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Estabilidade no emprego x flexibilização.

Debates sobre a Convenção nº 158 da OIT

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24/02/2011 às 18:00
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4. A CONVENÇÃO 158 DA OIT

Embora as garantias de emprego já conquistadas pelos trabalhadores não estejam diretamente ameaçadas pelo fenômeno da flexibilização, um avanço na forma de proteção sobre a continuidade do vínculo empregatício encontra forte resistência por parte dos empregadores.

Como é sabido, o art 7º., I, CF/88, ainda necessita de regulamentação, por lei complementar, no que tange à proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa. Neste sentido, a Convenção 158 da OIT – Organização Internacional do Trabalho - propõe a limitação do poder de direção do empregador, que estaria vinculado a uma motivação pertinente nos casos de dispensa de empregado.

A proposta não representa exatamente mais uma hipótese de estabilidade no emprego – nem definitiva, nem provisória. No entanto inaugura uma nova possibilidade de garantia do empregado no emprego, como fica claro na previsão de seu art.4º.: "Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço".

Destarte, o empregado passaria a gozar de certa tranqüilidade acerca da sua permanência no emprego, sabedor que, mesmo não estando enquadrado nas hipóteses de estabilidade, o empregador não poderia simplesmente abandoná-lo ao desemprego baseado em mera arbitrariedade.

A dispensa, necessariamente motivada, só viria a partir da real necessidade de administração do negócio, ou como conseqüência de atitudes desastrosas do próprio empregado. Neste último caso, ser-lhe-ia possibilitado defender-se de quaisquer acusações, como reza o disposto no art.7º. da Convenção:

Não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivos relacionados com seu comportamento ou seu desempenho antes de se dar ao mesmo a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja possível pedir ao empregador, razoavelmente, que lhe conceda essa possibilidade.

Desta forma, é dado ao empregado defender a si e à sua permanência no emprego, efetivando o direito a ampla defesa, em flagrante manifestação dos efeitos horizontais das normas de direitos fundamentais.

A Convenção 158 da OIT representa grande avanço no sistema de proteção ao emprego, não só pelas razões acima apontadas, mas também por elencar motivos de vedação para a despedida do trabalhador, na forma do art.5º:

Entre os motivos que não constituirão causa justificada para o término da relação de trabalho constam os seguintes:

a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento de empregador, durante as horas de trabalho;

b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado nessa qualidade;

c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes;

d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, a ascendência nacional ou a origem social;

e) a ausência do trabalho durante a licença-maternidade.

Em relação a estas motivações vedadas para a dispensa de empregado, a legislação brasileira já acolhe – não só na norma justrabalhista, mas também assente na própria Constituição Federal, onde a liberdade sindical, o acesso irrestrito à jurisdição, ao tratamento igualitário e a proteção ao trabalho da gestante encontram amparo.

É na exigência de justificativa para o empregador dispensar o empregado, ou na possibilidade de ampla defesa deste no sentindo de assegurar o emprego, que surge a novidade na órbita da legislação nacional. Desde o nascimento da referida Convenção o Brasil tem adotado posicionamento controverso, ainda que o texto da OIT, que é de 1982, esteja atualmente em harmonia com as regras e princípios da Constituição Federal.

Inicialmente, o Congresso Nacional ratificou a Convenção 158, em 1992, através do Decreto Legislativo nº.20. A decisão causou desagrado à categoria econômica que, investida pelo espírito da flexibilização, vaticinou o desemprego como conseqüência da adoção do texto da OIT. Mesmo diante do debate instalado, o então presidente Fernando Henrique Cardoso promulgou a Convenção em 1996, apontando 05 de janeiro daquele ano como início de sua vigência [23]. No mesmo ano, a Confederação Nacional dos Transportes e a Confederação Nacional das Indústrias, entidades patronais, ajuizaram a ADI 1480, questionando a constitucionalidade do decreto de ratificação, alegando que a Convenção 158, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, não poderia servir de sucedâneo à lei complementar prevista no art.7º., I, CF/88. Neste sentido, obtiveram deferimento de liminar parcial, decidindo o STF que a Convenção 153 da OIT teria caráter programático, até que o Congresso Nacional suprisse a exigência formal imposta pela Constituição Federal [24]. Logo na seqüência, antes mesmo que o SFT julgasse o mérito da ADI, o governo denunciou a Convenção 158 da OIT, pelo Decreto 2.100 de 20 de dezembro de 1996.

