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Prisão preventiva disciplinar militar

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19/11/2010 às 07:11
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RESUMO

O presente estudo tem o propósito de analisar a existência da prisão preventiva disciplinar na Marinha e confirmá-la como instituto de salvaguarda da hierarquia e da disciplina, elencando a legislação aplicável e os pressupostos práticos, sob os fundamentos de validade expressos no inciso LXI do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, nos arts. 42 e 47 do Estatuto dos Militares, nos arts. 40 e 41 do Regulamento Disciplinar para a Marinha e no art. 4-1-17 da Ordenança Geral para o Serviço da Armada.


1. INTRODUÇÃO

A prisão disciplinar de militar consiste num dos tipos de prisão administrativa que ainda causa espécie para alguns, seja pelo desconhecimento do instituto, seja pela leitura açodada do inciso LXI do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil ou por relegarem a importância da manutenção da ordem disciplinar nas Forças Armadas.

Por óbvio que a liberdade do cidadão impera como regra no Estado brasileiro, sendo direito garantido na Constituição.

Entretanto, observa-se também que as Forças Armadas e demais instituições que integram a nação recebem igualmente a proteção constitucional, mormente aquelas imprescindíveis à soberania e à existência dos Poderes Democráticos.

As Forças Armadas são instituições que têm como missão assegurar a perenidade do próprio Estado, de modo que a Constituição cuidou de preservar as bases das forças militares, em razão da importância desse mister constitucionalmente atribuído.

Da mesma forma com que a Constituição garantiu a liberdade do cidadão, só violada nos casos de flagrante delito ou por ordem judicial, também reservou às transgressões disciplinares um regime jurídico específico, que não exigiu a flagrância, não a proibiu, nem estabeleceu como necessária a ordem judicial para validar a prisão disciplinar militar.

Esse regime diferenciado, fixado na Constituição, tem o condão de resguardar a ordem disciplinar na caserna, pois de nada valeria organizá-la com fundamento na hierarquia e na disciplina (art.142), se não houvesse meio de garantir a efetividade desses institutos.

O tema sob análise será verificado apenas no contexto da Marinha do Brasil, mas a abrangência alcança as demais instituições militares federais, visto que o maior fundamento de validade é conferido pela Constituição e pelo Estatuto dos Militares.


2. A CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DISCIPLINAR

A tese que reclama a inconstitucionalidade da prisão preventiva disciplinar é a mesma que tende a anular o regime jurídico disciplinar militar como um todo. Segundo essa teoria, os regulamentos disciplinares militares são instrumentos normativos editados por decretos, atos administrativos provenientes do Poder Executivo, enquanto que a atual Constituição exigiria que esses regulamentos fossem estabelecidos por lei em sentido estrito, votada no Poder Legislativo, nos termos da arquitetura do inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal.

LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Assim, esses argumentos devem ser analisados sob os aspectos do Princípio da Reserva Legal e da Teoria da Recepção das normas anteriores à nova ordem constitucional e, em consequência, se verificará a existência pretérita da "definição legal" aventada.

2.1. Princípio da Reserva Legal e Teoria da Recepção das Normas Anteriores à Nova Ordem Constitucional

A fundamentação que enseja a inconstitucionalidade da prisão administrativa disciplinar, fixa que o inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal exige uma definição legal das transgressões, por isso faz referência ao Princípio da Reserva Legal.

Esse argumento está sedimentado no fato de que os regulamentos disciplinares foram editados por Decretos, e que, além de não serem originalmente leis votadas no Poder Legislativo, são anteriores à nova ordem constitucional e não definem tecnicamente as transgressões.

Supõe, então, a ocorrência de vício de forma, onde a Constituição exigiria a edição de instrumento normativo mediante lei em sentido estrito e a situação anterior à nova Constituição vinha regulada por instrumento jurídico diverso, por exemplo, ato administrativo do Poder Executivo, como são os regulamentos disciplinares das Forças Armadas.

Nesse caso, pela teoria da recepção, essas normas são consideradas como recepcionadas na forma estabelecida pela nova Constituição. Assim, não há óbice quanto às regras editadas por meio de decreto, pois a partir da Carta Política são tratadas como se fossem leis stricto sensu, já que essa é a exigência da nova ordem, operando-se o fenômeno da recepção das normas existentes, naquilo que não conflitar com as regras constitucionais vigentes.

