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A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança

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13/12/2010 às 08:55
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O Código Penal diz que a medida de segurança dura por tempo indeterminado, mas a Constituição veda expressamente a pena perpétua e o Código Penal limita o cumprimento da pena de prisão a 30 anos.

"O homem de bom senso jamais comete uma loucura de pouca importância".

Goethe


RESUMO

A presente obra monográfica tem por objetivo analisar a conflitiva e interessante questão versada em torno do prazo de duração da medida de segurança. É que, conforme esculpido no parágrafo 1º, do artigo 97 do Código Penal, a medida de segurança dura por tempo indeterminado, isto é, persiste até que se comprove através de laudo médico a cessação da periculosidade. Assim, infere-se que enquanto não cessada a periculosidade o recolhimento do indivíduo deve ser mantido. Em contrapartida, a nossa C.F./88 em seu art. 5º, inc. XLVII, "b", veda expressamente a pena perpétua. Por seu turno, o artigo 75 do CP limita o cumprimento da pena de prisão em 30 (trinta) anos. Como se nota, resta patente o problema quanto a constitucionalidade ou não da perpetuidade da medida de segurança imposta ao indivíduo. Destarte, vislumbrando, com ressalvas, as mais diversas correntes doutrinárias e decisões pertinentes ao assunto bem como a importante decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito, possível foi formar o entendimento no sentido de que a medida de segurança de internamento dos inimputáveis há de ter, sim, uma baliza executória máxima, seja em razão do limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, seja em virtude do tempo máximo de 30 (trinta) anos. Em não sendo assim, restaria patente a configuração de inconstitucionalidade, sobretudo, por violação a direitos e garantias fundamentais, dentre tantos outros fundamentos igualmente pertinentes.

Palavras-chave: O artigo 97 do Código Penal; Medida de Segurança; Prazo Máximo de Duração – Indeterminação; Caráter Perpétuo; Constitucionalidade ou não; O artigo 5º, inc. XLVII, "b" da C.F/88; Princípios, Direitos e Garantias Fundamentais;


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CERSAM Centro de Referência em Saúde Mental

CCCódigo Civil

CF/88Constituição Federal da República

CPCCódigo de Processo Civil

CPPCódigo de Processo Penal

ECEmenda Constitucional

HCHabeas Corpus

Inc. Inciso

LEP Lei de Execução Penal

MP Ministério Público

ONUOrganização das Nações Unidas

PAI PJ Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário

STFSupremo Tribunal Federal

STJSuperior Tribunal de Justiça

TJTribunal de Justiça

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO . 2 MEDIDA DE SEGURANÇA .2.1 CONCEITO . 2.2 DISTINÇÃO ENTRE MEDIDA DE SEGURANÇA E PENA. 2.3 COMPETÊNCIA E NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA . 2.4 ESPÉCIES EXISTENTES. 2.4.1 Da aplicação da medida de segurança . 2.5 REQUISITOS DA MEDIDA DE SEGUARNÇA. 2.6 PRINCÍPIOS QUE REGEM A MEDIDA DE SEGURANÇA .2.7 DIREITOS DO INTERNADO. 3 DOENÇA MENTAL SUPERVENIENTE À CONDENAÇÃO . 4 PRAZO DE DURAÇÃO - QUESTÃO CONFLITIVA . 4.1 DA CONSTITUCIONALIDADE.4.1.1 Importantes julgados pela constitucionalidade. 4.2 DA INCONSTITUCIONALIDADE. 4.2.1 Importantes julgados pela inconstitucionalidade . 5 DO POSICIONAMENTO DO STF ACERCA DA MATÉRIA.5.1 ACÓRDÃOS CITADOS NA DECISÃO PRINCIPAL . 5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO DO STF. 6 EFICIENTES INCIATIVAS . 6.1 PAI PJ.6.2 CAPS E CERSAM. 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

Assunto pouco discutido no ambiente jurídico, a medida de segurança e seu prazo máximo de duração exige uma análise mais apurada. Assim, com o intuito de melhor compreender o tema objeto desta monografia, faz-se por oportuno, inicialmente, uma breve pincelada histórica acerca das medidas de segurança.

Parece indiscutível o fato de que pessoas com capacidade de discernimento tão diferente devam ser tratadas de forma distinta, a bem do princípio da isonomia.

Sucede da essência das coisas que a diferenciação entre o indivíduo normal e o portador de sofrimento mental implica a que não se pode conferir, a ambos, o mesmo acolhimento quando da prática, por estes, de infrações lesivas à sociedade.

A mais antiga lembrança demonstra que já na Roma antiga as medidas conferidas aos insanos possuíam cunho peculiar, na medida em que, visando a paz social, os mesmos eram postos à disposição de suas famílias para serem custodiados ou aprisionados quando da impossibilidade de controle familiar.

Outrossim, mister se faz notar que a preocupação com a medida de segurança, enquanto autêntica sistematização, surge com o advento do Anteprojeto do Código Penal Suíço de Stoos. Na oportunidade, a medida de segurança aparece na condição de conjunto sistemático de procedências de caráter preventivo individual. Contudo, é cediço que a determinação de determinadas medidas em face dos inimputáveis, objetivando a proteção social, é bem mais remota. Vide, por exemplo, o Código Penal Francês, que já nos idos do início do século 19 trazia colocações relativas aos menores de dezoito anos os quais, afastados da pena, quando atuassem sem discernimento, submetiam-se às medidas tutelares.

Por conseguinte, seguidos da primeira sistematização surgiram alguns diplomas legais como os Códigos Penais de Portugal de 1896 e da Noruega de 1902, dentre outros. Mais adiante, surge na Itália o importante diploma confeccionado por Arturo Rocco, momento segundo o qual se teve uma sistematização mais integral sobre as medidas de segurança, que, inclusive, influenciou o legislador brasileiro do Código Penal de 1940, como doravante será comprovado.

No que diz respeito à legislação brasileira, o Código do Império nos artigos 12 e 13 dispunha sobre as providências a serem adotadas em relação aos inimputáveis, na medida em que os doentes mentais eram encaminhados aos lares especialmente direcionados aos mesmos, ou postos à disposição de suas famílias. Por seu turno, as casas de correções configuravam-se endereços daqueles que, menores de quatorze anos tivessem atuado sem discernimento.

Também o Código Penal de 1890 teve sua importância, ao passo que impunha, em seu artigo 29, recolhimento dos portadores de doenças mentais em hospícios caso necessário para a garantia da paz social, ou em não havendo necessidade de custodia, encaminhados ao seio familiar. Por sua vez, tem-se que ébrios habituais e toxicômanos perigosos haveriam de ser direcionados, consoante disposição do art. 396, a estabelecimento correcional.