Desde a denúncia da Convenção 158 da OIT os trabalhadores têm colocado o tema em suas agendas de reivindicação, na tentativa de alcançarem mais esta conquista. Já em 1997, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, e a Central Única dos Trabalhadores, ingressaram com ADI 1625, pedindo pela declaração de inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96, que denunciou a Convenção [25]. Desde então, a luta das entidades da classe trabalhadora seguem neste sentido. Somente uma década depois é que eles conseguem que o tema retorne a debate, quando a IV Marcha da Classe Trabalhadora, realizada em dezembro de 2007, elege como uma prioridade a adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT. Como resposta, em fevereiro de 2008 o Presidente Luis Inácio Lula da Silva enviou mensagem ao Congresso, pedindo a ratificação da Convenção.

O Congresso Nacional, no âmbito da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, rejeita a adesão à Convenção 158 OIT, em julho de 2008, vencido pelos argumentos dos benefícios da flexibilização levantados pelas entidades patronais, a exemplo da defesa apresentada por Dagoberto Lima Godoy, representante da Confederação Nacional da Indústria:

Assim, a tendência atual mais prestigiada é aquela marcada pela experiência dinamarquesa que passou a ser conhecida como "flexiseguridade", que eu já referi, ou seja, um balanço equilibrado entre a indispensável liberdade de gestão para as empresas e a necessária proteção ao trabalhador como uma decorrência de seus direitos sociais. [26]

Utilizando um discurso falacioso, onde o modelo de regulação do trabalho da Dinamarca serve de comparação ao brasileiro – países que experimentam realidades completamente distintas no campo produtivo e das relações de emprego, defende a idéia de que "os países que adotam critérios complexos para desligar empregados têm taxas mais altas de desemprego do que os que adotam critérios mais simples" [27]. Desta forma, estabelece uma relação direta entre estabilidade e desemprego, onde um dá causa ao outro.

Representando as idéias da categoria patronal, Dagoberto Lima Godoy esclarece no que exatamente consiste a proposta de "flexiseguridade":

A "flexiseguridade", como vem sendo buscada, apóia-se num tripé, conhecido como triângulo de ouro. Primeira perna do tripé: flexibilização das regras dos contratos de trabalho, inclusive as relativas ao seu término. Poucas pessoas sabem: na Dinamarca é mais livre a contratação e a demissão de trabalhadores do que nos Estados Unidos da América do Norte, tido como o país mais liberal do mundo. Segunda perna do tripé: um sistema de seguridade bem estruturado, com seguro-desemprego e continuidade dos direitos a assistência à saúde e aposentadoria, no período entre 2 empregos. [...] Terceira perna do tripé: políticas ativas de emprego, com foco na recuperação da empregabilidade. [28]

Percebe-se que esta "flexiseguridade" se contrapõe à Convenção 158 da OIT, e também a qualquer modalidade de garantia de emprego, uma vez que projeta uma suposta proteção ao empregado fora do âmbito do emprego. A segurança oferecida encontra lugar fora da empresa, e tem sede na seguridade social que, como é de conhecimento geral, é um sistema já colapsado.

A garantia de emprego busca pacificar as relações de trabalho justamente pela continuidade do vínculo empregatício. A Convenção 158 OIT também assume este caráter, pelo entendimento de que a perda do emprego, elemento tão importante na vida do indivíduo, não pode ser uma ocorrência banal, ao arbítrio do empregador. A "flexiseguridade" não apresenta esta preocupação.

Em verdade, na defesa do poder dirigente do empregador torna a dispensa do empregado um ato qualquer, descumprindo a função social da empresa. Em outras palavras, ao invés de evitar o desemprego – como querem a garantia de emprego já estruturada na legislação vigente, e os termos da Convenção 158 – a "flexiseguridade" planeja um desemprego menos doloroso ao indivíduo, transferindo para o Estado o ônus de acolher no sistema previdenciário a massa de empregados demitidos sem justa causa, com o objetivo declarado de aumento da competitividade e lucro das empresas.

