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Procuração judicial e o reconhecimento de firma

25/02/2011 às 16:21
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Casualmente, deparamo-nos com situações corriqueiras sobre determinados temas processuais, de direito material, constitucionais, etc., que sequer temos o tempo de verificar os precedentes, legislações e doutrina sobre o assunto. Confiamos no que já nos fora repassado nas salas de aulas das faculdades de Direito. Um desses temas é a (des)necessidade do reconhecimento de firma nas procurações judiciais.

Mandato é o contrato pelo qual alguém (mandante/outorgante/representado) outorga a outrem (mandatário/outorgado/procurador) poderes, para que, em seu nome, pratique atos ou administre seus interesses. A procuração é o instrumento (meio) pelo qual materializa esse contrato. "A denominação deriva de manu datum, porque as partes se davam as mãos, simbolizando a aceitação do encargo e a promessa de fidelidade no cumprimento da incumbência. O vocábulo mandato designa ora o poder conferido pelo mandante, ora o contrato celebrado, ora o título deste contrato, que é sinônimo de procuração. A pessoa que confere os poderes chama-se mandante e é o representado; a que os aceita diz-se mandatário e é representante daquela. Mandato não se confunde com mandado, que é uma ordem judicial" (GONÇALVES, p. 410).

No caso em estudo, restringiremo-nos a uma subespécie, o mandato judicial (CC, art. 692). Trata-se, pois, do mandato destinado à atuação do advogado (bacharel em Direito, devidamente inscrito no quadro da OAB, sem qualquer impedimento) em Juízo. "Como o advogado é essencial às atividades jurisdicionais, salvo exceções a confirmar a regra, apenas o advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil pode postular em juízo, bem como exercer atividades do foro extrajudicial privativas do advogado. Esse mandato para o foro ou ad judicia deve ser escrito, salvo nos processos criminais e trabalhistas, nos quais bastará a simples indicação do advogado em audiência". (VENOSA, p. 273).

Em suma, para representar a parte em Juízo, é necessária, regra geral, a figura do advogado, possuidor da capacidade postulatória. Para isso, imprescindível a existência do mandato judicial. A procuração, instrumento do mandato, materializa a formação desse contrato e estabelece (ou limita) os poderes que podem ser exercidos pelo procurador em seu nome.

Feita essa breve introdução, pergunta-se: é necessário o reconhecimento de firma para a procuração judicial (ad judicia) independentemente da existência de poderes especiais?

Com propriedade, Maria Helena DINIZ ensina que "Deverá o mandato ad judicia (...) ser feito por escrito, mediante instrumento público (...) ou particular (...) assinado pela parte, a pessoa que possa procurar em juízo ou tribunal, ou seja, a advogado regularmente inscrito na OAB, sob pena de nulidade (...) não sendo mais necessário o reconhecimento da firma do constituinte" (p. 503).

O artigo 38 do Código de Processo Civil, com a redação modificada pela Lei nº 8952/94, excluiu a expressão anteriormente empregada no citado artigo ("com firma reconhecida"), dispensando o reconhecimento de firma nas procurações utilizadas para o foro em geral, independentemente da existência de poderes especiais (et extra). Nesse sentido, "O reconhecimento de firma que era exigido pelo art. 38 foi dispensado pela Lei nº 8952, de 13.12.1994" (THEODORO JUNIOR, p. 102). E também: "Não se exige reconhecimento de sua firma para utilização da procuração dentro do processo" (MARINONI e MITIDIERO, p. 127).

Corroborando com esse entendimento, eis o magistério de Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de Andrade NERY: "Reconhecimento de firma. Para a validade e eficácia do instrumento particular, não há mais necessidade de reconhecimento de firma na procuração ad judicia" (CPC, p. 245). E continua (CC, p. 627):

O CPC 38, com redação dada pela L 8952/94, dispensa o reconhecimento de firma nas procurações empregadas nos autos do processo, tanto em relação aos poderes gerais para o foro (cláusula ad judicia) quanto em relação aos poderes especiais (et extra) previstos nesse dispositivo. Em outras palavras, a dispensa do reconhecimento de firma está autorizada por lei quando a procuração ad judicia et extra é utilizada em autos do processo judicial. (...) A dispensa da autenticação cartorária não apenas valoriza a atuação do advogado como também representa a presunção, relativa, de que os sujeitos do processo, notadamente os procuradores, não faltarão com seus deveres funcionais, expressos no próprio CPC, e pelos quais respondem.

