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Proteção do consumidor no comércio eletrônico

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16/03/2011 às 13:36
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RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade o estudo das relações jurídicas de consumo estabelecidas através do comércio eletrônico, especialmente quanto à forma de contratação, à vulnerabilidade e a proteção do consumidor, visando comprovar a necessidade de regulamentação específica acerca da matéria. No decorrer do estudo analisam-se, também, as dificuldades encontradas pelo consumidor na contratação eletrônica. Para tanto, o trabalho inicia-se através da análise da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e de suas diretrizes protetivas ao comércio eletrônico. Destaca-se, por fim, a regulamentação do comércio eletrônico no âmbito internacional e as novas alternativas de proteção do consumidor propostas no âmbito nacional.

Palavras-chave: comércio eletrônico; contratos eletrônicos; proteção do consumidor.


INTRODUÇÃO

As relações humanas sofreram grandes modificações com o surgimento da internet, uma vez que esta ferramenta se popularizou e atualmente alcança todas as parcelas da sociedade, trazendo maior comodidade em relação ao consumo, o qual se torna cada vez mais fácil e abrangente.

Destarte, o comércio eletrônico está em expansão em todo mundo, sobretudo em países em desenvolvimento como o Brasil. Entre outros fatores, tal fenômeno pode ser atribuído à ascensão social das parcelas menos favorecidas da sociedade, que têm maiores possibilidades de acesso à internet, seja nas chamadas "lan houses" ou até mesmo dentro das próprias casas, em virtude da facilitação da compra de computadores.

Ocorre que esta nova forma de contratação trouxe diversos questionamentos acerca da proteção do consumidor nos contratos eletrônicos, especialmente quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e a vulnerabilidade do consumidor, uma vez que este nem sempre está consumindo de forma segura e confiável.

Destaca-se, ainda, que a vulnerabilidade do consumidor exposto às práticas comerciais via internet demonstra a imprescindibilidade do estudo acerca das espécies de fragilidades às quais os consumidores estão sujeitos, principalmente no comércio eletrônico.

Em relação à vulnerabilidade, o usuário da internet tem sua capacidade de controle diminuída quanto ao que lhe está sendo ofertado, uma vez que as informações que lhes são passadas são recebidas da forma que o fornecedor quer que sejam vistas, tornando mais dificultosa a tarefa de identificar informações inverídicas.

Além disso, o conhecimento técnico do fornecedor quanto ao meio eletrônico é notoriamente mais avançado do que aquele que o consumidor tem acerca deste mecanismo, o que enseja, por si só, maior vulnerabilidade técnica do consumidor neste tipo de comércio.

Por fim, embora o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990) seja uma legislação que contém grandes avanços dentro do nosso ordenamento jurídico, pode ser considerado obsoleto em relação à proteção do consumidor no comércio eletrônico, tendo em vista que não contém normas específicas de proteção a este tipo de consumidor.


1 INTERNET E COMÉRCIO ELETRONICO

A internet revolucionou a vida das pessoas, os negócios, os relacionamentos e os contratos, trazendo eficiência na comunicação, apesar de oferecer sistemática vulnerabilidade quanto ao sigilo de informações privadas.

Deste modo, a internet surgiu como uma reconfiguração das relações entre as pessoas e revolucionou também a economia, possibilitando oportunidades econômicas às empresas, empregados e consumidores de uma maneira nunca vista antes.

Outro fator relevante é que conduz ao corte de custos e conseqüentemente ao aumento de receitas e lucro. Isso se deve ao fato de que através do e-commerce o individuo contrata com apenas alguns cliques, o que facilita e agiliza as relações mercantis.

Além disso, a internet é um instrumento de interligação de pessoas em tempo real em qualquer parte do mundo, dinamizando as transações comerciais.

Portanto, atualmente constata-se uma grande mudança na forma de comércio tradicional, gerando um impacto que se compara ao da época das grandes navegações da Idade Média, que modificaram imensamente a forma de comércio antes existente [01].

Quanto ao comércio eletrônico, ou e-commerce, Rogério Montai de Lima [02] assim o conceitua:

Por comércio eletrônico entendem-se todas as relações negociais que são realizadas tendo como instrumento o computador. Tais relações podem se dar via fac-símile, telefone ou vídeo-fone; correio eletrônico; interação de uma pessoa com um banco de dados programado para receber pedidos de compra; ou interação de dois computadores programados para contratarem sem interferência humana. Em sentido lato, considera-se comércio eletrônico como todas as transações comerciais efetuadas eletronicamente, com o objetivo de melhorar a eficiência e a efetividade do mercado e dos processos comerciais. Este processo engloba a venda à distância e a venda realizada por máquinas.