Uma vez trazido à tona este breve relato histórico sobre as medidas de segurança, cumpre por ora, observar interessante transformação trazida ao Código Penal de 40 pela Reforma Penal de 84. É que, ao longo da vigência do Código de 40 sobressaía o sistema do duplo binário, conforme o qual a medida de segurança era imposta ao sujeito considerado perigoso, realizador de um fato previsto como crime. Sua execução começava depois do condenado executar a pena privativa de liberdade. Ou seja, o magistrado podia empregar pena mais medida de segurança nos casos em que o infrator, tido por perigoso, cometia delito grave e violento. Ocorreu que, tal cenário sofreu interessante modificação com a reforma penal de 84, uma vez que, através desta, passou-se a adotar um sistema diverso do duplo binário.

Destarte, tem-se defendido que, sabedora da injustiça e da falta de funcionalidade do denominado sistema "duplo binário", a Reforma Penal de 1984 assumiu em seu bojo o sistema vicariante, extirpando o emprego duplo de pena e medida de segurança, aos imputáveis e semi-imputáveis. Sustenta-se, pois, que o emprego simultâneo de medida de segurança e pena fere o princípio do ne bis in idem, afinal, trata-se de imposição ao mesmo paciente de duas medidas em razão da realização do mesmo fato.

Assim, após a reforma acima comentada, posto de lado o sistema do duplo binário, pelo, para alguns, vicariante, lança-se mão da medida de segurança, via de regra, ao inimputável que tenha realizado um comportamento ilícito e típico, não sendo, culpável, todavia. Vale dizer, deverá o mesmo ser absolvido, e aplicada a medida de segurança.

Em linhas de princípio, entende-se contemporaneamente que, o imputável que cometer comportamento passível de punição ficará sujeito tão só à pena correlacionada. No que concerne ao inimputável, aplicar-se-á medida de segurança. Por seu turno, ao semi-imputável será determinada pena ou medida de segurança, alternada e não concomitantemente.

Contudo, ainda no que diz respeito ao novo sistema adotado após a Reforma de 1984, faz-se por necessário tecer algumas esclarecedoras observações. É que, há quem difunda ser uma impropriedade afirmar que o sistema adotado atualmente pelo diploma brasileiro seja o vicariante. Ao contrário, tem-se sustentado que o sistema adotado é o alternativo, a despeito dos Doutrinadores equivocadamente o intitularem de vicariante. Assim, partindo-se deste último entendimento, qual seja sistema alternativo, tem-se que os dois resultados jurídicos (pena/medida de segurança) não podem ser impostos ao mesmo tempo.

Ao que se nota, a diferença existente parece encontrar-se no fato de que o sistema vicariante é marcado pela flexibilidade, ou seja, permite-se ao longo do cumprimento da execução a alternação entre pena e a medida de segurança, com base nas condições subjetivas do indivíduo que sofrera condenação. Em outras palavras, há alternância da resposta apropriada, segundo o momento, o que, não é admitido no ordenamento jurídico brasileiro.

Exposta esta breve análise histórica acerca da medida de segurança, e feitas as preliminares colocações, torna-se mais fácil compreender o objeto principal desta obra monográfica, qual seja a constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança.

É que, consoante disposto no parágrafo 1º, do artigo 97 do Código Penal, a medida de segurança perdura por tempo indeterminado, isto é, persiste até que se comprove por meio de laudo médico a cessação da periculosidade. Com isso, enquanto não cessada a periculosidade o recolhimento do sujeito deve ser mantido. Entrementes, a nossa C.F./88 em seu art. 5º, inc. XLVII, "b", veda expressamente a pena perpétua. Por seu turno, o artigo 75 do CP limita o cumprimento da pena de prisão em 30 (trinta) anos.

Como se nota nesta singela introdução ao tema, trata-se de questão polêmica e que reclama uma atenção especial diante da pertinência teórica e prática do tema, haja vista, inclusive, existirem inúmeros casos de indivíduos abrangidos por esta problemática. Vale dizer, poucos não são os casos de pessoas que se encontram submetidas à indeterminabilidade do prazo máximo de duração da medida de segurança. Basta, por exemplo, buscar na memória o gritante acontecimento ocorrido no Brasil com o índio Índio Febrônio que, aos 27 anos de idade ingressou em hospital de custódia situado no Rio de Janeiro, tendo lá permanecido por 57 anos, quando veio a falecer aos 84 anos.

Sem dúvida, o tema exige um estudo cauteloso, uma vez que envolve ponderação de interesses entre inimputáveis e toda uma coletividade em razão da segurança pública, além da observância constitucional de direitos e garantias fundamentais como a dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, igualdade, humanização dentre tantos outros.

Assim, com efeito, o presente trabalho monográfico direciona os holofotes para a caminhada em busca da solução dos inúmeros casos em que o indivíduo permanece no estado de periculosidade por tempo indeterminado, desfecho este que deverá respeitar, por óbvio, a nossa carta magna, sob pena de configuração da inconstitucionalidade.

Frise-se, portanto, que será intenção da presente monografia exibir a maior gama possível de abordagens relativas à questão em apreço, tudo com vistas a auxiliar a percepção e o alcance de possíveis soluções jurídicas sobre o instituto em análise, sobretudo, por ser tema de fundamental pertinência para as Ciências que se prestam ao estudo do Crime.

São estas, em apertada sinopse, as explanações dos motivos que norteiam a realização da presente monografia, cujo objeto desperta entendimentos e interpretações diversos, ao passo que pugna por uma conclusão, senão harmônica, ao menos plausível.


2 MEDIDA DE SEGURANÇA

2.1 CONCEITO

Antes de se tratar propriamente da constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança, importante se faz analisar alguns tópicos igualmente importantes, a começar pelo conceito, bem como algumas breves noções sobre a aplicabilidade da medida de segurança.

Não resta dúvida que as medidas de seguranças são sanções penais de natureza preventiva fundamentadas na periculosidade do sujeito. Entende-se por periculosidade a probabilidade do indivíduo vir ou voltar a praticar delitos. Nesta mesma esteira de raciocínio, e para melhor compreensão do assunto, importante se faz a análise da conceituação de periculosidade realizada por Soler, qual seja: "É a potência, a capacidade, a aptidão ou a idoneidade que um homem tem para converter-se em causa de ações danosas". (SOLER,1929, p.21).