O que importa, com a edição de nova Constituição é a compatibilidade de conteúdo, não de forma. Dessa maneira, se o conteúdo da matéria tratada nos decretos recepcionados como lei não contrariar as bases fundamentais das normas constitucionais, são perfeitamente aplicáveis, no que couberem, e continuam sendo parte integrante do ordenamento jurídico do Estado. Entretanto, o que for incongruente com a nova Constituição considera-se revogado ou não recepcionado.

No que concerne à prisão de militares, os Regulamentos Disciplinares Militares, pela teoria da recepção das normas anteriores à nova Constituição, são compatíveis na forma (já que assim foram recepcionados, se fosse o caso de vício de forma) e também no conteúdo estariam acorde com a ordem política vigente (porque o inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal assim assegurou).

Obviamente, alguns dispositivos não possuem a mesma força de aplicação, não tendo sido recepcionados, mas não é o caso das prisões disciplinares militares por transgressões, cuja ressalva foi expressa de forma Constitucionalmente luculenta.

2.2. Definição Legalmente Estabelecida

Ainda que a tese da recepção não fosse aceita, o dispositivo constitucional (inciso LXI do art. 5º) estabelece apenas a necessidade da lei (stricto sensu) para definir as transgressões militares. Não se trata de exigência de tipificação de condutas, nem de relacionar taxativamente as hipóteses por meio de instrumento legal. Definir consiste em estabelecer os parâmetros jurídicos dos institutos, não significa elencar as situações de sua incidência, até porque não há como o legislador prever todas as condutas possíveis, por isso se faz necessário estabelecer um conceito, traçando definição jurídica do que deve ser entendido como transgressão disciplinar militar.

Nessa vertente, o requisito "definição por meio de lei" já teria sido satisfeito, uma vez que o Estatuto dos Militares, Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 (Lei Ordinária votada pelo Poder Legislativo), que consiste no regime jurídico dos militares das Forças Armadas, define objetivamente o que deve ser considerado como transgressão disciplinar, fixando que consiste na violação das obrigações e dos deveres militares (art. 42).1 Então, as hipóteses transgressionais, para as suas caracterizações, devem ser analisadas no contexto das obrigações e deveres militares, também previstos em lei, arts. 27 a 41 do Estatuto dos Militares.

As obrigações são manifestações essenciais do valor e da ética militares. Os deveres militares insculpidos no Estatuto dos Militares são considerados essenciais para os organismos militares, em razão do liame que formam entre o militar e a Nação (Pátria).

O art. 31 relaciona aqueles deveres tidos como essenciais, e, em seu inciso IV, confirma a imprescindibilidade da disciplina, corroborando o que dispõe o mandamento constitucional do art. 142.

Art. 31.

Os deveres militares emanam de um conjunto de vínculos racionais, bem como morais, que ligam o militar à Pátria e ao seu serviço, e compreendem, essencialmente:

...

IV - a disciplina e o respeito à hierarquia;

...

Assim, vemos que a prisão preventiva disciplinar encontra fundamento de validade na Constituição Federal, no Estatuto dos Militares e nos Regulamentos Disciplinares, seja porque a prisão está prevista nos regulamentos recepcionados na forma de lei; seja pelo seu conteúdo compatível com a Constituição vigente; seja porque o Estatuto dos Militares, lei stricto sensu, no art. 42 definiu o que deve ser considerado como transgressão disciplinar; e, ainda, porque o art. 47 desse diploma legal delegou aos Regulamentos Disciplinares o estabelecimento do regime processual para o julgamento das transgressões disciplinares militares.

Os militares prestam compromisso de honra, afirmando a aceitação desses deveres e manifestam a firme disposição de bem cumpri-los (art. 32 do Estatuto dos Militares).

De toda sorte, a necessidade de reprimir a prática da indisciplina impõe à autoridade militar a adoção de medidas incisivas, em benefício da ordem disciplinar, que, por dever de ofício, tem que preservar.

Os regulamentos militares mesmo definindo também as transgressões, não passam de repetições do que consta fixado na lei, hierarquicamente superior, que consiste no Estatuto dos Militares. Esses regulamentos tratam da especificação, da classificação e da processualística, que deve a ser empregada na apuração e no julgamento das infrações, com fundamento no art. 47 da Lei nº 6.880/1980, elencando, exemplificativamente, algumas hipóteses de incidência, não podendo se confundir com tipificação ou definição do signo jurídico "transgressão disciplinar militar".

Os regulamentos disciplinares não podem servir de referência para a discussão quanto à constitucionalidade da prisão disciplinar militar, uma vez que a definição legal exigida pelo inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal se encontra no art. 42 da Lei nº 6.880/1980, diploma legal que submetido ao crivo da teoria da recepção das normas anteriores à nova ordem constitucional, continuou integrando o ordenamento jurídico pátrio.