O comércio eletrônico pode ser definido em sentido amplo como uma forma de fazer negócios através de sistemas e redes eletrônicas. Lato sensu, assim, engloba as atividades negociais juridicamente relevantes [03].

Constata-se, pois, que a internet e o comércio eletrônico propiciam grandes oportunidades de negócios e inúmeros benefícios. Contudo, existem diversos desafios a serem enfrentados, principalmente quanto à segurança, especialmente de informações privadas, quanto ao meio de pagamento, forma de entrega da mercadoria e foro competente [04].


2 CONFIANÇA E VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

Embora o princípio da confiança não esteja positivado em nosso ordenamento jurídico, este decorre dos princípios da transparência e da boa-fé e consiste na credibilidade que o consumidor deposita no fornecedor ou no vínculo contratual.

No que se refere ao comércio eletrônico, Claudia Lima Marques [05] acredita que este princípio pode ter sido abalado pelo meio virtual em virtude de diversos fatores, dentre eles, a complexidade do meio virtual, da distância, pela despersonalização, atemporalidade e internacionalidade, o que gera certa desconfiança dos consumidores.

Neste sentido, segundo Fábio Ulhoa Coelho [06], a confiança é a chave para o desenvolvimento do comércio eletrônico, pois muitos consumidores desconfiam do meio virtual, temem que suas informações pessoais sejam espalhadas, etc. Assim, para que o comércio eletrônico se torne uma alternativa de consumo, acredita que este deve inspirar credibilidade.

Para Cláudia Lima Marques [07] a confiança no comércio eletrônico somente é obtida através da transparência, a qual pode levar o consumidor ao consenso ou declaração de vontade racional.

Ainda no que tange à necessidade da confiança do consumidor no comércio eletrônico, Cláudia Lima Marques [08] conclui:

Ao final deste trabalho, repita-se que a confiança é o elemento central da vida em sociedade, e, em sentido amplo, é a base de atuação dos consumidores. Se o Direito encontra legitimidade justamente ao proteger as expectativas legítimas e a confiança (Vertrauen) dos indivíduos, parece-me o momento oportuno de propor normas voltadas justamente para responder os desafios de desconstrução e reconstrução da dogmática contratual propostos pelo crescente comércio eletrônico de consumo no Brasil. (grifo nosso)

O princípio da vulnerabilidade, o mais relevante para o Direito do Consumidor, cujo caráter é protetivo, já que esta é a característica fundamental do consumidor, tem por finalidade ensejar uma igualdade real entre os sujeitos da relação de consumo e está disciplinado no artigo 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor.

Conforme Sérgio Cavalieri Filho [09], "em outras palavras, a vulnerabilidade é a própria razão de ser do nosso Código de Defesa do Consumidor; ele existe justamente porque o consumidor está em posição de desvantagem técnica e jurídica em face do fornecedor."

Quanto à vulnerabilidade do consumidor no comércio eletrônico, Cláudia Lima Marques [10] destaca a vulnerabilidade técnica:

Inicialmente mister destacar a vulnerabilidade do consumidor quando se utiliza do meio eletrônico. Em outras palavras, o meio eletrônico, automatizado e telemático, em si, usado profissionalmente pelos fornecedores para ali oferecerem os seus produtos e serviços aos consumidores, representa aos consumidores leigos, um desafio extra ou vulnerabilidade técnica. O consumidor não é – mesmo que se considere – um especialista ou técnico em computadores e na Internet.

