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A intervenção do Estado na economia por meio das políticasfiscal e monetária – Uma abordagem keynesiana

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O artigo aborda a questão da regulação pública da economia de mercado capitalista pelo Estado por meio do exercício, pelo Governo, das políticas fiscal e monetária.

RESUMO

O artigo trata da intervenção do Estado na economia, por meio da execução das políticas fiscal e monetária, com a finalidade de atenuar distorções características da economia capitalista e do livre funcionamento do mercado. A principal dessas distorções é a incompatibilidade entre a oferta e a demanda agregadas, cujas conseqüências mais relevantes podem ser os dois mais importantes problemas econômicos, que são a inflação e o desemprego. As referidas políticas fiscal e monetária são mecanismos pelos quais o Estado, por meio do Governo, tenta abrandar os efeitos dos citados desequilíbrios. A primeira consiste na política das receitas públicas, a política tributária, e na política dos dispêndios públicos, a política orçamentária. A segunda consiste no controle da oferta de moeda da economia e da taxa de juros.

PALAVRAS – CHAVES –Teoria Keynesiana, Política Fiscal, Ciclos Econômicos.


1 – Introdução:

A economia de mercado capitalista funciona em ciclos econômicos de expansão e contração da produção, da renda, do investimento e do emprego. A intervenção do Estado na economia se faz necessária para estabilizar os preços, o nível de emprego, a renda e outras variáveis macroeconômicas relevantes. Porém, até a crise de 1.929, que foi uma crise de superprodução e de subconsumo do capitalismo, prevalecia a teoria neoclássica de Marshall, a qual preconizava a tese do equilíbrio automático do mercado, pela qual a "mão invisível" deste último ajustaria os níveis de oferta e demanda agregadas. A teoria neoclássica também se baseava na lei de Say, pela qual a oferta cria a sua própria demanda, o que teria por conseqüência a impossibilidade da ocorrência de crises de superprodução e de subconsumo.

É importante caracterizar a crise de 1.929. Foi uma crise de superprodução e de subconsumo, já que não havia demanda suficiente para absorver toda a oferta, o que fez com que sobrassem muitos produtos sem serem consumidos, o que teve como conseqüência uma queda generalizada dos preços (acentuada deflação) que, por sua vez, teve como decorrência uma redução expressiva da renda dos empresários que, por causa do prejuízo que tiveram, diminuíram substancialmente os investimentos, o que fez decrescer significativamente o nível de emprego. Toda essa conjuntura depressiva da economia resultou numa diminuição acentuada do valor das ações das empresas, causada por um movimento de venda generalizada no mercado acionário, a Bolsa de Valores, acarretando queda no valor das ações e alastrando, por toda a economia, as conseqüências da depressão.

Pode-se considerar, então, que foi uma crise de excesso de oferta e de insuficiência de demanda, que teve como efeitos uma significativa queda dos preços, da renda e do emprego. Os dogmas neoclássicos da "mão invisível", do equilíbrio automático dos mercados e da lei de Say perderam a credibilidade, e surgiu Keynes defendendo a intervenção do Estado na economia para ajustar a oferta à demanda, principalmente para aumentar a demanda agregada na fase recessiva do ciclo econômico.  Assim, de acordo com Vieira e Campos (2.007:1), “Keynes rejeita os preceitos de equilíbrio, com pleno emprego, ajustável automaticamente (Lei de Say e lei da oferta e da procura)”. No caso do início da década de 30, com a economia atravessando uma depressão terrível, era imperativo que houvesse incremento dos gastos públicos para que a produção, a renda e o emprego se recuperassem. Os instrumentos para concretizar a intervenção do Estado na economia passaram a ser as políticas fiscal e monetária.

