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Responsabilidade subjetiva e a culpa presumida do empregador nos casos de acidente do trabalho

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09/04/2011 às 09:58
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Analisa-se o sistema de responsabilidade civil com enfoque nos acidentes do trabalho, sugerindo a aplicabilidade da teoria da culpa presumida sem ferir os mandamentos constitucionais.

RESUMO: No presente artigo, analisa-se o sistema de responsabilidade civil com enfoque nos casos de acidente do trabalho trazendo à baila o cotejamento do modelo objetivo, fulcrado no Código Civil de 2002, em face do modelo subjetivo, por seu turno, lastreado na Constituição da República. Inserindo, neste contexto, a compreensão do cumprimento da legislação de saúde e segurança do trabalho, pelo que se sugere, ao fim, a aplicabilidade da Teoria da Culpa Presumida sem ferir os mandamentos constitucionais.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil; Acidente do Trabalho; Legislação de Segurança do Trabalho; Culpa Presumida.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. ACIDENTE DO TRABALHO, 2.1 CONCEITO E DEFINIÇÕES DE ACIDENTE DO TRABALHO, 2.2 HISTÓRICO DAS LEIS ACIDENTÁRIAS, 2.3 A CARACTERIZAÇÃO E A NECESSIDADEDA COMUNICAÇÃO DO ACIDENTE DO TRABALHO – CAT; 3. RESPONSABILIDADE CIVIL, 3.1 DEFINIÇÕES, 3.2 NEXO DE CAUSALIDADE, 3.3 EXCLUDENTES DO NEXO CAUSAL, 3.4 REPARAÇÕES ACIDENTÁRIAS CABÍVEIS: RESPONSABILIDADE PREVIDENCIÁRIA x RESPONSABILIDADE CIVIL; 4. RESPONSABILIDADE CIVIL: OBJETIVA VERSUS RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA; 5.RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E A CULPA PRESUMIDA DO EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DO TRABALHO; 6. CONCLUSÃO;


1 INTRODUÇÃO

O tema abordado neste trabalho está situado no âmbito da responsabilidade civil do empregador nos casos de acidente do trabalho. Analisar e apontar a melhor forma de proteção ao empregado em face dos riscos do trabalho, e de diminuição dos índices de acidente do trabalho, é tarefa bastante árdua, haja vista a falta de unanimidade ainda existente entre os operadores do direito, principalmente no que tange a qual método ou sistema de reparação indenizatória deve ser adotado para alcançar este objetivo.

Inicialmente, serão abordados temas que são extremamente relevantes para a compreensão do exposto, de modo a permitir uma maior amplitude, como, por exemplo, fazer uma análise do histórico das leis acidentárias e da necessidade da expedição da Comunicação do Acidente do Trabalho, dos aspectos relevantes da responsabilidade civil, como o nexo de causalidade e suas excludentes, sem deixar de fora, as características do modelo reparatório previdenciário em comparação ao do direito comum.

Com efeito, em conseguinte, apresenta incursões que colocam lado a lado os sistemas de responsabilidade civil objetiva, impulsionada pelo artigo 927, parágrafo único, em cotejo do sistema subjetivo insculpido no art. 7°, incisos XXVIII, da Carta Magna, tocando reflexamente o cumprimento da legislação de segurança do trabalho

O artigo científico, ora apresentado, traz à tona a compreensão e reflexões sobre a necessidade de fiscalização mais rígida das condições de trabalho dos empregados, a fim de tentar diminuir o alto índice de acidentes do trabalho, sugerindo diante deste estudo modelo que propugna pela aplicabilidade da teoria da culpa presumida sem ferir os mandamentos constitucionais.

Indaga-se, diante disto, se as leis da infortunística existentes são suficientes para regular e inibir os acidentes do trabalho e a culpabilidade do empregador quando os mesmos as infringem. Portanto este trabalho aborda um tema que interessa a toda sociedade, porque visa analisar com relevância a proteção à saúde e a segurança do trabalhador, mormente com o escopo de dar cumprimento às leis e normas regulamentares que se encontram em vigor.

A escolha do tema se deu em razão do interesse despertado após constatar a existência de um número relativamente grande de ações julgadas improcedentes tendo vista o crescente e alarmante registro de sinistros oriundos da relação laboral, que suscita o cotejamento de importantes teses em controvérsia a respeito de qual sistema de responsabilidade acidentária é cabível, hoje, no Brasil.


