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Responsabilidade subjetiva e a culpa presumida do empregador nos casos de acidente do trabalho

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09/04/2011 às 09:58
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4 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA VERSUS RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA.

Como já ressaltado anteriormente, o Novo Código Civil estabelece em três artigos (artigos 186, 187 e 927, parágrafo único) que, analisados harmonicamente e de forma complementar, engendram os fundamentos básicos da responsabilidade civil objetiva no âmbito dos casos de acidente do trabalho, que se fulcra, por sua vez, sob a égide da Teoria do Risco.

Notadamente, sabe-se que a responsabilidade objetiva no Brasil era considerada exceção à regra principal da teoria subjetiva, uma vez que tinha aplicação de modo pontual, nos casos previstos em leis especiais. Assim, faltava uma norma de caráter geral ou uma cláusula geral da responsabilidade objetiva, para que sustentasse à aplicabilidade deste modelo de forma protagonizada.

Deste modo, com o advento do Código Civil de 2002 – fundamentando o crescente entendimento de juristas e doutrinadores - não se pode mais dizer que a responsabilidade civil objetiva tenha caráter de exceção, uma vez que foi adotada norma genérica sediada na Teoria do Risco, no parágrafo único do artigo 927.

Sedimenta-se a Teoria do Risco, por seu turno, às indenizações sobre as atividades que, por sua natureza, impliquem riscos para os direitos de outrem. Assim, não será necessário ação ou comportamento omisso do empregador para gerar o direito ao ressarcimento, bastando que exista nexo causal entre a atividade normalmente desempenhada pela vítima e o dano por ela sofrido.

Entre os operadores do direito, as dificuldades para aplicação da teoria do risco, optando-se conseqüentemente pelo Modelo de Responsabilidade Civil Objetivo, decorre do que está prescrito no inciso XXVIII, artigo 7º da CF, que ali :

"Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;"

Assim, dois entendimentos podem ser adotados.

O primeiro, fundado no modelo Objetivo, consiste em dizer que o rol dos direitos mencionados no artigo 7º da Constituição, é um rol exemplificativo, destarte nada impedindo que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente outros que visem à melhoria da condição social do trabalhador. Neste diapasão, entende-se que é perfeitamente aplicável a teoria do risco na reparação civil por acidente do trabalho.

No entanto, é de salutar importância observar a hierarquia das normas dentre do sistema democrático de Direito. E aqui encontramos o segundo posicionamento, do qual se extrai o Modelo de Responsabilidade Civil Subjetiva, posto que os seus defensores propugnam a aplicação do modelo consubstanciado em norma de hierarquia superior. Sustentam, que o novo Código Civil, como lei ordinária que é, deve se adequar aos preceitos constitucionais, e não confrontá-lo. Assim sendo, entendem que são entre si incompatíveis, mormente diante da divergência entre as naturezas jurídicas de seus institutos, razão pela qual afastam peremptoriamente a aplicação fundada na Responsabilidade Civil Objetiva do empregador.

Em sintonia com a tese que adota a aplicabilidade do modelo subjetivo extraímos o entendimento de Helder Dal Col [10]:

"Querer responsabilizar objetivamente o empregador por qualquer acidente sofrido pelo empregado é fadar a relação de trabalho ao insucesso, tornando- a inviável. A ele cabe a responsabilidade na falha da prevenção, pelo excesso de jornada imposto, pela inobservância das regras de ergonomia, segurança e outras, que comprometam a normalidade do ambiente do trabalho ou das condições em que este devia ter-se realizado, ou seja quando cria condições inseguras para o trabalhador."

Destacamos abaixo alguns posicionamentos da jurisprudência que versam sobre o tema em apreciação.

"Indenização por acidente ou doença do trabalho – Responsabilidade do Empregador – Necessidade de se demonstrar a culpa. -

A Constituição Federal, no inciso XXVIII do art. 7º, garante ao trabalhador seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa. Esta culpa decorre, necessariamente, de uma responsabilidade subjetiva, pois se fosse objetiva, não haveria razão para a Constituição ressaltá-la. Daí se conclui que a regra do § único do art. 927 do Código Civil, que obriga à reparação de dano, independentemente de culpa, não se aplica aos casos de acidente do trabalho e somente quando o empregador age com culpa ou dolo é que se lhe impõe o dever de indenizar além do que o seguro social pagar. Portanto, para julgar o pedido de indenização é necessário averiguar se o empregador agiu com culpa ou dolo." São Paulo. TRT. 2ª Região. 7ª Turma. RO n° 02270 - 2008 - 020 - 02-00 -1. Rel.: Jomar de Vassimon Freitas. DOE 16/03/2007.