A contribuição de Keynes para a teoria econômica pode ser sintetizada pelo trecho transcrito abaixo, o qual consta de Venâncio (1.998:12):

“O aparecimento da “Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro” de Keynes em 1936, no dizer de Dênio Nogueira, “consubstanciou em princípios teóricos a filosofia moderna da intervenção estatal na atividade econômica”, com o fim de suplementar as forças econômicas que, como supunham os clássicos, tendiam automaticamente a restabelecer o equilíbrio, numa posição correspondente à ocupação plena”. E mais adiante observa o mesmo autor: “A economia contemporânea encontrou em KEYNES e seus seguidores os construtores do que hoje se convencionou chamar a economia do bem-estar social em que são reconciliados os dois maiores fatores de estabilidade econômica: a iniciativa privada e a ação governamental.””.

Até mesmo um economista de corrente teórica antagônica a de Keynes como Milton Friedman reconhece a excelência do pensamento keynesiano que, segundo o economista monetarista de Chicago, “convenceu o público de que o capitalismo era um sistema instável, destinado a sofrer crises ainda mais sérias. (...) o governo precisa desempenhar um papel mais ativo; tem que intervir para contrabalançar a instabilidade gerada pela empresa privada não regulamentada; deve servir como uma espécie de balanceiro a fim de promover a estabilidade e garantir a segurança. (...). A revolução keynesiana não só dominou a Economia, mas também forneceu justificativa atraente e uma receita para extensa intervenção do governo” (Friedman, 1.980: 80 e 81).

De acordo com Feijó (2007:462), “A ideia básica de Keynes é simples. A fim de manter o pleno emprego na economia, o governo deve gerar déficits orçamentários quando a economia entrar em recessão. A baixa atividade econômica de então deve-se ao fato de o setor privado não estar investindo o suficiente”. Acerca deste tema, o mesmo autor informa que Keynes formulou uma “teoria abrangente sobre oferta e demanda agregada que explica que se a demanda estiver abaixo da oferta, a produção deve diminuir para que ambas se equilibrem, o que acarreta a possibilidade de equilíbrio estável abaixo do pleno emprego. O esquema de demanda e oferta agregada de Keynes parecia não apenas explicar a recessão, como também mostrava as formas de se escapar dela” (Feijó, 2007:463). Desta forma, na fase contracionista do ciclo econômico, o Estado, por meio do Governo, deve complementar o investimento privado insuficiente, para elevar o nível de emprego e mantê-lo em patamar apropriado. 

Para concluir este item introdutório, transcreverei um trecho de Galbraith (1.989:200) no qual é feita uma síntese objetiva dos principais pontos da teoria keynesiana:

“A economia moderna, afirmava Keynes, não encontra seu equilíbrio necessariamente no pleno emprego; ela pode encontrá-lo no desemprego – o equilíbrio do desemprego. A Lei de Say já não valia mais; poderia haver uma demanda insuficiente. O governo pode e deve tomar medidas para combater esta insuficiência. Numa depressão, os preceitos para se bem administrar as finanças públicas cedem lugar a esta necessidade.

O equilíbrio do desemprego, a negação da Lei de Say, o apelo para o governo empreender gastos sem ter as receitas necessárias para cobri-los a fim de manter o nível de demanda – estes itens constituíram a essência do sistema keynesiano (...). Numa hipérbole inofensiva, foi isso que passou a ser chamado de Revolução Keynesiana”.


2 – Definição dos conceitos de políticas fiscal e monetária:

É conveniente definir os significados das políticas fiscal e monetária. A política fiscal é o componente da política econômica que se refere, por um lado, às receitas públicas, ou seja, à arrecadação dos tributos do Estado sobre a renda, o patrimônio e o consumo das pessoas físicas e jurídicas, e, por outro lado, aos dispêndios do Governo, os quais estão explicitados no orçamento público. Desta forma, a política fiscal abrange dois componentes distintos, o relativo à política tributária, concernente à receita pública, e a política orçamentária, pertinente à despesa pública. Pereira (2.006:52) define a política fiscal keynesiana como “o uso consciente dos meios fiscais do governo – tributação, gastos e dívida pública, com o objetivo de neutralizar as tendências cíclicas da economia, traduzidas por inflação e recessão”. Cardim (2.008:14) afirma que a política fiscal é aquela “em que o governo age sobre a demanda diretamente através de seus gastos, ou indiretamente, através de tributos sobre os agentes privados”.