Ora, resta claro que a medida de segurança é forma de sanção penal que possui natureza essencialmente preventiva, baseada na periculosidade do indivíduo, com fulcro a coibir que um sujeito que cometeu um crime e aparenta ser periculoso venha a praticar novas infrações no âmbito penal. Visa-se com isso, a preservação da paz social, protegendo-se a sociedade de ações danosas de sujeitos socialmente desajustados.

Com muita propriedade, o autor Paulo Queiroz conceitua as medidas de segurança como sendo "sanções penais destinadas aos autores de um injusto penal punível, embora não culpável em razão da inimputabilidade do seu agente".

De igual forma, interessante e esclarecedor é o conceito trazido pelo doutrinador Guilherme de Souza Nucci, para o qual a medida de segurança

Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado. (2007, p. 479).

Uma vez compreendido os conceitos acima explicitados, fica fácil notar que a medida de segurança aplica-se àquelas pessoas que cometem delito e que possuem doenças mentais, não podendo destarte ser responsabilizados por suas ações. Sendo assim, ao se falar em medida de segurança melhor é agasalhá-la com a palavra tratamento a punição. Vale dizer, deve-se ter em mente que aos doentes mentais por ora analisados caberão tratamentos específicos (curados) e não uma punição.

Como se percebe, a medida de segurança não é aplicada aos sujeitos absolutamente imputáveis, vez que a estes caberá aplicação de pena, enquanto aos agentes inimputáveis ou semi-responsáveis aplica-se, sim, a medida de segurança. Neste sentido, completa-se a compreensão da aplicabilidade da medida com o seguinte posicionamento de Damásio de Jesus: "A nova Parte Geral do Código Penal somente permite a imposição de medidas de segurança aos inimputáveis e aos semi-responsáveis. Extinguiu, como ficou consignado, as medidas de segurança para os sujeitos imputáveis.". (2001, p. 547).

Ainda nesta esteira cognitiva é possível observar outros julgados que ratificam a consideração acima.

No que diz respeito aos requisitos para aplicação da medida de segurança, é pacífico o entendimento doutrinário acerca da exigência da coexistência de dois pressupostos, a saber: a prática de fato descrito como crime e a periculosidade do sujeito.

Entende-se por prática de fato descrito como crime a realização de um fato punível, ou seja, fala-se aqui em ocorrência de ilícito punível.

Para melhor compreensão do acima exposto, recorre-se ao artigo 26 do CP, o qual esclarece que quando o agente em questão for semi-responsável, além da prática do fato típico é também imprescindível a antijuridicidade acompanhada da culpabilidade, sob pena de não se ter aplicada a medida de segurança.

No que concerne à periculosidade, vide que esta, como já dito outrora, nada mais é senão a potencialidade, capacidade que uma pessoa possui a fim de se converter em causa de ações danosas. Vale dizer, é o fundamento da medida consubstanciado na probabilidade do agente vir ou voltar a cometer delitos.

Por fim, a guisa de complementação, vale a observação feita pela doutrina no sentido de que a periculosidade pode ser real ou presumida. Nesta ótica, vide o que dispõe Damaso de Jesus:

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Fala-se em periculosidade real quando ela deve ser verificada pelo juiz. Cuida-se de periculosidade presumida nos casos em que a lei a presume, independentemente da periculosidade real do sujeito.

A reforma penal de 1984 presume a periculosidade dos inimputáveis (CP, art. 97). No caso dos semi-responsáveis (CP, art. 26, parágrafo único), cuida-se de periculosidade real.

Feitas estas análises preliminares, possível se torna tecer algumas considerações referentes à diferenciação entre medida de segurança e pena.

2.2 DISTINÇÃO ENTRE MEDIDA DE SEGURANÇA E PENA

Sobre a matéria, é indispensável, em primeiro lugar, render atenção às precisas ponderações do autor Miguel Reale Júnior, quando disserta que "Decorre da natureza das coisas que a distinção, entre pessoas normais e loucas, conduz a que não podem ambas receber o mesmo tratamento na hipótese de praticarem fatos lesivos aos outros e à sociedade". Complementando o raciocínio, o mencionado autor traz pertinente dado histórico ao retratar que: "Bem por isso, remonta à antiga Roma a diferenciação das medidas impostas aos loucos que com o fim de prevenir a prática de fatos nocivos eram entregues às suas famílias para serem controlados ou, se tal impossível, seriam encarcerados." (2004, p. 161).

Lembra ainda que, também o Código Penal de 1890 teve sua importância no que diz respeito à evolução conceitual do tema, ao passo que:

O código Penal de 1890, em seu art. 29, determinava o recolhimento dos doentes mentais em hospícios se assim fosse necessário para a proteção da sociedade, ou se desnecessária a custódia, entregues às suas famílias. Ébrios habituais e toxicômanos perigosos deveriam ser encaminhados, de acordo com o art. 396, a estabelecimento correcional. (2004, p. 161).

Assim, inúmeras são as distinções entre pena e medida de segurança. Todavia, com muita propriedade, Damásio de Jesus traz, sem maiores delongas, as mais tradicionais e importantes diferenças, quais sejam:

As medias de segurança diferem das penas nos seguintes pontos:

a) as penas têm natureza retributiva – preventiva; as medidas de segurança são preventivas;

b) as penas são proporcionais à gravidade da infração; a proporcionalidade das medidas de segurança fundamentam-se na periculosidade do sujeito;

c) as penas ligam-se ao sujeito pelo juízo da culpabilidade (reprovação social); as medidas de segurança, pelo juízo de periculosidade;

d) as penas são fixas; as medidas de segurança são indeterminadas, cessando com o desaparecimento da periculosidade;

e) as penas são aplicáveis aos imputáveis, e aos semi-responsáveis; as medidas de segurança não podem ser aplicadas aos absolutamente imputáveis" (2001, p. 545).

Entretanto, as diferenças ora tratadas merecem algumas ponderações, sobretudo no que concerne às distinções quanto aos fundamentos, senão veja-se.

Como acima dito, as medidas possuem por fundamento a periculosidade do indivíduo, enquanto que a pena, por sua vez, detém por fundamento mor a culpabilidade. Todavia, urge salientar os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes, in verbis:

O agente é sancionado não somente pelo que ele "é" (perigoso), senão também pelo que ele "fez" (cometimento de infração penal). Não existe medida pré-delitual no nosso Direito Penal, ou seja, pressuposto jurídico primeiro para a imposição de uma medida de segurança é a prática de uma infração penal. Antes de o sujeito delinqüir não é possível impor-lhe qualquer medida de segurança, nos termos do Código penal. (2007, p.899).

