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Antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia à luz do direito internacional e constitucional brasileiro

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Desde a Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993 que "os direitos das mulheres são direitos humanos" (women´s rights = human rights). Realidade ou mera proclamação? Se é certo que de dia para dia se registram consideráveis avanços no reconhecimento e na fruição efectiva dos direitos fundamentais pelas mulheres, é igualmente verdade que com a mesma freqüência muitas mulheres se vêem privadas dos seus direitos mais básicos e essenciais, o que impede a sua cidadania plena.

Vânia Magalhães (Assessora do Centro de Direitos Humanos, Ius Gentium Conimbrigae, FDUC)

RODRIGUES, Anabela Miranda et al. Direitos humanos das Mulheres. Coimbra: Coimbra, 2005, p. 01.


SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A proteção internacional dos Direitos humanos das Mulheres. 3. Os direitos humanos na Constituição Federal brasileira. 4. A dignidade humana na Constituição Federal de 1988. 5. O conceito de anencefalia. 6. O Direito à vida x o Direito à liberdade e dignidade. 7. A ADPF N. 54. 7. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

Este artigo pretende abordar um tema polêmico e atual: a possibilidade de antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia comprovada, à luz do direito internacional e constitucional brasileiro.

Inicialmente analisar-se-ão alguns Tratados Internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil, cujas finalidades precípuas são, em síntese - a salvaguarda da liberdade, dignidade humana, a não discriminação e a promoção da igualdade -. Nesse sentido também serão apresentados os documentos internacionais de proteção aos direitos humanos das mulheres nos planos global e regional.

Em seqüência demonstrar-se-á, com base no direito à liberdade e no princípio da dignidade humana, pilares de sustentação da democracia brasileira, que há flagrante incompatibilidade entre a existência de um arcabouço de proteção dos direitos humanos das mulheres internacionalmente e na Constituição Federal de 1988, e a existência do tipo penal aborto, art. 124, do Código Penal aplicável à mulher que praticar a interrupção da gravidez de fetos não viáveis pela anencefalia.

Nesse contexto, apresentaremos o conceito de anencefalia e justificativas plausíveis para a possibilidade de antecipação do parto nesses casos.

Por fim, pretende-se apresentar e argumentar acerca dos fundamentos da ADPF, proposta no Supremo Tribunal Federal e ainda pendente de decisão, demonstrando a importância do seu acolhimento para a proteção dos direitos humanos das mulheres.


2. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES

Os direitos fundamentais visam a resguardar os valores mais preciosos da pessoa humana, ou seja, a vida, a igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana.

As normas de direitos fundamentais afirmam valores que incidem sobre a totalidade do ordenamento jurídico e servem para iluminar as tarefas dos órgãos judiciários, legislativos e executivos. Implicam, portanto, em uma valoração de ordem objetiva. O valor contido nessas normas, revelado de modo objetivo, espraia-se necessariamente sobre a compreensão e a atuação do ordenamento jurídico [01].

Cristina Queiroz entende que "as normas constitucionais reconhecedoras de direitos fundamentais não garantem apenas direitos subjetivos, mas ainda princípios objetivos básicos da ordem democrática e constitucional do Estado de Direito" [02].

Quando se afirma a dupla dimensão dos direitos fundamentais – subjetiva e objetiva –, deseja-se realçar que as normas que estabelecem direitos fundamentais não apenas garantem direitos subjetivos, mas também fundam princípios objetivos orientadores do ordenamento jurídico. Uma das mais importantes conseqüências da dimensão objetiva dos direitos fundamentais consiste no dever do Estado de lhes assegurar proteção ampla e irrestrita.

Segundo Thomas Marshall [03], apud Virgínia Ferreira, seria a seguinte ordem cronológica de conquista de direitos pela humanidade:

No século XVII teríamos assistido ao reconhecimento dos direitos civis – dos direitos perante a lei – e estamos a incluir aqui, vale a pena lembrar, a liberdade de fixar residência, de expressão, de pensamento e religião, o direito à propriedade, à celebração de contratos, o direito do exercício da profissão escolhida, o direito à justiça e à não discriminação. No século XIX, teriam sido consolidados os chamados direitos políticos, que dizem respeito, basicamente, à capacidade de eleger e ser eleito e, finalmente, no século XX, haveria que assinalar o grande marco constituído pela aquisição dos direitos sociais: o direito à assistência social, o direito a um salário mínimo, o direito à educação, à habitação etc. Seriam os chamados direitos sociais, econômicos e culturais.