2 ACIDENTE DO TRABALHO

2.1 CONCEITO E DEFINIÇÕES DE ACIDENTE DE TRABALHO

De acordo com a Previdência Social e com o Ministério do Trabalho, existem três espécies de acidente de trabalho: o acidente típico, as doenças ocupacionais e o acidente de trajeto.

Consoante se depreende do artigo 19 da Lei 8.213/91 o acidente de trabalho é aquele que ocorre no exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal, perturbação funcional ou doença que cause a morte, perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Como a própria lei conceitua, o acidente de trabalho é aquele que acontece a serviço da empresa e, portanto, equiparam-se aos acidentes de trabalho aqueles que ocorrem quando: o empregado encontra-se em viagem a serviço da empresa; no trajeto entre a casa e o trabalho ou do trabalho para casa;ou fora do local do trabalho estando o empregado prestando serviços por ordem da empresa; pelas doenças provocadas pelo tipo de trabalho (doença profissional); e doenças causadas pelas condições de trabalho (doenças do trabalho).

Outrossim, neste sentido dispõe a Lei n° 8.213/1991:

"Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I ".

Segundo a doutrina majoritária, o acidente de trabalho ocorre geralmente por duas razões: pelo ato inseguro e pela condição insegura. O primeiro ocorre quando o homem pratica algum ato que vai de encontro às normas de segurança, como por exemplo, consertar fiação de energia sem o cinto de segurança apropriado para evitar quedas. E a segunda, a condição insegura, diz respeito à condição do ambiente de trabalho, que pode ocasionar risco ou gerar perigo ao empregado, como por exemplo, uma máquina que esteja sendo manuseada pelo trabalhador e que não apresenta condições de manutenção satisfatórias.

Certamente, um dos papéis primordiais da Segurança de Trabalho é tentar eliminar as razões que podem ocasionar o acidente de trabalho - a condição insegura e o ato inseguro – e, assim, consequentemente, tentar reduzir consideravelmente os riscos e a probabilidade do fato infortunístico laboral, incluindo dentre os quais as doenças ocupacionais.

2.2 HISTÓRICO DAS LEIS ACIDENTÁRIAS

No ano de 1918 foi aprovado o projeto de lei que regia os acidentes do trabalho no Brasil. Através deste projeto surgiu o Decreto nº 3.724, do ano de 1919, que foi posteriormente modificado pelo Decreto nº 13.493, do mesmo ano, sendo então regulamentado pelo Decreto nº 13.498, de 1919, tornando-se desta forma, a primeira lei no Brasil que favorecia o empregado acidentado.

O Decreto nº 3.724 foi a legislação pioneira para tutelar os acidentes decorrentes da relação de trabalho, possuindo por esta razão fundamental importância. Verificou-se então, uma conquista do trabalhador nas relações de trabalho, auferindo proteção na eventualidade de traumatismos e doenças das condições de trabalho.

Seguindo os fundamentos da Teoria do Risco Profissional, chegou-se à conclusão que o empregador teria que suportar não só o desgaste e a destruição do material e das ferramentas de trabalho, os gastos dos objetos que possuem utilidade para desenvolver a sua atividade, os riscos de incêndio, a responsabilidade civil, dentre outros, bem como teria que suportar a responsabilidade pelos acidentes ocorridos no trabalho ou no curso da sua execução, realizado a seu favor e que pudessem lhe conferir alguma espécie de benefício.

Logo após, surgiu o Decreto nº 24.637 de 1934 que adotava a Teoria do Risco Profissional, constituindo-se em avanço na legislação que tratava sobre acidente de trabalho, uma vez que o artigo 36 do mencionado Decreto obrigava aos empregadores à garantia de seguro contra acidentes do trabalho em instituição particular, ou poderia ainda optar por um depósito nas Caixas Econômicas da União ou do Banco do Brasil, em moeda corrente, ou título da dívida pública federal.