Como se nota, a simples alegação doutrinária de que a medidas pressupõe periculosidade, ao passo que as penas culpabilidade, mostra-se carecedora de complementação. Assim, melhor é afirmar que o fundamento do emprego da medida de segurança no âmbito penal é a manifestação de periculosidade do sujeito desvelada por meio do cometimento de um fato ilícito típico.

Ademais, é de igual forma importante realçar as colocações acima aduzidas no que diz respeito às distinções acerca da finalidade entre medida e pena. É que, enquanto as medidas de segurança possuem finalidade preventiva especial (inibir a realização de novos delitos), a pena tem finalidade retributiva-preventiva. Vale dizer, em observância do artigo 59 do Código Penal, a pena, antes de mais nada, possui um caráter retributivo. Todavia, há de se chamar atenção para o fato de que a mesma também se vale da finalidade preventiva, especialmente ampla, geral, sendo o efeito, nestes casos, intimidatório.

Nota-se, outrossim, que não obstante o próprio código penal em seu artigo 97, par. 1º assevere que a internação ou tratamento ambulatorial será por prazo indeterminado, entende-se neste trabalho monográfico que tal posicionamento está eivado de inconstitucionalidade como doravante se defenderá.

Por ora, é de bom alvitre ressaltar que a presente monografia parte da premissa de que, como ocorrem com as penas, as medidas de segurança são, de igual forma, resultados jurídicos do delito, ou seja, sanções penais. Configura-se, destarte, em meio pelo qual o Estado, através de seu ius puniendi limita direitos dos indivíduos, dentre eles os fundamentais.

Por fim, ainda no que tange à distinção entre medida de segurança e pena, faz-se por oportuno ressaltar que a reforma de 84 tratou de eliminar a possibilidade de aplicação das medidas de segurança aos indivíduos imputáveis.

2.3 COMPETÊNCIA E NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA

É cediço que ao magistrado que prolata a sentença cabe aplicar a medida de segurança, enquanto que, ao juízo referente às execuções, por óbvio, compete a execução da aludida medida. Quanto a este particular parece não haver maiores controvérsias.

No que diz respeito à natureza jurídica da sentença que aplica a medida de segurança cumpre tecer algumas breves ponderações.

Tem-se que será absolutória imprópria a natureza jurídica da sentença que aplica medida de segurança quando diante de indivíduos inimputáveis. Por outro lado, em se tratando de semi-imputável tem-se que a natureza jurídica será condenatória, pois, como observa Luiz Flávio Gomes e Antonio de Molina "[...] ou seja: o juiz primeiro condena o imputado, quando o caso, e somente depois, constata a necessidade de tratamento curativo é que substitui a prisão por medida de segurança.". (2007, p.902).

Sobre o tema também tratou Guilherme de Souza Nucci ao frisar que: "[...] denomina-se absolutória imprópria, tendo em vista que, a despeito de considerar que o réu não cometeu delito, logo, não é criminoso, merece uma sanção penal (medida de segurança), como já expusemos [...].". Continua seu raciocínio ilustrando-o com a Súmula 422 do STF, segundo a qual: "A absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade". (2007, p.481).

2.4 ESPÉCIES EXISTENTES

Atualmente, a legislação penal admite tão somente duas espécies de medida de segurança, quais sejam, detentiva e restritiva. Sobre o tema em apreço vale a verificação do art. 96 do Código Penal:

Art. 96. As medidas de segurança são:

I – internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II – sujeição a tratamento ambulatorial;

Explica-se a espécie detentiva como sendo aquela consubstanciada na internação em hospital de custódia e tratamento ou em sua abstenção, noutro estabelecimento apropriado. Como acima visto, acompanha-se esta linha de raciocínio através da leitura do artigo 96, I, presente na novel Parte Geral do Código Penal. Ademais, lembra-se que a espécie em apreço dirige-se aos inimputáveis bem como aos semi-imputáveis, possuindo a nítida intenção terapêutica.

Por seu turno, pode-se notar através da leitura do inciso II do supracitado artigo que o legislador também determina expressamente a sujeição a tratamento ambulatorial como espécie de medida de segurança. Assim, consiste esta espécie em tratamento com amparos médicos ao indivíduo. Insta observar que não se fala aqui em internação, ressalvados os casos de necessidade com base no § 4º do art. 97 do Código Penal, quando em qualquer fase do tratamento ambulatorial, é facultado ao juiz determinar a internação do agente, caso seja necessária tal providência para fins curativos. Precisa, pois, a redação do dispositivo legal em comentário: "Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.".

O autor Luiz Flávio Gomes, sobre a questão ora posta, posiciona-se de forma segura, consoante os argumentos que se desenvolvem:

Espécies de medida de segurança (CP, art. 96): (a) internação; (b) tratamento ambulatorial. A primeira tem natureza detentiva (implica na privação da liberdade); a segunda tem natureza restritiva da liberdade. A internação só é cabível quando o crime cometido é punido com reclusão; o tratamento ambulatorial incide quando o fato é punido com detenção (CP, art. 97). (2007, p.899-900).

Na mesma esteira de raciocínio caminha e complementa Paulo Queiroz ao ministrar que:

Duas são as medidas de segurança previstas no Código: internação e tratamento ambulatorial (art. 96). A primeira, cumprida nos atuais Hospitais de Custódia e Tratamento psiquiátrico (HCT) ou, à falta, em estabelecimento adequado, e que importa em privação da liberdade do paciente, destina-se aos crimes mais graves, punidos com reclusão; a segunda, cujo tratamento ocorrerá nos mesmos locais, dirige-se aos delitos menos graves, punidos com detenção. (2005, p.379-380).

Nunca é demais ressaltar que algumas espécies de medida de segurança foram abolidas na reforma penal de 1984, vide exemplo das "medidas de segurança patrimoniais" assim como as medidas de segurança pessoais de caráter não detentivo, consubstanciadas em liberdade vigiada, proibição de freqüentar determinados lugares e ainda o exílio local.

2.4.1 Da aplicação da medida de segurança

Como restou explicitado no item acima, a aplicação de medida de segurança pode se dar em razão de crime apenado com reclusão ou em virtude de infrações apenadas com detenção.

Insta notar, todavia, que o tema ora tratado está longe de ser pacífico entre os julgadores, como se denotará da leitura de alguns julgados abaixo transcritos.

Assim, no que concerne à aplicação da medida de segurança de tratamento ambulatorial e condições pessoais, vide:

TARS

:Se o crime cometido prevê a pena de detenção, a medida de segurança só será aplicada a nível ambulatorial se houver compatibilidade entre esta medida e as condições pessoais do doente. Interpretação dos artigos 97 do CP e 184 da Lei das Execuções Penais. (JTAERGS 57/89).

