Capa da publicação Compensação tributária constitucional e precatórios impenhoráveis
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Aplicação da compensação tributária constitucional (art. 100, § 9º) aos precatórios impenhoráveis (incluindo os relativos a honorários advocatícios) ou oriundos de processos que tiveram objeto relacionado com valores inicialmente impenhoráveis

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28/01/2011 às 05:31
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A norma que impõe a compensação tributária tem natureza hierárquica superior, não podendo ter sua aplicação restringida. Aplica-se, pois, a todos os tipos de precatório, independentemente da natureza das verbas requisitadas.

Sumário: Introdução: modalidade especial de compensação tributária prevista na Constituição Federal e impenhorabilidade como restrição legal ao direito do credor; 1. Precatórios oriundos de processos onde foram discutidos valores inicialmente impenhoráveis: natureza jurídica do precatório não se confunde com a natureza primeira de valores discutidos no processo judicial; 2. Compensação tributária constitucional e regras legais que dispõe sobre penhora e impenhorabilidade: supremacia constitucional; 4. Conclusão: a norma que impõe a compensação tributária tem natureza hierárquica superior, por ser constitucional, não podendo ter sua aplicação restringida por normas legais; aplicando-se, pois, a todos os tipos de precatório, independentemente da natureza das verbas requisitadas. Referências.


Introdução: modalidade especial de compensação tributária prevista na Constituição Federal e impenhorabilidade como restrição legal ao direito do credor

A Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, que alterou o artigo 100 da Constituição Federal e acrescentou o artigo 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, acrescentou a seguinte norma à Constituição Federal:

§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.

O Constituinte criou um instituto específico, de natureza constitucional, uma modalidade especial de compensação entre valores requisitados por precatório e valores relativos a débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa, e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora.

A nova norma constitucional, como se observa da leitura do § 9º do artigo 100, tem aplicação ampla, abrangendo praticamente todos os casos de dívida ativa, incluindo parcelas vincendas de parcelamentos e independentemente de inscrição em dívida ativa. Portanto, da perspectiva do crédito tributário, a norma constitucional possui extensa abrangência, excluindo-se, apenas, aqueles valores cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.

No tocante ao crédito do particular, objeto do precatório, a norma constitucional, em princípio, não faz qualquer ressalva. Nada obstante, o ordenamento jurídico impõe algumas restrições ao direito de satisfação do crédito, notadamente ao dispor sobre as diversas formas de impenhorabilidade. No artigo 649 do Código de Processo Civil, encontra-se o rol ordinário de bens impenhoráveis, destacando-se o inciso IV, que determina a impenhorabilidades dos seguintes valores "alimentares":

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo.

Neste ponto, deve-se esclarecer que o precatório pode ser, ele próprio, impenhorável, por sua natureza alimentar, enquadrando-se nas disposições do inciso IV do artigo 649 do CPC. É o caso do precatório requisitado para o pagamento de honorários advocatícios. Certo que, pelos efeitos de uma notável metonímia, toma-se os honorários advocatícios como gênero, quando são apenas espécie, pois é possível que os valores requisitados para pagamento de honorários tenham por objeto o pagamento a outro tipo de profissional, como é o caso dos honorários periciais. De qualquer modo, em todos estes casos, a jurisprudência tem declarado a impenhorabilidade dos valores, em razão de seu caráter alimentar.

Há, ainda, outro caso que merece estudo: trata-se de valores constantes em precatórios, que, em princípio, seriam penhoráveis; contudo, como originários de processos que têm por objeto valores relacionados a bem inicialmente impenhorável, suscitam dúvida sobre sua penhorabilidade.

Em outras palavras, o precatório a ser pago pelo ente público pode ter relação com valores de natureza primitivamente impenhorável, podendo-se questionar, nestes casos, a penhorabilidade do precatório e mesmo a aplicação da norma que determina a compensação tributária. Suponha-se, por exemplo, que o presidente de um tribunal requisite, em benefício de determinado particular, precatório para o pagamento de valores provenientes de ação de repetição de indébito tributário, originária de desconto indevido de imposto de renda sobre valores salariais – que são, regra geral, impenhoráveis, conforme 649, IV, do Código de Processo Civil. Considerando a impenhorabilidade primitiva dos valores descontados, os valores requisitados por precatório poderiam ser objeto da nova modalidade de compensação tributária?