O Decreto nº 7.036 de 1944 foi o marco histórico na legislação a respeito de acidente de trabalho, dentre inúmeras razões, por que: ampliou o conceito de infortúnio laboral, fazendo a equiparação do acidente à doença resultante das condições de trabalho, delineando as diferenças entre doenças profissionais, que são inerentes a determinadas atividades e as doenças que resultam das condições especiais em que o trabalho é realizado; trouxe a inovação do acidente in itinere ou de trajeto; o empregador estava obrigado a assegurar os seus empregados em seguradora privada, contra os riscos de eventuais acidentes de trabalho e deveria responder pelo ressarcimento acidentário; obrigou os empregadores a proporcionar aos empregados a segurança e higiene do trabalho, dentre outras.

Neste contexto, muito embora o Decreto-Lei 7036/44 estivesse cumprindo o fim proposto de proteção ao trabalhador acidentado, começou a se cogitar que o seguro acidentário deveria sair da iniciativa privada e passar a ser estatizado. A partir de então, surgiram várias legislações que desfiguraram as normas de acidente de trabalho.

A última Lei a regulamentar a matéria neste sentido foi a de número 6.367/76, que reconhecia a estatização do seguro por acidentes de trabalho. Isto ocorreu porque os demais textos normativos que vieram posteriormente disciplinar o acidente de trabalho, passaram a integrar a lei de benefícios da Previdência Social.

Desde a Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre Planos de Benefícios da Previdência Social, que não existe no Brasil uma legislação específica para os acidentes do trabalho. O que se observa é uma mistura de normas previdenciárias, ficando a cargo de o intérprete pesquisar e buscar dentro da legislação previdenciária o que pode ser aproveitado ou não ao acidente do trabalho.

Ainda neste sentido, da evolução histórica das leis acidentárias, é importante ressaltar que, durante muito tempo o entendimento que prevalecia era o de que ao acidentado ou aos seus dependentes somente restava o direito de obter os benefícios garantidos pelas leis da infortunística. Entretanto, este entendimento foi sendo modificado à proporção que o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, era sendo mais estudado e aprofundado juridicamente.

Assim, passou-se a conceber que as prestações decorrentes do seguro de acidente do trabalho possuíam natureza alimentar, pois asseguravam somente a sobrevivência da vítima ou da sua família, não possuindo como objetivo a reparação do dano causado.

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Neste contexto, o doutrinador Sebastião Geraldo de Oliveira [01] se manifestou:

"Nas últimas décadas, porém, ocorreu uma importante mudança no Brasil: a Previdência Social praticamente absorveu a Infortunística, passando a conceder benefícios com valores idênticos, sem distinguir se o acidente ou a doença teve ou não nexo causal com o trabalho desempenhado pelo segurado. À medida que os direitos acidentários perdiam a identidade, confundindo-se com os benefícios previdenciários, foi crescendo a percepção sobre a necessidade de reparar os danos causados pelos acidentes do trabalho e situações equiparáveis. Na realidade, o chamado seguro de acidente do trabalho não garante indenização ao acidentado: concede apenas aqueles direitos já reconhecidos pela Previdência Social"

Por fim, após a Constituição de 1988, restou pacificada a controvérsia existente na jurisprudência a respeito do cabimento da responsabilidade civil do empregador pelo acidente do trabalho, quanto este agir com dolo ou culpa.

2.3 A CARACTERIZAÇÃO E A NECESSIDADEDA COMUNICAÇÃO DO ACIDENTE DO TRABALHO – CAT

As disposições normativas impuseram ao empregador a obrigação de expedir a comunicação do acidente, estando o acidentado ou os seus descendentes dispensados desta iniciativa, objetivando com isto agilizar e facilitar a concessão rápida dos benefícios previdenciários.

A Lei 8.213/91 no seu artigo vinte e dois determina que:

"Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social".

Depreende-se, portanto, que nos casos em que do acidente resultar morte, a empresa deverá comunicar o ocorrido imediatamente para as autoridades competentes, a fim de que seja investigado, através de inquérito próprio, se existiu delito na esfera criminal a ser punido e para que sejam colhidas as provas necessárias para o deslinde do fato no local do acidente.

É necessário o envio da comunicação da ocorrência do acidente do trabalho à Previdência Social para que seja reconhecido qualquer eventual direito ao empregado. Este comunicado é feito em formulário próprio criado pelo Instituto Nacional da Seguridade Social.