Em se tratando de aplicação de medida de segurança em crime apenada com reclusão, vale a transcrição de julgado do Supremo Tribunal Federal, senão veja-se:

STF

: Tanto a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico como o acompanhamento médico-ambulatorial pressupõem, ao lado do fato típico, a periculosidade, ou seja, que o agente possa vir a praticar outro crime. Tratando-se de inimputável, a definição da medida cabível ocorre, em primeiro plano, considerado o aspecto objetivo – a natureza da pena privativa de liberdade prevista para o tipo penal. Se o é de reclusão, impõe-se a internação. Somente na hipótese de detenção é que fica a critério do juiz a estipulação, ou não, da medida menos gravosa – de tratamento ambulatorial. A razão de ser da distinção está na gravidade da figura penal na qual o inimputável esteve envolvido, a nortear o grau de periculosidade - Arts. 26, 96 e 97 do CP. (RT 693/427).

TJPR: Constatado por exame especializado, que o acusado era, ao tempo da ação, parcialmente capaz de entender seu caráter ilícito, porém, totalmente incapaz de determinar-se de acordo com esse entendimento, correta a decisão do juiz em reconhecer a condição de inimputabilidade do réu e absolvê-lo, aplicando-lhe a medida de segurança consistente em internação em hospital de custódia para tratamento. A medida cabível, tratando-se de inimputável, deve considerar, além da periculosidade do acusado, a natureza da pena privativa de liberdade prevista para o crime cometido, que in casu, é de reclusão, o que impõe a internação. (RT 840/641).

TJSP: Ante o que estabelece o art. 96, I, c/c art. 97, do CP, sendo o agente inimputável autor de fato punível com pena de reclusão, o juiz determinará sua internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à sua falta, em outro estabelecimento adequado, por prazo indeterminado, até que cesse sua periculosidade. (RT 612/317).

TJRS: O tratamento ambulatorial é benefício facultativo aplicável a réus inimputáveis sujeitos, abstratamente, apenas à detenção. Impossível a aplicação à pena de reclusão. (RT 607/348).

TACRSP: [...] Inimputável que emprega arma de fogo em crime apenado com reclusão deve ser submetido à medida de segurança de internação, conforme expresso no art. 97, primeira parte, do CP, não sendo possível o tratamento ambulatorial. (RT 797/616).

Em posição diametralmente contrária, caminham os seguintes julgados:

TJSP

: Estando o réu inimputável encarcerado em cadeia pública há mais de um ano, aguardando vaga para sua internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, pode o Magistrado, após a solicitação de exame de cessação de periculosidade, converter a medida em tratamento ambulatorial, ainda que se trate de crime sancionado com reclusão, mormente se o delito foi um ato isolado na vida do sentenciado e resultou exatamente de sua perturbação mental, circunstâncias que possibilitam o abrandamento da regra do art. 97 do CP. (RT 770/557).

TJSP: Embora a lei só permita a substituição da internação imposta como medida de segurança ao inimputável por tratamento ambulatorial quando o delito que lhe é imputado é sancionado com pena de detenção, é de ser ela admitida embora não preenchido o requisito se o agente não revelou temebilidade praticando crime sem maiores conseqüências, não tendo agido com violência ou grave ameaça, constituindo o fato ato isolado em sua vida. Tanto mais se, como é público e notório, em virtude de falta de vagas no estabelecimento adequado, a internação poderá até ser convertida em liberdade vigiada. (RT 634/272).

TACRSP: É de se admitir, excepcionalmente, a imposição de tratamento ambulatorial a agentes inimputáveis que tenham praticado crimes apenados com reclusão desprovidos de maior gravidade, ante a existência de parecer médico oficial favorável à medida de segurança meramente restritiva, em detrimento da internação. (RT 814/609).

TACRSP: Medida de segurança. Embora o crime imputado seja sancionado com reclusão, o réu pode beneficiar-se com medida de segurança não detentiva se o laudo pericial contra-indica o internamento e o mesmo vem recebendo, permanente e eficaz atendimento do serviço médico e assistencial do Município. (RJTACRIM 44/158).

TACRSP: Medida de segurança – Crime apenado com reclusão – Falta de vaga em hospital específico – Agente que não revelou temebilidade, praticando crime sem maiores conseqüências, sem violência e grave ameaça – Substituição da internação por tratamento ambulatorial – Admissibilidade: Em sede de aplicação de medida de segurança, ainda que se trate de crime apenado com reclusão, é admissível a substituição de medida de internação por tratamento ambulatorial, quando inexiste vaga em hospital específico se o agente não revelou temebilidade, praticando delito sem maiores conseqüências, sem violência ou grave ameaça, constituindo o fato ato isolado em sua vida. (RJTACRIM 39/401).

Como se percebe, resta patente a controvérsia sobre a questão firmada na jurisprudência.

Como se procura defender na tese aqui esposada, o tratamento ofertado aos inimputáveis há de respeitar, sempre, os direitos humanos, especialmente quando as condições lhe sejam favoráveis. Ora, não tendo agido com violência ou grave ameaça, constituindo o fato ato isolado em sua vida, ou se o laudo pericial contra-indica o internamento e o paciente vem recebendo, constante e efetiva atenção do serviço médico e assistencial do Município, não apresentando temebilidade, como bem observa os julgados acima, não há porque, no entender desta tese monográfica, aplicar-se medida de internação. Vale dizer, é mais humano, justo e razoável, não obstante contrária expressão da lei, valer-se, nestes casos, da utilização de tratamento ambulatorial a agentes inimputáveis que tenham cometido infrações cuja pena seja uma reclusão, perante a existência de manifestação médica oficial, mediante parecer favorável à medida de segurança restritiva, em detrimento da internação, como bem alertam os julgados.

Como se sabe, a lei nada mais é senão um corpo de letras que ganha alma e significado através da sábia interpretação e ajustes trazidos pelos operadores do direito. Assim, nunca é demais lembrar os ensinamentos de Aramis Nacif ao afirmar que:

o Direito, como ciência autônoma, tem a propensão na aplicação pela maioria de seus operadores, de verdadeira preguiça intelectual que o despoja de qualidades extrínsecas e epistemológicas importantes para sua completude, empurrando-os à cômoda leitura dos manuais práticos que tem enriquecido seus autores e entorpecido a mente de seus leitores; ou à interpretação lítero-estática da norma jurídica em intransigente positivismo, pouco importando as conseqüências de eventual injustiça daí decorrente. (2001, p.120).