O objetivo deste estudo, analisando a extensão da compensação tributária constitucional, concluir, ao final, se a norma incide, ou não, nos precatórios impenhoráveis ou naqueles oriundos de processos judiciais que tinham objeto relacionado a valores impenhoráveis.


1. Precatórios oriundos de processos onde foram discutidos valores inicialmente impenhoráveis: natureza jurídica do precatório não se confunde com a natureza primeira de valores discutidos no processo judicial

Este primeiro tópico do estudo é de aplicação específica aos precatórios oriundos de processos que tinham por objeto bem relacionado com valores primitivamente impenhoráveis. Analisar-se-á a possibilidade da penhora destes precatórios. Adiante-se, com base nas premissas do próximo capítulo, que a compensação é bem mais ampla que a mera penhora; portanto, cabível a penhora, a compensação tributária é indiscutivelmente cabível.

Necessário analisar, portanto, se o crédito consubstanciado no precatório é penhorável ou impenhorável. Sendo penhorável, a compensação tributária constitucional é aplicável.

O art. 649, IV, do Código de Processo Civil, regra de exceção (portanto, de interpretação literal), determina que são absolutamente impenhoráveis 1:

"os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo".

Necessário esclarecer que a penhora de precatórios oriundos de processos que tinham por objeto verbas inicialmente impenhoráveis é diferente da penhora daqueles valores originários. Trata-se de valores de natureza jurídica distintas. Os bens têm qualificações jurídicas peculiares dependendo das distintas situações objetivas nas quais se encontram, podendo haver alterações nestas situações, repercutindo nas qualificações que lhes são dadas. As classificações e qualificações jurídicas são dinâmicas, não estáticas, dependendo do contexto normativo e fático determinado.

Assim, um bem originariamente impenhorável, em razão de determinadas circunstâncias, não será eternamente impenhorável, mas apenas em quanto as circunstâncias previstas continuarem as mesmas 2.

Os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis serão impenhoráveis, conforme o artigo 649, V, CPC, apenas enquanto forem necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão. A impenhorabilidade não é uma qualidade real, da coisa, mas uma qualidade circunstancial, em razão de condições normativas específicas. Os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios e outros instrumentos não são impenhoráveis por si, mas apenas enquanto utilizados no exercício de qualquer profissão, tornando-se penhoráveis no exato momento em que deixem de ser utilizados no exercício da profissão.

Do mesmo modo, considerando o exemplo dado logo na introdução, precatório para o pagamento de valores provenientes de ação de repetição de indébito tributário, originária de desconto indevido de imposto de renda sobre valores salariais – que são, em princípio, impenhoráveis, conforme 649, IV, do Código de Processo Civil; deve-se concluir que os valores requisitados por precatório são penhoráveis, pois a penhora, nestes casos, terá como objeto o precatório, não aqueles valores primitivamente vinculados à causa de pedir do processo. Valores requisitados por precatório são, em princípio, passíveis de penhora; não havendo, da mesma forma, nenhum impedimento à penhora de valores recebidos em processo de restituição de indébito.

Ora, no momento em que um tributo é descontado dos valores recebidos em demanda trabalhista, perde qualquer natureza de verba salarial, passando a ter natureza tributária. Depois de descontado e recolhido aos cofres públicos, a título de pagamento de imposto, qualquer valor passa a ter natureza tributária. Tanto que o pedido no processo que origina o precatório é o de restituição de indébito tributário, que não se confunde com as peculiaridades jurídicas atinentes às verbas trabalhistas. Além disso, todas as normas aplicadas, inclusive na contagem prescricional, passam a ser as normas aplicáveis aos tributos. A natureza destes valores é, pois, tributária.

Determinado valor tem natureza salarial apenas no momento do recebimento ou, quando muito, em determinado marco temporal: "Depois de percebidas, passam a integrar o patrimônio ativo de quem as recebe e se aí forem encontradas como dinheiro ou convertidas em outros bens, são penhoráveis" 3. Em outras palavras, "[...] a parte da remuneração que não for utilizada em cada mês, por exceder as necessidades de sustento suas e de sua família, será penhorável, como qualquer outro bem de seu patrimônio 4".