4.1.Alguns Projetos para a Estabilidade

A atual frustração dos trabalhadores com a negativa de adesão à Convenção 158 da OIT, pelo Congresso Nacional, não representa a sepultura definitiva da proteção ao emprego – vez que a própria Constituição Federal oferece barreira ao fim da garantia de emprego. No momento, o que se encontra obstado é a obrigatoriedade de motivação para toda dispensa do empregado.

No entanto, com o fim da estabilidade decenal promovido pela Magna Carta, é de se notar o aumento das hipóteses de enquadramento na estabilidade provisória. Neste sentido, concorda Maurício Godinho Delgado, ao perceber "certa tendência de diversificação nas situações de estabilidade temporária, em especial a contar da nova Constituição Republicana" [29].

Os trabalhadores continuam lutando por direitos frente aos empregadores, no âmbito nas negociações coletivas. Em outros casos, o empregado individualmente requer a proteção a partir da sua necessidade real, levando ao judiciário situações concretas que merecem ampliação na exegese das normas de garantia de emprego. Como se observa na tese levantada por Edilton Meirelles, que propõe a estabilidade do empregado durante o curso de ação trabalhista, a partir da observância de que o trabalhador, sem garantias legais, muitas vezes deixa de recorrer à tutela jurisdicional receando perder o emprego ou sofrer outros atos de represália, promovidos por seu empregador.

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Assim, costumam buscar seus direitos apenas quando da cessação da relação de emprego – prática que, não raro, acarreta na perda de direitos, por conta da aplicação da prescrição trabalhista. O autor chega a propor que a ocorrência desta estabilidade seja estendida inclusive aos atos de preparação da ação - durante a busca de direitos pela via administrativa, junto às comissões de conciliação prévia, entidades sindicais, etc. [30]

Pela virtude do sistema representativo democrático, algumas dessas reivindicações e propostas acabam se tornando projetos de lei, refletindo verdadeiras demandas sociais, como o dos exemplos apresentados no quadro elaborado à seguir:

Tabela 02

Projetos de Lei e de Emenda Constitucional sobre Estabilidade

PL

Proposição

4296/08

Assegurar estabilidade de 6 meses aos empregados de empresas que realizem cisão, fusão, incorporação ou agrupamento societário. E assegurar que após 1 ano a demissão destes empregados só atinja até 30% do quadro geral de empregados, e após 2 anos, até 50% deles.

3783/08

Assegurar à mulher sob estabilidade provisória a continuidade do benefício em caso de falecimento do filho.

3035/08

Assegurar estabilidade de 3 meses aos trabalhadores que retornarem de férias ou de afastamento involuntário do trabalho por 30 dias ou mais.

3024/08

Estender a obrigação de instauração de inquérito para apuração de falta grave para qualquer dispensa de qualquer empregado estável por justa causa.

1780/07

Estender a estabilidade do acidentado até a aposentadoria por tempo de contribuição, na hipótese deste apresentar redução ou restrição de sua capacidade laboral em razão do acidente do trabalho.

342/07

Assegurar estabilidade de seis meses após o término do mandato do empregado Ouvidor.

5741/05

Ampliar a estabilidade do dirigente sindical para 24 meses após o término do mandato.

5681/05

Assegurar estabilidade ao empregado candidato a cargo elegível, durante o período que mediar entre a oficialização da sua candidatura na Justiça Eleitoral até 90 dias após a data da eleição.

4909/05

Institui a estabilidade definitiva para os empregados com idade igual ou superior a 45 anos, que só poderão ser despedidos por justa causa.

PEC

Proposição

114/07

Assegurar estabilidade ao pai, quando representar única fonte de renda familiar, vedando sua dispensa arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até quatro meses após o parto. (No mesmo sentido também o PL 3829/97)

Fonte: CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposições. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 01 mar. 2009.

Estas proposições poderão nunca se tornar efetivas no ordenamento jurídico, mas a sua existência denota que a garantia de emprego ainda permanece na pauta dos trabalhadores, que continuam lutando pela consolidação e ampliação de seus direitos.

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Sobre a autora
Mariele Souza de Araújo

Mestre em História Social, Especialista em Direito do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Mariele Souza. Estabilidade no emprego x flexibilização.: Debates sobre a Convenção nº 158 da OIT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18564. Acesso em: 20 abr. 2024.

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