Nota-se que é grande a resistência por parte dos empregadores em emitir o CAT – Comunicação do Acidente de Trabalho. Isto ocorre porque a maioria deles tem receio das repercussões que esta emissão possa causar, como por exemplo, as indenizações por responsabilidade civil, e passa a sonegar a comunicação, impedindo que o acidente se torne público.

Contudo, o legislador pátrio visando coibir esta prática, apontou alternativas para facilitar a comunicação do acidente de trabalho e divulgá-lo para as pessoas interessadas, a fim de que as mesmas pudessem adotar as medidas necessárias. Desta forma, no caso de omissão pelo empregador, o CAT pode ser emitido pelo próprio empregado acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que prestou socorro ou ainda, qualquer autoridade pública.


3 RESPONSABILIDADE CIVIL

3.1 DEFINIÇÕES

A responsabilidade civil consiste na obrigação garantida pela lei ou pelo contrato de reparar o dano moral ou patrimonial causado por ato do próprio agente, por outra pessoa, por animal ou coisa.

O Novo Código Civil - 2002 estabelece em três artigos, que devem ser analisados harmonicamente e de forma complementar, os fundamentos básicos da responsabilidade civil:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

Consoante as lições do professor Sérgio Cavalieri Filho [02] a "responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário", e conclui seu raciocínio frisando "que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil".

Destarte, nos casos em que sejam detectados danos ou prejuízos, especificamente na seara da infortunística laboral, a responsabilidade civil é invocada para justificar a pretensão de indenização por parte do acidentado. Desta forma, o instituto da responsabilidade civil serve para restabelecer o equilíbrio rompido entre as partes, na medida em que o causador do dano utiliza o seu patrimônio para recompor a situação, desestimulando ainda a prática de atos de tal estirpe.

Em linhas mestres, leciona Sebastião Geraldo Oliveira [03]:

"Onde houver dano ou prejuízo, a responsabilidade civil é invocada para fundamentar a pretensão de ressarcimento por parte daquele que sofreu as conseqüências do infortúnio. É, por isso, instrumento de manutenção da harmonia social, na medida em que socorre o que foi lesado, utilizando-se do patrimônio do causador do dano para restauração do equilíbrio rompido. Com isso, além de punir o desvio de conduta e amparar a vítima, serve para desestimular o violador potencial, o qual pode antever e até mensurar o peso da reposição que seu ato ou omissão poderá acarretar".

Por seu turno, Maria Helena Diniz [04] define a responsabilidade civil como sendo "a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal".

Neste ínterim, infere-se que a causa precípua da responsabilidade civil é o interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico que foi alterado pelo dano. Assim, com o surgimento do ato ilícito nasce a obrigação de indenizar que é a conseqüência da responsabilidade civil, e que possui como finalidade, portanto, fazer com que a vítima seja colocada na situação em que se encontraria se o dano não tivesse ocorrido.

3.2 NEXO DE CAUSALIDADE

Nexo de causalidade é "um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano" [05].

A responsabilidade civil consiste na obrigação que tem uma pessoa de reparar o prejuízo causado por fato próprio ou de pessoas ou coisas que dela dependam, implicando verificação da existência de um comportamento censurável e do qual tenha advindo dano a suposta vítima. Infere-se, portanto, que deve existir a prova do nexo causal entre o dano sofrido e a alegada conduta culposa da empregadora para que se configure a sua responsabilidade.

Indubitavelmente, o dever de indenizar somente existirá quando houver nexo de causalidade entre a conduta (desde que ilícita) e o dano alegado (desde que existente). Todavia, o consenso termina quando é necessário designar dentre vários fatos ou atos concorrentes aquele que desempenhou a verdadeira função de causa. Contudo, não se deve esquecer que, não raro, impõe-se sobre a análise da infortunística a incidência de causas decorrentes de fatos ou atos de sujeitos diversos que concorrem entre si para a consubstanciação do evento danoso. Deste modo, consoante ensinamento de Sérgio Cavalieri Filho [06] "a concausa é outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo causal, apenas o reforça, tal qual um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal".