Irrelevante, portanto, a natureza primária das verbas. Admitir que tem relevância o caráter originário de um valor recolhido como tributo é criar fator de insegurança jurídica. Imagine-se uma execução fiscal contra determinada sociedade, também demandada por credores trabalhistas. O ente público, depois de uma penhora de valores depositados em conta bancária da executada, teria por satisfeitos os seus créditos tributários. Pergunta-se: poderiam os credores trabalhistas, pela preferência de seu crédito, no caso de inexistência de outros bens, demandar contra a União pedindo a devolução dos valores tributários recolhidos? Óbvio que não! Enquanto não recolhidos, os valores mantêm sua natureza ordinária, e, caso houvesse penhora originária de demanda trabalhista, estes credores exerceriam seu direito de preferência. Depois de recolhidos, porém, os valores perdem qualquer ligação com a sua natureza originária, não havendo que se falar em concurso de credores, mas em crédito tributário satisfeito.

Antes de ser recolhido aos cofres públicos, determinado valor pode ser originário das mais diversas fontes (inclusive, ao menos em tese, de fontes ilícitas), o que é totalmente secundário: depois de recolhido, o valor tem natureza exclusivamente tributária, tornando irrelevante sua natureza anterior.

Além disso, a norma que trata de impenhorabilidade é norma de exceção, ressalvando a regra geral: que é a penhorabilidade. É princípio hermenêutico basilar que normas de exceção devem ter interpretação literal. Em uma perspectiva estritamente hermenêutica, as normas que dispõe sobre as normas de exceção pertencem à categoria que Carlos Maximiliano denomina "Direito Excepcional":

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O Código Civil explicitamente consolidou o preceito clássico – Exceptiones sunt strictissima interpretationis ("interpretam-se as exceções estritissimamente") – no art. 6º da antiga Introdução, assim concebido: "A lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica". 5

A interpretação destas normas é sempre restritiva, conforme continua a explicitar o citado autor:

O processo de exegese das leis de tal natureza é sintetizado na parêmia célebre, que seria imprudência elimina sem maior exame – interpretam-se restritivamente as disposições derrogatórias do Direito comum.

[...]

Quanta dúvida resolve, num relâmpago, aquela síntese expressiva - interpretam-se restritivamente as disposições derrogatórias do Direito comum!

Responde, em sentido negativo, à primeira interrogação: o Direito Excepcional comporta o recurso à analogia? Ainda enfrenta, e com vantagem, a segunda: é ele compatível com a exegese extensiva? Neste último caso, persiste o adágio em amparar a recusa; 6

Observe-se, no ponto, que a regra do CPC determina a impenhorabilidade apenas de verbas salariais, não de precatórios oriundos de processos tributários com causa de pedir relacionada ao recebimento de valores decorrentes de demanda trabalhista. Interpretando-se de forma restrita a norma, que é como ela deve ser interpretada, conclui-se pela penhorabilidade de valores constantes em precatórios decorrentes de processos de restituição de tributos, independentemente da sua fonte primeira.

Todos os argumentos citados convalidam a possibilidade de penhora de valores decorrentes de precatórios, independentemente da característica primitiva de um bem vinculado à causa de pedir do processo.

Encerrado este capítulo, pode-se avançar na questão em estudo, alterando-se o enfoque gnoseológico, pois o que está em discussão não é a mera penhorabilidade de bens (e a conseqüente impenhorabilidade), mas a incidência de um novo tipo de compensação tributária determinada diretamente pela Constituição Federal.


2. Compensação tributária constitucional e regras legais que dispõe sobre penhora e impenhorabilidade: supremacia constitucional

Diferentemente dos precatórios decorrentes de processos onde se discutiam valores inicialmente impenhoráveis, quando a penhora, em tese, é possível; no caso dos precatórios de natureza alimentar, em regra, requisitados para o pagamento de honorários, a jurisprudência é firme em afastar a possibilidade de penhora, com base no artigo 649, IV, do Código de Processo Civil.