"Indenização – Acidente do Trabalho – Ausência de dolo ou culpa do empregador – Reparação de danos improcedente - A lei previdenciária considera acidente do trabalho o sinistro que acomete o empregado, no trajeto, entre a sua residência e o local de trabalho, e vice-versa, conferindo ao trabalhador o mesmo benefício conferido ao vitimado, pelo acidente do trabalho ocorrido, no exercício de suas atividades. Entretanto, há uma enorme distinção acerca das conseqüências jurídicas daí advindas - já que, para efeito de indenização, necessária se faz a demonstração da existência de culpa ou dolo. Não havendo demonstração da existência de culpa ou dolo do empregador, no acidente que vitimou o Recorrente, não se verifica a ocorrência de ato ilícito, capaz de ensejar a reparação de danos morais ou patrimoniais." Minas Gerais. TRT 3ª Reg. Primeira Turma. RO n. 00704-2005-135-03-00-0. Relator: Juiz Manuel Cândido Rodrigues. DJ 11/11/2005.

"Acidente do Trabalho – Responsabilidade do Empregador – Teoria Objetiva aplicação –artigos 7º, inciso XXVIII da CF e 927 § único do CC – compatibilidade. O direito positivo deve ser interpretado de forma sistemática e harmônica para atender aos fins sociais a que se destina. A adoção da teoria objetiva pelo direito civilista pátrio veio atender aos reclamos sociais que pugnavam pela responsabilidade objetiva daqueles que com suas atividades provocam riscos a outrem, sem perquirir a culpa o que, em muitos casos, era de difícil comprovação, ficando o lesado com seus direitos violados e o infrator impune. Tal teoria é perfeitamente aplicável na seara laboral, eis que não se admite que um Estado Democrático de Direito consubstanciado no princípio dignidade da pessoa humana exclua a responsabilidade objetiva das relações acidentárias empregatícias. Recurso conhecido e parcialmente provido". Maranhão. TRT 16ª Reg. RO n. 00056-2005-013-16-00-6. Relator: Desembargador Luiz Cosmo da Silva Júnior DJ 17/03/2006.

Sem olvidar, vale ressaltar o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho [11], para o qual o fundamento primeiro da existência da responsabilização sem culpa (responsabilidade objetiva) não é meramente a existência de risco ou a vontade de praticar determinada atividade à qual o risco seja inerente, mas sim a possibilidade de que o custo de determinada atividade venha a ser repassado à sociedade como um todo.

Segundo este último,

"O fundamento axiológico e racional para a responsabilidade objetiva não são propriamente os riscos da atividade, mas a possibilidade de se absorverem as repercussões econômicas ligadas ao evento danoso, por meio da distribuição do correspondente custo entre as pessoas expostas ao mesmo dano ou, de algum modo, beneficiárias do evento. É o mecanismo da socialização da das repercussões econômicas do dano, que torna justa a imputação da responsabilidade aos agentes em condições de o acionar. Note-se que o Estado pode responder objetivamente pelos danos causados por seus funcionários, porque tem meios para distribuir entre os contribuintes – mediante criação e cobrança de tributos – os encargos derivados de sua responsabilização. Por outro lado, o fornecedor pode ter responsabilidade objetiva por acidentes de consumo, na medida em que consegue incluir na composição de seus preços um elemento de custo correspondente às indenizações por aqueles acidentes".

