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Execução das contribuições previdenciárias decorrentes do reconhecimento do vínculo de emprego laborado clandestinamente

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O verdadeiro fundamento de validade do art. 876, parágrafo único da CLT, com a redação da Lei 11.457/2007, assenta no art. 114, IX da CF/1988, norma constitucional de eficácia limitada.

RESUMO: No presente estudo, teve-se por escopo fazer uma análise do fundamento constitucional de validade do art. 876, parágrafo único da CLT, com a redação da Lei 11.457/2007, que trata da competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias incidentes sobre os salários devidos e já pagos durante o labor clandestino reconhecido em juízo como relação jurídico-empregatícia. É sabido que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n.º 569.056/PA, entendeu que o art. 114, VIII da Constituição Federal (Emenda Constitucional 45/2004), não seria o fundamento de validade da execução sub examine. Entretanto, através de um exame sistemático do âmbito de aplicação dos incisos I, VI e IX do art. 114 da Constituição Federal, será demonstrado que o verdadeiro fundamento de validade do art. 876, parágrafo único da CLT, com a redação da Lei 11.457/2007, assenta no art. 114, IX da CF/1988, norma constitucional de eficácia limitada.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Princípio da Unidade da Constituição. 2.1 Estudo sistemático-analítico do âmbito de aplicação dos incisos I, VI e IX do art. 114 da CF/1988, com redação dada pela E.C. 45/2004. 3 Art. 114, IX da CF/1988: Norma de eficácia limitada e alargamento da competência da Justiça do Trabalho pela Lei 11.457/2007. 4 Considerações sobre o entendimento firmado pelo STF no RE 569.056/PA. 4.1 Dificuldade de ordem técnica: sentença declaratória versus título executivo. 4.2 Argumento de ordem prática: apuração da base de cálculo. 4.3 Compatibilização entre o entendimento do STF e a tese proposta. 5 Aplicação da lei 11.457/2007 no tempo. 6 Conclusões.


1 Introdução

O Pretório Excelso, no julgamento do RE 569.056/PA, em repercussão geral, decidiu não assistir competência à Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias decorrentes do reconhecimento de vínculo de emprego laborado clandestinamente.

Nesse julgado,ficou assentado que o art. 114, §3º [01] da CF/1988 (redação da E.C. 20/1998, atualmente constante no art. 114, VIII [02] da CF/1988, na redação da E.C. 45/2004), norma de eficácia plena [03], [04], não é fundamento de validade para a execução das contribuições previdenciárias decorrentes do reconhecimento de vínculo de emprego laborado clandestinamente:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE DO ART. 114, VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança apenas a execução das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir.

2. Recurso extraordinário conhecido e desprovido. [05]

Todavia, é imprescindível sejam feitas duas enormes ressalvas. A primeira é a de que o aludido julgamento é relativo a uma situação fática ocorrida antes da edição da E.C. 45/2004 e da Lei 11.457/2007: aquela acresceu o inciso IX ao art. 114 da CF e esta alterou a redação do art. 876, parágrafo único da CLT:

CF. Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (grifos do autor).

CLT. Art. 876. Parágrafo único. Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido. (grifos do autor).

A segunda ressalva, pouco lembrada pelos juristas de plantão, é a de que o acórdão do RE 569.056/PAa referida decisão ainda não transitou em julgado e depende do julgamento dos embargos de declaração opostos pela Advocacia-Geral da União, através de seu órgão vinculado, a Procuradoria-Geral Federal. Nesses embargos de declaração, um dos aspectos ventilados consiste justamente no objeto do presente estudo.

Tecnicamente, a tese aqui desenvolvida não vai de encontro ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento suso apontado, na estrita medida em que não se defende seja o art. 114, VIII da CF/1988 o fundamento de validade do art. 876, parágrafo único da CLT. Em verdade, a tese defendida complementa o outrora decidido pelo Tribunal.

Tal como se passará a demonstrar, o art. 114, IX da CF/1988, introduzido pela E.C. 45/2004, trouxe a possibilidade de a competência da Justiça do Trabalho ser ampliada, desde que haja o atendimento de dois requisitos: a) a existência de lei ordinária, decorrente da expressão "na forma da lei", que o constituinte derivado fez questão de adotar; e b) a relação mediata ou remota entre a questão controversa e a relação de trabalho, que emerge da expressão decorrente.