Nada obstante discutíveis as premissas jurisprudenciais que embasaram esta conclusão, impenhorabilidade dos precatórios requisitados para pagamento de honorários, é forçoso reconhecer, pois se trata de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sua eficácia social e efetiva, ainda que não formal, força vinculatória.

Portanto, neste trabalho, por razões metodológicas, é dada como indiscutível a impenhorabilidade dos precatórios requisitados para pagamento de honorários. Fixado este suposto, a incidência da compensação constitucional tributária neste tipo de precatório pode ser analisada de modo específico; e, conforme brevemente exposto, dado o caráter mais amplo da compensação tributária constitucional em relação à penhorabilidade, a argumentação construída neste capítulo também se aplica ao tipo de precatório estudado no capítulo anterior.

Trata-se, portanto, de analisar se a compensação tributária constitucional se aplica aos precatórios impenhoráveis, em outras palavras, analisar se a regra constitucional do artigo 100, § 9º, da Constituição Federal pode ser limitada por normas de direito ordinário, como é o caso daquelas que dispõe sobre a impenhorabilidade.

Necessário, de início, diferenciar a penhora, medida constritiva, da compensação, medida diretamente satisfativa, ambas com requisitos, condicionantes e finalidades distintas.

A compensação é causa extintiva de obrigações recíprocas prevista no Código Civil, no artigo 368: "Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem".

No âmbito tributário, a compensação observa o disposto no artigo 170 do Código Tributário Nacional, que dispõe ser necessária a existência de lei específica que estipule as condições e garantias através das quais será possível o encontro de contas entre o contribuinte e o ente público.

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.

Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. (Artigo incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

O próprio CTN, ao estabelecer as normas gerais em sede de compensação tributária, determina que a lei pode delegar estipulações pertinentes à compensação de tributos à autoridade administrativa.

A Lei nº 8383/91, no seu artigo 66, depois alterado pela Lei nº 9069/95, autorizou a compensação tributária. Relativamente às contribuições previdenciárias, outras limitações foram estabelecidas pela Lei nº 9032/95 e pela Lei nº 9129/95.

Posteriormente, a Lei nº 9430, de 27 de dezembro de 1996 (alterada pela Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002), regulamentou de forma mais abrangente a compensação tributária.

O Decreto nº 2138/1997, regulamentando a Lei nº 9430/97, autorizou à Receita Federal a efetivação da compensação de ofício, independentemente de pedido do contribuinte.

Em consonância com os artigos 1º e 6º do Decreto nº 2.138/97, a Secretaria da Receita Federal, de ofício, pode realizar a compensação de créditos do sujeito passivo perante a Secretaria da Receita Federal, decorrentes de restituição ou ressarcimento, com seus débitos tributários relativos a quaisquer tributos ou contribuições sob administração da mesma Secretaria, ainda que não sejam da mesma espécie nem tenham a mesma destinação constitucional:

Art. 1° É admitida a compensação de créditos do sujeito passivo perante a Secretaria da Receita Federal, decorrentes de restituição ou ressarcimento, com seus débitos tributários relativos a quaisquer tributos ou contribuições sob administração da mesma Secretaria, ainda que não sejam da mesma espécie nem tenham a mesma destinação constitucional.

Parágrafo único. A compensação será efetuada pela Secretaria da Receita Federal, a requerimento do contribuinte ou de ofício, mediante procedimento interno, observado o disposto neste Decreto.

[...]

Art. 3º A Secretaria da Receita Federal, ao reconhecer o direito de crédito do sujeito passivo para restituição ou ressarcimento de tributo ou contribuição, mediante exames fiscais para cada caso, se verificar a existência de débito do requerente, compensará os dois valores.

[...]

Art. 6° A compensação poderá ser efetuada de ofício, nos termos do art. 7° do Decreto-Lei n° 2.287, de 23 de julho de 1986, sempre que a Secretaria da Receita Federal verificar que o titular do direito à restituição ou ao ressarcimento tem débito vencido relativo a qualquer tributo ou contribuição sob sua administração.

Eis, em breves linhas, a definição da compensação e sua delimitação no âmbito tributário.