Verifica-se, porém, que, para o Direito do Trabalho o conceito de empregador abrange não só aquele que exerce a atividade empresarial, mas também aqueles que se equiparam a empregador (art. 2º, §1º, da CLT), sendo enquadrados nesta última categoria os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

Outrossim, ainda discorrendo sobre a compatibilidade dos modelos de responsabilidade civil:

"É oportuno registrar, todavia, que a responsabilidade objetiva não suplantou, nem derrogou a teoria subjetiva, mas afirmou-se em espaço próprio de convivência funcional, para atender àquelas hipóteses em que a exigência da culpa representava demasiado ônus para as vítimas, praticamente inviabilizando a indenização do prejuízo sofrido. Não há dúvida, portanto, que continuará sendo aplicável a responsabilidade subjetiva, quando a culpa do infrator restar demonstrada, hipótese em que ficará mais fácil o êxito da demanda para o lesado e até com a possibilidade de obter indenização mais severa. Como afirmou com segurança Louis Josserand, ‘a responsabilidade moderna comporta dois pólos, o pólo objetivo, onde reina o risco criado e o pólo subjetivo onde triunfa a culpa; é em torno desses dois pólos que gira a vasta teoria da responsabilidade" [12].

Conforme melhor será exposto no próximo tópico, adiantamos, ante o citado, que a responsabilidade subjetiva tem resistido, contudo, em face às dificuldades processuais da vítima em provar a culpa do empregador, somando-se a isto o comportamento preventivo que este último deve adotar em observância aos riscos experimentados pela atividade empresarial desempenhada e com vistas a incolumidade física e psíquica dos seus empregados, deve ser presumida a culpa do empregador cabendo-lhe o ônus processual probatório.

Por fim, consoante Rodrigo Dias da Fonseca [13], podemos afirmar que grande parte dos acidentes de trabalho estão arraigados na negligência do empregador, seja no que diz respeito aos defeitos das instalações físicas, máquinas e equipamentos, ou no que tange ao fornecimento de equipamentos de proteção efetivos. Ademais, parte dos infortúnios laborais deve ser debitada à omissão do poder diretivo e disciplinar do empregador, por deixar de exigir do empregado um comportamento em conformidade com as normas de segurança do trabalho.


5. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E A CULPA PRESUMIDA DO EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DO TRABALHO.

Após analisarmos os modelos de responsabilidade civil que hodiernamente vigoram dentro do âmbito de aplicabilidade do sistema de responsabilidade acidentária, cotejando a Responsabilidade Subjetiva fulcrada no inciso XXVIII do artigo 7° da Constituição Federal em face da Objetiva, por seu turno, alicerçada no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, inferimos que o elemento culpa reside mais forte no primeiro do que no segundo modelo. Isto porque, na responsabilidade objetiva basta que se configure o nexo etiológico entre fato acidentário laboral e o dano sofrido pela vítima para que haja o enquadramento jurídico nos moldes desta espécie reparatória. Já no que tange a Responsabilidade Subjetiva é necessária a análise da existência de culpa do empregador.

De fato, o registro alarmante do grande número de acidentes do trabalho no Brasil, não raro ocasionados pela conduta negligente e omissiva dos empregadores, que teimosamente furtam-se à observância das normas regulamentares preventivas, tem sensibilizado boa parte da jurisprudência a aplicar, no caso em estudo, a Responsabilidade Objetiva fundada na Teoria do Risco Social, precipuamente, ancorados aos: princípio de proteção ao hipossuficiente econômico e ao pilar constitucional que dignidade da pessoa humana.

Todavia, há de salientar que a análise da culpa do empregador não pode ser afastada, justamente porque, além do mandamento constitucional, o trabalhador, vítima do infortúnio, envolve-se na consecução das atividades desempenhadas pela empregadora, podendo ter facilitado ou não a causação do infortúnio. Por outro lado, a culpa do empregador cingir-se-á a verificação rigorosa pela adoção das medidas legais preventivas, bem como do uso de seu poder fiscalizatório, com vistas a coibir o evento danoso. Assim sendo, optamos então pelo modelo de responsabilidade civil acidentário subjetivo com a culpa presumida do empregador.

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Cabe então definirmos, em apertada síntese, o conceito de culpa diante da qual entendemos ser "a conduta contrária à diligência ordinária e comumente usada. Por diligência entende-se o zelo a cautela, o cuidado para cumprir o dever; esforço da vontade exigível para determinar e executar a conduta necessária ao cumprimento de determinado dever" [14]. Como pode ser observada, em tal definição, essa cautela ou diligência que objetivamente deve ser adotada tem fundamento no fato de que o homem, sujeito de relações obrigacionais, ao praticar seus atos, mesmo que licitamente, deve ter em mente a atenção e os cuidados necessários para que sua conduta não resulte lesão a bem jurídicos alheios.

