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Juro e suas modalidades

29/11/2010 às 15:08
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Introdução

O presente trabalho foi elaborado originariamente para fins de avaliação no Curso de Especialização em Direito Empresarial promovido pela Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, COGEAE PUC-SP, como material suplementar à exposição realizada em sala de aula sobre o tema "modalidades de juros". Hoje, o texto pode mostrar sua utilidade a docentes e discentes de graduação e pós-graduação seja como material de suporte a confecção de aulas ou texto para breve consulta.

A exposição, breve como se exige, em suma tratou da definição do termo juro no sistema de direito positivo brasileiro, sua divisão em espécies, segundo único critério classificatório intranormativo e a demonstração da utilidade desta classificação por meio de alguns traços característicos dos regimes jurídicos de cada uma das espécies de juro reconhecidas.

Este texto será dividido em três blocos: no primeiro deles esboçaremos algumas linhas sobre as idéias necessárias à boa compreensão das conclusões que se constrói neste texto; a segunda parte está voltada à definição do étimo juro e do estabelecimento do critério que se empregará na classificação e; o terceiro deles, estará voltado aos reflexos práticos da classificação proposta, demonstrando assim sua utilidade.

A citação direta no corpo do texto foi evitada e em prol da fluência dos períodos e da concisão do texto. Pela mesma razão, as referências indiretas foram reduzidas a um mínimo. O esclarecimento da jurisprudência foi reservado ao espaço das notas de rodapé e as referências ao final apontam o material consultado para os fins de elaboração deste trabalho, servindo também de sugestão à leitura complementar.


Algumas idéias necessárias à compreensão deste texto

Estrutura e uniformidade sintática das normas jurídicas

Temos que nosso objeto de estudo cinge-se ao direito positivo, tomado como um conjunto de normas válidas e vigentes em determinadas circunstâncias de tempo e espaço. Sua unidade é a norma que, fixamos desde logo, tem estrutura sintática idêntica a qualquer outra parte do sistema: trata-se sempre de um juízo implicacional em que um termo antecedente descreve protocolarmente um fato (a que se apõe o qualificativo jurídico) está ligado por vínculo implicacional a um termo consequente prescreve uma relação jurídica entre sujeitos tendo uma prestação como objeto (VILANOVA, 2000, p.86).

Os conteúdos semânticos com que esses espaços são preenchidos variarão conforme a criatividade do legislador e da utilidade que se pretenda da norma, mas sua estrutura, porquanto comando deôntico, será sempre esta hipotético condicional. Tais considerações serão úteis para bem compreender o esforço classificatório que se pretende empreender.

O ato de classificar e a importância da adoção de um critério consistente

É já dito popular de que não existem classificações erradas, mas apenas úteis ou inúteis. Isso é algo com que não se pode concordar se adotada uma postura rigorosa de compreensão do ato de classificar: há sim classificações erradas.

Uma classificação poderá ser considerada certa – e só então, será possível julgar de sua utilidade – sempre que obedeça à regras lógicas que estão por trás de todo processo classificatório. São elas: (1) a divisão há de ser proporcionada, ou seja, a extensão do termo a ser dividido deve corresponder à soma de suas partes separadas; (2) há de se tomar um único critério e submeter todos os elementos do espaço amostral ao juízo desse teste; (3) as classes formadas devem excluir-se mutuamente e; (4) deve-se evitar aquilo que se chama de "salto na divisão" (CARVALHO, 2009, p.120).

A classificação que se pretende adotar pautar-se-á, rigorosamente, nestas regras separando, por um único critério (análise semântica do termo antecedente das normas de juros) para só então verificar a utilidade da distinção proposta reconhecendo traços daquilo que, no linguajar mais difundido pela doutrina corrente se costuma chamar regime jurídico.


Classificação das normas de juro em razão de seus termos antecedentes – demarcação do gênero e suas espécies

Considerada clássica entre os estudiosos de direito privado, a definição de Pontes de Miranda aponta juro como aquilo que se paga a outrem quer pelo fato de ter tomado por préstimo, quer pelo fato de não ter recebido algo que se lhe devia prestar.