Por outro lado, a penhora é o ato processual do processo de execução que tem por objetivo a apreensão e depósito de bens para destiná-los, direta ou indiretamente, ao pagamento do credor ou credores; além disso, a penhora individualiza e delimita a responsabilidade patrimonial do devedor, que, antes do ato, era genérica. 7 Trata-se, portanto, de ato executivo e coercitivo, que prepara determinado bem para expropriação forçada, com o objetivo de satisfazer o crédito em execução.

Compensação, portanto, não se confunde com penhora, o que deve ser inicialmente fixado.

Em todo caso, no presente estudo, a questão discutida é outra, pois não se está discutindo a penhorabilidade de bens (e a conseqüente impenhorabilidade) nem a simples compensação tributária, conceitos ordinariamente legais, mas um tipo extraordinário de compensação determinado de forma expressa pela Constituição Federal.

A Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, acrescentou ao artigo 100 Constituição Federal o § 9º, determinando que:

No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.

Trata-se de norma constitucional, que criou um novo instituto também constitucional: um tipo de compensação extraordinária de valores constantes em precatório com débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa, e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora.

A norma é pautada no valor mais elevado na tábua axiológica jurídica, a Justiça, pois, ainda que se ressalve o interesse público e primordial dos créditos cobrados pela Fazenda Pública, deve ser ressaltada a injustiça advinda da liberação de valores de um ente público para quem é devedor deste mesmo ente: tal medida seria desproporcional, desarrazoada e injusta.

A norma que autorizou a compensação constitucional em favor do ente público, isonomicamente, e extinguindo uma longa polêmica jurisprudencial, também convalidou cessões e compensações de precatórios (alimentares e não alimentares) feitas pelos particulares. A emenda convalidou as cessões de precatórios efetuadas antes da promulgação da Emenda Constitucional n.º 62/2009, independentemente da concordância da entidade devedora; e todos os pedidos de compensação de precatórios com tributos vencidos até 31.10.2009 da entidade devedora, efetuados na forma do disposto no § 2.º do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, realizados antes da sua promulgação.

Tratando-se de norma constitucional, a nova espécie de compensação só poderia ter sua abrangência limitada por norma também constitucional, de igual hierarquia. Deste modo, eventuais limites a sua aplicação teriam que estar presentes na própria Constituição.

De início, observa-se que a norma não fez qualquer limitação ao tipo de precatório cujo valor poderia ser compensado, aplicando-se, pois, a todos os tipos de precatório. Acrescente-se que, em outras normas da Constituição, incluindo as normas da Emenda Constitucional nº 62/2009, há diferenciações entre precatórios ordinários e aqueles de natureza alimentar. Assim como o constituinte originário, quando o constituinte derivado quis diferenciar o tratamento constitucional dado ao precatório alimentar, realizou a discriminação de forma clara e direta.

É o caso da norma do § 1º do artigo 100, quando o constituinte distingue claramente o tratamento outorgado aos precatórios de natureza alimentar, determinando que sejam pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. Portanto, quando o constituinte quis diferenciar o tratamento concedido aos precatórios de natureza alimentar, assim o fez de forma expressa, clara e direta.

A norma do § 9º do 100, que trata da nova espécie de compensação, não fez qualquer diferenciação, exatamente porque o objetivo do constituinte foi conceder a esta norma o maior âmbito de abrangência, fazendo-a incidir em todos os casos, independentemente da natureza do precatório.

Há, sim, uma limitação à aplicação da norma que autoriza a compensação, prevista também na Constituição, mas não em razão da natureza do precatório. A norma aplica-se a todos os tipos de precatórios, não se aplicando, porém, naqueles casos cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. Observe-se o cuidado do constituinte derivado, ressalvando da aplicação da norma todos aqueles casos em que os débitos objeto de compensação estivessem em contestação judicial ou mesmo administrativa.

Há, ainda, outra limitação constitucional, não em relação aos precatórios em si, mas quando se considera, genericamente, os modos de pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária.

O artigo 100 da Constituição Federal dispõe que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios. Contudo, tem-se no § 3º do artigo que:

§ 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

Há, pois, dois modos de pagamento ordinários das obrigações pecuniárias devidas pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária: precatório e requisição de pequeno valor, conforme o no § 3º do artigo 100, CF.