Embora os direitos fundamentais possuam um caráter universal, alguns agrupamentos de pessoas, como os negros, povos indígenas, homossexuais e as mulheres ainda constituem grupos vulneráveis a várias formas de violações dos direitos humanos fundamentais. Os meios de comunicação denunciam diariamente agressões, ameaças, espancamentos e assassinatos praticados no ambiente familiar. As estatísticas comprovam que as mulheres são alvos permanentes de agressões físicas e morais tanto no espaço público quanto no privado, em virtude, principalmente, do preconceito e da discriminação.

Por essa razão, os constitucionalistas têm tratado o direito das mulheres como uma especialização dos direitos humanos fundamentais. Tal postura se justifica pela constatação empírica de que as mulheres se encontram em situação de hipossuficiência nas relações sociais e políticas.

Desde meados da década de 70, o movimento de mulheres tem lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de direitos humanos, defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação, tanto nas leis como nas práticas sociais. A ação organizada do movimento feminista foi decisiva para a especialização e supra-estatalização dos direitos humanos das mulheres.

Nesse contexto, várias convenções e pactos de direitos humanos foram editados pelas Nações Unidas e Organização dos Estados Americanos com o objetivo de compelir os países signatários a tomar medidas legislativas e administrativas de promoção da igualdade de gênero e combate à violência contra a mulher. Como exemplo temos a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (ratificada pelo Brasil em 1984); a Recomendação Geral nº. 19 da referida Convenção (CEDAW); a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, "Convenção de Belém do Pará" (inserida no ordenamento jurídico brasileiro em 1995 e a Declaração e plataforma de ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher ratificada pelo Brasil em 1995).

A Constituição de 1988 conferiu dignidade e proteção especiais aos direitos fundamentais, sendo considerada um verdadeiro marco histórico nesta seara. As normas definidoras dos direitos e garantais fundamentais têm aplicação imediata (art. 5º., §1º), permitindo inclusive a conclusão de que os direitos fundamentais estão protegidos não apenas diante do legislador ordinário, mas também contra o poder constituinte reformador, por integrarem o rol das denominadas claúsulas de irredutibilidade ou mínimas (art. 60).

O art. 5º., parágrafo 2º estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados, ou dos Tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Essa norma possibilita que outros direitos, ainda não expressamente previstos na Constituição, sejam considerados direitos fundamentais. Deixa-se claro, contudo, que, para a caracterização de um direito fundamental a partir de sua fundamentalidade material, é imprescindível a análise de seu conteúdo, isto é, da circunstância de terem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade.

Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.

Assim, os direitos fundamentais de primeira dimensão são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos - liberdades públicas. Os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos sociais, econômicos e culturais. Por fim, a Constituição positivou os direitos de terceira dimensão, considerados direitos de solidariedade ou fraternidade, por englobarem a qualidade de vida digna, o meio ambiente equilibrado, o progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e outros direitos difusos e coletivos. Importante ressaltar que alguns autores, a exemplo de Paulo Bonavides e Ingo Sarlet, já consideram a existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, que ainda aguarda sua consagração na esfera do direito internacional e das ordens constitucionais internas que corresponderia ao direito à democracia, à informação e ao pluralismo [04].

Pretende-se demonstrar neste artigo que a criminalização da interrupção da gravidez nos casos de diagnóstico comprovado de anencefalia do feto como crime de aborto estaria violando os direitos humanos das mulheres, consagrados em Tratados Internacionais e ratificados pelo Brasil, bem como todo o leque de direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988, conforme veremos a seguir.


3. OS DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA

No que se refere à posição do Brasil em relação ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos, observa-se que somente a partir do processo de democratização do país, deflagrado em 1985, é que o Estado brasileiro passou a ratificar relevantes Tratados Internacionais de direitos humanos.