2.3. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.340-9/DF Contra o Regulamento Disciplinar do Exército

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.340-9/DF, proposta com a finalidade de julgar inconstitucional o Decreto nº 4.346/2002, que aprovou o Regulamento Disciplinar do Exército, não foi conhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

A despeito de a ADI nº 3.340-9/DF não ter sido conhecida porque o requerente não demonstrou, no mérito, cada um dos casos de violação da Constituição, sendo julgada incabível a análise tão-somente do vício formal, impende ressaltar os votos do Ministro Marco Aurélio e da Ministra Ellen Gracie, em que ambos revelam o entendimento de que a expressão "definidos em lei", constante no inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal, diz respeito apenas ao crime propriamente militar.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - ... A transgressão militar circunscreve-se ao campo administrativo das Forças Armadas, decorrendo da hierarquia e da disciplina que qualificam esse segmento da Administração Pública. Vale dizer que a versatilidade e a dinâmica da vida militar direcionam a ter-se o trato da matéria via regulamento, via ato circunscrito ao comando cabível e previsto constitucionalmente – inciso XIII do artigo 84 da Constituição Federal. Ao Chefe do Poder Executivo cumpre a fixação das balizas definidoras do comportamento do cidadão ou cidadã enquanto integrantes das Forças Armadas, enquadrando certos atos como transgressões militares e impondo punição ante o desvio de conduta no dia-a-dia da atividade específica, peculiar, que é a militar. A garantia constitucional está na necessidade de previsão e esta não exige disciplina rígida como é a estritamente legal, podendo decorrer de texto de regulamento.

Daí a improcedência do pedido formulado, não cabendo adentrar questão que não se faz em jogo, ou seja, a recepção, ou não, como lei, do decreto anterior à Carta de 1988.

A Senhora Ministra Ellen Gracie: ...Entendo que se trata de um decreto editado na forma autorizada pelo artigo 47 da Lei nº 6.880/90, que foi recepcionado pela Constituição Federal e que é, também, a fonte normativa desse Decreto, agora impugnado, o de nº 4.346/2002.

A expressão ‘definidos em lei’, contida no artigo 5º, inciso LXI, refere-se aos crimes militares, não às transgressões militares.

Com essas razões, acompanho integralmente o voto do Relator. [01]

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Os votos acima estão afinados com a salvaguarda da hierarquia e da disciplina, fundamentos maiores das Forças Armadas, além de confirmarem o exercício do Comando Supremo das Forças Armadas pelo Presidente da República, nos termos do inciso XIII do art. 84 da Constituição Federal, em consonância com o inciso LXI do art. 5º e §2º e caput do art. 142 da Lei Maior.


3. PRISÃO PREVENTIVA DISCIPLINAR NA MARINHA

O inciso LXI do art. 5º da Constituição deve ser entendido como norma de garantia da hierarquia e da disciplina. Esse dispositivo, além de assegurar direitos aos cidadãos, também confere legitimidade à prisão disciplinar, confirmando a importância do princípio da autoridade, da subordinação e da obediência, aspectos nucleares daqueles institutos.

Os instrumentos de tutela da ordem disciplinar que constituem o Devido Processo Legal das infrações disciplinares para a Marinha estão previstos na Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), Lei n.º 5.836/72 (Conselho de Justificação), Decreto n.º 71.500/72 (Conselho de Disciplina), Decreto n.º 88.545/83 (RDM), e Decreto n.º 95.480/87 (OGSA).

Os Conselhos de Justificação e de Disciplina não serão comentados porque fogem ao escopo do estudo, visto que têm o propósito de avaliar a incapacidade dos militares estabilizados de permanecerem na situação de atividade ou inatividade, em razão da conduta praticada, o que pode culminar até com as suas exclusões do serviço, se for decido pela perda do posto ou da graduação. Entretanto, mesmo sendo possível concluir pela ocorrência de infração disciplinar, as normas desses processos administrativos não tratam especificamente de prisão preventiva.

A Prisão Preventiva Disciplinar consiste numa das maneiras de assegurar a regularidade das forças militares, quando a manutenção da disciplina for posta a risco.

A disciplina deve ser mantida em todas as circunstâncias da vida dos militares da ativa, da reserva remunerada e dos reformados (§§2º e 3º, do art. 14, da Lei n.º 6.880/80). [02]

Nesse desiderato a prisão preventiva se constitui no meio legal, aplicável ao restabelecimento, manutenção e preservação da ordem disciplinar, de forma imediata e instantânea.