O § 9º do artigo da CF, que determina a compensação, refere-se apenas aos precatórios ("No momento da expedição dos precatórios [...]"), não mencionando as requisições de pequeno valor. Portanto, a própria Constituição exclui da compensação tributária todas as requisições de pequeno valor, previstas no § 3º do artigo 100, CF, e com valores específicos definidos em lei - sessenta salários mínimos, se a devedora for a Fazenda Federal (art. 17, § 1º, da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001); quarenta salários mínimos, ou o valor estipulado pela legislação local, se a devedora for a Fazenda Estadual ou a Fazenda Distrital (art. 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT); e trinta salários mínimos, ou o valor estipulado pela legislação local, se a devedora for a Fazenda Municipal (art. 87 do ADCT).

O constituinte, deste modo, praticamente excluiu a aplicação da compensação tributária nos Juizados, onde, ordinariamente, não há precatórios, apenas requisições de pequeno valor.

Houve uma limitação constitucional à aplicação da norma quando se consideram todos os meios ordinários de pagamento das obrigações pecuniárias devidas pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária. A norma aplica-se apenas aos precatórios, não se aplicando às requisições de pequeno valor, mas, no que se refere aos precatórios, a Constituição não impôs limitação.

Há, fora as citadas, outras limitações constitucionais à regra constitucional que criou a nova espécie de compensação? Não, não há. Salvo as limitações citadas, a Constituição Federal não impôs qualquer outra limitação à norma que autoriza a compensação, que se aplica, conforme exposto, a todos os tipos de precatórios.

Tal medida foi salutar, proporcional, razoável e racional, conforme exposto, evitando o verdadeiro absurdo de impor à Fazenda o ônus de liberar valores a quem lhe deve e não lhe paga. A norma constitucional está revestida de Justiça.

Ao menos em tese, pode-se questionar se a compensação constitucional poderia ser mitigada em face de eventual impenhorabilidade do valor objeto de compensação. Para responder a esta questão, é preciso ressaltar que a "impenhorabilidade" é um conceito normativo ordinário, não constitucional, dependendo de critérios políticos do legislador ordinário.

A única norma constitucional que determina a impenhorabilidade de um bem é a prevista no artigo 5ª, XXVI: "a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento". Trata-se, obviamente, de hipótese bastante diversa daquela delimitada neste estudo.

A penhora, medida coercitiva, constritiva, é autorizada por regras de direito ordinário específicas: artigo 659 e outros do CPC; artigo 7ª, II, e outros da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6830, 22 de setembro de 1980); e demais regras inseridas em outras normas de hierarquia ordinária.

Como a penhora é instituto constritivo autorizado e regulamentado por leis ordinárias, pode ter sua aplicação limitada por normas de mesma hierarquia, ordinárias, desde que posteriores. A penhora regulamentada em um Código pode, inclusive, ser limitada por regras do mesmo Código, mesmo que cronologicamente simultâneas, porque, ao dispor sobre uma regra geral, a possibilidade de penhora, o sistema codificado deixa espaço para regras de exceção específicas: no caso, as hipóteses de impenhorabilidade. Basta a interpretação sistemática para harmonizar as distintas normas do mesmo Codex.

As normas do artigo 649 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre casos de impenhorabilidade, obviamente, podem limitar a aplicação de regras do mesmo Código, portanto, de igual hierarquia, como é o caso das diversas regras que autorizam e regulamentam a penhora de bens. Assim, as normas que dispõe sobre impenhorabilidade são limitações políticas à execução forçada 8, o que, conforme exposto, é juridicamente cabível.

No caso em análise, não se está discutindo a penhora, mas um instituto jurídico regulado diretamente pela Constituição, uma modalidade especial de compensação de créditos de um particular, consubstanciados em um precatório, com débitos contraídos por ele em face do mesmo ente público responsável pelo pagamento do precatório.

Considerando o escalonamento hierárquico do ordenamento jurídico, que tem no topo a Constituição Federal, é juridicamente incabível que normas do Código de Processo Civil limitem ou diminuam a abrangência de uma norma constitucional, como a que prevê a compensação tributária.

