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Aspectos jurídicos do documento eletrônico

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"Os antigos juristas romanos, longe de se aterem à letra dos textos, porfiavam em lhes adaptar o sentido às necessidades da vida e às exigências da época."
(Rudolf. Von Jhering)



I. INTRODUÇÃO

Estamos próximos da virada do século e caminhando, em largos passos, por uma revolução silenciosa, a revolução tecnológica. O avanço da ciência nos mais diversos campos do saber deixa evidente a necessidade de que sejam repensados antigos dogmas jurídicos no intuito de adaptá-los a uma nova realidade.

Há 20 ou 30 anos a realização da fertilização "in vitro" foi responsável pelo surgimento de inúmeras controvérsias no mundo jurídico e ético. Alguns anos mais tarde, o assunto volta a ocupar destaque na mídia internacional com o aparecimento dos denominados "úteros de aluguel". As pesquisas evoluíram e recentemente divulgou-se a realização de estudos referentes a clonagem de animais, chegando-se à conclusão de que tal técnica pode ser estendida aos seres humanos.

É interessante notar que tais avanços tecnológicos ocorreram, em regra, por intermédio do desenvolvimento de um importante instrumento: o computador. O computador, funcionando como "engrenagem" necessária para novas descobertas, vem deixando rastros, direta ou indiretamente, em todas as áreas do conhecimento humano.

Com o direito a situação não é diferente, nos anos 80, o computador era visto pela ciência jurídica como uma máquina qualquer, protegidos o hardware e o software pela legislação referente à propriedade intelectual. Até então, os litígios envolvendo computador e seus acessórios resumiam-se a causas de direitos de patentes e autoral.

Mas a evolução do computador não parou por aí, a crescente informatização do cotidiano, seja com o advento de caixas eletrônicos nos bancos, seja na substituição das antigas máquinas de escrever por avançados editores de texto, é um sinal inconteste de que as discussões jurídicas referentes a essa instigante máquina não se podem resumir aos assuntos debatidos na década passada. A Internet é o melhor exemplo dessa afirmação.

A Internet se traduz em um dos meios de comunicação mais completos já vislumbrados pela mente humana. A grande rede tornou possível a comunicação em nível global; pessoas de todo o mundo podem se relacionar, pesquisar novos assuntos, difundir suas idéias. A Internet é uma verdadeira praça pública, onde todos, independentemente de raça, cor e nacionalidade, têm direito ao uso da palavra. É a versão moderna da Ágora da Grécia Antiga.

Todavia, acreditamos que um meio de comunicação tão fantástico e revolucionário não pode restar subutilizado em virtude de entendimentos arraigados e inflexíveis de antigos dogmas jurídicos.

O reconhecimento do uso da Internet, v.g., como meio hábil para a realização de atividades comerciais, reconhecidas como válidas e eficazes em sede de direito comparado (ocasionando o incremento da dinâmica comercial e o aumento da circulação de riquezas), é sinal inconteste de sua legitimidade como instrumento de progresso social.

Torna-se, portanto, imprescindível a integração das facilidades trazidas por esse moderno meio de comunicação aos sistemas jurídicos vigentes, ainda que com a utilização de métodos interpretativos, quando da ausência de um diploma legal específico.

O Direito não pode ficar alheio a tal realidade.

Nesse sentido, preleciona CARLOS MAXIMILIANO (1) que "o Direito não pode isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica; e esta não há que de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelos legisladores. Se as normas positivas se não alteram à proporção que evolve a coletividade, consciente ou inconscientemente a magistratura adapta o texto preciso às condições emergentes e imprevistas."

O intuito de efetividade jurídica às aspirações e tendências e necessidades da vida de relação, nas palavras de PLANIOL (2), constitui um caminho mais seguro para atingir a interpretação correta do que o tradicional apego às palavras, o sistema silogístico de exegese.

Como demonstraremos adiante, os modernos meios de comunicação via rede eletrônica, mais especificamente a Internet, já são reconhecidos em diversos diplomas legais estrangeiros e nacionais, ainda que de forma ampla, bem como em atos administrativos onde a circulação de documentos e informações se faz necessária.