Os Tribunais Superiores não destoam desse raciocínio. Vide os seguintes arestos, na parte que nos interessa:

PROCESSO CIVIL. MANDATO JUDICIAL. RECONHECIMENTO DE FIRMA. DESNECESSIDADE. (...) ART. 38 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. LEI Nº 8.952/94. Tendo a Lei nº 8.952, de 13.12.94, suprimido a expressão "estando com firma reconhecida" do art. 38 do Código de Processo Civil, tal formalidade, (...), não mais se exige do advogado, nas procurações ad judicia, prevalecendo a norma de caráter especial (...). (STF, AR 1508AgR/SC. Rel. Ilmar Galvão. Pleno. Julg. 13.09.2000).

(...) RECONHECIMENTO DE FIRMA EM PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECIAIS PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL DO STJ. (...) 2. A atual redação do art. 38 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 8.952/94, passou a dispensar o reconhecimento de firma para as procurações ad judicia et extra, o que vale dizer que mesmo os instrumentos com poderes especiais estão acobertados pela dispensa legal. Revisão da jurisprudência da Segunda Turma a partir do precedente da Corte Especial (...). (STJ. REsp 716.824/AL. Rel. Eliana Calmon. T2. Julg. 11.04.2006).

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Também os tribunais estaduais: TJPR (AI. 586.292-6. Rel. Lidia Maejima. Julg. 22.07.2009), TJRS (AI 70038786141. Rel. Ângela Maria Silveira. Julg. 23.11.2010), TJSP (AC. 992.08.047534-4. Rel. Marcos Ramos. Julg. 25.08.2010), TJMG (AI. 0120637-94.2010.8.13.0000. Rel. Marcos Lincoln. Julg. 29.09.2010) e TJRJ (AI. 0039542-74.2010.8.19.0000. Rel. Ricardo Rodrigues Cardozo. Julg. 23.08.2010).

Nesse diapasão, também se entendeu que é possível a procuração judicial se tratar de mera fotocópia – autenticada ou não – da original. A Desª. Rosana Amara Girardi FACHIN, do TJPR, julgou que "Não se constata irregularidade na representação processual pelo fato da procuração outorgada ao seu advogado estar representada por mera fotocópia não autenticada, haja vista que a regra disposta nos artigos 38 do Código de Processo Civil e 5º, § 2º, da Lei nº 8906/94, não exigem a procuração do patrono seja original ou tenha firma reconhecida". (TJPR. ApCiv. 672.890-5. 9ª C. Cível. Julg. 19.07.2010).

Assim, o que parecia uma questão, a princípio, corriqueira, deparamo-nos com um vasto material jurídico (e didático) sobre o tema. O mandato é um contrato pelo qual "alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses" (CC, art. 653). O mandato judicial é instrumentalizado pela procuração (com poderes ad judicia e/ou et extra) que independe de reconhecimento de firma para sua eficácia e validade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Vol. 3.

MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo pro artigo. São Paulo: RT, 2008.

NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 6. Ed. São Paulo: RT, 2008.

NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10. Ed. São Paulo: RT, 2007.

STF. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 09.02.2011.

STJ. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em 09.02.2011.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. Vol. 1.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. 9. Ed. São Paulo: Atlas, 2009. Vol. 3.

TJMG. Disponível em www.tjmg.jus.br. Acesso em 09.02.2011.

TJPR. Disponível em www.tjpr.jus.br. Acesso em 09.02.2011.

TJRJ. Disponível em www.tjrj.jus.br. Acesso em 09.02.2011.

TJRS. Disponível em www.tjrs.jus.br. Acesso em 09.02.2011.

TJSP. Disponível em www.tjsp.jus.br. Acesso em 09.02.2011.

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Sobre o autor
Irving Marc Shikasho Nagima

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Criminal. Advogado Licenciado. Ex-Assessor de Juiz. Assessor de Desembargador. Autor do livro "Ações Cíveis de Direito Bancário", publicado pela Editora Del Rey. Coautor do livro "Estudos de Direito Criminal", publicado pela editora Urbi et Orbi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Procuração judicial e o reconhecimento de firma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2795, 25 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18574. Acesso em: 19 abr. 2024.

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