Deve-se interpretar as regras legais à luz da Constituição Federal, e não adaptar a Constituição, regra maior, a regras hierarquicamente inferiores. A supremacia hierárquica no nosso ordenamento jurídico é da Constituição Federal, não do Código de Processo Civil.

A Constituição não impõe a impenhorabilidade de precatórios ordinários nem daqueles de natureza alimentar: a Constituição apenas determina que os precatórios de natureza alimentar sejam pagos em ordem preferencial.

A impenhorabilidade de tais precatórios decorre de normas legais ordinárias, previstas no artigo 649 do Código de Processo Civil. Reitere-se: a Constituição não impõe a penhorabilidade ou não de precatórios alimentares, apenas determina que sejam pagos preferencialmente, deixando a questão da penhorabilidade, ou não, para leis processuais ordinárias.

Tome-se, para exemplificar, a (im)possibilidade de penhora de precatórios referentes a honorários advocatícios, conforme jurisprudência consagrada.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a natureza alimentícia dos honorários sucumbenciais (RE 470.407/DF, 1ª Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 13.10.2006; RE 146.318/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ de 4.4.1997).

Como os valores referentes aos honorários advocatícios foram considerados verbas de natureza alimentar pelo STF, os demais Tribunais passaram a declarar a impenhorabilidade destes precatórios, a teor do artigo 649, IV, CPC. Em conclusão, os honorários advocatícios não poderiam se sujeitar à "penhora", porque a regra do artigo 649, IV, CPC, estava limitando, no caso, as regras que autorizavam e disciplinavam a penhora no mesmo CPC.

Tal limitação é possível, porque uma regra legal, a que dispõe sobre impenhorabilidade, pode limitar a incidência de outras regras legais de igual hierarquia, caso das normas que regulamentam a penhora. Assim, defensável, considerando a jurisprudência do STF, o entendimento no sentido da impenhorabilidade dos honorários advocatícios pagos por meio de precatório.

Trata-se da interpretação sistemática de regras legais de igual hierarquia.

Por outro lado, é juridicamente impossível que uma regra legal limite o âmbito de validade, vigência ou eficácia de uma norma constitucional, hierarquicamente superior. Deste modo, deve ser afastada qualquer manobra que extraía força normativa da Constituição Federal para assegurar a incidência de normas de direito ordinário contra dispositivos constitucionais. O raciocínio que autorizou a "impenhorabilidade" dos precatórios referentes às verbas sucumbenciais não é válido no presente caso, porque inadequado, considerando as distintas premissas.

Apenas para argumentar, ainda que a norma que criou a modalidade específica de compensação tributária tivesse natureza ordinária, seria possível, ao menos em tese, que a impenhorabilidade de valores alimentares fosse afastada, porque, conforme exposto, a impenhorabilidade é conceito previsto em regra de direito ordinário: e a lei posterior pode revogar a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (Artigo 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil). Nada obsta que uma norma posterior altere disposições sobre impenhorabilidade do CPC, como, aliás, foi feito de forma expressa pela Lei nº 11.382, de 2006, que alterou de forma substancial o artigo 649 do CPC.

Em todo caso, desnecessário que se recorra à Lei de Introdução ao Código Civil (artigo 2º, § 1º) ou ao adágio latino (lex posteriori derogat priori), porque estamos tratando de norma constitucional, hierarquicamente superior: lex superior derogat inferiori.

A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e, assim, por diante, até a norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora 9. Todas as normas jurídicas devem ser compatíveis com a Constituição, que é o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico.

Enfim, as regras legais do artigo 649, do Código de Processo Civil, que tratam da impenhorabilidade, não se aplicam ao caso, devendo ser afastadas, em razão da incidência de uma norma constitucional, hierarquicamente superior, prevista no artigo 100, § 9º, que determina, sem limitações, a compensação de valores constantes em precatórios com os valores correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora.

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Sobre o autor
João Aurino de Melo Filho

Procurador da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, João Aurino. Aplicação da compensação tributária constitucional (art. 100, § 9º) aos precatórios impenhoráveis (incluindo os relativos a honorários advocatícios) ou oriundos de processos que tiveram objeto relacionado com valores inicialmente impenhoráveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2767, 28 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18360. Acesso em: 24 abr. 2024.

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