Dos termos do professor alagoano, é possível identificar duas causas para que se instaure o que, juridicamente, chamamos de juro: (1) um fato lícito de tomar em préstimo algo; (2) um fato ilícito de não adimplir prestação nas condições previamente avençadas.

Na primeira situação, temos uma norma, fruto de uma negociação entre as partes, que prevê uma remuneração a um sujeito pelo tempo em que ele esteve desfalcado em seu patrimônio daquilo que foi entregue em préstimo. É tal como o preço de uma mercadoria, uma remuneração, ou como escrevera Maria Helena Diniz o "preço do uso do capital alheio". (DINIZ, 2003, p.369).

Na segunda hipótese, estamos diante de uma norma que, em sua estrutura, tem no termo antecedente um fato jurídico considerado ilícito e, no termo consequente, não uma remuneração, mas uma sanção. Isso nos autoriza reconhecer nessa modalidade de juro, uma norma sancionatória, originada no dever jurídico de recompor o patrimônio lesado pelo dano injustamente causado.

A classificação proposta segundo o critério traçado, qual seja, a licitude ou ilicitude do antecedente normativo atende às regras que regem o processo classificatório de acordo com aquela parte da lógica que é chamada de Teoria das Classes. O único corte operado para cindir o conjunto das normas jurídicas tomou apenas um critério, separando duas classes complementares de normas.

A peculiaridade de ter-se adotado um critério jurídico, mais precisamente, as diferenças semânticas verificáveis no preenchimento estrutura das normas de juro, tem o condão de ser útil à determinação de consequências de direito e atende à premissa traçada pela qual apenas critérios juridicamente aferíveis podem servir à construção da linguagem do direito positivo e, por consequência, daquilo que chamamos ciência do direito ou dogmática jurídica.

São dos mais diversos os nomes encontrados na doutrina para chamar a estas classes delineadas algumas linhas acima. São com boa frequência os termos compensatórios, juros-frutos ou remuneratórios empregados para designar aquele grupo de normas jurídicas que tem num fato lícito o seu termo antecedente. Para aquele conjunto cuja marca é a partícula hipotética da norma ser um fato ilícito são mais usados em sua designação os termos indenizatórios e moratórios.


consequências da separação traçada – A utilidade da classificação proposta

Diz-se que a importância de uma classificação será tão maior quanto o número de consequências que dela se possa extrair e, ao mesmo tempo, do quão simples e seja ela de ser operada. A separação desses duas espécies do gênero juro – sobre ser empregada por grande parte da doutrina, ainda que não se as separe explicitando os critérios acima propostos – mostra sua utilidade na medida em que é possível identificar outros elementos de cada uma das normas de juros e reconhecer alguns aspectos que o direito positivo impõe à sua formação.

Sobre o primeiro do grupo de normas de juros que separamos, firmamos que o seu antecedente será um fato jurídico lícito. Mais ainda podemos dizer que, sendo este um fato lícito de direito privado, teve origem na vontade das partes que compactuaram a norma individual (porque identificados os sujeitos da relação jurídica) e abstrata (porque futuro e incerto o quanto de tempo transcorrerá até que ocorra o fato jurídico do pagamento) de juro.

Posto de outro modo, o juro chamado compensatórios terão sempre origem em convenção das partes, devendo sua quantificação obedecer aos limites em que a vontade estipulativa pode ser exercida. Especificamente sobre as fronteiras que se põem aos juros remuneratórios é possível reconhecer-lhe o mínimo na inexistência, ou seja, na alíquota de 0% e o teto naquele teto pré-fixado já no art. 1º do Decreto 22.626/33 [01], mais popularmente conhecida como Lei de Usura (que não é lei, nem é de usura, mas contra a usura).

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O chamado juro indenizatório é uma autêntica norma sancionatória e há de ter lugar no contrato não apenas pela enunciação por ocasião da convenção, mas também naqueles casos em que sobre ele as partes silenciem (Código Civil, art. 406). O fato jurídico que ocupa a posição de termo antecedente dessa norma é, como já apontado, um ilícito chamado mora.