Assim, o fundamento de validade da execução das contribuições previdenciárias decorrentes do reconhecimento de vínculo de emprego laborado clandestinamente advém do art. 114, IX da CF/1988, c/c o art. 876, parágrafo único da CLT, com redação conferida pela Lei 11.457/2007, c/c art. 475-N, inciso I do CPC, incluído pela Lei 11.232/2005.

Desse modo, mister se faz proceder a uma completa análise jurídico-positiva acerca do tema.


2 Princípio da Unidade da Constituição

O art. 114 da Constituição Federal de 1988, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, reserva à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar:

I -

as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (grifos do autor).

Especial destaque deve ser conferido aos incisos I, VI e IX do referido dispositivo, ressaltando que, segundo a consagrada classificação difundida por JOSÉ AFONSO DA SILVA [06], a norma contida no art. 114, IX é de eficácia limitada [07] e as normas do art. 114, I e VI são de eficácia plena, assim como ocorre com a do art. 114, VIII.

A fim de se depreender o correto conteúdo semântico das expressões que serão analisadas ("oriundas" e "decorrentes") e, via de consequência, das normas constitucionais nas quais estão insculpidas (art. 114, I, VI e IX da CF), é imprescindível levar a cabo a aplicação do princípio da unidade da Constituição, segundo o qual "a compreensão sistemática, harmônica e lógica do texto constitucional conduz à sua unidade" [08].

Nesse sentido, vale destacar que:

Uma disposição constitucional particular não pode ser considerada isoladamente e nem pode ser interpretada em si, (...). Ela se encontra dentro de um conjunto de sentido com as outras disposições constitucionais, exprimindo uma unidade interior. Do conteúdo complexo da Constituição, nós retiramos os princípios determinados e as decisões constitucionais aos quais as disposições constitucionais são subordinadas. [09]

Consoante o inciso I, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, ou seja, todas as ações que advenham diretamente da relação jurídica de trabalho, seja ela empregatícia ou não. Noutras palavras, segundo o inciso I do art. 114 da CF, a Justiça Especializada do Trabalho detém competência para resolver as controvérsias surgidas da relação entre quaisquerpessoas que estejam num liame jurídico laboral lato sensu: empregado e empregador ou prestador de serviços e tomador.

Pois bem, diferentemente do inciso I, que se utiliza da expressão ações "oriundas" da relação de trabalho, os incisos VI e IX utilizam a expressão "decorrentes" da relação de trabalho:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

(...)

VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

(...)

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (grifos do autor).

Tal técnica/opção do legislador constitucional não pode passar desapercebida, pois a lei não contém palavras inúteis, tampouco a Constituição. Nesse sentido, CARLOS MAXIMILIANO [10] aponta o aforismo de que a lei não contém palavras inúteis: "verba cum effectu, sunt accipienda" [11].

Caso seja entendido que a expressão "oriundas" e a "decorrentes" sejam sinônimas e tenham a mesma extensão de conteúdo, chegar-se-á à esdrúxula conclusão de que os incisos IX e VI do art. 114 da CF são inúteis, pois que estarão plenamente englobados na previsão de competência do inciso I do art. 114 da CF. Afinal de contas, na hipótese de serem sinônimas as expressões, não haveria "controvérsias decorrentes da relação de trabalho" (incs. VI e IX) que não o já fossem "ações oriundas da relação de trabalho" (inc. I).

Pois bem, partindo do princípio da unidade da Constituição, como instrumento integrativo e interpretativo, passa-se a analisar qual a extensão e o conteúdo das expressões e dos multirreferidos incisos.

2.1 Estudo sistemático-analítico do âmbito de aplicação dos incisos I, VI e IX do art. 114 da CF/1988, com redação dada pela E.C. 45/2004

As ações "oriundas" da relação de trabalho (inc. I) são aquelas que exsurgem imediatamente da relação de trabalho, ou seja, têm em sua causa de pedir imediata o próprio contrato de trabalho, tais como, horas extras, 13º salário, remuneração, aviso-prévio, férias, etc.