Com relação à política monetária, ela concerne ao controle da oferta de moeda e da taxa de juros, o que tem conseqüências para os níveis de investimento, emprego e consumo da economia. O Governo implementa a política monetária por meio de três mecanismos principais: o mercado aberto, o depósito compulsório e o redesconto. No caso do primeiro instrumento, o Governo vende títulos da dívida pública quando quer aumentar a taxa de juros e compra quando quer diminuí-la; pelo segundo mecanismo, o Governo obriga os bancos comerciais a manterem depositados, no Banco Central, uma porcentagem maior ou menor dos seus depósitos à vista, para assim aumentar ou diminuir a oferta de moeda para empréstimos, de acordo com as circunstâncias, e, finalmente, o redesconto consiste num financiamento que o Banco Central concede às instituições financeiras privadas que estão com dificuldades de liquidez e de honrar seus empréstimos de curto prazo.  Em relação a esse último ponto, o Banco Central atua como emprestador de “última instância” dos bancos comerciais, como um “banqueiro dos bancos”. Keynes enfatizava mais a política fiscal do que a monetária, mas a existência de uma autoridade monetária pública exercendo controle sobre a oferta de moeda é tópico relevante na sua teoria econômica.  Para respaldar esta última assertiva, cito Ferrari e Terra (2.010:3), que informam que Keynes concedia “significativa importância à condução da política monetária”. Porém, segundo os mesmos autores, “a intervenção estatal para Keynes, apresenta-se, principalmente, na forma de política fiscal. Esta se ancora tanto na administração dos gastos públicos – algo completamente diverso de déficit público – quanto na política de tributação. Por conseguinte, a política fiscal keynesiana recai, diretamente, sobre a demanda agregada da sociedade, isto é, sobre o investimento e o consumo, público e privado” (Ferrari e Terra, 2.010:4). Galbraith (1.972:218) escreve que “Keynes argumentou que a taxa de juros era uma forma indireta de influir na atividade econômica, de reduzida utilidade prática”.


3 – Prescrições keynesianas de políticas fiscal e monetária de acordo com a fase do ciclo econômico:

Na fase expansiva do ciclo econômico, segundo a ortodoxia keynesiana, a política monetária deve ser restritiva, com taxas de juros mais altas e redução da quantidade de moeda na economia, o que é feito mediante a venda, pelo Banco Central, de títulos da dívida pública, e a política fiscal deve ser mais austera, com redução dos gastos públicos, e aumento da tributação, da carga tributária, sobre os fatores de produção, como forma de combater a maior ameaça da fase expansionista do ciclo econômico, que é a inflação. Ambas as políticas se direcionam para conter a demanda agregada e evitar o aumento generalizado dos preços. No que concerne à política fiscal, tal combinação de maior tributação com menor despesa pública contribui para a ocorrência de superávit fiscal nas contas do Governo. Conforme nos informa Pereira (2.006:49), Keynes propunha “a utilização da política fiscal compensatória, na qual pregava (...) a geração de superávits diante de ameaças de inflação”.