Ademais, na obra "Confiança no Comércio Eletrônico e a Proteção do Consumidor", Cláudia Lima Marques [11] disserta da seguinte forma quanto à vulnerabilidade no comércio eletrônico:

A importante pergunta que se coloca é se este meio eletrônico realmente aumentou o poder decisório do consumidor/cibernauta. A resposta é novamente pós-moderna, dúbia (claroscuro, em espanhol), porque a Internet traz uma aparência de liberdade, com o fim das discriminações que conhecemos (de cor, sexo, religião etc) e o fim dos limites do mundo real (fronteiras, línguas diferentes, riscos de viagens etc), mas a vulnerabilidade do consumidor aumenta. Como usuário da net, sua capacidade de controle fica diminuída, é guiado por links e conexões, em transações ambiguamente coordenadas, recebe as informações que desejam lhe fornecer, tem poucas possibilidades de identificar simulações e ‘jogos’, de proteger sua privacidade e autoria, de impor sua linguagem. Se tem uma ampla capacidade de escolher, sua informação é reduzida (extremo déficit informacional), a complexidade das transações aumenta, sua privacidade diminui, sua segurança e confiança parecem desintegrarem-se em uma ambigüidade básica: pseudo-soberania do indivíduo/sofisticação do controle! (grifo nosso)

Rogério Montai de Lima [12] destaca que, conforme cresce o uso da internet, a vulnerabilidade do consumidor vem sendo constatada no ambiente virtual, uma vez que o consumidor brasileiro tem habitualmente seus direitos violados por empresas inidôneas.

Jean Carlos Dias [13], por sua vez, considera que "em se tratando de contratos de consumo efetuados em meio virtual, o consumidor, por definição, não somente se apresenta como parte vulnerável mas também como hipossuficiente, em razão do evidente fator de adversidade decorrente do elemento tecnológico."

Fábio Ulhoa Coelho [14], de modo contrário, entende que a vulnerabilidade do consumidor no comércio eletrônico é a mesma do que no ambiente físico ou até menor, citando como exemplo o caso de um consumidor que quer apenas buscar informações acerca de um produto. Para ele, o consumidor é mais passível de constrangimento no ambiente físico, uma vez que certamente o vendedor buscará convencê-lo a comprar o produto, enquanto no ambiente virtual ele pode buscar informações com maior calma, sem ser pressionado a adquirir o bem. Conclui, portanto, que neste sentido a vulnerabilidade no comércio eletrônico é menor.

Contudo, convém destacar que a vulnerabilidade do consumidor, em sentido amplo, é qualidade intrínseca e indissolúvel de todos que se colocam nesta condição, seja a relação de consumo estabelecida de forma tradicional ou através do comércio eletrônico, uma vez que a vulnerabilidade não se trata de mera presunção legal e, por isso, não admite prova em contrário. [15]

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3 DIREITO À INFORMAÇÃO

No comércio eletrônico o direito à informação é de suma importância para o consumidor, uma vez que, além de fornecer informações claras sobre o produto ou serviço, o ofertante deve também disponibilizar informações específicas sobre o meio tecnológico utilizado [16].

Cláudia Lima Marques [17] ressalta que o dever de informar do fornecedor é uma das maiores preocupações de todos os projetos de lei e do direito comparado. Destaca, ainda, que no meio virtual é importante o tempo da informação, a clareza desta, assim como a língua e a identificação do fornecedor.

Neste contexto, Armando Alvares Garcia Junior [18] enfatiza que, antes da celebração do contrato eletrônico, o consumidor deve ter acesso às seguintes informações:

  1. identidade do fornecedor e, em caso de contratos que requeiram o pagamento antecipado, sua direção;
  2. características essenciais do bem ou do serviço;
  3. preço do bem ou do serviço, incluídos todos os impostos.
  4. gastos de entrega, sendo o caso;
  5. modalidades de pagamento, entrega ou execução;
  6. existência de um direito de resolução;
  7. custo da utilização da técnica de comunicação à distancia quando se calcule sobre uma base distinta da tarifa básica;
  8. prazo de validade da oferta ou do preço;
  9. quando seja procedente, a duração mínima do contrato, quando se trate de contratos de fornecimento de produtos a serviços destinados a sua execução permanente ou repetida.

O autor também chama a atenção para dois aspectos importantes quanto à disponibilização da informação no comércio eletrônico no Brasil: primeiro, a insuficiência ou ausência de informações sobre o direito de resilição por parte do consumidor; segundo, a falta de exigência de um portal de informações referentes aos serviços pós-vendas e de garantias comerciais existentes.

Como melhor explica Cláudia Lima Marques [19], in verbis:

[...] deve o consumidor receber todas as informações que possam criar confiança na existência, tais como endereço, os registros do fornecedor com quem está contratando, os endereços que deve procurar em caso de arrependimento, e as informações sobre os custos de arrependimento. As informações mais importantes, porém, são aquelas – que também devem ser prévias – sobre o conteúdo do contrato, o preço exato, os custos extras e típicos do meio (custos de transportes, impostos etc.).