O objetivo deste trabalho, em última análise, é demonstrar a viabilidade da utilização das novas tecnologias, em especial o documento eletrônico e a certificação digital, bem como legitimá-los em face do ordenamento jurídico nacional como meio hábil para a realização do transporte de documentos e informações, em prol do desenvolvimento e aperfeiçoamento social e econômico.



II. DOCUMENTO

O termo "documento" na doutrina jurídica possui diversas acepções. Para CHIOVENDA (3) documento, em sentido amplo, é toda a representação material destinada a reproduzir determinada manifestação do pensamento, como uma voz fixada duradouramente (vox mortua).

O mestre CARNELUTTI (4), em magistral obra sobre a prova civil, denomina documento como "uma coisa representativa de um fato". Tendo em vista que o documento é uma coisa representativa, chega-se à conclusão de que ele não pode existir no estado natural, e sim que é produto da atividade humana. É, pois, um opus (5) . Em sentido estrito, porém, "o documento se define pelo fato da representação se fazer pela escrita, por sinais da palavra falada, nas escrituras fonéticas como é a nossa." (6)

Na doutrina pátria, MOACIR AMARAL SANTOS (7) classifica "documento" em três espécies: a) Gráficos: quando a idéia ou o fato são representados por sinais gráficos diversos da escrita; b) Diretos: quando o fato representado se transmite diretamente para a coisa representativa - fotografia, fonografia, cinematografia - e que distingue dos documentos escritos ou gráficos, ditos Indiretos, para os quais o fato representado se transmite através do sujeito do fato.

No direito posto, todavia, como assevera AMARAL SANTOS e HUMBERTO THEODORO JR. (8), quando se fala em documento têm-se em mente os documentos escritos.

Nesse sentido, poder-se-ia entender, em sentido amplo, a expressão "documento eletrônico" como válida, significando, assim como ocorre mormente na escrita, uma coisa representativa de um fato (latu sensu), todavia, imortalizado em um novo suporte, um suporte eletrônico.

Há quem sustente, no entanto, como o gaúcho CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM (9), que o Código de Processo Civil, na seção destinada a regular a prova documental, abarca, também, os documentos eletrônicos, desde que o critério de interpretação não seja o literal.

Nesse pormenor, lembra SANTOLIM que as disposições contidas nos artigos 368 e 388 do Código de Processo Civil, v.g., (Art. 368 - As declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado. Art. 388 - Cessa a fé do documento particular quando: I - omissis; II - assinado em branco) "se vistas a partir de uma interpretação literal e restritiva, parecem impor o suporte cartáceo como sendo o único admissível para a caracterização do que se aceita como documento."

Continua o mestre: "não pode ser assim. Não há qualquer razão que imponha tal raciocínio hermenêutico. E, pelo contrário, usando-se a interpretação sistemática (contrastando expressões com o que diz o art. 383 - qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica, faz prova dos fatos representados, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade) ou a histórica (que irá adequar a redação dos Dispositivos do CPC à época da sua realização) chega-se a resultado oposto, aceitando-se que o produto de uma relação informatizada seja tido como documento, ainda que, para tanto deve preencher certos requisitos"

Corroboramos com o entendimento esposado pelo nobre mestre sulista, todavia preferimos legitimar o documento eletrônico sob um prisma diverso. Primeiro porque além do Código de Processo Civil, o termo "documento" é consignado em inúmeros outros diplomas legais como sinônimo de escrito (como sendo algo que pode ser anexado ao processo), o que por si só já se constitui em um entrave para a realização de uma interpretação sistemática. Segundo, porque em sede de direito comparado a solução encontrada para dar validade e eficácia ao denominado "documento eletrônico", como veremos adiante, em nada se relaciona às disposições referentes aos documentos escritos. Terceiro, porque um diploma legal com fins a disciplinar documentos eletrônicos, a exemplo do que ocorre no direito alienígena, deve contemplar obrigatoriamente (para uma correta aplicação) uma série de peculiaridades técnico-informáticas não vislumbradas pela interpretação evolutiva acima citada.

Nos EUA, v.g., onde vários estados optaram pela promulgação de um diploma legal específico para dar legitimidade ao denominado "documento eletrônico" (vide Utah Digital Signature Act), foi abandonada qualquer tentativa de se utilizar processos interpretativos dos diplomas legais então vigentes.