Neste ínterim, dos fatos que envolvem a questão da segurança e saúde ocupacional, o empregador tem obrigação de adotar as medidas preventivas e diligentes consentâneas para evitar os acidentes e doenças concernentes ao trabalho, sem todavia deixar de considerar todas as hipóteses razoavelmente previsíveis de danos ou ofensas à incolumidade do obreiro.

Notadamente ganha relevo, diante do modelo aqui proposto, a Teoria da Culpa Presumida. Deste modo, é válido afirmar que diante de um contexto processual litigioso, em muitos casos, a prova da culpa do ofensor é demasiadamente tormentosa, difícil, por vezes, quase impossível. Neste prisma a Teoria da Culpa Presumida, tese conseqüente de longa evolução do sistema de responsabilidade subjetiva ao da responsabilidade objetiva, sedimentou-se como mecanismo um legal com o escopo de favorecer a posição da vítima ante um quadro processual em desequilíbrio.

Consoante se depreende, o fundamento da responsabilidade civil, nos casos infortunísticos, ainda é a culpa; o modelo subjetivo ante o qual se tem como corolário jurídico - processual a inversão do ônus da prova, atribui ao réu o ônus de provar que não agiu com culpa. Tal posicionamento é compartilhado com as lições de Cavalieri Filho (2003) que preleciona o que segue:

"Sem se abandonar, portanto, a teoria da culpa, consegue-se, por via de uma presunção, um efeito prático próximo ao da teoria objetiva. O causador do dano, até prova em contrário, presume-se culpado; mas, por se tratar de presunção relativa – juris tantum -, pode elidir essa presunção provando que não teve culpa. Autores e profissionais do Direito referem-se constantemente à culpa presumida como se se tratasse de responsabilidade objetiva. Convém, então, enfatizar este ponto: a culpa presumida não se afastou do sistema da responsabilidade subjetiva, pelo quê admite discutir amplamente a culpa do causador do dano" [15].

Observa-se, portanto, que na investigação relacionada aos acidentes de trabalho, averiguando-se a possibilidade de ter o empregador agindo com culpa, primeiramente deve ser verificada existência ou não de violação de normal legal ou regulamentar que estabelece seus deveres e obrigações. Assim sendo, em caso positivo, e estabelecido o nexo de causalidade, é criada a presunção de culpa do empregador pelo evento infortunístico laboral, uma vez que o dever de conduta está pautado em comando expresso da legislação. Consubstancia-se, então, aquilo que a doutrina costuma definir como culpa contra legalidade. Em outras palavras, é o agir em descumprimento de conduta legal normativamente prescrita que se confirma ante a negligência, pelo que incorre conseqüentemente na ilicitude objetiva.

Oportuno ressaltar que o acesso às leis que disciplinam e regulamentam a conduta preventiva e diligente do empregador não se faz facilmente, em razão de que esta estrutura de normas que objetiva a proteção jurídica da segurança e saúde do trabalhador não se encontra encorpada num único texto legal. Em conseqüência disto, "será necessário, portanto, percorrer diversos diplomas legais ou regulamentares sobre o tema para extrair as regras e dispositivos que tratam dos deveres do empregador quanto à segurança, higiene e saúde ocupacional". [16]

Contudo, por mais minuciosa ou detalhista que seja a letra da lei, seu conteúdo prescritivo não tem o condão de alcançar todas as possibilidades casuísticas subsumidas às relações empregatícias, mormente no que diz respeito à execução das atividades laborais. Não sendo diferente, portanto, o raciocínio perante as normas de segurança e saúde do trabalho, haja vista que a possibilidade de se estabelecer regras para as mais diversas etapas de prestação do serviço, alcançado também as circunstâncias fáticas e demais variantes que se possa observar caso a caso, é algo inconcebível dentro de uma perspectiva razoável.

Outrossim, parte das vezes, tais normas de segurança e proteção do trabalhador apenas situam diretrizes gerais para a conduta do empregador como, por exemplo: prevenir, rastrear e diagnosticar precocemente os agravos à saúde e da integridade dos trabalhadores, através de antecipação, reconhecimento, avaliação e conseqüente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente do trabalho; reduzir até eliminar os riscos existentes no local de trabalho, etc. Portanto, a aferição da culpa deverá ser obtida no caso concreto, cuja avaliação pautar-se-á na possibilidade de se o empregador deveria ou poderia ter adotado outra conduta que pudesse evitar o sinistro.