A autora também ressalta que a informação clara, leal e precisa é essencial para criar a confiança do consumidor no comércio eletrônico.


4 O CONTRATO ELETRÔNICO

Em virtude do advento da internet e do crescimento do comércio eletrônico surgiu a necessidade de uma nova forma de contratar, o que fez nascer o chamado contrato eletrônico. [20]

Quanto ao método de contratação, o contrato eletrônico é considerado uma forma de contratação à distância, conhecida desde o século XIX, como, por exemplo, as vendas por catálogo ou por correspondência, a qual avançou através do uso da internet [21].

Rogério Montai de Lima [22], por seu turno, entende que o contrato eletrônico pode ser modalidade de contratação à distância entre presentes, quando a aceitação ocorre imediatamente após a oferta, ou entre ausentes, quando a proposta é realizada por e-mail ou similar.

Contudo, enfatiza que, para que haja a contratação, é necessário que as partes estejam juridicamente presentes, isto é, para que a pessoa jurídica esteja presente juridicamente é necessária sua presença em site de vendas, lojas virtuais, para assim manifestar sua vontade de contratar.

Porém, não é necessário que a empresa tenha existência física, pois existem empresas que possuem apenas existência virtual – submarino.com, mercadolivre.com, etc. – e, apesar disso, têm sua vontade de contratar juridicamente presente.

Em relação à distinção entre os contratos tradicionais e o contrato eletrônico entende-se que a diferença básica consiste na forma como o contrato é materializado, uma vez que o objeto do contrato é o mesmo e o que muda é apenas a forma de contratação ou o meio de pagamento.

Neste contexto, Rogério Montai de Lima [23] esclarece que a diferença essencial entre o contrato de consumo tradicional e o eletrônico é a forma de disponibilização dos produtos e serviços, já que no caso do contrato eletrônico a disponibilização é feita através de sites ou correio eletrônico.

Destaca-se que os contratos eletrônicos devem conter todos os requisitos de validade dos contratos tradicionais, tendo em vista que é um instrumento tradicional da vida em sociedade, ou seja, é um contrato, só que firmado com a ausência de utilização de papel.

4.1 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS

A classificação dos contratos eletrônicos é obtida através da análise da formação do contrato e da forma como o computador é empregado. Assim, os contratos eletrônicos podem ser classificados em: intersistêmicos, interpessoais e interativos.

Contratos eletrônicos intersistêmicos são aqueles nos quais o computador serve apenas como um instrumento de comunicação entre as partes, como ocorre na contratação através do telefone e do fax, por exemplo, tendo em vista que o contrato é celebrado da maneira tradicional e computador serve somente para transmissão da vontade das partes, a qual é pré-existente [24].

Nos contratos eletrônicos interpessoais, por outro lado, o computador não tem apenas a função de comunicação entre as partes, uma vez que interfere diretamente na formação da vontade dos contratantes.

Este tipo de contrato pode ser formado de forma simultânea – quando as partes estão conectadas à rede ao mesmo tempo – como acontece, por exemplo, nos contratos firmados através de chats ou pode, ainda, ser não-simultâneo, como ocorre nos casos onde há um espaço de tempo entre a declaração e a recepção da manifestação de vontade do contratante.

Por fim, contratos eletrônicos interativos são aqueles formados entre uma pessoa e um sistema eletrônico de informações, sendo o mais conhecido modo de contratação desta forma os contratos firmados na internet através de websites, nos quais os produtos ou serviços são colocados à disposição do consumidor e o contrato possui cláusulas preestabelecidas unilateralmente pelo fornecedor. [25]

Destarte, Rogério Montai de Lima [26] considera os contratos eletrônicos interativos "contratos por computador stricto sensu, posto que o computador age diretamente na formação da vontade das partes."

No que tange à forma de execução dos contratos eletrônicos, eles podem ser diretos ou indiretos. Nos primeiros, a execução é realizada no próprio ambiente virtual e, nestes últimos, ocorre quando o bem é de natureza tangível e sua execução no ambiente virtual é impossível [27].

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Sobre a autora
Karine Behrens da Silva

Advogada.Bacharel em Ciencias Jurídicas e Sociais -Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Karine Behrens. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2814, 16 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18701. Acesso em: 24 abr. 2024.

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