O primeiro passo no processo de incorporação de Tratados Internacionais de direitos humanos pelo Direito brasileiro foi a ratificação, em 1989, da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes. A partir desta ratificação, inúmeros outros importantes instrumentos internacionais de proteção aos direitos fundamentais foram também incorporados pelo Direito brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988.

Rompendo com a ordem jurídica anterior, marcada pelo autoritarismo advindo do regime militar, que perdurou no Brasil de 1964 a 1985, a Constituição brasileira de 1988, no propósito de instaurar a democracia no país e de institucionalizar os direitos humanos, revolucionou a ordem jurídica nacional, passando a ser o marco fundamental da abertura do Estado brasileiro ao regime democrático e à normatividade internacional de proteção dos direitos humanos. É necessário frisar que a Constituição brasileira constitui o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil.

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Como marco fundamental do processo de institucionalização dos direitos humanos no Brasil, a Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental (art. 1.º, III), instituindo, com este princípio, um novo valor que confere suporte axiológico a todo o sistema jurídico e que deve ser sempre levado em conta quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do ordenamento nacional.

A nova Constituição, além disso, seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, deu um grande passo rumo a abertura do sistema jurídico brasileiro ao sistema internacional de proteção de direitos, quando, no parágrafo 2.º do seu art. 5.º, deixou estatuído que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos Tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Estabelecendo a Carta de 1988 que os direitos e garantias nela elencados "não excluem" outros provenientes dos Tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, é porque ela própria está a autorizar que tais direitos e garantias constantes nesse tratados "se incluem" no ordenamento jurídico brasileiro, como se escritos no rol de direitos constitucionais estivessem. É dizer, se os direitos e garantias expressos no texto constitucional "não excluem" outros provenientes de Tratados Internacionais, é porque, pela lógica, na medida em que tais instrumentos passam a assegurar também direitos e garantias, a Constituição "os inclui" no seu catálogo dos direitos protegidos, ampliando, destarte, o seu "bloco de constitucionalidade".

Assim, ao incorporar em seu texto esses direitos internacionais, está a Constituição atribuindo-lhes uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de "norma constitucional", os quais passam a integrar, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente protegidos.

Importante ressaltar a inclusão, pela Emenda nº. 45, dos § 3º. e 4º. ao art. 5º. da Constituição Federal Brasileira, que dispõe, respectivamente, o seguinte: (a) "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Esta modificação foi bastante salutar por possibilitar que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, após aprovação por quorum qualificado do Congresso Nacional, sejam considerados normas constitucionais, a quem as leis ordinárias e complementares deverão total obediência, além de dar uma maior credibilidade e força à observância dos tratados de direitos humanos pelos operadores do direito no Brasil; (b) "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão" [05].

O preâmbulo da Constituição Federal brasileira afirma que o Estado democrático é destinado a "assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos". Sem entrar no mérito da sua eventual força normativa, o texto preambular constitui-se num forte conteúdo determinador da interpretação constitucional. Ao receber a função de assegurar um rol de direitos fundamentais, a doutrina moderna afirma que o Estado já não pode mais assumir a mesma postura neutra (edificada pela cartilha liberal dos séculos XVII e XVIII) presente nas Cartas anteriores.

O valor da dignidade humana – ineditamente elevado a princípio fundamental da carta, nos termos do artigo 1.º, III – impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988.

A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.


4. A DIGNIDADE HUMANA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta, portanto, como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode e deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida [06].

Aliás, não é outro o entendimento que subjaz ao art. 1º. da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), segundo o qual "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos".

A Constituição Federal de 1988, seguindo tendência mundial, estatuiu em seu art. 1º. como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, inciso III.

Logo abaixo, no art. 3º., I estabeleceu também a Constituição cidadã como um dos objetivos fundamentais brasileiros "construir uma sociedade livre, justa e solidária".