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Na fase recessiva do ciclo econômico, segundo os keynesianos, a política monetária deve ser expansionista, com taxas de juros mais baixas para incentivar o investimento, e se caracterizar pelo aumento da quantidade de moeda na economia, o que é efetivado por meio da compra, pelo Banco Central, de títulos da dívida pública, e a política fiscal deve ser mais expansiva, com incremento dos gastos públicos, como forma de combater a maior ameaça da fase contracionista do ciclo econômico, que é o desemprego. Além disso, nessas circunstâncias, o outro componente da política fiscal, que é a tributação sobre os fatores de produção, deveria ser implementado no sentido da redução da carga tributária. Ambas as políticas se direcionam para estimular a demanda agregada e evitar o aumento generalizado do desemprego.  No que é pertinente à política fiscal, tal combinação de menor tributação com maior despesa pública contribui para a ocorrência de déficit fiscal nas contas do Governo. De acordo com Pereira (2.006:49), Keynes propunha “a utilização da política fiscal compensatória, na qual pregava o aumento do déficit público em épocas de recessão”. Ainda segundo o mesmo autor, Keynes advogava que, “quando ocorresse insuficiência de demanda, o governo deveria assumir um papel ativo de complementar os gastos privados, ou reduzindo impostos ou realizando investimentos” (Pereira, 2.006:51). A política fiscal expansionista na fase de contração da produção, do emprego e da renda da economia como remédio para a crise é também apontada por Vieira e Campos (2.007:1), que afirmam que “Os gastos com obras públicas contribuiriam para multiplicar a renda; gerando empregos para alguns, criar-se-ia indiretamente empregos para uma grande parcela da população”. Acerca do assunto, Galbraith (1.972:232) escreve que “Hoje é amplamente aceito que, no caso de procura insuficiente e depressão, sejam reduzidos os impostos e as despesas públicas aumentadas a fim de aumentar a procura agregada”. Ainda sobre este tema, Galbraith (1.989:240) informa que “A deflação e o desemprego exigem mais gastos públicos e menos impostos, ambas medidas politicamente muito agradáveis. A inflação dos preços, por outro lado, exige a redução dos gastos públicos e o aumento dos impostos, coisas pouquíssimo agradáveis politicamente”.

Os argumentos supracitados constituem o que Balleiro (1975:124) denomina de política compensatória de conjuntura, que consiste em o Governo praticar uma política fiscal expansionista na fase recessiva do ciclo econômico (menos tributação e mais gastos públicos, visando o combate ao desemprego) e política fiscal restritiva na fase expansiva do ciclo econômico (mais tributação e menos gastos públicos, visando o combate à inflação).

Os parágrafos precedentes referem-se à instabilidade da oferta da economia capitalista (que é, basicamente, o motivo da existência dos ciclos econômicos), a qual é causada, fundamentalmente, pelo descasamento existente entre a oferta e a demanda agregadas, fenômeno denominado por Marx como sendo a “anarquia da produção”, gerado pela incerteza de que padece o empresário capitalista ao tomar suas decisões sobre o quanto investir, as quais são influenciadas significativamente pelas expectativas empresariais. Neste contexto é que surge a necessidade de intervenção do Estado na economia, por meio do exercício das políticas fiscal e monetária, principalmente a primeira, para fazer o ajuste entre a oferta e a demanda agregadas por intermédio do desempenho da função estabilizadora do Governo.  


4 – Caracterização dos fundamentos da teoria econômica keynesiana:

Segundo Dillard (1.989), para Keynes, os níveis de renda, emprego e investimento eram funções de três variáveis: a propensão marginal a consumir (c), a eficácia marginal do capital, que seria, aproximadamente, correspondente à taxa de lucro, e a taxa de juros. Ou seja, as variáveis dependentes ou explicadas seriam a renda, o emprego e o investimento, e as variáveis independentes ou explicativas do modelo seriam a propensão marginal a consumir (c), a eficácia marginal do capital e a taxa de juros.

O investimento produtivo só seria racional se a eficácia marginal do capital fosse maior do que a taxa de juros. Caso contrário, o empresário capitalista preferiria investir em títulos da dívida pública do Governo remunerados pela taxa de juros do que arriscar seu capital no investimento produtivo. A eficácia marginal do capital seria a rentabilidade esperada do investimento em bens de capital. A instabilidade da eficácia marginal do capital seria, também, uma causa importante para a ocorrência das flutuações do investimento e dos ciclos econômicos.