Ademais, somos da opinião que em tempos de globalização, quando o mundo começa a ser dividido em grandes blocos econômicos, o Direito Pátrio, no intuito de facilitar a dinâmica comercial e a circulação de riquezas deve sofrer adaptações com a finalidade de melhor se relacionar com as práticas internacionais.

Ora, forçoso é concluir que à medida que as relações internacionais tornam-se cada vez mais integradas e os Estados dependentes uns dos outros, haverá um movimento natural no sentido de se unificar o tratamento dado a questões comuns a todas as nações (10) - a otimização do comércio através do documento eletrônico (v.g. notas promissórias e duplicatas virtuais) é um exemplo dessa afirmativa.



III. DOCUMENTO ELETRÔNICO

Em harmonia com o que se encontra normatizado em outros países onde o meio eletrônico é de uso corrente, optamos por legitimar o denominado "documento eletrônico" mediante o emprego das presunções inerentes aos registros públicos.

Entendemos, também, que a validade do documento eletrônico em si não deve ser questionada. Ora, se um contrato verbal é admitido como válido desde 1916, o contrato realizado em meio eletrônico por maior razão deverá ser considerado como válido, afinal quem pode o mais pode o menos.

O grande problema com que nos deparamos se relaciona a eficácia do "documento eletrônico", mas especificamente a eficácia probatória.

Todos sabem que o meio eletrônico, por sua própria natureza, é um meio bastante volátil. É possível modificar um documento elaborado originariamente em meio eletrônico sem que seja viável, ao menos facilmente, comprovar a existência das adulterações porventura realizadas. Ademais, é difícil constatar a autoria de um documento eletrônico, visto que normalmente neste não se encontra consignado qualquer traço de cunho personalíssimo (como é a assinatura para o documento escrito) que possa ligar, sem sombra de dúvida, o autor à obra.

Assim, por falta de um disciplinamento específico, preferimos relacionar o documento eletrônico com uma espécie de prova sui generis, arrolada fora do capítulo destinado a regulamentação da prova documental.

Ab initio, no intuito de legitimar o documento eletrônico com meio probatório, faremos uso do disposto no art. 332 do Digesto Processual Civil - "Todos os meios legais, bem como moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa."

Leciona ULDERICO PIRES DOS SANTOS (11) em comentários ao dispositivo legal supracitado que "ao dar tamanha amplitude, o legislador fê-lo deixando claro que o elenco probatório que a lei processual especifica é, apenas, exemplificativo e não exaustivo. É de importância nenhuma, portanto, não se achar catalogado no Código o meio de prova que a parte deseja produzir. O que é necessário é que ele não esteja maculado por qualquer eiva de ilicitude. Vale dizer, que sua origem não pode ser sub-reptícia, i.e., não há de ter sido concebida às ocultas porque, se o for, não será considerado moralmente legítimo"

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O enciclopédico PONTES DE MIRANDA (12), por sua vez, completa o raciocínio transcrito acima ao consignar em comentários ao dispositivo em tela que "a finalidade processual da prova é convencer o Juiz. Além das qualidades humanas, que tem ele, ou de inteligência, de reflexão, de raciocínio, o Estado, que o fez seu órgão, lhe impõe certas regras de convicção a que tem de obedecer, regras que vão de máximo (sistema da livre convicção do Juiz) até o mínimo de liberdade (sistema da taxação da prova). (...) Sempre que o legislador enfrenta o problema dos meios de prova, o que desafia é o balanceamento do que deve fixar e do que há de deixar ao elemento lógico e científico. Seja como for, nunca o Juiz é tão livre quanto o cientista; e o cientista que se restrinja a meios e regras de prova limitada a livre disponibilidade de espírito, que lhe é essencial"

Nesse sentido, situamos o documento eletrônico como um meio de prova não elencado especificamente no Digesto Processual Civil, mas, reconhecido por este diploma legal, de forma genérica, como um meio válido desde não esteja eivado de ilicitude.