Definitivamente, injustiças decorrentes do engessamento interpretativo pareceM não ter mais espaço no meio jurídico, em especial, quando se sabe que o mesmo encontra-se em constante atualização no compasso evolutivo da sociedade.

2.5 REQUISITOS DA MEDIDA DE SEGURANÇA

Também chamado por alguns autores de pressupostos da medida de segurança. Insta observar que, segundo a maioria da doutrina, dois são os requisitos ou pressupostos de aplicação da medida de segurança. São eles essencialmente: a prática de fato típico punível e a periculosidade do sujeito como alhures visto.

No que diz respeito a prática de fato típico punível, entende-se como a prática de um fato previsto como crime. Como visto outrora quando da conceituação da medida de segurança, o autor Paulo Queiroz faz referência à expressão injusto penal punível. Vale observar que, haverá uma carência deste primeiro requisito quando o fato não for típico, existir estado de necessidade bem como legítima defesa, se não existir prova do delito, quando tenha o agente agido sob coação moral irresistível, dentre outros. Nesta esteira de raciocínio caminham alguns autores, consoante transcrições abaixo alumiadas, senão veja-se:

Para os autores Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio Machado Delmanto "[...] faltará este primeiro requisito se o fato não for típico, houver excludentes da ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa ou outros), não existir prova do crime etc." (2007, p.272).

Por sua vez, Cezar Roberto Bitencourt leciona que:

Assim, deixará de existir este primeiro requisito se houver, por exemplo, excludente de criminalidade, excludentes de culpabilidade (como erro de proibição invencível, coação irresistível e obediência hierárquica, embriaguez completa fortuita ou por força maior) – com exceção da inimputabilidade -, ou ainda se não houver prova do crime ou da autoria etc. Resumindo, a presença de excludentes de criminalidade ou de culpabilidade e a ausência de prova impedem a aplicação de medida de segurança. (2007, p.690).

Por fim, nunca é demais fazer alusão às palavras do autor Paulo Queiroz, segundo o qual:

Em homenagem aos princípios e garantias constitucionais, em especial o princípio da igualdade, em nenhuma hipótese será cabível a medida se, na mesma situação, não couber, por qualquer motivo, a aplicação da pena. Assim, por exemplo, se o fato for atípico (e.g.,ausência de nexo causal ou de culpa) ou lícito (v.g., praticado em legitima defesa ou em estado de necessidade) ou não culpável (p.ex., cometido sob coação moral irresistível, erro de proibição, embriaguez involuntária completa) ou, ainda, se tiver sido atingido por causa de extinção da punibilidade (prescrição, decadência etc.). (2005, p.376).

Em suma, vide, pois, que os requisitos jurídico-penais necessários para a aplicação de uma pena são, de igual forma, exigidos para as medidas de segurança, sendo exceção somente a imputabilidade.

Além do requisito acima explicitado, configura-se também pressuposto de aplicação da medida de segurança a periculosidade. Impende ressaltar que se fala aqui em periculosidade oriunda da infração cometida, uma vez que não há de se falar em periculosidade pré-delinquencial como já visto. Vale dizer, antes do cometimento da infração por parte do sujeito, não se fala em aplicação da medida. Neste diapasão, corteja-se o ensinamento de Cezar Bitencourt, que além de apontar a necessidade do requisito da periculosidade, também a define. Vide:

É indispensável que o sujeito que praticou o ilícito penal típico seja dotado de periculosidade. Periculosidade pode ser definida como um estado subjetivo mais ou menos duradouro de anti-sociabilidade. É um juízo de probabilidade – tendo por base a conduta anti-social e a anomalia psíquica do agente – de que este voltará a delinqüir. (2007, p.690).

No mais, como se extrai da observação do Professor Paulo Queiroz acerca do tema, dois são os tipos de periculosidade previstos pelo Código Penal. Vale a pena o vislumbre das palavras do mencionado autor, quando afirma que:

Além dos pressupostos ordinários de punibilidade, a aplicação da medida de segurança exige a comprovação, mediante perícia, da perigosidade do agente, que poderá ser presumida, quando se tratar de inimputável (art. 26) e real, quando se tratar de semi-imputável (artigo 26, parágrafo único). (2005, p.377).

Eis a transcrição do artigo 26:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou a omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um terço a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Assim, será presumida com relação ao inimputável louco ou toxicômano, e real quando se tratar de semi-imputável carecedor de especial tratamento médico-psiquiátrico.

Por fim, há ainda autores como Cezar Roberto Bitencourt que, didaticamente, erigem à categoria de pressuposto de aplicação da medida, a ausência de imputabilidade plena. Ora, ao que parece, é pacífico entre os doutrinadores, como se pode notar no bojo desta obra monográfica através dos comentários feitos sobre a matéria pelos mesmos, que, ainda que não elenquem expressamente a ausência de imputabilidade plena como requisito individualmente considerado, assim a tratam claramente, seja quando abordem sobre a aplicabilidade da medida, seja quando dissertem sobre a própria prática do fato típico punível e da periculosidade.

2.6 PRINCÍPIOS QUE REGEM A MEDIDA DE SEGURANÇA

Como não poderia ser diferente, ao inimputável e ao semi-imputável são igualmente assegurados, integralmente, os direitos e garantias esculpidos na Carta Magna. Nesta esfera cognitiva, não se poderia deixar de lado o posicionamento de Eduardo Reale Ferrari o qual transmite a compreensão do tema nos moldes abaixo:

Contextualizada em um Estado Democrático de Direito, inferimos que a medida de segurança criminal exigirá a incidência de todos os princípios constitucionais, não se submetendo o cidadão a medidas terapêutico-penais que contrariem preceitos de legalidade, irretroatividade, presunção de inocência e dignidade da pessoa humana". (2001, p.217).

De forma autêntica e clara Luiz Flávio Gomes elenca alguns princípios que regem as medidas de segurança:

a)da legalidade (não há medida de segurança sem lei que a defina);

b)da anterioridade (não há medida de segurança sem prévia cominação legal);

c)judicialidade ou jurisdicionalidade (somente o juiz pode aplicar medida de segurança);

d)devido processo penal (só dentro do devido processo penal pode-se aplicar a medida de segurança;durante o inquérito policial jamais);

e)proporcionalidade (o tempo mínimo de duração da medida de segurança deve ser proporcional ao delito cometido e à periculosidade apresentada pelo agente);

f)oficialidade (a medida de segurança é cumprida em estabelecimento oficial ou que tenha convênio oficial). (2007, p.900).

