior se encontra no que os anglo-saxões denominam de "tu quoque": A expressão ficou célebre pela frase de Júlio César ao ser assassinado: "Até tu, Brutus!" Assim o tu quoque é a ideia de que ninguém pode invocar normas jurídicas após descumpri-las, ou seja, como poderiam acusar os nazistas de atos que os Aliados haviam igualmente cometido?

Apesar de todas as críticas, os julgamentos foram levados a cabo e seu principal papel aparentemente fora cumprido: desnazificar a Alemanha.

Em outubro de 1945, 24 foram pronunciados e seu julgamento, conhecido como Julgamento dos Grandes Criminosos, iniciou-se no mês seguinte. Um ano depois os julgamentos eram concluídos, com a condenação de 19 dos acusados e a imposição de pena de morte em 12 casos [19].

Do mesmo modo, prevendo a possibilidade de mais julgamentos e a viabilidade de criação de novos tribunais, o Acordo de Londres consignou desde já tal possibilidade.

De fato, o que ocorreu não foi um Tribunal Internacional Militar de Nuremberg, mas vários Tribunais de Nuremberg, constituídos com a versão modificada do Estatuto do Tribunal Militar Internacional, conhecida como Control Council Law n. 10, de dezembro de 1945, permitindo aos Aliados processarem os nacionais alemães nas respectivas zonas de ocupação.

No Pacifico, instituiu-se o "Tribunal Militar Internacional para o Extremo-Oriente" (IMTFE – International Military Tribunal for the Far East), promulgado em Tóquio, em 19 de janeiro de 1946, com princípios similares aos de Nuremberg, mas sem a pompa de seu antecedente. "O processo de Tóquio não deixou as mesmas marcas, talvez devido à distância geográfica, mas também às tensões muito acesas que marcaram o inicio da descolonização" [20].

Sem sombra de dúvida, o Tribunal de Nuremberg constituiu-se como marco histórico no âmbito do direito internacional penal e na persecução de uma justiça penal universal.

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Sobre o autor
Juan Pablo Ferreira Gomes

Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas com Habilitação em Direito Internacional. Tribuno do Ano de 2009 no VII Júri Simulado do MPE/AM congratulado com a medalha Flávio Queiroz de Paula.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Juan Pablo Ferreira. De Nuremberg a Haia: uma análise histórica sobre o desenvolvimento dos Tribunais Internacionais Penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2623, 6 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17311. Acesso em: 3 mai. 2024.

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