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A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança

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13/12/2010 às 08:55
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7 CONCLUSÃO

Notou-se no decorrer da presente obra monográfica que várias foram as celeumas surgidas com a Reforma Penal de 84. Não raras também foram as alterações conduzidas pela aludida reforma em relação à medida de segurança, em particular a eliminação do sistema duplo binário e suas conseqüências.

Avançando-se um pouco mais, restou indubitável que, em meio às inúmeras questões postas em evidência ao se estudar as medidas de segurança, uma das que mais reclama atenção, senão a mais, gira em torno do confronto existente entre o parágrafo 1º, do artigo 97 do Código Penal e o artigo 5º, inc. XLVII, "b", da Constituição Federal. Destarte, não casualmente foi esta a matéria abordada neste trabalho.

Ademais, buscou-se alertar no bojo da obra que as medidas de segurança merecem uma maior atenção por parte dos operadores de direito bem como de toda a coletividade, merecendo, inclusive, atenção da prometida reforma penal. Para tal, indispensável é, a todo o instante, examinar com atenção as implicações exibidas pela prática forense, como se procurou fazer no curso desta monografia.

Como resultado, depois de pormenorizado vislumbre dos posicionamentos doutrinários e jurisprudências sobre a matéria em questão, tornou-se possível enunciar algumas conclusões.

Não obstante existam correntes contrárias, sustenta-se o raciocínio de que a imposição de medidas de segurança por prazo indeterminado configura nítida inconstitucionalidade, porquanto violadora de direitos, princípios e garantias fundamentais, sobretudo, a igualdade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. Assim, optar por uma interpretação restritiva dos artigos 75 e 97 do CP e do 183 da LEP, configura omissão e inércia para com aqueles que clamam por cuidado especial, justamente por se acharem em situação peculiar.

Em verdade, melhor teria sido se o legislador dispusesse sobre a matéria de forma clara e determinada. Infelizmente, assim não o fez, cabendo, portanto, aos operadores do direito tentar preencher as lacunas deixadas pela legislação. Assim, não existindo a tão desejada nitidez, nada mais justo e lógico senão interpretar a lei penal em favor do réu.Seguindo esta linha, viu-se que o STF, ao julgar o HC 84.219-4, valeu-se da interpretação sistemática e teleológica dos aludidos artigos, com fulcro a estender o limite temporal de 30 anos aplicados à pena também às medidas de segurança. Observou-se, com isso, a garantia constitucional esculpida no art. 5º, inc. XLVII, "b", segundo o qual se veda expressamente a pena perpétua.

Outrossim, com o devido apreço que fazem jus as demais linhas doutrinárias, pensar diferente acarretaria uma série de violações aos direitos presentes não só na Constituição como também na declaração universal dos direitos humanos.

É certo que qualquer posicionamento conclusivo que venha a ser adotado sobre a problemática em tela exige extremo cuidado, pois, por mais plausível e justa que pareça a solução tomada pelo STF, importante recebê-la com as devidas ressalvas.

Sem dúvida, a solução acolhida pelo colendo tribunal mostra-se bastante condizente com o texto constitucional o qual veda expressamente a privação perpétua da liberdade de um indivíduo. Procurou-se, ao máximo, observar o que se chama de estado democrático de direito. Porém, como alhures dito, no entender da tese defendida nesta monografia, não obstante tenha dado um grande passo, poderia o Supremo Tribunal Federal ter ido mais além, aproveitando o momento para limitar a duração da medida ao máximo de pena abstratamente cominada ao delito, porquanto mais favorável ao agente.

Todavia, resta cada vez mais nítido que o real problema parece não estar propriamente na medida de segurança (instituto jurídico em si), mas sim na maneira como a mesma é aplicada. Vale dizer, não se dispõe de condições suficientes para possibilitar a recuperação do indivíduo, faltando quase sempre meios adequados e eficazes. Daí o porquê de se receber a solução do STF com ressalvas, temendo-se que tal desfecho não passe de uma simples transferência de problemas de uma esfera de atuação do Estado a outra, ou seja, da penal para cível.

Assim, é que é preferível não acreditar na lógica de que em razão de o Estado não oferecer meios apropriados para que o internado volte à vida social, recorreu-se pela interdição do indivíduo e a reinternação em outro local.

É justamente por isto que programas como o PAIPJ, CAPS e CERSAM assumem fundamental importância, sobretudo por aumentarem nítida e comprovadamente as chances de revitalização do doente mental, porquanto passem a receber eficaz tratamento através de sucessivas avaliações realizadas por pessoas de diversos segmentos profissionais, não sendo poucos os casos em que se consegue, satisfatoriamente, diminuir o tempo de internação destes indivíduos.