Neste diapasão, os acidentes laborais podem decorrer tanto por culpa do empregador por descumprimento legal ou regulamentar (culpa contra legalidade), ou ainda por violação do dever geral de cautela, conforme acima exposto, que, por sua vez, assume maior relevância jurídica, porquanto o exercício da atividade da empresa inevitavelmente expõe a riscos o trabalhador, o que de antemão já aponta para a necessidade de medidas preventivas, tanto mais severas quanto maior o perigo da atividade [17].

A Constituição da República em seu artigo 7° nos traz outro inciso tão importante quanto o XXVIII, que delineia a base sobre a qual são erigidas a estrutura e o conjunto de normas e dispositivos que visam assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho sem riscos à saúde e à integridade física e psíquica, qual seja: o inciso XXII. Sendo assim, são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, cuja obrigação de promovê-la, logicamente, será do empregador.

Dentre as leis esparsas que tratam do tema, destacamos as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que versa sobre as normas de segurança e medicina do trabalho, e a Portaria n. 3.214/1978 do Ministério do Trabalho, como principal conjunto de normas que se edificam sobre a base constitucional do inciso XXII, art°. 7 da Carta Magna, acima destacada, sem olvidar o § 3° do art.19 da Lei de Benefícios da Previdência Social (lei n°. 8.213/91) que consigna: "É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular".

O art.157, incisos I e II, da CLT que diz: "Cabe às empresas: I – Cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais", têm sido largamente adotados na Justiça Trabalhista com a finalidade de configurar a culpa patronal por omissão a falta de fiscalização e exigência do cumprimento das normas de segurança do trabalho.

De grande valia, também, é a Portaria de n° 3.214/78 do Ministério do Trabalho, tendo em vista que a mesma elenca 33 normas regulamentares específicas cuja conduta patronal deve estar ciente, precipuamente para aquelas mais diretamente ligadas à atividade do empreendimento, sob pena de, em descumprimento, vir a caracterizar a culpa na ocorrência do sinistro trabalhista.

Ademais, no que tange aos fatores que aumentam o risco de acidente, o magistrado José Cairo Júnior [18], ao apurar a responsabilidade civil do empregador, suscita-os em destaque especial. Segundo o prisma deste doutrinador, que perfilha a presunção de culpa do empregador sob enfoque da responsabilidade contratual, os macrofatores são aqueles que relacionam as variáveis: prestação de um determinado serviço e o meio ambiente do trabalho, asseverando que o atual processo de globalização da economia e dos mercados é um dos principais responsáveis pelo aumento dos infortúnios laborais, pois as grandes empresas, que visam o lucro em detrimento de redução de custos, acarretam neste balanço conseqüente diminuição de investimentos na área de prevenção de acidentes. Noutro lado posicionam-se os microfatores que, por sua vez, condizem àqueles referentes aos riscos provenientes do descumprimento das normas e regulamentos, gerais e específicos, de segurança do trabalho.

O mandamento constitucional insculpido no art. 7 °, XXVIII, cumulado com inciso XXII, do mesmo artigo, impõe a verificação da culpa nas ações indenizatórias por acidente do trabalho delineando os contornos processuais probatórios, que nesta lógica orbitará em torno do estrito e rigoroso cumprimento da legislação de saúde e segurança do trabalho, acima destacado.

Ora, se a observância e cumprimento de tais obrigações estão estritamente vinculados ao empregador, e em face da ótica que privilegia a teoria da culpa presumida no âmbito da responsabilidade civil acidentária, é lícito, portanto, inferir que deve ser atribuído ao patrono demandado o ônus de provar que agiu em conformidade a tais preceitos legais e regulamentadores, cabendo-lhe então desvencilhar-se da presunção de culpa que lhe recai.