A partir desse entendimento, relembrado a lição de PONTES, temos, agora, a necessidade de empregar, em harmonia com o princípio de liberdade probatória (art. 332 CPC), o princípio do livre convencimento motivado, insculpido na redação do artigo 131 do Código de Processo Civil: "O juiz apreciará a prova livremente, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento."

Na lição de AMARAL SANTOS (13), "é dentro da prova que o raciocínio do julgador se há de mover livremente na pesquisa da verdade colimada pelo processo, isto é, nela se apóia para, livremente, pela influência que exerce em seu espírito de jurista e de homem de bem, formar a consciência a respeito da verdade pesquisada."

Assim, não vemos óbice para magistrado apreciar, desde que lícita, a prova produzida em meio eletrônico.

No mesmo sentido é o entendimento de JOSÉ ROBERTO CRUZ E TUCCI (14):

"Em nosso país conquanto ainda inexistam regras jurídicas a respeito desse importante tema, permitindo-se apenas na órbita das legislações fiscal e mercantil o emprego do suporte eletrônico, não se vislumbra óbice à admissibilidade desde com meio de prova. Com efeito, o art. 332 do CPC preceitua que são hábeis para provar a verdade dos fatos, ainda que não nominados, todos os meios legais e moralmente legítimos.

Assim, a admissibilidade e aproveitamento de meios de prova atípicos deflui, também, do princípio da livre apreciação dos elementos de convicção: Justamente a admissão destas provas realça o critério mais seguro para saber se um sistema processual trilha o princípio da livre apreciação judicial da prova"(15)

Todavia, como alerta SANTOLIM, o documento eletrônico deve atender a algumas peculiaridades. Isso porque, por se tratar de meio eletrônico, como referido anteriormente, estamos lidando com um meio de armazenamento de informações bastante volátil.

Nesse sentido, assevera SANTOLIM que o documento deve possuir as seguintes características: "a) permita livremente a inserção dos dados ou a descrição dos fatos que se quer registrar; b) permita a identificação das partes intervenientes, de modo inequívoco, a partir de sinal ou sinais particulares; c) não possa ser adulterado sem deixar vestígios localizáveis, ao menos através de procedimentos técnicos sofisticados, assim como ocorre com o suporte cartáceo" (16)

Neste contexto se insere a denominada certificação digital.

A certificação digital é um método de identificação de partes em meio eletrônico que está sendo utilizado em inúmeros países (Estados Unidos, Itália, França, Argentina etc.) como tecnologia padrão para a circulação de documentos em meio eletrônico. Os procedimentos técnicos concernentes a certificado digital encontram-se relacionados na norma internacional ISO X.509 emanada da International Standard Organization - ISO.

Como se percebe, trata-se de um padrão de tecnologia não proprietário (padrão ISO), possibilitando o seu implemento por qualquer país. Segundo essa tecnologia, explicando a grosso modo, suponhamos que "A" esteja interessada em enviar um documento para "B". "A", então, deverá obter a chave pública de "B" (esta é uma chave de criptografia) com a finalidade de codificar a mensagem a ser enviada para "B" e "A" terá certeza de que somente "B" irá ler (decodificar a mensagem enviada) aquela mensagem pois somente ele possui a chave privada que mantém uma correspondência matemática com a chave pública utilizada para codificar a mensagem. (para maiores explicações, vide artigo denominado "Documentação Eletrônica no Mercosul" - http://www.teiajuridica.com)

Para se ter a exata noção da confiança depositada na utilização do certificado digital como sistema de circulação de documentos, na Lei de Assinatura Digital do Estado de Utah, estado precursor na adoção de um diploma legal sobre o tema, consta um artigo que reza o seguinte: o documento eletrônico assinado digitalmente (certificado) vale (para fins de prova) como se fosse um documento normal, com assinatura de punho.

Não é preciso dizer que se trata de uma tecnologia altamente sofisticada, sendo bastante improvável a realização quaisquer adulterações em um documento assinado digitalmente.

Nesse sentido, a United Nations Comission os International Trade Law - UNCITRAL, órgão das Nações Unidas, elaborou, no final do ano passado, um projeto de tratado internacional para a utilização do meio eletrônico em práticas comerciais. No mesmo sentido, a American Bar Association emitiu, nesse período, um documento fixando linhas gerais de utilização da certificado digital.