Por sua vez, as ações "decorrentes" da relação de trabalho (incs. VI e IX) são aquelas que, apenas mediatamente (remotamente), têm sua origem no contrato de trabalho, ou seja, têm sua causa de pedir mediata ou remota o contrato de trabalho. É o que sucede com as ações de indenização por danos em razão de acidente de trabalho, assédio moral, injúria, lesão corporal, etc., tal como o próprio inciso VI previu ao utilizar a expressão "decorrentes".

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Nessas ações, a causa de pedir imediata não é o contrato de trabalho, mas sim o próprio acidente de trabalho ou qualquer outro ato ilícito civil danoso (arts. 186 e 187 do Código Civil). Enfim, a ação de indenização por acidente de trabalho, assédio moral, injúria ou lesão corporal, proposta pelo empregado contra o empregador, possui natureza civil, e não propriamente trabalhista, e tem como causa de pedir imediata o acidente do trabalho ou ato ilícito civil ocorrido, e, apenas mediatamente, o contrato de trabalho.

Isso, aliás, é corroborado pela constatação de que as relações jurídicas surgidas de um acidente de trabalho (obrigação de reparar os danos morais, materiais e estéticos) não se confundem com as relações jurídicas que exsurgem de um contrato de trabalho (obrigação de pagar salários, horas extras, 13º salário, aviso-prévio, férias).

Até o momento tem-se que:

a) as relações jurídicas abarcadas pelo inciso I do art. 114 da CF são as que englobam os efeitos naturais e jurídicos do contrato de trabalho (horas extras, 13º salário, férias, remuneração, aviso-prévio);

b) as relações jurídicas abarcadas pelo inciso VI do art. 114 da CF são as que englobam, não os efeitos do contrato de trabalho, mas os efeitos de outro fato jurídico, mais especificamente do ato ilícito civil (arts. 186 e 187 do Código Civil) que tem sua origem ligada, apenas mediatamente, ao contrato de trabalho.

Tanto é essa a interpretação que deve ser conferida às expressões "oriundas" e "decorrentes" que, antes da E.C. 45/2004, a competência para julgar as ações de indenização, do empregado contra o empregador, por danos morais e materiais decorrentes desses ilícitos civis, dentre os quais o acidente do trabalho, era da Justiça Comum Estadual.

Resta, portanto, analisar a norma do art. 114, IX da CF.

Como já anteriormente salientado, o entendimento de que as expressões "oriundas" e "decorrentes" são sinônimas acabaria por violar o princípio da unidade da Constituição e o de que "não se presumem na lei palavras inúteis" (verba cum effectu, sunt accipienda), haja vista que os incisos VI e IX do art. 114 da CF restariam totalmente englobados pelo inciso I.

A intenção do legislador constituinte derivado, ao inserir o inciso IX ao art. 114 da CF foipossibilitar o alargamento da competência da Justiça Laboral por meio de lei ordinária, desde que para a solução de controvérsias "decorrentes" da relação de trabalho.

Destarte, dois são os requisitos eleitos para a ampliação da competência. O primeiro se trata de um requisito objetivo ou formal (a), ao passo que o segundo, de um requisito subjetivo ou material (b):

a) a necessidade de edição de lei ordinária, posterior, claro, à E.C. 45/2004, haja vista a adoção pelo constituinte derivado da fórmula "na forma da lei";

b) a relação mediata ou remota existente entre a questão controversa e a relação de trabalho, que emerge da expressão decorrente, interpretada nos estritos mandamentos do princípio verba cum effectu, sunt accipienda.


3 Art. 114, IX da CF/1988: Norma de eficácia limitada e alargamento da competência da Justiça do Trabalho pela Lei 11.457/2007

Traçadas as características e distinções entre os incisos I, VI e IX do art. 114 da CF/1988, chegou-se à conclusão de que o art. 114, IX se trata de norma constitucional de eficácia limitada, que demanda a edição de lei ordinária para viabilizar a integral produção de seus efeitos.

Isto posto, cabe perquirir se o legislador ordinário já teve a oportunidade de editar Lei cuja fundamento de validade se encontre no art. 114, IX da CF/1988.