Nesta esteira, colacionamos posicionamento jurisprudencial que ilustre bem o entendimento sugerido neste trabalho:

"Acidente de Trabalho. Defeito na máquina operada pela Reclamante. Queimadura e perda parcial dos movimentos da mão. Responsabilidade do Empregador -

Ocorrendo acidente de trabalho, a indenização devida pelo Empregador ao Empregado não prescinde da ocorrência e constatação de culpa ou dolo daquele, já que se trata de responsabilidade subjetiva que, nos termos do inciso XXVIII do art. 7o da Constituição Federal, só contempla a responsabilização objetiva no tocante ao INSS. Assim, se há prova nos autos de que a empregada sofreu acidente de trabalho porque a máquina que operava apresentou defeito no seu dispositivo de segurança, conclui-se que o equipamento não estava em perfeito estado de funcionamento, ainda que recém adquirido pela empresa, pelo que, estando caracterizada a responsabilidade do empregador, defere-se o pagamento da indenização por danos morais e materiais pleiteada no libelo". Bahia. TRT. 5ª Reg. 6ª turma. Acórdão n. 1197/07. RO n. 00145-2006-611-05-00-0 Relatora: Desembargadora Débora Machado, DO 07/03/2007.

Chegamos ao ponto nevrálgico da responsabilidade subjetiva com presunção de culpa do empregador nos casos de acidente do trabalho, a inversão do ônus da prova, que, como se pode observar, mais propriamente condiz ao âmbito processual relativo à distribuição do ônus da prova do que ao modelo de responsabilidade civil adotada nas decisões das lides acidentárias.

Sucintamente, o fundamento existencial da prova é a de nortear e conduzir o convencimento daqueles sobre os quais competem o julgamento da ação na busca, mais próxima o quanto possível, da verdade real. Com efeito, o artigo 818 da CLT dispõe que "a prova das alegações incumbe à parte que as fizer". Diuturnamente, os operadores do direito, ao deparar-se com a problemática, então explanada, tem invocado em caráter suplementar a aplicação do art.333 e incisos do CPC, com o escopo de inverter o ônus da prova.

Sem adentrar o mérito da compatibilidade ou não do artigo pertencente ao rito processualístico civil no processo do trabalho, uma interpretação séria e moderadamente razoável nos leva a concluir, que, de fato, cabe ao empregador - demandado o onus probandi do cumprimento da legislação de segurança do trabalho, até porque o obreiro não detém meios suficientes a levar ao juízo prova documental referente às obrigações e deveres que são do seu patrono. Somem-se a isto, as dificuldades na produção de prova testemunhal, haja vista que, a maioria das vezes, as testemunhas são empregadas do demandado e, temendo a estabilidade do seu emprego, encontram-se num estado psicológico de pressão diante do qual não conseguiriam depor, satisfatoriamente, em prejuízo aos interesses de seu patrono.

É importante frisar que a defesa do empregador - demandado não deve consistir apenas em alegações superficiais, pelo que, em tese, não descumprindo as leis de segurança do trabalho estaria eximido da culpa, razão pela qual cabe ao mesmo o poder fiscalizatório e, quando possível, sancionador àqueles empregados que no desempenho de suas funções descumpram tais mandamentos. Destarte, o mérito da defesa do reclamado terá o fito de elidir a culpa, ora lhe presumida, convencendo o juízo da incidência no sinistro laboral das hipóteses de excludentes de nexo causal, relembrando, o fato de terceiro, o caso fortuito ou força maior, ou, como no mais das vezes se faz, atribuída a culpa exclusivamente à vítima.

Por fim, à guisa de conclusão, a despeito da celeuma existente sobre a compatibilidade do art.927, parágrafo único, do Código Civil ante o dispositivo constitucional lavrado no inciso XXVIII, do art. 7° da Lex Legum, cuja tese em prol da aplicabilidade da Teoria do Risco Social – Responsabilidade Objetiva – nos casos de infortúnios laborais, tem auferido, nos últimos anos, a adesão de uma vasta quantidade de juristas, elegemos, no entanto, o modelo presente no mencionado mandamento constitucional que impõe a verificação da culpa do empregador, mesclada à Teoria da Culpa Presumida, como caminho mais seguro e razoável na apreciação das lides encaminhadas ao Poder Judiciário.

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Sobre o autor
Felipe Almeida Maltez

Advogado/ Bacharel do curso de Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALTEZ, Felipe Almeida. Responsabilidade subjetiva e a culpa presumida do empregador nos casos de acidente do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2838, 9 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18866. Acesso em: 4 mai. 2024.

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