O caráter indenizatório que se atribui a essa modalidade de juro pode gerar alguma confusão quando cotejado com o instituto da indenização, decorrente do dever geral de responsabilidade civil (Código Civil, art. 927). De fato, em ambos os casos há um fato ilícito que gera dano a alguém. A particularidade da norma de juro de mora é que, para a sua incidência, é desnecessária a comprovação da existência de dano que é pressuposto (de forma absoluta) pela própria ordem jurídica (Código Civil, art. 407).

A sua incidência está condicionada ao instante em que o fato jurídico mora esteja devidamente construído. Por isso só poderá o seu cômputo ter início a partir da citação inicial (cf. Código Civil, art. 405), da notificação extrajudicial (cf. Código Civil, art. 397, parágrafo único) ou por meio de qualquer outro veículo apto a propiciar o conhecimento de que se venceu o prazo avençado e é já devida a prestação.

A formação do fato jurídico mora, bem como a quantificação do juro de mora está ainda adstrita à liquidez da obrigação, isto é, a que à obrigação já se tenha fixado um valor em pecúnia, que servirá de base para o cálculo dos juros moratórios, sempre expressos sob a forma de um percentual.

Caso não seja líquida, é preciso que se liquide a obrigação para que só então possa reconhecer o teor da prestação e, assim, constituir o fato jurídico mora. Assim, quando se esteja diante de obrigação de dar coisa ou obrigação de fazer, é preciso seja antes apontado um valor em pecúnia para a obrigação – seja por meio de sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as partes (Código Civil, art. 407) – para que só então se possa constituir o fato jurídico moratório (Código Civil, art. 397 e Parágrafo único).

Importante frisar, conforme bem anota o professor Renan Lotufo, que também as obrigações que tenham pecúnia como objeto da prestação, podem estar sujeitas à anterior liquidação antes estarem aptas à constituição do fato jurídico mora. Isto porque pode haver falta de acordo entre as partes quanto a interpretação de índices aplicáveis no cálculo do montante devido (LOTUFO, 2003, p.392).

Faltante na convenção disposição que fixe taxa de juro indenizatório, será ela apontada pela própria lei (Código Civil, art. 406) que institui a mesma taxa empregada no cálculo da mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. O valor, em nossos dias, é aquele da taxa overnight do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC).

Há um bom número de argumentos a favor e contrários à aplicação da taxa SELIC, bem como sobre a possibilidade ou não de limitação dos juros moratórios ao teto previsto na Lei de Usura, prevalece o entendimento em nossas Cortes Especiais de que a taxa cobrada a título de juro de mora não está submetida aos limites quantitativos dos juros remuneratórios [02].


Referências

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2009.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. v.2. São Paulo: Saraiva, 2003.

LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2003.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. v.24. Rio de Janeiro: Borsoi,1959.

VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. São Paulo: RT, 2000.

__________. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005.


Notas

  1. O valor da taxa máxima está fixado como o dobro daquele previsto no art. 1.062 do antigo Código Civil de 1916. Posto em algarismos, o valor corresponderia a 12% ao ano e que é a mesma monta estava expressa no hoje revogado §3º do art. 192 da Constituição Federal. O enunciado foi suprimido por ocasião da Emenda Constitucional 40/2003.
  2. A título de exemplo do quanto se fala: "[…] Com relação aos juros moratórios, segundo o Min. Relator, eles devem ser calculados a partir do evento danoso (Súm. n. 54-STJ), à base de 0,5% ao mês (art. 1.062 do CC/1916) até a entrada em vigor do CC/2002. E, a partir dessa data, deve ser aplicada a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406 daquele codex), que, como de sabença, é a taxa Selic (Lei n. 9.250/1995) […]" (STJ. REsp 1.124.471/RJ. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 17/6/2010. Informativo 439)
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Sobre o autor
Lucas Galvão de Britto

Advogado. Mestrando em Direito Tributário pela PUC-SP. Pós-graduando em Direito Empresarial pelo COGEAE PUC-SP. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITTO, Lucas Galvão. Juro e suas modalidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2707, 29 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17962. Acesso em: 1 mai. 2024.

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