Como se percebe, inúmeros são os direitos e garantias daqueles que se encontram submetidos às medidas de segurança. Ademais, é importante frisar que o rol aqui tecido é tão somente exemplificativo uma vez que inúmeros outros princípios, direitos e garantias há e que necessitam ser respeitados, dentre eles o da igualdade e da dignidade da pessoa humana, que será objeto desta monografia quando do enfrentamento do tema principal da mesma.

2.7 DIREITOS DO INTERNADO

Antes de adentrar propriamente no cerne da questão principal objeto do presente trabalho monográfico, urge ainda tecer algumas considerações acerca dos direitos do internado.

É que o artigo 3º da Lei de Execução Penal traz algumas importantes garantias ao internado, como por exemplo: "Art. 3º da LEP. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença e pela lei.".

Por seu turno, deletreando-se o código penal, insta observar o que preceitua o artigo 99 do mencionado diploma legal, a saber: "O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento.".

Da análise dos artigos supramencionados bem como das ponderações do tópico anterior, resta cediço que os inimputáveis submetidos à medida de segurança farão jus, por possuírem características peculiares, a um tratamento específico, garantindo-se com isso o princípio da isonomia. Caminha nesta mesma esteira de raciocínio Rogério Greco ao lecionar que:

Isso significa que aquele a quem o Estado aplicou medida de segurança, por reconhecê-lo inimputável, não poderá, por exemplo, recolhê-lo a uma cela de delegacia policial, ou mesmo a uma penitenciária em razão de não haver vaga em estabelecimento hospitalar próprio, impossibilitando-lhe, portanto, o início de seu tratamento. (2007, p.687).

O referido autor embasa e ratifica o posicionamento ora exposto, trazendo decisão do TJSP, in verbis:

Medida de segurança - Internação em hospital psiquiátrico - Cumprimento na própria cadeia pública local, por falta de vaga em estabelecimento adequado – Inadmissibilidade – Constrangimento ilegal configurado – Concessão de Habeas Corpus- Liberdade condicionada a um tratamento em ambulatório- O Estado só poderá exigir o cumprimento de medida de segurança de internação (detentiva, portanto), se estiver aparelhado para tanto. A falta de vaga, pela desorganização, omissão ou imprevidência do Estado-Administração, não justifica o desrespeito ao direito individual, pois, além de ilegal não legitima a finalidade de tal instituto. (HC- rel. Renato Talli). (RT 608/325).

Ainda no que tange a incompatibilidade da medida de segurança com o presídio comum, e a bem do debate, urge registrar o entendimento contrário. É que, há quem defenda que nas hipóteses do agente ser considerado notoriamente perigoso deverá este esperar a vaga retido em presídio comum. É o que restou registrado em julgado do STJ:

Paciente que em razão de sua periculosidade terá de permanecer em cadeia pública até que surja vaga no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do Estado. (RHC 9.075-MG, 5ª T., rel. José Arnaldo da Fonseca, 18.11.1999, v.u., DJ 17.12.1999, p. 386).

Com a devida vênia, o posicionamento acima exposto configura flagrante violação, a uma por se tratar de patente constrangimento ilegal, a duas por se estar transportando a responsabilidade do Estado, responsável único pela manutenção de estabelecimentos adequados, ao paciente, isento de responsabilidade neste sentido. Assim, não deve este ser apenado por algo que, em absoluto, não é de sua competência. Neste diapasão observa-se o seguinte julgado também do STJ, o qual se alinha com a decisão do TJSP aqui, oportunamente, já transcrita:

Sendo aplicada ao paciente a medida de segurança de internação, constitui constrangimento ilegal que o motivo seja a alegada inexistência de vagas para o cumprimento da medida aplicada. A manutenção de estabelecimentos adequados ao cumprimento da medida de segurança de internação é de responsabilidade do Estado, não podendo o paciente ser penalizada pela insuficiência de vagas. Habeas Corpus concedido. (HC 31.902 – SP, 5ª T., rel. Felix Fischer, 11.05.2004, v.u., Bol. AASP 2.418).

Outros julgados em sentidos semelhantes:

Ementa:

Habeas Corpus. Aplicada medida de segurança, Prisão em estabelecimento prisional impróprio e incompatível com o título executório. Aguarda vaga. Ilegalidade. Ordem concedida para imediata remoção, comunicando-se à autoridade apontada como coatora e ao Secretário Estadual da Administração Penitenciária. (HC 11197853700 – SP, 1º Grupo de Direito Criminal, rel., Péricles Piza, Data do julgamento:23/10/2007,Data de registro:08/11/2007).

Ementa:

HABEAS CORPUS - Constrangimento ilegal alegado decorrente de decisão proferida em execução criminal - Falta de vaga para cumprimento de medida de segurança imposta Constrangimento ilegal verificado Possibilidade de se aguardar solto, com tratamento ambulatorial, enquanto aguarda vaga para internação em Hospital de Custódia e Tratamento - Ordem concedida. (HC 11317583200 – SP, 7ª Câmara de Direito Criminal, rel., Christiano Kuntz, Data do julgamento: 29/11/2007, Data de registro: 12/12/2007).

TJSP - MEDIDA DE SEGURANÇA - Desinternação condicional - Simples evolução no quadro clínico do agente - Fato que não autoriza a concessão do benefício, pois necessária a constatação inequívoca de que a periculosidade encontra-se cessada. MEDIDA DE SEGURANÇA - Inaplicabilidade do prazo máximo de 30 anos para o cumprimento de pena previsto constitucionalmente - Internação que pode prolongar-se indefinidamente se não constatada a cessação da periculosidade do agente.

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. PACIENTE SUBMETIDO A MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. PERMANÊNCIA EM PRESÍDIO COMUM. ALEGADA FALTA DE VAGAS EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. 2. ORDEM CONCEDIDA, EM PARTE.

1. É ilegal a prisão de inimputável sujeito a medidas de segurança de internação, mesmo quando a razão da manutenção da custódia seja a ausência de vagas em estabelecimentos hospitalares adequados à realização do tratamento.

2. Ordem concedida, em parte, para determinar a imediata transferência do paciente para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, sendo que, na falta de vagas, deve ser o mesmo submetido a regime de tratamento ambulatorial até que surja referida vaga. (HC 81959 - MG, T6 - SEXTA TURMA, rel(a)., MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJ 25.02.2008 p. 364).

HABEAS CORPUS. PACIENTE PRESO HÁ MAIS DE 4 ANOS. SENTENÇA DE PRONUNCIA. EXCESSO DE PRAZO PARA O JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. PRINCÍPIO DA RAZOABIUDADE SUPERADO. ORDEM CONCEDIDA.