Sendo assim, conforme  Dillard (1.989),  pode-se perceber que as políticas monetária e fiscal agiriam sobre as três variáveis independentes do modelo keynesiano. A carga tributária do Governo influenciaria o consumo, influindo, também, no investimento, o qual seria também afetado pela taxa de juros da economia, determinada pela política monetária do Governo, o que também afetaria o nível de emprego. A política fiscal, que envolve, simultaneamente, a receita e a despesa públicas, também influenciaria a demanda, o investimento e o nível de emprego. Um movimento de política econômica que o Governo pode fazer é o de aumentar a carga tributária sobre as camadas mais abastadas da população e, com esses recursos, conceder repasses destes últimos, por meio de políticas sociais compensatórias de transferência de renda, para as camadas mais pobres da população, estimulando a demanda dos segmentos de baixa renda, os quais possuem propensão marginal a consumir maior do que a dos setores sociais de renda mais elevada. Seria o caso, no Brasil, do programa bolsa família, pelo qual o Estado exerce sua função redistributiva na economia. Por meio do incremento da renda das camadas menos favorecidas da população, o Governo estimula o consumo e contribui para aumentar o investimento e o nível de emprego da economia. Um simples aumento dos gastos públicos já contribuiria para aquecer a demanda agregada e ajudar a economia a sair da recessão, da mesma forma que uma redução da carga tributária sobre o investimento privado contribuiria para elevar o investimento e diminuir o desemprego. Estes seriam dois exemplos de ação do Governo via política fiscal, denominada anticíclica, por se contrapor à ocorrência do ciclo econômico. Segundo os economistas, a ação da política fiscal do Governo via incremento dos gastos públicos é mais eficaz, ou seja, acarreta maior aumento na renda da economia, do que a ação da política fiscal do Governo via redução da carga tributária.

Mas fica uma pergunta: de que maneira poderia o aumento do investimento do Governo influenciar no aumento da renda da economia? Respondendo a essa indagação, Keynes descobriu o elemento que denominou de efeito multiplicador, pelo qual um aumento do investimento causaria um aumento da renda correspondente a (k=1/s * o aumento do investimento), sendo que k é o multiplicador e s é a propensão marginal a poupar da economia. Esta última pode ser definida como sendo o quociente entre a variação da poupança agregada da economia e a variação da renda nacional disponível da economia, que seria a renda da economia subtraída do total dos tributos. No contexto de uma recessão econômica e do exercício, pelo Governo, de uma política fiscal expansionista, o multiplicador é assim explicado por Singer (1.996:46): “As compras adicionais do governo proporcionam receitas adicionais às empresas vendedoras, que as usam para pagar matérias-primas e salários e distribuir lucros; os agentes que obtêm estas rendas adicionais usam ao menos parte delas para comprar bens de produção (as empresas) e de consumo (os indivíduos). Estas novas compras dão lugar a novas receitas e ainda a novas compras, etc. Este é o mecanismo do multiplicador da demanda”. Prebisch (1.951:11) nos informa que “da relação entre o incremento do investimento e o aumento da renda nacional surge a teoria do multiplicador. O multiplicador, dada a propensão a consumir da coletividade, nos diz em que medida cresce a renda quando aumenta o investimento”.

Por exemplo, vamos supor que a propensão marginal a consumir (c) seja de 0,6, a renda da economia seja de y=500, e o nível de investimento fosse de i=200. Caso o investimento aumentasse em 70, de quanto seria a nova renda de equilíbrio da economia?

Assim, se temos que c=0,6, s=0,4, pois c+s=1. O multiplicador k=1/s seria k=1/0,4=2,5, ou seja, o multiplicador dessa economia é de 2,5; assim, caso haja um aumento do investimento de 70, a renda da economia aumentaria de 70*2,5=175. Logo a nova renda de equilíbrio da economia seria aquela de antes do aumento do investimento, 500 + 175 = 675.

Convém ressaltar que, no caso de haver uma redução do montante do investimento também de 70, a renda de equilíbrio da economia, ao invés de aumentar em 175 unidades monetárias,  diminuiria em 175, passando a ser de 500-175=325. Isto poderia ocorrer no caso de, num momento de excessiva expansão da oferta do ciclo econômico, em que exista risco de inflação, o Governo resolver combatê-la reduzindo os gastos públicos e a demanda agregada, numa tentativa de conter a escalada dos preços.