Assim, faz-se mister o resguardo do instituto basilar da disciplina, com o objetivo de reprimir prontamente as transgressões, cujas circunstâncias com que forem praticadas, apresentem potencial risco à ordem disciplinar.

A constrição cautelar visa manter a unidade e a coesão da tropa ou da tripulação. Do contrário, uma conduta não reprimida pode desencadear uma seqüência de descumprimento generalizado.

Os militares são os agentes autorizados e especializados no uso de armas, o que, aliando-se à indisciplina, pode transformar o quartel num campo de guerra ou numa desordem total, transformando-se em bandos armados, com reflexos imensuráveis para a ordem disciplinar e para a sociedade.

A importância da hierarquia e da disciplina está vinculada à necessidade de manter o controle sobre aqueles que têm como profissão o uso da força, que dispõem dos conhecimentos técnicos, fruto da competência funcional, que são capazes de infligir grave sofrimento aos cidadãos, pelo emprego dos meios e métodos de combate em conflitos armados.

O uso das armas pelos militares, considerando a letalidade dos apetrechos bélicos, deve ter o máximo da gestão do Comando, sendo que, as técnicas, planejamentos, estratégias, meios e métodos de combate ou de defesa, em razão do risco da atividade e das consequências inerentes, são também empregadas como ordem de profissionalismo, com rígidas regras de comportamento, conforme se verifica na regras do Direito Internacional Humanitário, também conhecido como Direito da Guerra.

Ademais, nenhuma outra profissão exige o sacrifício da vida em benefício do próximo.

A exigência constante de se conduzir conforme a regra revela o pendor para atividade militar ao mesmo tempo em que condiciona o comportamento, sendo que, dessa forma, as regras são incutidas na rotina dos militares.

A compreensão quanto à importância das Forças Armadas para a sociedade, com a nítida consciência, numa avaliação mais profunda, que da hierarquia e da disciplina pode depender a existência do Estado e, ainda, que a prática profissional representa um grave risco à própria vida e a de outras pessoas, justifica o controle e a rigidez das regras de conduta dos militares.

Dada a relevância da preservação da disciplina para os organismos militares, visto que a hierarquia e a disciplina constituem elementos sine qua non de suas existências, vislumbra-se no nosso ordenamento jurídico militar, como já mencionado (Constituição Federal, Estatuto dos Militares, RDM e OGSA) a possibilidade de se efetuar a prisão disciplinar de forma preventiva, uma vez que as infrações graves, dependendo da ofensividade ou do grau de reprovabilidade da conduta, tanto afetam a ordem disciplinar como podem tangenciar a esfera penal.

Farlei Martins de Oliveira, a respeito da presunção de legitimidade do ato administrativo militar, menciona que: "...a presunção de legitimidade do ato administrativo, especialmente do ato sancionador, é mais contundente nos aspectos da veracidade dos fatos e da prova, uma vez que o ordenamento jurídico acrescenta a esses aspectos a preservação da disciplina, da hierarquia e decoro da instituição.". [03]

O autor, reportando-se à prisão preventiva, aduz sobre a legalidade da cautelar, os seguintes ensinamentos: [04]"Com efeito na aplicação de uma sanção restritiva de liberdade, os regulamentos disciplinares conferem aos fatos ensejadores do ilícito administrativo uma presunção de veracidade em favor da Administração Militar, capaz de determinar a imediata prisão do militar transgressor, independente da posterior abertura de sindicância ou processo administrativo-disciplinar. A esse respeito, observe-se o comando estatuído no artigo 12 do Regulamento Disciplinar do Exército que disciplina a concessão da denominada "parte". Por esse preceito regulamentar, todo militar que tiver conhecimento de fato contrário à disciplina deverá participá-lo ao seu chefe imediato, por escrito. De acordo com o parágrafo 2º do mesmo artigo, quando para preservação da disciplina e do decoro da Instituição a ocorrência exigir pronta intervenção, mesmo sem possuir ascendência funcional sobre o transgressor, a autoridade militar de maior antigüidade que presenciar ou tiver conhecimento do fato deverá tomar providências imediatas e enérgicas, inclusive prendê-lo "em nome da autoridade competente", dando ciência a esta, pelo meio mais rápido, da ocorrência e das providências em seu nome tomadas. Essa presunção de veracidade típica do ato disciplinar militar legitima, ainda, a medida prevista no parágrafo 3º do artigo 35 do Regulamento Disciplinar do Exército, que faculta à autoridade militar a prisão do transgressor, por prazo que não ultrapasse setenta e duas horas, se necessário para a preservação do decoro da classe ou houver necessidade de pronta intervenção.".