Sob o enfoque da legislação que trata dos acidentes do trabalho, a Lei n° 8.213/91, modificou o entendimento anteriormente consignado no Decreto Lei n° 3.724 de 1919 (primeira lei acidentária do Brasil) que só admitia o acidente do trabalho originado de causa única, passando a prever expressamente em seu art.21, que equiparam-se também ao acidente do trabalho, o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para a redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.

Pode-se afirmar que a relação entre causa e efeito deve ser direta e certa, inquestionável. Por outro lado, considerando que, fator é o que concorre para a produção de algum efeito, o que contribui para um acontecimento, a relação entre um fator de risco e seu alegado efeito é incerta, de mera probabilidade. Destarte, um fator de risco não poderá, por si só, determinar o nexo de causalidade, posto que, muito embora possa deter aspecto de dano em potencial ou sob iminência de ocorrer, apenas a concretude do fato é que determinará os elementos ensejadores do evento danoso.

Notadamente, para que exista direito a qualquer reparação a título de responsabilidade civil, é indispensável a existência do nexo de causalidade entre a conduta que se imputa ao réu e o dano suportado por aquele que se diz vítima. É necessário que se torne absolutamente certo que sem determinada conduta o dano não ocorreria.

O Código Civil Brasileiro adota a dita Teoria da Interrupção do Nexo de Causalidade pela qual somente será considerado causa de determinado dano o fato sem o qual aquele não teria ocorrido, em uma relação de necessariedade. Esse o sentido da expressão "efeito direto e imediato", contida no artigo 186 do Código Civil.

3.3 EXCLUDENTES DO NEXO CAUSAL

Como fora acima exposto, a existência do nexo causal constitui um dos elementos indispensáveis para os fins de reparações indenizatórias no âmbito da responsabilidade civil. Isto porque, o dano poderá ocorrer sem que para isto tenha havido liame causal entre a ação ou omissão do suposto agente causador, em razão de que é excluída deste último a responsabilidade quando o infortúnio esteja arraigado exclusivamente sob a culpa da própria vítima, caso fortuito, força maior ou, ainda, por fato de terceiro.

As excludentes de causalidade, caso fortuito e força maior, têm supedâneo no art.393, caput e parágrafo único, do Código Civil. Tal dispositivo reza que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Cabe considerar as diferenças conceituais lecionadas por Sérgio Cavalieri Filho [07] que diz:

"Estaremos, em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevísivel e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza, como as tempestades, enchentes etc., estaremos em face da força maior, como o próprio nome diz. É o ´act of´God´, no dizer dos ingleses, em relação ao qual o agente nada pode fazer para evitá-lo, ainda que previsível. A imprevisibilidade, portanto, é o elemento indispensável para a caracterização do caso fortuito, enquanto a inevitabilidade o é da força maior"

O fato de terceiro, por sua vez, enquadra-se nas excludentes de nexo de causalidade, muito embora seja fruto de algumas discussões doutrinárias, com fulcro no que dispõe o art.930 do Código Civil que trata da responsabilidade por fato de outrem, permitindo a ação regressiva contra o terceiro por aquele que suportou a indenização do evento danoso.

Existem situações em que o empregado não respeita os princípios elementares de segurança facilitando com este comportamento a ocorrência de acidentes de trabalho. Assim, tendo o empregado agido com imprudência, sendo esta a causa única e exclusiva da ocorrência do infortúnio laboral, obviamente deve não se caracterizar a culpa do empregador, descabendo, portanto, a reparação de danos.

Neste mesmo sentido, quando a empresa fornece todos os equipamentos de segurança e resta demonstrado e provado que o empregado não fazia uso dos mesmos, resguardando a empresa todos os cuidados necessários à prevenção de acidente do trabalho, obedecendo, por exemplo, o dever geral de cautela, não se caracteriza também a culpa do empregador, ficando configurada a culpa exclusiva da vítima.

Quadra destacar, diante do exposto, que se o acidente ocorrer por culpa exclusiva da vítima, não prosperará qualquer pretensão desta no que diz respeito a responsabilidade civil em face do empregador. Isto acontece em razão do rompimento do nexo causal do evento infortunístico com a prestação do serviço laboral. Ressalvando que, a culpa concorrente, na hipótese de sobre ela incidirem os atos do empregado (vítima) e do empregador, não exclui o nexo causal, imputando a indenização de modo proporcional ao grau contributivo das condutas separadamente analisadas.