Salta aos olhos a alteração legislativa operada pela Lei 11.457/2007 no art. 876, parágrafo único da CLT, que determinou a execução de ofício das contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pela Justiça do Trabalho, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido:

Art. 876. Parágrafo único. Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido. (grifos do autor)

Ora, como a Lei 11.457/2007 foi editada e publicada posteriormente à Emenda Constitucional 45/2004, é fácil concluir que está preenchido o primeiro requisito do art. 114, IX da CF/1988 (apontado no final do tópico anterior), possibilitando a ampliação da competência da Justiça do Trabalho a fim de determinar a execução das contribuições previdenciárias devidas como consectário lógico do reconhecimento do vínculo de emprego laborado clandestinamente.

Além do aspecto formal (edição de lei ordinária), deve-se perquirir se o requisito material (relação mediata ou remota existente entre a questão controversa e a relação de trabalho) está presente na instituição da nova competência da Justiça do Trabalho.

Assim como as ações de indenização por dano moral e material decorrentes da relação de trabalho têm como causa de pedir imediata o ato ilícito civil (arts. 186 e 187 do Código Civil) e apenas mediatamente a relação de trabalho, a execução das contribuições previdenciárias devidas como conseqüência lógica do reconhecimento do vínculo de emprego laborado clandestinamente tem como causa de pedir próxima ou imediata a relação jurídico-tributária (art. 20, art. 22, I e art. 30, I, "a" e "b" da Lei 8.212/91) existente entre a União (sujeito ativo) e o empregado/empregador, surgida com o respectivo fato gerador: a prestação de serviços [12].

Destarte, em sendo o fato gerador das contribuições previdenciárias a prestação de serviços, é fácil concluir que a causa de pedir mediata ou remota da ação de execução das contribuições previdenciárias devidas como consectário lógico do reconhecimento do vínculo de emprego laborado clandestinamente é o contrato de trabalho.

Demonstrado, pois, que a causa de pedir remota ou mediata da ação de execução em análise é o próprio contrato de trabalho, inexorável é a conclusão de que está preenchido o segundo requisito insculpido no art. 114, IX da CF/1988, possibilitando a ampliação da competência desta Justiça do Trabalho.


4 Considerações sobre o entendimento firmado pelo STF no RE 569.056/PA

No presente tópico será feita uma rápida análise dos julgados do Pretório Excelso que trataram da (in)competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias decorrentes do reconhecimento do vínculo de emprego laborado clandestinamente.

A fim de facilitar a compreensão da discussão, transcreve-se o art. 114, §3º da CF/1988, redação da E.C. 20/1998, e o atual art. 114, VIII da CF/1988, na redação da E.C. 45/2004:

Art. 114. §3° Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

O primeiro julgamento da matéria ocorreu em repercussão geral no RE 569.056/PA o qual, diga-se de passagem, ainda não transitou em julgado, tal como explicado no item 1, supra. No referido julgamento, assentou-se que a competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança apenas a execução das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE DO ART. 114, VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança apenas a execução das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir.

2. Recurso extraordinário conhecido e desprovido. [13] (grifos do autor)

Segundo o entendimento firmado pelo STF, o art. 114, VIII da CF apenas autoriza a execução das contribuições previdenciárias que decorram de sentença condenatória, não sendo possível a execução das contribuições que decorram de sentença que reconheçam (declarem) a existência do vínculo de emprego laborado clandestinamente.

Em poucas palavras, um dos argumentos utilizados pelo Tribunal foi o de que as sentenças declaratórias não constituem título executivo e, portanto, não podem ser executadas. Isso fica bastante claro ao se analisar o excerto do voto vencedor do Min. relator MENEZES DIREITO:

O requisito primordial de toda execução é a existência de um título, judicial ou extrajudicial.

No caso da contribuição social atrelada ao salário objeto da condenação, é fácil perceber que o título que a corporifica é a própria sentença cuja execução, uma vez que contém o comando para o pagamento do salário, envolve o cumprimento do dever legal de retenção das parcelas devidas ao sistema previdenciário.