Verifica-se, portanto, que o certificado digital, além de se caracterizar como um modelo técnico de excelência, que possibilita para fins de realização de prova em juízo, a realização de uma auditoria completa em meio eletrônico, encontra respaldo, ainda, na prática legislativa internacional.



IV. IDENTIFICAÇÃO DE PARTES EM MEIO ELETRÔNICO

No entanto, no esquema relacionado acima, i. e., no documento a ser enviado de "A" para "B", fica a dúvida acerca do modo pelo qual cada parte envolvida na comunicação recebeu a sua chave de identificação na rede. Isso porque, para efeito de emissão de chaves criptográficas, que funcionam no sistema adotado como uma verdadeira carteira de identidade em meio eletrônico, as partes precisam estar identificadas a priori.

Nesse sentido, são adotadas algumas cautelas de cunho jurídico, demonstradas adiante, no intuito de realizar uma identificação prévia das partes, utilizando-se, para tanto, de presunções inerentes aos registros públicos.

Conforme consagrado internacionalmente, as chaves de identificação são concedidas por Autoridades Certificadoras ou Certification Authorities. As autoridades certificadoras, em regra, são empresas privadas encarregadas de averiguar a identidade de pessoas para fins de emissão de uma espécie de identidade eletrônica, no intuito de possibilitar a realização de operações identificadas nas redes de computadores.

No Brasil, a única autoridade certificadora em atividade denomina-se Certisign (www.certisign.com.br), com sede no Rio de Janeiro. A Certisign, para fins de identificação de pessoas em meio eletrônico, seguindo práticas internacionais, faz uso das presunções inerentes aos registros públicos.

Explicando melhor (procedimento de emissão de um certificado digital): inicialmente a Certisign mantém um contrato para a emissão de assinaturas digitais registrado em um ofício do registro de títulos e documentos, com o fim de dar publicidade do mesmo para terceiros quaisquer. A pessoa que desejar receber uma certificado digital, deverá, de início, aderir a esse contrato.

Um vez que a pessoa interessada manifeste junto a companhia a vontade de receber um certificado digital de identificação, a Certisign enviará, via correio, um termo de adesão ao seu contrato padrão (onde se encontra consignado o número de identificação digital a ser utilizado em meio eletrônico) antes citado e um requerimento: o interessado deverá se dirigir a um ofício de notas (versão geral ou general label) para o reconhecimento de firma por autenticidade (não confundir com reconhecimento por semelhança) da assinatura aposta no termo de adesão, bem como tirar cópia autenticada de alguns documentos de identificação como, v.g., R.G., CPF, comprovante de residência etc.

Uma vez concluída tal tarefa, o interessado deverá enviar via correio o termo e as cópias acima relacionadas para CertiSign, que se encarregará de levar tais documentos para registro junto a um ofício de registro de títulos e documentos. A finalidade desse novo registro é dar publicidade para a relação jurídica existente entre a empresa que realizará a identificação em meio digital (autoridade certificadora) e o interessado, bem como consignar, publicamente, que o número do certificado presente no termo de adesão corresponde a uma pessoa determinada.

Após a realização do procedimento acima, a Autoridade Certificadora enviará para o interessado a chave que o identificará em meio eletrônico. Nesse sentido, quando duas pessoas identificadas em meio eletrônico pela Autoridade Certificadora iniciarem a troca documentos, utilizando-se, para tanto, das chaves de criptografia, ambas, de forma prévia, poderão verificar o número do certificado uma da outra (é impossível a emissão de dois certificados iguais, a vinculação do certificado com a pessoa identificada é de caráter personalíssimo - as autoridades certificadoras, em regra, garantem tal condição e assumem expressamente essa responsabilidade). Sabedoras da segurança da tecnologia empregada, bem como da peculiaridade de que o número contido no certificado digital corresponde, exclusivamente, a uma pessoa determinada, com registro em assento público, ambos os interlocutores terão a seu favor uma presunção iuris tamtum de que os certificados empregados para o estabelecimento da comunicação devem estar sendo utilizados por pessoas cujos dados foram registrados no oficio de títulos e documentos, estando aptas, portanto, para realização de operações eletrônicas de forma identificada.