No exemplo mencionado, para efeito de simplificação, não foi considerada, na fórmula do multiplicador, a tributação do Governo. Porém, no caso de uma economia aberta, isto é, com setor externo, com exportações e importações, e com Governo, a fórmula do multiplicador é k = 1/[1-c(1-t)+m], sendo t a propensão marginal a tributar do Governo, e m a propensão marginal a importar da economia.

Aprofundando a explicação sobre o multiplicador keynesiano, verifica-se que o mesmo não atua exclusivamente sobre o investimento, que é o componente mais importante da demanda agregada, mas também sobre outros elementos integrantes da demanda agregada, tais como o consumo e as exportações.Vasconcelos e Garcia (2.010: 161) corroboram o argumento antes escrito explicando que “numa economia em desemprego, abaixo de seu produto potencial, qualquer injeção de despesas, seja por gastos em consumo, seja por investimentos ou exportações, mas principalmente pelas despesas do Governo, provoca um efeito multiplicador nos vários setores da economia”.

Tanto na fase expansionista quanto na contracionista do ciclo econômico, o Governo pode atuar na política fiscal aumentando ou reduzindo a carga tributária sobre a economia e, também, fazendo o mesmo em relação aos seus gastos. Na fase expansionista, na qual pode ocorrer inflação, o Governo pode aumentar a carga tributária para conter o investimento e, até, causar uma pequena recessão, para "esfriar" a economia, além de reduzir os dispêndios públicos. Sobre esse assunto, Baleeiro (1975:102), escreve o seguinte:

“A política fiscal compensatória adequada às fases inflacionárias é muito mais controvertida do que aqueloutra recomendada para as quadras de depressão.

Desde que as inflações se caracterizam pelo desequilíbrio entre uma procura agigantada em face de uma oferta contraída ou inelástica,a  política fiscal antiinflacionária deve desencorajar os gastos tanto do setor privado quanto do setor público. Por isso mesmo, aconselha-se a tributação como processo de esterilização do poder aquisitivo excedente”.

No período contracionista, pode fazer o contrário, ou seja, reduzir a tributação para estimular o investimento e aquecer a economia, além de aumentar os gastos públicos. Essa combinação de redução da tributação, com menor receita pública, e aumento das despesas públicas, para combater a recessão, provoca elevação da dívida e do déficit públicos, e foi o que o Governo brasileiro fez durante a crise de 2.008/2.009 para conter o desemprego. Foi o caso da retirada da incidência do IPI na fabricação dos automóveis, o que manteve os empregos dos metalúrgicos trabalhadores das indústrias automobilísticas montadoras multinacionais.  Acerca desse tema, Baleeiro (1975:102) nos informa que a política fiscal “na acepção contemporânea se iniciou no tratamento das crises de depressão, estendendo-se depois ao fim oposto – a repressão dos processos inflacionários”.

 Com respeito à operacionalização da política fiscal e ao desempenho, pelo Governo, da sua função estabilizadora, Lopes (2.009:12) nos informa que “Keynes, no entanto, propôs que a administração da política fiscal fosse realizada por meio de duas esferas: i) o orçamento corrente e ii) o orçamento de capital. O orçamento corrente representa os gastos de consumo corrente do governo e deve estar preferencialmente equilibrado no longo prazo (...). A manutenção da economia na trajetória de crescimento visando o pleno emprego deveria ser sustentada, principalmente, pelos gastos de capital. (...). Em outras palavras, Keynes sugeriu, então, um orçamento voltado para as necessidades correntes e outro destinado à estabilização do nível de emprego.”