De outro lado, entender possível a execução de contribuição social desvinculada de qualquer condenação ou transação seria consentir em uma execução sem título executivo, já que a sentença de reconhecimento do vínculo, de carga predominantemente declaratória, não comporta execução que origine o seu recolhimento.

No caso, a decisão trabalhista que não dispõe sobre o pagamento de salários, mas apenas se limita a reconhecer a existência do vínculo não constitui título executivo judicial no que se refere ao crédito de contribuições previdenciárias [...]. [14] (grifos do autor)

Diferente não foi a posição adotada pelo Min. CEZAR PELUSO, tal como se observa do excerto de seu voto:

Senhor Presidente, o eminente Relator, em longo e fundamentado voto, mostrou que há duas dificuldades: uma de ordem técnica e outra de ordem prática.

A dificuldade de ordem técnica é admitir uma execução sem título executório, isto é, sem sentença condenatória. E a segunda é a dificuldade de ordem prática, para apuração do próprio crédito. [15] (grifos do autor)

Passa-se a analisar cada uma das "dificuldades" apontadas: a de ordem técnica e a de ordem prática.

4.1 Dificuldade de ordem técnica: sentença declaratória versus título executivo

Quanto ao argumento de "ordem técnica" adotado pelo STF, de que não há execução sem título executivo, salta aos olhos, desde logo, que o assunto não é da "alçada constitucional".

Não cabe à Constituição estabelecer o que é um título executivo, quais os títulos existentes em nosso ordenamento jurídico, tampouco quais as suas características. Em verdade, cabe à legislação ordinária federal infraconstitucional (art. 22, I [16] da CF) estabelecer quais são os títulos executivos judiciais ou extrajudiciais existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

Uma vez estabelecidos pela lei ordinária os referidos títulos executivos, seria perfeitamente possível ao STF reconhecer, tomando como paradigma a Constituição Federal, a existência de vício material ou formal que configure inconstitucionalidade de tal ou qual título executivo e, a partir daí, deixar de aplicá-lo. Entretanto, resta bastante claro que não ter sido isso o ocorrido no julgamento do RE 569.056/PA.

A leitura dos excertos dos votos suso colacionados demonstra que o STF simplesmente entendeu que "a sentença de reconhecimento do vínculo, de carga predominantemente declaratória, não comporta execução que origine o seu recolhimento [das contribuições previdenciárias]", sem utilizar absolutamente nenhum parâmetro constitucional.

Constata-se, pois, que o Pretório Excelso não aplicou, no argumento de "ordem técnica", a Constituição Federal, mas sim a legislação infraconstitucional e, data maxima venia, parece quea referida Corte não acompanhou a evolução legislativa das reformas processuais ocorridas na última década.

Antes das referidas reformas, de fato, o revogado art. 584 [17] do CPC estabelecia que apenas a sentença condenatória servia como título executivo judicial, o que, a contrario sensu, ensejava a conclusão de que a sentença declaratória não consistia título executivo.

Atualmente, desde a edição da Lei 11.232/2005, também as sentenças que apenas reconheçam a existência de obrigação, ou seja, sentenças de cunho eminentemente declaratório, são títulos executivos judiciais e, portanto, passíveis de execução por expressa disposição legal. É exatamente o que dispõe o art. 475-N, I do CPC, com a redação dada pela Lei 11.232/2005: "Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia".

De lege lata, destarte, não há absolutamente nenhum óbice à execução das sentenças declaratórias desde a entrada em vigor da Lei 11.232/2005, a não ser que o STF entenda que o art. 475-N, I do CPC é inconstitucional, o que até o presente momento não ocorreu, seja no julgamento do RE 569.056/PA, seja em qualquer outra oportunidade.

4.2 Argumento de ordem prática: apuração da base de cálculo

O segundo problema seria o de "ordem prática", qual seja, a apuração da base imponível "das contribuições previdenciárias atinentes ao vínculo de trabalho reconhecido na decisão, mas sem condenação ou acordo quanto ao pagamento de verbas salariais que lhe possam servir como base de cálculo"[18].