Paciente denunciado pela prática de crime tipificado no art. 121 § 2°, incisos II c/c art. 73 § 3° e art. 20, todos do código penal brasileiro.

Deficiências do aparelhamento judiciário não podem ser suportadas pelo paciente. Em que pese o entendimento pacífico de que os prazos processuais não devem ser considerados isoladamente e de forma inflexível, no caso concreto está ultrapassado o limite da razoabilidade, tendo em vista que já se passaram mais de 2 ( dois) anos da data em que foi prolatada a sentença de pronúncia e o paciente ainda aguarda, sem previsão, data e lugar adequado para a realização do julgamento pelo tribunal do júri. Na presente circunstância, o constrangimento ilegal é visível, pois o excesso atinge, prima facie, o princípio da dignidade da pessoa humana, além de norma expressa estabelecida pela EC n° 45, que inseriu o inc. LXXVIII no art. 5° da CF, para assegurar a todos uma razoável duração do processo. Ordem concedida. (Nº Acórdão 12303, HC 12430-6/2005 - BA, 1ª Câmara Criminal, rel. Eserval Rocha).

PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA, CONSISTENTE EM INTERNAÇÃO HOSPITALAR PARA CUSTODIA E TRATAMENTO PSIQUIATRICO DE ALIENADO MENTAL ABSOLVIDO POR SER TOTALMENTE INIMPUTAVEL. EXECUÇÃO.

Embora a lei de execução penal, em seu art. 171, exija o transito em julgado da sentença que impôs a medida de segurança, para que seja expedida a carta de guia para a respectiva aplicação, não pode, por tal motivo, ficar o paciente recolhido a prisão comum, sem um mínimo de assistência médica e em ambiente inadequado, a espera do julgamento do recurso de oficio. Recurso provido em parte, determinando-se a expedição imediata de guia de internamento do paciente em hospital de custodia e tratamento psiquiátrico. (RHC 554 em HC – SP, RO em HC 1990/0001831-5, T6 - SEXTA TURMA, rel. Min. Carlos Thibau, DJ 04.06.1990, P.5067, RSTJ vol. 10 p. 130, RT vol. 664 p. 330).

TJSP - MEDIDA DE SEGURANÇA - Internação por prazo indeterminado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico - Inimputável colocado em presídio comum em razão da falta de vagas em estabelecimento adequado - Inadmissibilidade - Réu que deve ser solto e submetido a tratamento ambulatorial, enquanto aguarda o surgimento de vaga.

Por derradeiro, nunca é demais relembrar os ensinamentos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrada pela Resolução nº 217, durante a 3ª Assembléia Geral da ONU, em Paris, França, em 10-12-1948. Assim sendo, insta acompanhar o que salientam os artigos 3º e 5º, da aludida Declaração: "Art. 3º. Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal"; "Art. 5º. Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.".

Ora, que é um a medida de segurança com duração máxima indeterminada senão uma tortura e castigo dotados de crueldade? Parece não haver dúvida, ao menos segundo a tese defendida, que a indeterminação prazal da duração da medida viola não só a constituição como também a declaração universal dos direitos humanos.

Alinham-se a este pensamento as palavras de Lara Gomides de Souza, a saber:

O tema toca não só o aspecto social da questão, mas também viola princípios básicos e basilares de nosso sistema jurídico, contrariando o próprio Estado Democrático de Direito, a dignidade e até mesmo a condição de ser humano. Ao se tentar impor permanência perpétua de uma pessoa junto a um manicômio judiciário, esquece-se que, mesmo sendo doente mental, não se deixa de ser pessoa humana, tendo, portanto, os mesmos direitos que qualquer um de nós nos orgulhamos em ter, mesmo que não saibamos defende-los na maioria das vezes. (2008, p.3).

Afinal de contas, nunca é demais lembrar o que frisa a supracitada autora ao concluir seu pensamento alertando que:

Ao contrário do que muitos imaginam, a enfermidade mental pode ser controlada com remédios e tratamento terapêutico adequado, sendo esta circunstância inteiramente capaz de propiciar ao doente a plena convivência em sociedade, ao lado de sua família. A incompetência estatal, que na maioria das vezes, se não sempre, não é capaz de curar o paciente, não pode, de modo algum, contribuir com o cerceamento da liberdade dos particulares, devendo o Estado, ao contrário, privilegiar o retorno dessas pessoas ao convívio social. (2008, p.3).

Assim sendo, ressai iniludível que diversos são os direitos e garantias fundamentais violados quando se sustenta a constitucionalidade da indeterminação temporal da medida de segurança. Dentre eles merecem destaque e análise os elencados, a seguir.

No que concerne ao Direito à dignidade da pessoa humana, é consabido que o Estado tem o dever de ofertar ao indivíduo, senão o melhor, ao menos o mínimo desejável no tocante ao espaço físico bem como em relação ao material humana qualificado, capazes de reafirmar o valor humano. Feito isto, tornar-se-á possível agasalhar o indivíduo e não simplesmente recolhê-lo, possibilitando um tratamento decente e conseqüente revitalização.

No que tange ao direito à igualdade: tem-se que a constituição visa tratar os iguais de forma igual, e os desiguais de forma desigual, primando com isso uma igualdade material. Assim, eis que a própria constituição em certos momentos, acertadamente, traz situações em que se privilegia, por exemplo, os deficientes, as mulheres, idosos dentre outros, justamente por visar conferir aos desiguais tratamento diferenciado, compensado assim, com justiça, discriminações e preconceitos históricos e atuais. Assim, merecem os inimputáveis tratamentos especiais em razão de sua peculiar condição. Ademais, também ao inimputável é devido o direito de saber, de antemão, a natureza e duração das sanções que lhes são impostas.

Ademais, nota-se que o que se veda é uma discriminação negativa, porquanto inconstitucional, mas discriminações positivas como as acima tratadas, são perfeitamente admitidas. São exemplos as ações afirmativas que correspondem às políticas públicas adotadas por pessoas jurídicas de direito publico ou privado com vistas a consolidar tais discriminações positivas.

Tecidas estas breves considerações sobre os direitos e garantias do internado, vale, por oportuno e a bem de se melhor compreender o presente trabalho, expor algumas ponderações sobre a doença mental superveniente à condenação, tema este de igual importância quando do estudo das medias de segurança.

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Sobre o autor
Márcio Fortuna Alves

Advogado graduado pela UCSAL. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/ Jus PODIVM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Márcio Fortuna. A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2721, 13 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18014. Acesso em: 2 mai. 2024.

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