Nesse sentido, alerta WALTER CENEVIVA (17) que o "registro, propiciando a publicidade em relação a todos os terceiros, no sentido mais amplo, produz o efeito de afirmar a boa-fé dos que praticam atos jurídicos baseados nessa presunção de certeza daqueles assentamentos"

Vale dizer, tendo em vista as cautelas jurídicas empregadas no procedimento de emissão de uma certificado digital, o magistrado, quando do julgamento do caso concreto, além da análise da prova pericial, realizada em banco de dados, deverá considerar, ainda, a presunção inerente aos registros públicos acima citada, no sentido de que aquele que porta um determinado número de certificado digital (repita-se, tendo em vista que é impossível, tecnicamente, a emissão de dois certificados iguais e tal condição é facilmente comprovada pericialmente), em face do registro realizado, a princípio, deve se tratar da pessoa cujo os documentos se encontram à disposição para consulta em assento público. Assim, o magistrado, com base na apreciação geral e ampla das provas, poderá, com supedâneo em seu livre convencimento motivado (prova pericial e presunções), solucionar com segurança a lide que lhe foi apresentada, ainda que com base em documentos eletrônicos.

Verificamos, portanto, que a denominada "certificação digital" tem o condão de unir, de uma só vez, a tecnologia com o direito, deixando clara a possibilidade, em face do nosso ordenamento jurídico, de se legitimar o documento eletrônico com meio de prova.

Nesse sentido, o nobre magistrado ÉLCIO TRUJILLO (18) opina em conclusão de excelente artigo sobre a certificado digital: 1) omissis; 2) que os sistemas de documentação eletrônica formado por chave pública e certificado digital representam um aperfeiçoamento em relação aos meios tradicionais de documentação pública ou privada; 3) Que as escrituras públicas de que trata o Decreto Federal 2.067/96 podem ser formalizados através de meios eletrônicos, cuja validade e autenticidade será atestada por notário. (grifo nosso - artigo acima citado no http://www.teiajuridica.com)

É oportuno lembrar que já dispomos de precedentes judiciais referentes a utilização da certificação digital em processos judiciais no Estado de São Paulo.

Nesse particular, é importante destacar a redação do artigo 170 do CPC: "É lícito o uso da taquigrafia, da estenotipia ou de outro meio idôneo, em qualquer juízo ou tribunal". Preleciona SÉRGIO BERMUDES (19) em comentários ao dispositivo em questão que:

"Na sua atual redação, o artigo permite, além do uso da estenografia, o emprego de outro método idôneo. Andou bem a lei não especificando o método, para que a norma permaneça contemporânea dos avanços técnicos. Qualquer meio idôneo de documentação pode ser empregado, como o armazenamento de dados em discos de computação, a gravação, a filmagem. No meu opúsculo A Reforma do Código de Processo Civil, já citado, pág. 24, escrevi que a idoneidade pode ser determinada por três requisitos: conservação, acesso, autenticidade. O meio empregado deve assegurar a conservação do ato no processo pelo imprevisível e quase sempre longo prazo da sua duração, não se perdendo de vista a possibilidade de processos derivados, como a ação rescisória e os embargos do devedor. É preciso que o meio seja acessível a quem, de qualquer modo, necessitar de consulta aos autos, não se concebendo, v.g., que se fizesse gravação em disco de computador para ser usado em aparelho de manejo muito intrincado. A autenticidade do meio decorre da sua resistência à fraude, ou, ao menos, da possibilidade técnica de detectar-se a adulteração Como acontece, hoje, quando é possível identificar o enxerto de elementos estranhos na gravação original." (grifo nosso)

Vale lembrar que independente das cautelas de cunho jurídico acima referidas, tomadas no intuito de espancar quaisquer dúvidas porventura existentes sob validade e eficácia do "documento eletrônico", cumpre destacar que inúmeros são os atos administrativos (e decisões do setor privado) onde o meio eletrônico é legitimado, ainda que para a circulação de informações de caráter sensível (como aquelas consignadas na declaração do imposto de renda), mesmo que sem as referidas cautelas e a existência de um disciplinamento jurídico específico.