Aparentemente, que esse problema esbarra na vedação ao "non liquet". Afinal de contas, utilizar o argumento (não jurídico) de que seria "difícil" dar cumprimento a determinada decisão judicial como fundamento para deixar de proferi-la afronta a garantia fundamental da inafastabilidade da jurisdição, consubstanciada no art. 5º, XXXV da CF.

Ultrapassada essa primeira reflexão, há de se convir que a solução para este segundo problema é mais fácil do que se possa imaginar.

Sempre que o labor de emprego é clandestino, ou seja, sem reconhecimento formal pelo empregador e sem anotação na CTPS do empregado, o reconhecimento por sentença de que houve, efetivamente, relação jurídico-empregatícia é questão prejudicial de todos os demais pedidos formulados na reclamatória trabalhista: pagamento de horas extras, 13º salários, aviso-prévio, indenização de férias, etc.

Nesses casos, a sentença deve declarar o período em que ocorreu o vínculo de emprego (de tal a qual data) e declarar o salário pactuado já que, a partir de tais informações, é que serão decididos os demais pedidos e, posteriormente, devidamente liquidados.

Pois bem, a base de cálculo das contribuições previdenciárias decorrentes do vínculo de emprego clandestino reconhecido/declarado por sentença nada mais será do que o salário pactuado entre empregador e empregado no exato montante em que reconhecido na sentença.

Por exemplo, caso seja reconhecido que houve vínculo de emprego de 01/01/2008 a 01/01/2010, com a pactuação do salário de R$ 750,00, esta será a base de cálculo de cada uma das contribuições previdenciárias ordinárias mensais, as quais, por sua vez, não se confundem com as contribuições cujas bases de cálculo serão liquidadas juntamente com as verbas rescisórias que serão pagas na Reclamatória Trabalhista.

Em suma, não há absolutamente qualquer dificuldade em se apurar a base de cálculo das contribuições previdenciárias decorrentes do reconhecimento por sentença declaratória do vínculo de emprego laborado clandestinamente.

4.3 Compatibilização entre o entendimento do STF e a tese proposta

Superado o aspecto acerca da existência de carga executiva na sentença declaratória, bem como da apuração da base de cálculo das contribuições em análise, deve-se retornar ao alcance do art. 114, VIII da CF, segundo o entendimento firmado pelo STF.

Além do RE 569.056/PA, a leitura do AI 757321 AgR/SP ratifica a tese de que a competência da Justiça do Trabalho estatuída no art. 114, VIII da CF se restringe à execução de ofício das contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças condenatórias.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE OFÍCIO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE DO ART. 114, INC. VIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

1. A competência da Justiça do Trabalho restringe-se à execução, de ofício, das contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças condenatórias.

2. A jurisprudência do Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que as alegações de afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando dependentes de exame de legislação infraconstitucional, configurariam ofensa constitucional indireta. [19]

Trocando em miúdos, a norma de eficácia plena do art. 114, VIII da CF/1988 não confere competência à Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias decorrentes da sentença que reconhece/declara a relação jurídico-empregatícia laborada clandestinamente.

Destarte, como é fácil se inferir, toda a discussão travada no âmbito da Corte Suprema passou ao largo do raciocínio desenvolvido no presente estudo, mesmo tomando como premissa irrefutável o alcance limitado do art. 114, VIII da CF/1988 estabelecido por aquela Corte.

Aqui, não se defende que o fundamento de validade da execução em questão esteja no art. 114, VIII da CF/1988, mas que, em verdade, o fundamento de validade está no art. 114, IX da CF/1988 e no art. 876, parágrafo único da CLT, na redação que lhe foi conferida pela Lei 11.457/2007.

Em conclusão, a Lei 11.457/2007 alterou o art. 876, parágrafo único da CLT e ampliou a competência da Justiça do Trabalho com esteio no art. 114, IX da CF, possibilitando a execução das contribuições previdenciárias decorrentes da sentença que reconhece/declara o vínculo de emprego cujo labor foi clandestino.

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Sobre o autor
Antonio Henrique de Amorim Cadete

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Integrada do Recife - FIR. Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CADETE, Antonio Henrique Amorim. Execução das contribuições previdenciárias decorrentes do reconhecimento do vínculo de emprego laborado clandestinamente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2852, 23 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18955. Acesso em: 24 abr. 2024.

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