Semelhante previsão se encontra no art. 40 e 41 do Regulamento Disciplinar para a Marinha, conforme visto acima.

No mesmo sentido, Jorge César de Assis, elenca os pressupostos da prisão preventiva, acrescentando que a constrição ficará passível de apreciação do Judiciário, que verificará a existência desses pressupostos, que, se não estiverem presentes, tornarão a prisão arbitrária, mas ressalva que: "...o sistema jurídico militar brasileiro pressupõe uma indissociável relação entre o poder de mando do Comandante (conferido pela lei e delimitado por esta) e o dever de obediência de todos que lhe são subordinados.".

Os pressupostos mencionados pelo autor são os seguintes: a) ocorrência de transgressão disciplinar de natureza grave; b) necessidade de preservação da disciplina e do decoro da instituição militar; c) exigência de pronta intervenção; d) o dever de ofício da autoridade militar de maior antiguidade que presenciar ou tiver tomado conhecimento do fato, de adotar providências enérgicas e imediatas; e) a prisão do infrator é feita em nome da autoridade competente; e, f) tal restrição da liberdade do infrator antecede a solução da comunicação da transgressão cometida. [05]

O mesmo autor, ainda estabelece duas razões para fundamentar a prisão preventiva disciplinar militar: "A primeira, segundo a qual a medida cautelar encontra amparo constitucional, exatamente no art. 5º, LXI, que excepciona da exigência do estado de flagrância e da ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, os casos de transgressão disciplinar ou crime propriamente militar, definidos em lei. A Segunda, porque a medida se insere dentro do poder disciplinar que é comum às instituições militares e, do dever de ofício que as autoridades militares que presenciam ou tomam conhecimento de infração disciplinar de natureza grave têm, de intervir prontamente e de forma enérgica.". [06]

Menciona também a abordagem de Luiz Augusto de Santana, sobre ocorrência em que um militar da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, buscou apoio do Ministério Público, alegando constrangimento ilegal, em razão de ter sido submetido à prisão preventiva.

Luiz Augusto de Santana, segundo descreve Jorge Cesar de Assis, analisou a prisão preventiva da seguinte forma:

Em suporte à sua posição pela validade da ordem de detenção à disposição do comandante, Luiz Augusto de Santana lembra, referindo-se ao art. 5º, LXI, da Carta magna, que dito dispositivo procurou preservar as corporações militares,

e que tal entendimento vem da certeza de que, se o objetivo da Carta Magna foi acabar com as detenções para averiguação, ou correicionais que as autoridades policiais praticavam a torto e a direito e que agora constituem, no mínimo, crime de abuso de autoridade, quando o assunto for o exercício do poder disciplinar em corporação militar e a apuração de delitos de natureza militar própria, entenderam os constituintes pátrios que a questão merece maior cuidado, independentemente do fato de que, para aplicação de qualquer sanção disciplinar, o único meio possível é o processo disciplinar onde sejam assegurados ao infrator a mais ampla defesa e o contraditório, garantias essas, entretanto que comportam exceções quando o fato exige a ação imediata da autoridade, não sendo por isso absoluta, e nem poderiam ser; exceto, se se tratar a ressalva constitucional de norma sem sentido, fato inaceitável em qualquer Estado que se diga legal e democrático de direito. [07]

Para ou autor, as exceções aventadas seriam as detenções cautelares de indiciados investigados por crimes militares próprios e as próprias detenções prévias de transgressores da disciplina militar, quando se apresentem como imprescindível sua manutenção nas dependências do quartel até uma avaliação pessoal e preliminar pelo seu comandante daquela conduta contrária aos regulamentos disciplinares. [08] (grifos nossos)

De todo exposto, verifica-se a legalidade de realização da prisão preventiva por infração disciplinar de natureza grave, para resguardar, preservar e manter a ordem disciplinar militar, estatuída na Constituição da República, art. 142; na Lei n.º 6880/80, art. 14 e 42; no RDM, art. 40 e 41; e na OGSA, art. 4-1-17; em consonância com o inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal, principal base de sustentação da prisão disciplinar militar.

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Sobre o autor
Walter Santos Peniche

Oficial da Ativa do Quadro Técnico do Corpo Auxiliar da Marinha, Bacharel em Direito e Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal e em Direito Militar pela Universidade Gama Filho, Assessor Jurídico na Marinha.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENICHE, Walter Santos. Prisão preventiva disciplinar militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2697, 19 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17855. Acesso em: 15 nov. 2024.

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