Podemos citar, v.g., as Instruções Normativas emitidas pela Secretaria de Receita Federal nos 68 e 18, que dispõe, respectivamente, sobre a entrega, via Internet, das declarações do Imposto sobre a propriedade territorial rural - ITR, relativas ao exercício de 1997 (art. 5º) e sobre a apresentação da declaração do imposto de renda de 1997, via Internet, das pessoas físicas e jurídicas (art. 1º).

O Ministério de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado- MARE, em portaria nº 3.696 de 20 de novembro de 1997, disciplinou a utilização de meio ótico ou magnético para o armazenamento de dados da folha de pagamentos federal ao autorizar o Departamento de Sistemas e Controle de Cadastro e Pagamento da Secretaria do Recursos Humanos, em articulação com o SERPRO, sempre que resultar na diminuição de custos de processamento e manutenção do SIAPE, suprimir ou transformar os relatórios em papel previstos no Anexo em mídia ótica ou magnética. (grifo nosso).

O Ministro de Estado da Fazenda e os Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, mediante a assinatura do Convênio ICMS nº 75, de 13 de setembro de 1996, no esteio dos avanços da informática, firmaram a possibilidade de emissão de documentos fiscais e a escrituração de livros por processamento de dados.

O Jornal "O GLOBO", em notícia publicada em 1 de julho de 1997, relata que o recolhimento de todos os impostos e contribuições do Governo Federal poderá ser realizado com o auxílio da Internet, pelos sistemas de "home baking" ou pelos terminais da agências 24 horas. Para tanto, a Receita Federal autorizou a criação do DARF Eletrônico. Em outro exemplo, o Banco da Bahia, em notícia publicada na "Gazeta Mercantil" de 2 de julho de 1997, anuncia o lançamento do serviço de desconto de duplicatas via Internet.

Nesse particular, vale citar entendimento do comercialista FÁBIO ULHOA COELHO (20) no que tange aos títulos de crédito e a informática:

"Os títulos de crédito surgiram na Idade Média, como instrumentos destinados à facilitação da circulação do crédito comercial. Após terem cumprido satisfatoriamente a sua função, ao longo dos séculos, sobrevivendo às mais variadas mudanças nos sistemas econômicos, estes documentos entram agora em período de decadência, que poderá levar até mesmo ao seu fim como instituto jurídico. No mínimo, importantes transformações, já em curso, alterarão a substância do direito cambiário. Este processo é derivado do extraordinário progresso no tratamento magnético das informações, do crescente uso dos recursos da informática no cotidiano da atividade de administração do crédito.

Não é novidade para ninguém, neste final de século, que o meio magnético vem substituindo paulatina e decisivamente o meio papel, como suporte de informações. O registro da concessão, cobrança e cumprimento do crédito comercial não fica, por evidente, à margem desse processo. Quer dizer, os empresários, ao venderem seus produtos ou serviços a prazo, cada vez mais não têm se valido do documento escrito para registro da operação. Procedem, na verdade, à apropriação das informações acerca do crédito concedido exclusivamente em meio magnético, e apenas por este meio as mesmas informações são transmitidas ao banco para fins de desconto, caução de empréstimos ou controle e cobrança do cumprimento da obrigação pelo devedor. Apenas uma pequena margem de empresários ainda se vale do cheque pós-datado, da duplicata efetivamente emitida ou da nota promissória como meio de documentação da operação creditícia.

Quando a obrigação registrada em meio magnético é cumprida satisfatoriamente, em seu vencimento, ela não chega jamais a ser materializada num documento escrito. Não se emite o título de crédito (a duplicata mercantil ou de prestação de serviços), mas uma simples guia de compensação bancária para instrumentalizar a quitação. A emissão do título apenas se verificará na hipótese de descumprimento do dever pelo adquirente das mercadorias ou serviços, quando então o registro em meio magnético é insuficiente para fins de protesto - exceto se feito por indicações - e subseqüente execução judicial."(grifo nosso)

Vale destacar que se encontram em trâmite no Congresso Nacional os Projetos de Lei nº 22/96 e 2644/97 ambos destinados a regular o arquivamento e uso dos documentos eletrônicos.