Desta forma, pode-se considerar que a política fiscal estabilizadora da economia seria, basicamente, instrumentalizada pelo orçamento de capital. Numa conjuntura recessiva, haveria incremento das despesas de capital do Governo para efetivação da política fiscal expansionista para conter o aumento do desemprego e, numa conjuntura inflacionária, haveria a contenção das despesas públicas de capital para combater a elevação dos preços. No primeiro cenário, haveria uma tendência para o déficit fiscal e, no segundo, de superávit fiscal. Sobre o mesmo assunto, Baleeiro (1975:54) informa acerca da existência nos países escandinavos Suécia e Dinamarca dos orçamentos cíclicos, que se baseia na ideia de que o orçamento de capital deve escapar do rigor da anualidade para acompanhar os ciclos ou flutuações da conjuntura econômica. Segundo este autor, “O orçamento de capital contrabalança a tendência da conjuntura: - gasta na depressão, acumula na inflação, de sorte a buscar o equilíbrio da economia numa política compensatória das pressões de desequilíbrio” (Baleeiro, 1975:54). Desta forma, tem-se que a política fiscal seria expansionista na fase contracionista do ciclo econômico, e restritiva na fase expansionista do referido ciclo.

Lopes (2.009:13) prossegue sua explanação acerca da política fiscal keynesiana asseverando que a expectativa “seria que as políticas de gastos fossem bem sucedidas em criar um ambiente seguro para o investimento em capital fixo, com renda crescente, visto que isso geraria arrecadação tributária suficiente para financiar a política fiscal contracíclica de investimentos públicos. Mais que isso: a renda crescente influenciaria as expectativas dos agentes, que passariam a investir. Assim, seria possível obter redução do desemprego evitando déficit fiscal”. Desta forma, a autora acena com a possibilidade de efetivação da política fiscal expansiva contra o desemprego sem que o Governo incorra em déficit, devido ao fato de que, com a melhora das expectativas empresariais, haveria o incremento do investimento e, conseqüentemente, da receita tributária do Governo, o que evitaria o déficit.

Um autor que faz referência aos instrumentos de política econômica prescritos por Keynes para auxiliar na reativação da economia quando da ocorrência de depressão é Eaton (1.958:157), o qual nos informa que “De um modo geral, são de quatro tipos os remédios keynesianos: I – Aumento da capacidade do consumo popular, para assim manter a procura de mercadoria; II – Controle das inversões; III – Uso dos gastos públicos para aumentar a atividade econômica; IV – Aumento da propensão a consumir pela redistribuição da renda em favor dos grupos de renda mais baixa.” Desta forma, podemos sintetizar os remédios keynesianos para combater a depressão econômica, como sendo a recuperação da demanda agregada da economia pela redistribuição, às camadas menos favorecidas da população, dos recursos provenientes da tributação progressiva dos ricos, e o incremento do investimento, da renda e do nível de emprego por intermédio do aumento das despesas do Governo.

Outro autor que fornece explicações sobre a teoria keynesiana é Prebisch (1.951). Para este autor, três proposições sintetizam, de modo genérico, a essência do pensamento econômico keynesiano:

1) A renda global da economia, assim como os níveis de emprego e produção, são determinados pelo nível do investimento e pela propensão marginal a consumir;

2) O nível do investimento é determinado pela taxa de juros e pela eficácia marginal do capital;

3) O nível da taxa de juros é determinado pela quantidade de dinheiro, que é efeito da política monetária do Governo, e pela propensão do público a manter dinheiro líquido em seu poder, ou seja, é função também da PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ.

A essas proposições, pode-se aduzir algumas assertivas que refletem as considerações de Dillard (1.989) sobre os principais aspectos teóricos do pensamento econômico keynesiano:

1)                 A variável mais importante do modelo keynesiano é o investimento;

2)                 O investimento determina o nível de emprego e a renda da economia;

3)                 O investimento é determinado pela propensão marginal a consumir, pela eficácia marginal do capital e pela taxa de juros;

4)                 O nível de emprego e a renda da economia são determinados pela propensão marginal a consumir, pela eficácia marginal do capital e pela taxa de juros;

5)                 O Estado, por meio do Governo, no desempenho da função estabilizadora, por intermédio do exercício das políticas fiscal e monetária, pode afetar a propensão marginal a consumir, a eficácia marginal do capital e a taxa de juros, influenciando, assim, os investimentos e, como decorrência disso, influindo no nível de emprego e na renda da economia.