A doutrina brasileira entende que ser livre é poder exercer direitos e contrair obrigações, ir e vir sem restrições, exercer profissão, obter informação etc. Daí pergunta-se? É livre a mulher que tem tolhido o seu direito de evitar uma gravidez de um feto anencéfalo que não tem qualquer chance de vida? É livre a mulher que tem que esperar 9 meses com um feto anencéfalo em seu ventre, tendo que sofrer as dores do parto ou os riscos de uma cirurgia cesariana para ver o filho vir ao mundo apenas para ser enterrado? É razoável obrigar uma mulher brasileira a passar por todo esse constrangimento e pelo risco de vida em uma gravidez inviável? Será que não estão sendo violados diversos direitos fundamentais dessas mulheres? Estes são alguns questionamentos que se pretende discutir neste artigo.

A liberdade e a dignidade humana são direitos fundamentais de todos os brasileiros, sejam homens, mulheres, crianças e idosos estabelecidos em documentos internacionais e na Constituição Federal. Em que pese a existência de uma vasta proteção desses direitos, existem várias formas de violação aos direitos humanos que ocorrem cotidianamente no Brasil.

Portanto, considerar aborto e, conseqüentemente, crime a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos constitui violação à dignidade humana e liberdade das mulheres.


5. O CONCEITO DE ANENCEFALIA

A anencefalia é resultado da falha de fechamento do tubo neural, decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais, durante o primeiro mês de embriogênese. As evidências têm demonstrado que a diminuição do ácido fólico materno está associada com o aumento da incidência, daí sua maior freqüência nos níveis socioeconômicos menos favorecidos. O Brasil é um país com incidência alta, cerca de 18 casos para cada 10 mil nascidos vivos, a maioria deles do sexo feminino [07].

O reconhecimento de concepto com anencefalia é imediato. Não há ossos frontal, parietal e occipital. A face é delimitada pela borda superior das órbitas que contém globos oculares salientes. O cérebro remanescente encontra-se exposto e o tronco cerebral é deformado.

Hoje, com os equipamentos modernos de ultra-som, o diagnóstico pré-natal dos casos de anencefalia tornou-se simples e pode ser realizado a partir de 12 semanas de gestação. A possibilidade de erro, repetindo-se o exame com dois ecografistas experientes, é praticamente nula. Não é necessária a realização de exames invasivos, apesar dos níveis de alfa-fetoproteína aumentados no líquido amniótico obtido por amniocentese.

A maioria dos anencéfalos sobrevivem no máximo 48 horas após o nascimento. Quando a etiologia for brida amniótica podem sobreviver um pouco mais, mas sempre é questão de dias. As gestações de anencéfalos causam, com maior freqüência, patologias maternas como hipertensão e hidrâmnio (excesso de líquido amniótico), levando as mães a percorrerem uma gravidez com risco elevado [08].

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo – CREMESP, atendendo à consulta n° 8.905/98 que lhe foi formulada sobre a viabilidade de doação de órgãos de feto anencefálico, por meio do prosseguimento da gestação, deixou assentado que "o diagnóstico de anencefalia fetal pré-anuncia uma situação de impossibilidade de vida prolongada, após o nascimento.

A ciência não oferece recursos para a correção desta anomalia, até mesmo para o prolongamento da vida de um anencéfalo: muito menos, ao que se sabe, para atenuar os danos no seu neuro-psiquismo. Em termos científicos, não existe qualquer perspectiva de vida nesses casos [09]. Os casos relatados de fetos que nascem e têm sobrevida maior, não são anencéfalos, geralmente são vítimas de hidrocefalia.

Verifica-se que em razão de ser considerado crime de aborto a antecipação do parto nos casos de anencefalia, a mulher sofre uma dupla punição, a primeira quando recebe o diagnóstico de anencefalia do seu filho, que já é, por si só, deprimente e profundamente triste, a segunda quando é obrigada pelo Estado brasileiro a carregar em seu ventre, por 9 meses, um feto inviável.

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Sobre a autora
Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti

promotora de Justiça em Maceió (AL), mestra em direito público pela Ufal, autora do livro "Violência Doméstica contra a mulher: análise da lei Maria da Penha"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, Stela Valéria Soares Farias. Antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia à luz do direito internacional e constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2623, 6 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17346. Acesso em: 19 abr. 2024.

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