Concluindo, não restam dúvidas que ainda que sem um disciplinamento específico, como ocorre com os cartões de crédito, o meio eletrônico vêm sendo legitimado por um uso reiterado. O emprego do meio eletrônico em atividades comerciais, por exemplo, através de práticas repetidas, deverá transformá-lo em um verdadeiro uso comercial.

Nesse sentido, cabe transcrever da sempre atual lição do comercialista J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (21):

"O Direito Comercial atende às relações jurídicas que esses fatos geram no meio social em que se produzem e desenvolvem, e ainda aos fatos que promovem e facilitam a riqueza (...) A medida que avança a civilização alarga a sua esfera. Não fica prisioneiro dos textos de um código por mais perfeito que seja, a menos que este não passe por diária e contínua reforma" (grifo nosso)

Em face do exposto, forçoso é concluir, seguindo a orientação do mestre TUCCI (22), que "a eficácia probatória do documentos informáticos deve ser admitida sem qualquer obstáculos à prudente análise do Juiz, que poderá, à evidência, quando se fizer necessário (art. 383 CPC, parágrafo único) , recorrer aos demais meios de prova, em especial a prova pericial".



NOTAS

(1) Hermenêutica na Aplicação do Direito. Ed. Forense, 15ª Edição. pág. 157.
(2) Traité Élémentaire de Droit Civil. 7ª Edição, 1915-18, vol. I, nº 234.
(3) Instituições do Direito Processual Civil, trad. port. (São Paulo, 1945), vol. 3.º. No mesmo sentido Cammeo, Crome, Wach.
(4) La Puebla Civil trad. espanhol (Buenos Aires, 1982), 2ª edição.
(5) CIRIGLIANO, Raphael. Prova Civil.Ed. RT. 2a edição, pág. 103.
(6) CANELUTTI, Francesco. Istituzioni del Nuovo Processo Civile Italiano, 1951, vol. I, pág. 167.
(7) Comentários ao Código de Processo Civil. Série Foresne, v. VI, 1ª ed. Rio, 1976.
(8) Curso de Direito Processual Civil. Editora Saraiva, vol. 1, 1996.
(9) Formação e Eficácia Probatória dos Contratos por Computador. Ed. Saraiva.,1ª edição, 1995, pág.35.
(10) SAKAMOTO, Marcos. O Direito das Gentes e a Informática.Revista Teia Jurídica http://www.teiajuridica.com
(11) Meios de Prova. Editora Ups Editorial. 2a. Edição, 1995, pág. 5.
(12) Comentários do Código de Processo Civil. Ed. Forense. Tomo IV, 3ª edição, pág. 260.
(13) Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. S. Paulo, 1987.
(14) Valor Probante do Suporte Informático. AJURIS/100.
(15) Cf. WALTER, Gerhard. Libre Apreciación de la Prueba, trad. esp. Tomás Banzhaf, Bogotá, Temis, 1985, p. 335, com arrimo em CAPPELLETTI; TARUFFO, Michele. Prove Atipiche e Convincimrnto del Giudice, RDP, 1973, p. 389 e seg. V., ainda sobre o assunto FLORES LENZ, Luiz Alberto Thompson. Os Meios Moralmente Legítimos de Prova. AJURIS, 39/84 e segs.
(16) Ob. Cit. pág. 36.
(17) Lei dos Registros Públicos Comentada. Editora Saraiva. 1996. pág. 5.
(18) O Mercosul e a Documentação Eletrônica. Revista Teia Jurídica. http://www.teiajuridica.com
(19) MIRANDA, Pontes. Comentários do Código de Processo Civil. Ed. Forense. Tomo IV, 3ª edição, pág. 94 (atualizado por Sérgio Bermudes)
(20) O Desenvolvimento da Informática e o Desatualizado Direito Cambiário. Saraivabis, maio de 1996.
(21) Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Ed. Freitas Bastos. vol. I, 3a Edição, pág. 34)
(22) Ob. cit. pág. 106.

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Sobre o autor
José Henrique Barbosa Moreira Lima Neto

advogado, membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros, conferencista

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA NETO, José Henrique Barbosa Moreira. Aspectos jurídicos do documento eletrônico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1780. Acesso em: 20 abr. 2024.

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