Relativamente aos conjuntos de proposições acima elencadas, percebe-se uma pequena divergência entre os autores citados: Prebisch considera que o investimento é determinado pela taxa de juros e pela eficácia marginal do capital, enquanto, para Dillard, o investimento é determinado pela propensão marginal a consumir, pela eficácia marginal do capital e pela taxa de juros. Dessa forma, para o primeiro, a propensão marginal a consumir da população não influiria diretamente no investimento, enquanto, para o segundo, a mencionada propensão afetaria diretamente o montante de inversões da economia. Analisando o assunto, tendo a concordar mais com Dillard, na medida em que os empresários, ao investirem, devem levar em conta a massa salarial da economia, tendo em vista que os salários dos operários e trabalhadores é que vão conferir a esses o poder aquisitivo para consumir parcela expressiva da oferta proporcionada pelos investimentos empresariais. Além disso, a propensão marginal a consumir dos empresários e dos rentistas burgueses é menor do que a propensão marginal a consumir dos operários e trabalhadores, conforme nos informa Prebisch (1.951:39): “Quanto maiores são as rendas dos distintos segmentos da população, tanto maior é a quantidade de poupança que é realizada”. Desta forma, o comportamento do conjunto dos salários dos trabalhadores da economia seria também relevante para a determinação do investimento dos empresários.

Vasconcelos e Garcia (2.010, passim, 151:164) apontam como características importantes do modelo keynesiano as seguintes:

1)                 O modelo keynesiano supõe a existência de desemprego, ou seja, que a economia esteja em equilíbrio (oferta agregada=demanda agregada) abaixo do pleno emprego, produzindo abaixo do seu potencial: as empresas estão com capacidade ociosa e uma parcela da força de trabalho está desempregada;

2)                 O nível geral de preços é considerado constante pois, como a economia está em desemprego, não há razões para as empresas elevarem os preços de seus produtos num eventual aumento da demanda;

3)                 A oferta agregada de curto prazo é considerada constante;

4)                 Devido à suposição do item anterior, Keynes considera que as variações no nível de equilíbrio da renda e do produto ocorrem em função da demanda agregada (consumo+investimento+gastos do Governo+exportações-importações), configurando o “princípio da demanda efetiva;

5)                 Como a oferta agregada é fixada no curto prazo, a política econômica deve-se concentrar em elevar a demanda agregada, por meio de instrumentos que proporcionem aumento dos gastos em consumo, do investimento, dos gastos do governo e das exportações.

Pela argumentação exposta, pode-se concluir que a intervenção do Estado na economia de mercado capitalista propugnada por Keynes não é no sentido de o Estado atuar no sistema econômico como produtor direto de bens e serviços, ou seja, como Estado “empresário”, proprietário e administrador de empresas produtoras dos mencionados bens e serviços, e sim como regulador do investimento mediante o exercício das políticas fiscal e monetária, com a finalidade de tentar compatibilizar a demanda agregada com a oferta agregada, de modo a atenuar os problemas mais graves que ocorrem no sistema capitalista, que são a inflação e o desemprego. Caso o Estado negligencie o desempenho da sua função reguladora, estabilizadora, do sistema econômico capitalista, não exercendo, da maneira apropriada, as políticas fiscal e monetária antes mencionadas, as conseqüências serão deletérias para a sociedade, assim como aconteceu na crise econômico-financeira ocorrida no ano de dois mil e oito, a qual propagou seus efeitos para as principais economias do mundo capitalista.

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Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVERGA, Carlos Frederico Rubino Polari. A intervenção do Estado na economia por meio das políticasfiscal e monetária – Uma abordagem keynesiana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2714, 6 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17920. Acesso em: 19 mar. 2024.

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