3.4 REPARAÇÕES ACIDENTÁRIAS CABÍVEIS: RESPONSABILIDADE PREVIDENCIÁRIA x RESPONSABILIDADE CIVIL.

A responsabilidade do Estado frente aos infortúnios laborais se dá mediante pagamento de valores indenizatórios ao empregado - vítima que, no caso em tela, se consubstancia com o Seguro Acidente do Trabalho - SAT. Tal indenização devida pela INSS – órgão previdenciário competente – tem fulcro na teoria do risco, sendo válido afirmar que a mesma independe da comprovação de culpa de quem eventualmente provocou o dano, razão pela qual se erige sobre os pilares da responsabilidade objetiva.

Deste modo, ainda que incidam sobre o evento danoso laboral as excludentes de nexo causal retro mencionada, será devido o recebimento dos benefícios previdenciários, ainda que para tanto tenha ocorrido por culpa exclusiva da vítima.

Por outro lado, nas indenizações provenientes do direito comum, especificamente as decorrentes de acidente do trabalho, faz-se mister a presença da culpa como pressuposto essencial, em razão de expressa norma constitucional que rege a matéria, qual seja o art.7°, inciso XXVIII da Carta Magna de 1988. É válido destacar, que o dever de diligência do empregador estende-se a garantir um ambiente de trabalho saudável, visando a prevenção e redução dos riscos inerentes às atividades exercidas por seus empregados, em observância às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, consoante se extrai do inciso XXII, do art.7° da Constituição Federal.

Sem olvidar, com o advento da Emenda Constitucional n° 45, transferindo a competência da justiça comum para a justiça laboral para a apreciação de ações indenizatórias decorrentes de acidente do trabalho, surgiu assim novo ponto fruto de divergências doutrinárias e jurisprudenciais, qual seja a possibilidade de cumulatividade e/ou compensação das indenizações provenientes da responsabilidade civil e previdenciária.

Consoante jurisprudência anteriormente pacificada resta clara ser possível a cumulatividade das indenizações ora tratadas. Embora a Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal previsse tal entendimento, fundamento maior se extrai, mais uma vez, do artigo 7°, inciso XXVIII da Constituição Federal que firma "o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa."

No que tange a compensação dos mencionados valores indenizatórios, José Cairo Júnior entende que "o instituto da responsabilidade civil tem como objetivo principal restabelecer o equilíbrio desfeito pela ação ou omissão danosa. Não admitir a compensação seria criar um desequilíbrio, só que agora prejudicando o ofensor em benefício da vítima" (p.119, 2008).

Respeitosamente, divergimos do entendimento do ilustre magistrado baiano, perfilhando o entendimento no sentido não – compensatório, conforme leciona o mestre Sebastião Geraldo de Oliveira [08]:

"Uma vez fixada a diretriz constitucional pela cumulação, ficou superada também a pretensão do empregador de compensar a parcela recebida pela vítima, ou seus dependentes, da Previdência Social, porquanto o deferimento de um direito não exclui, nem atenua outro. O seguro acidentário destina-se a proteger a vítima e não diminuir ou substituir a obrigação do empregador de reparar o dano causado pelo acidente ocorrido por sua culpa ou dolo. O fato gerador da indenização não foi, a rigor, o exercício do trabalho, mas o ato ilícito do patrão."

É importante ainda salientar que os valores referentes a prestação pecuniária deferida pelo o INSS à vítima, não tem por escopo a reparação do dano sofrido, servindo apenas ao desiderato de contribuir com o suficiente a garantir-lhe o mínimo, a subsistência.

Mal grado seja, destaque-se que, como o prêmio do seguro transformou-se em um tributo do tipo contribuição adicional, cobrado impositivamente, o responsável originário pela indenização decorrente do infortúnio laboral, qual seja, o empregador, por comodidade, deixou de adotar as medidas de segurança necessárias para evitar o sinistrar (JÚNIOR, 2008) [09].

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Sobre o autor
Felipe Almeida Maltez

Advogado/ Bacharel do curso de Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALTEZ, Felipe Almeida. Responsabilidade subjetiva e a culpa presumida do empregador nos casos de acidente do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2838, 9 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18866. Acesso em: 25 abr. 2024.

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