Por conta da seriedade e eficácia destes responsivos programas, impende adotar tais modelos através da parceria entre os Tribunais de Justiça, Secretarias de Justiça e Direitos Humanos e a Secretaria de Segurança Pública de cada Estado, além da cooperação da sociedade como um todo, a exemplo de organizações, associações e entidades sociais.

É que, marginalizar, ad eternum, um indivíduo através da ruptura dos seus laços familiares e sociais afigura-se atitude eivada de papalvice. Admitir-se isto, seria uma nítida situação de disparatus. Afinal, como fartamente defendido ao longo desta tese monográfica, têm os inimputáveis direito a tratamento digno e ressocializador por parte do Estado.

Feito isto, estar-se-á ofertando aos indivíduos submetidos à medida de segurança totais condições de reintegração familiar e social, já que terá sempre à sua disposição, quando preciso, serviços públicos de saúde mental integrantes de redes de cunho assistencial tais como serviços de internação psiquiátrica, ambulatórios, centros de referência em saúde mental, dentre tantos outros.

Tornou-se possível, ainda, na linha de raciocínio delineada nesta tese de monografia, que ideal seria se o paciente reatasse os laços sociais durante o cumprimento da medida. Porém, ciente da complexidade que envolve o tratamento a estes pacientes, e para se evitar infringir os direitos da coletividade como o da segurança pública, tem-se que, quando encerrado o cumprimento da medida e não cessada a periculosidade, deverá o paciente continuar sendo acompanhado pelos programas especiais de atenção e proteção valendo-se de toda estrutura e aparato inerentes a estas iniciativas com parceria do Pode Público, até que possibilitada seja a reinserção do indivíduo na família e na sociedade, conforme o caso prático.

Assim, diante de tudo o quanto aqui foi exposto e com base nas considerações tecidas, pode-se concluir que as medidas de segurança, como as penas, consubstanciam-se em autênticas sanções penais porquanto sejam resultados jurídicos do delito, sendo, por esta razão, notória ferramenta que se vale o Estado para concretizar seu poder-dever de punir, ora restringindo ora privando os direitos fundamentais. Como tal, e em observância ao artigo 1º, caput da Constituição (idealizador do Estado Democrático de Direito), resta evidente a necessidade da existência de mecanismos limitadores das medidas restritivas em consonância com os preceitos constitucionais de direitos fundamentais, sendo que, atendendo a este fim, tratou o artigo 5º, inc. XLVII, "b", da Carta Magna de vedar categoricamente sanções penais dotadas de índole perpétua.

Destarte, para que se veja alcançada a vontade do constituinte, que nada mais é senão reflexo da vontade do povo, a medida de segurança de internamento dos inimputáveis há de ter, sim, uma baliza executória máxima, seja em razão do limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado (o que parece ser o mais aconselhável no entender desta obra), seja em virtude do tempo máximo de 30 anos das penas (como querem alguns). Em não sendo assim, restaria patente a configuração de inconstitucionalidade, sobretudo, por violação a princípios, direitos e garantias fundamentais, como os da igualdade, proporcionalidade, não perpetuação da sanção penal bem como da dignidade da pessoa humana, sem esquecer da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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Por fim, após a farta e minuciosa análise sobre a matéria, vislumbrou-se que a memorável decisão do Supremo lançou mão da interpretação sistemática e teleológica, consoante exaustivamente esposada alhures, no sentido de estender à medida de segurança, através de empréstimo, em especial, do artigo 75 do CP, o limite temporal imposta à pena. Levou-se em consideração, ainda, no curso da fundamentação do julgado, o artigo 183 da LEP que, combinado com aplicação analógica do artigo 682, § 2º, delimitam o período da medida de segurança ao tratarem da superveniência de doença mental, além de determinar, por fim, que cessada a medida de segurança se proceda à interdição civil com esteio no código civil.

São estas, portanto, em breve síntese, as deduções que se fizeram possíveis neste trabalho monográfico, lembrando-se sempre que as propostas aqui ventiladas afiguram-se, no entender da tese esposada, as mais condizentes com os ditames constitucionais.


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Sobre o autor
Márcio Fortuna Alves

Advogado graduado pela UCSAL. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/ Jus PODIVM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Márcio Fortuna. A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2721, 13 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18014. Acesso em: 15 mai. 2024.

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